quinta-feira, 7 de julho de 2011

Senado aprova Copa com sigilo e sem licitação

O governo venceu a batalha no Senado e aprovou com folga o regime especial que dispensa licitações e mantém o sigilo sobre custos de obras da Copa. O texto agora vai a sanção presidencial

Copa: Senado aprova regime especial

Projeto vai à sanção presidencial, mas oposição e Procuradoria prometem recorrer ao STF

Geralda Doca

BRASÍLIA. Depois de ceder e alterar o texto na batalha travada na Câmara para aprovar a medida provisória (MP) 527, o governo conseguiu unir a base aliada no Senado para, com facilidade, aprovar ontem o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) nas obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas do Rio, em 2016. Por 46 votos a favor e 18 contra, sem que a oposição apresentasse destaques, os senadores mantiveram o texto aprovado pelos deputados, que segue agora à sanção da presidente Dilma Rousseff.

Sem força para rejeitar a proposta no Congresso, os partidos da oposição prometeram ingressar com ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o novo regime. O Ministério Público Federal (MPF), que se posicionou contrário à MP, ameaça fazer o mesmo.

O RDC substituirá a Lei de Licitações nos empreendimentos que servirão à Copa e às Olimpíadas. O objetivo do governo é acelerar as obras. O item mais questionado é a contratação integrada. Esta dispensa a apresentação de projeto básico, que poderá ficar a cargo do vencedor da licitação, que, assim, cuidará de todas as fases da obra. Isso permite a assinatura de contrato com base apenas em um anteprojeto.

Também há críticas à possibilidade de sigilo de preço no edital. O governo alega querer evitar conluio de empresas, mas há quem tema brechas para o superfaturamento. Na Câmara, para conseguir a aprovação, o governo "clarificou o texto", deixando expresso que os valores estarão disponíveis o tempo todo para os órgãos de controle.

Os deputados haviam suprimido o artigo que concedia superpoderes à Fifa e ao Comitê Olímpico Internacional (COI), que poderiam pedir aditivos aos contratos fora dos tetos estabelecidos pela legislação. Além disso, o governo, para facilitar a aprovação no Senado, intensificou o corpo a corpo e sinalizou ao PMDB, que impunha obstáculos, que poderá estender o RDC aos aeroportos de todas as capitais, e não mais apenas aos das 12 cidades-sedes.

Maia: contratação integrada é "raposa do galinheiro"

Segundo o relator da medida, senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), o trabalho de convencimento do ministro do Esporte, Orlando Silva, junto aos líderes dos partidos da base no Senado na terça-feira foi fundamental para costurar um entendimento, permitindo a votação da MP:

- A vinda do ministro foi importante para construir um consenso de que o RDC vai aprimorar a Lei de Licitações. As mudanças feitas no texto na Câmara também foram fundamentais - afirmou.

Ao discursar contra a MP, o líder do PSDB, senador Álvaro Dias (PR), citou as denúncias de propina em licitações no Ministério dos Transportes que levaram à queda do ministro Alfredo Nascimento. Segundo ele, se o atual regime já permite esse tipo de irregularidade, o novo será ainda pior:

- Além da flagrante inconstitucionalidade dessa proposta, ela ainda abre portas e janelas para a corrupção desenfreada.

O senador Agripino Maia (DEM-RN) chamou o RDC de "raposa do galinheiro", citando o regime de contratação integrada.

- Esse regime é viciado, já contestado de antemão - protestou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), citando a posição contrária do Ministério Público Federal.

O MPF aguardava apenas a aprovação da MP para recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a modalidade. Segundo o procurador Athayde Ribeiro Costa, coordenador do grupo de trabalho da Copa, a proposta contém vários itens inconstitucionais, não aumenta a transparência na gestão pública e amplia as brechas para superfaturamento.

Ribeiro Costa disse ao GLOBO que enviará ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pedido para que ele entre com uma Adin no Supremo. Só Gurgel tem autoridade para encaminhar esse tipo de ação.

- Além de ferir a Constituição, é um cheque em branco para ter obras superfaturadas - disse o procurador, referindo-se à chamada contratação integrada. - Isso é gravíssimo. Não tem como fazer um bom trabalho se você não sabe exatamente o que está contratando.

Procurador classifica proposta de inconstitucional

Ribeiro Costa também critica os artigos 29 e 30 do RDC, que falam da pré-qualificação "global e permanente". Segundo ele, na prática o governo poderá selecionar um grupo de empresas, restringindo a disputa. A palavra global abre a possibilidade da subcontratação, ou seja, para empreiteiras fora do ramo, explicou.

O procurador disse que a permissão para que a Infraero utilize o RDC é ilegal, pois, como estatal, ela deve cumprir o processo normal de licitação. A Infraero, segundo ele, poderia adotar um regime diferenciado se fosse uma sociedade de economia mista, como é a Petrobras.

Ele disse ainda que a chamada Matriz de Responsabilidade, lista de todas obras essenciais à realização da Copa no Portal da Transparência, está atrasada. Também não estão definidas as ações nas áreas de segurança, comunicação e tecnologia, por exemplo, necessárias ao evento.

Para Ribeiro Costa, a proposta que institui o RDC é inconstitucional porque transfere ao Executivo o poder de escolher que obras serão incluídas no novo regime. Quem regula uma licitação é a lei, ressaltou.

FONTE: O GLOBO

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