domingo, 7 de agosto de 2011

Uma nova força política, democrática, reformista e independente*:: Alberto Aggio

Há um espectro que ronda o PPS e sua crise de identidade. Ele é mobilizado sempre quando se quer construir, de maneira fácil, um argumento para sustentar uma posição assumida dentro ou fora do partido. No mais das vezes ele cumpre o mesmo papel daquelas velhas referências do comunismo. Como se sabe, por exemplo, era costume se lançar mão do antigo “centralismo democrático” quando o assunto era o cumprimento de uma decisão partidária ungida pelo Comitê Central, ou então da “luta de classes”, da “revolução proletária e socialista” quando a questão era definir a finalidade da luta revolucionária. Felizmente tudo isso já passou. Mas o que não se superou ainda foi a maneira de pensar.

Nos seus últimos anos, o PCB tinha reconhecidamente uma política dual: defendia a democracia, e para isso construiu a “política de frente democrática”, mas ao mesmo tempo advogava o socialismo (de matriz soviética) como seu horizonte estratégico. Em termos concretos, o socialismo esgotou-se com o fracasso do chamado “socialismo real” enquanto que a fórmula da frente democrática foi exitosa e fez escola nos corações e mentes dos pecebistas, tornando-se efetivamente a sua melhor tradição. Contudo, em razão das mudanças históricas pelas quais passou o Brasil, a “política de frente democrática” também passou a encontrar os seus limites e apresentar suas insuficiências.

Na passagem do PCB para o PPS, quando o último grupo dirigente assumiu, com bastante retardo, a idéia da “democracia como valor universal”, se elaborou os “princípios da radicalidade democrática”. A partir daí essa fórmula assentou-se como o centro da linguagem política do PPS. No essencial, os dirigentes, políticos, militantes e simpatizantes deveriam aderir às concepções e especialmente às práticas radicalmente democráticas, sem que se soubesse, ou se saiba até hoje, o que sustenta precisamente essa formulação.

O que se poderia deduzir a respeito do significado dessa fórmula? No limite, ela pode ser vista fundamentalmente como um ideal ético-político, mas não como uma política. Os alcances desse ideal ético-político avançariam para o plano da sociedade, obtendo adesão de todos os indivíduos porque ele se apresenta como um princípio geral rigorosamente justo. Nessa perspectiva, quem poderia ser contra tal formulação? Numa visão utópica, a “radicalidade democrática” poderia (ou deveria) ser vista como a possibilidade de cada um se expressar e se manifestar. Se isso parece ser uma boa perspectiva para a ação individual (ou, no limite, grupal), porque garante plena liberdade e afirma-se na “política do desejo”, por outro lado, dificilmente conseguiria sustentar uma construção coletiva já que esta necessita outras mediações; necessita mais: demanda a pedagogia dos acordos, da conciliação, do pacto, que supõe toda política democrática. Presente no corpo de um pequeno partido como o PPS, a “radicalidade democrática” teve e pode continuar tendo traduções tanto pragmáticas quanto utopistas. Ao contrário do que se previa, de tanto objetivar sua “radicalidade”, era o tema democrático que se esvaia e deixava de fertilizar a reflexão política dentro do PPS.

A “radicalidade democrática” não supõe um dado essencial, a saber, que a democracia é tanto a solução quanto o problema das sociedades contemporâneas. Em primeiro lugar porque se baseia numa ficção: a legitimidade da maioria entendida como expressão da unanimidade; é a aferição da maioria que dá legitimidade àquilo que todos devem cumprir; é essa sua essência: uma imperfeição que demanda sempre novos modos, novas práticas, novas instituições; que demanda, portanto, política e reformas. A univocidade da fórmula da “radicalidade democrática” não apanha assim nem a dualidade nem a abertura que compõe a essência do projeto democrático. A radicalidade democrática resulta de uma maneira de pensar que supõe a idéia de que um partido pode apresentar à sociedade o “verdadeiro princípio organizativo” que deve ser adotado por ela. Quando o que se deve buscar é exatamente o contrário: uma perspectiva realista, aberta e mutável que consiste em instituir e fortalecer uma sociedade de indivíduos iguais, capazes de construir politicamente um regime fundado na soberania coletiva. Ai está a perspectiva mais avançada de construção de uma sociedade democrática já que é evidente o fato de que na sociedade atual existe tanto a demanda por individuação, que se afirma num crescendo, valorizando a particularidade dos indivíduos, quanto a exigência progressista de regulação dos interesses particulares em nome do interesse geral por meio de instituições cada vez mais republicanas e democráticas.

Nosso argumento tem a perspectiva de que a ultrapassagem da radicalidade democrática na linguagem (e até mesmo na retórica, às vezes vazia) e na maneira de pensar do núcleo dirigente do PPS pode abrir caminho para novamente se pensar a partir de uma lógica política dual, sem repetir os dogmas e os equívocos do passado. Ultrapassar a fórmula da “radicalidade democrática” não significa repor o tema da “frente democrática” e menos ainda abandonar o tema democrático. Muito ao contrário, significa enfatizá-lo com rigor, exigência e atualidade no sentido de estabelecer uma nova orientação, de dupla perpsectiva, para se pensar a política democrática que deve informar as ações do PPS.

Em síntese, o que pensamos é que o PPS deve assumir uma política democrática e reformista para a sociedade política, isto é, para uma reorganização progressiva do Estado bem como para as instancias governamentais, em todos os seus âmbitos. O PPS deve se pensar como um partido que ambiciona cada vez mais a conquistar governos e participar deles: um partido democrático que empreenda uma ação vigorosa nas instâncias do Estado objetivando permanentemente a sua reforma pela ação parlamentar, sendo ao mesmo tempo, um partido de governo que expresse sua visão transformadora na perspectiva de uma sociedade cada vez mais democrática voltada para o bem comum.

Mas o PPS não pode se reduzir a um partido estatalizado ou ambicionar apenas ser um partido de governo. Ele deve se pensar também como um organismo da sociedade civil, aberto aos interesses de amplos setores sociais, sempre traduzidos em interesses compreendidos democraticamente no sentido progressista e humanista, e ser também um partido que não fale apenas da política, no sentido acima apresentado, mas que fale e se abra à reflexão sobre temas como a real emancipação e liberdade das mulheres, as questões transversais que marcam as novas subjetividades, as perspectivas da sustentabilidade de uma nova economia, etc. Em síntese, o PPS deve se pensar como um organismo inovador e pluralista que abra espaço e amplie o dialogo e a expressão cultural junto aos novos e emergentes sujeitos sociais. Isto porque a dinâmica de mudanças que ocorre em todos os planos da vida no mundo de hoje contradita inevitavelmente os elementos definidores ou estabelecidos da ordem política democrática, especialmente quando se evidencia a crise do Estado Nacional e das suas estruturas de direitos, montadas no correr do último século. As formas organizativas que devem sustentar essa nova perspectiva política para o PPS poderá ser discutida e definida no contexto da sua atual reconfiguração como ator político.

Esse PPS, renovado e refundado, deverá sustentar sua política nessa nova dualidade produtiva. É nesse preciso sentido que deveríamos entender o que merece ser chamado de “nova política”, ou seja, uma grande orientação vocacionada para unir e fortalecer a esquerda democrática. Uma “nova política” compreendida não no sentido de oferecer ao “mercado político” um novo elixir da eternidade, que alguns filósofos chamam de novo projeto ético, ou uma expectativa messiânica e redentorista que somente ode ser abordada pelas lentes da utopia, mas sim, uma “nova política” que busca e aposta, de forma realista, na construção de uma alternativa política ao processo de modernização sem modernidade que vem caracterizando a recente onda de crescimento que vive a sociedade brasileira.

Alberto Aggio é professor de História da UNESP-Franca

*Texto publicado no Fórum de Debates no Portal do PPS

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