domingo, 14 de agosto de 2011

China e clima:: Míriam Leitão


A notícia assustou porque ocorreu numa semana tensa. A inflação na China bateu em 6,5%; a de alimentos foi de quase 15% em 12 meses. Os estoques de grãos estão baixos pelo efeito de uma sequência interminável de desastres ambientais que vêm afetando colheitas de inúmeros produtos nos últimos anos. Não é um problema só econômico. É também climático.

A seca que atingiu o Texas está se espalhando pelo meio-oeste americano, afetando o algodão, a soja e o milho, o que pode bater na oferta do etanol. Aliás, os Estados Unidos estão vivendo grandes perdas econômicas também por fatores climáticos. O clima complicado por lá - houve tornados de intensidade incomum e a estação de furacões está prometendo ser perigosa - já faz de 2011 o ano de pior prejuízo recente na economia, determinado por desastres climáticos. Foram vários desastres com prejuízos acima de US$1 bilhão: queimadas, secas, ondas de calor, nevascas, tornados, enchentes.

A China é grande compradora de alimentos. Esses desastres ambientais desequilibram a oferta de produtos do mundo inteiro, elevam os preços e afetam a inflação chinesa. O país dificilmente poderá diminuir muito a compra de alimentos, independentemente da conjuntura econômica, porque produz pouco comparativamente ao seu consumo. Por isso, os especialistas de commodities dizem que mesmo numa conjuntura de baixo crescimento mundial - e até recessão - os preços dos metais vão cair mais que os dos grãos, porque há pouco estoque de alimentos.

O ano de 2011 é o sétimo consecutivo de grandes eventos climáticos que afetaram a economia e desequilibraram o abastecimento de algum produto. A série começou em 2005, com o Katrina, mas também com secas na Austrália, que foram sucedidas por grandes enchentes. A Austrália, como se sabe, é produtora importante de alimentos, como o Brasil.

Em 2006, a agricultura foi afetada por chuvas intensas na França, Inglaterra, Alemanha; ondas de calor na Itália e Grécia; nova seca na Austrália e no Canadá, outro grande produtor. Mesmo quando o país não é fornecedor, o que ocorre em suas terras afeta a pressão global. Quando a Índia é atingida, por exemplo, o país tem que procurar no mercado internacional o que teria produzido internamente para seu abastecimento.

Em 2007, os meses de janeiro a abril foram os mais quentes em mais de um século. As monções provocaram enchentes no Sul da Ásia. Ondas de calor atingiram o Uruguai. Em 2008, nevascas cobriram os Estados Unidos. Chuvas intensas e inundações atingiram vários países, inclusive o Brasil. Em 2009, o tufão Morakot desalojou um milhão de chineses. A Califórnia enfrentou a pior seca de sua história. O ano passado foi considerado o ano mais mortal em uma geração. Um ano de extremos. Em 2011, o Brasil viveu a pior tragédia associada ao clima na região serrana. Neste exato momento uma seca forte flagela a Somália e países do chifre da África e castiga o sul e o meio-oeste americanos.

Extremos têm ocorrido no mundo inteiro e devastado várias produções, mantendo consistentemente preços altos de inúmeros cereais, oleaginosas, leguminosas. Quem olha em detalhes tudo o que aconteceu de anormal -- recorde de enchentes, seca, frio e calor - no mundo inteiro, concluirá que é uma triste coincidência ou então efeito da mudança climática. Os cientistas vinham alertando que aconteceria exatamente isso: eventos mais intensos e mais frequentes. Ao analisar cada desastre isoladamente, os cientistas não garantem que é determinado pela mudança climática, mas todos os eventos juntos configuram o cenário que eles vêm descrevendo há anos como alerta sobre os riscos causados pelo excesso de emissões de gases de efeito estufa.

Este ano, a seca na Europa tirou umidade do solo e reduziu a safra de trigo. O problema aconteceu no oeste, afetando Alemanha, Inglaterra, França, enquanto no ano passado a seca foi no leste do continente. Na China, a seca diminuiu a área plantada em importantes regiões produtoras. No Canadá, é o contrário. O excesso de chuvas deixa o solo muito úmido para o plantio de trigo e canola. Segundo a economista Ana Laura Menegatti, da MB Agro, a tendência é de que os preços dos alimentos continuem pressionados, mesmo com uma desaceleração da economia mundial.

A safra de cana será 8,4% menor este ano. É a terceira safra consecutiva que teve problemas por razões climáticas. Isso afetará também o abastecimento de combustível, que continua prisioneiro do dilema do desequilíbrio de preços.

A inflação da China foi vista pelos economistas como um complicador, porque entendem que o país terá que reduzir o ritmo do crescimento para conter a alta de preços. A China é que segurou o PIB global em 2008 ao acelerar o ritmo, o que não poderá repetir. Só que o fenômeno da inflação chinesa é mais complicado do que eles pensam. Mesmo se a China reduzir o ritmo do seu crescimento, vai continuar havendo pressão nos preços dos alimentos pela escassez de oferta. Entrou no cenário uma variável que poucos economistas costumam incluir na equação: o clima.

No Brasil, grande produtor, a alta dos alimentos provoca inflação, mas engorda o saldo comercial. A demanda mundial sobre nossos produtos vai fortalecer ainda mais a pressão para que o Congresso aprove a lei que facilita desmatar. O agronegócio pensa estar defendendo seus interesses, mas se houver mais desmatamento vão se agravar os fatores que têm provocado eventos climáticos extremos. Essa é uma resposta do tipo bumerangue: vai se voltar contra o próprio Brasil no futuro.

FONTE: O GLOBO

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