segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Lula na Prefeitura de São Paulo:: Renato Janine Ribeiro

Esperei para comentar o impacto da pesquisa do Datafolha sobre as candidaturas a prefeito de São Paulo. Queria ver as reações. Os trinta por cento de Marta Suplicy e os dezoito de José Serra tornam difícil o PT negar a legenda a sua ex-prefeita, ou o ex-prefeito e governador aceitar concorrer pelo PSDB. Esperei que alguém jogasse a toalha, do lado petista - talvez os ex-aliados de Marta que ora competem com ela - e que, do lado tucano, algum nome se viabilizasse. Mas, se todos tomaram nota, como se diz em linguagem diplomática quando o resultado não é o que se deseja, ninguém piscou. Tudo continua possível. Aparentemente.

A baixa intenção de voto em Serra não surpreende. Ele teve perto de 54% dos votos válidos na cidade, no segundo turno das eleições de 2010; por isso, o fato de obter apenas um terço desse número, menos de um ano depois, soa estranho à primeira vista. Certamente ele conta com muitos eleitores que votariam nele, de novo, para presidente - mas não para prefeito. O que em nada o desmerece, porque ao que tudo indica ele não quer a prefeitura. Seus eleitores e ele pensam do mesmo modo. Seu sonho continuaria sendo a Presidência, o único cargo importante que não ocupou e para o qual se preparou por longos anos. Poderia ter sido presidente em 1994, se Itamar o tivesse escolhido em vez de FHC, ou em 1998, não houvesse a reeleição. Ainda tem chances. Agora, se concorrer à prefeitura, será difícil perdoar uma nova renúncia após um ano somente de mandato, para mais uma vez disputar o Planalto. Será a repetição da história como farsa. O problema então é encontrar um nome que mantenha unido o condomínio tucano paulista, no qual a divisão entre Alckmin e Serra levou à dissidência de Chalita, pelo lado do primeiro, e de Kassab, pelo lado do segundo. A família tucana, que governa o Estado desde 1994, e a cidade desde 2004, está em risco na capital.

Já o PT terá dificuldades em rejeitar uma candidata que, a um ano das eleições, conta com quase um terço das intenções de voto. Mais estranho ainda será descartá-la em favor de um candidato que obteve só dois por cento na pesquisa. É verdade que alguém pode começar com um ou dois por cento e vencer. Assim sucedeu com Pitta, secretário e sucessor de Maluf na prefeitura, Fleury, secretário e sucessor de Quercia no governo estadual, e Dilma, ministra e sucessora de Lula na presidência da República. Mas, em todos esses casos, em que candidatos sem prévia experiência eleitoral (como Fernando Haddad, o favorito de Lula) derrotaram opositores mais cotados, havia alguns traços especiais. Primeiro: foram apoiados pelo titular do cargo, por sinal muito bem avaliado. O problema era transferir a popularidade de um nome conhecido para um desconhecido. Segundo, e mais importante: se cada um deles partiu de meros dois por cento, enfrentava um favorito inicial que não era de seu partido - mas do concorrente. Dava para promover, simultaneamente, a construção do nome novo e a desconstrução do opositor. Agora, um eventual prélio Haddad-Marta se dará no interior do mesmo partido. Não pode ser demasiado agressivo, porque o perdedor deverá apoiar o vitorioso. Nos Estados Unidos, as palavras horríveis que Hillary Clinton disse sobre Obama não a impediram de apoiá-lo, quando ele ganhou a indicação, nem o impediram de nomeá-la para o cargo mais importante da administração. Mas, no Brasil, o eleitor dificilmente esqueceria acusações fortes entre companheiros de partido. Isso limita a capacidade de um nome alternativo para contestar, nos meses que faltam, o favoritismo de Marta no eleitorado.

No entanto, há uma racionalidade clara no apoio de Lula a seu ministro da Educação. Nas primeiras eleições que Lula disputou, ele queria marcar uma posição. Vencer ou não era secundário. Num segundo tempo, ele aceitou marcar uma posição. Ele trazia os votos, a esquerda petista fazia o programa, e ele engolia isso. Já em 1998, derrotado pela terceira vez, Lula mudou radicalmente. Decidiu só concorrer para vencer. Convenceu-se de que, num país complexo como o Brasil, um partido não ganha a Presidência sozinho. Precisa de alianças. Isso implicava aceitar que, no governo, ele não aplicaria in totum o programa do PT. Mas, entre realizar parte razoável do programa e nada realizar, Lula não teve dúvidas. Creio que esse é seu raciocínio em São Paulo. Trinta por cento dos votos, os que Marta tem, são o patrimônio usual do PT na cidade. Ela por ora consegue realizar o total desse estoque; mas qualquer candidato petista que não seja um absurdo partirá desse patamar. O problema é conseguir os vinte por cento que faltam para ganhar, provavelmente no segundo turno. Quando começarem a atacar Marta pela taxa do lixo, ou baixarem o nível na campanha, ela conseguirá expandir seu cabedal de votos? Lula provavelmente crê que um nome novo, de pouca rejeição, com a causa simpática da educação, possa crescer mais. Sua questão não é o que o partido faz, intra muros. É se o partido consegue conquistar a sociedade. A isso se soma um fato curioso: Marta na política, como por exemplo Paulo Bernardo na administração, são nomes polivalentes, que podem ocupar praticamente qualquer cargo. Já Haddad se identificou tanto com a educação que, paradoxalmente, se inviabilizou para qualquer posição que não seja a sua, atual - onde começa a sofrer uma fadiga de material que pode se acentuar -, ou a chefia de um poder executivo. Daí que ele queira a prefeitura. Daí que talvez Lula pense nele como sucessor de Dilma, em 2018. Mas o fato, hoje, é que ele tem dois por cento e Marta, trinta.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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