sábado, 4 de junho de 2011

Palocci fala, mas não revela clientes nem melhora crise

Ministro nega tráfico de influência e diz que conta com boa-fé das pessoas

Após 19 dias de silêncio diante das suspeitas sobre a evolução de seu patrimônio, o ministro Antonio Palocci (Casa Civil) falou pela primeira vez sobre seus negócios como consultor, entre 2006 e 2010, como determinara a presidente Dilma. Em entrevista ao “Jornal Nacional”, da Rede Globo, Palocci assegurou que não praticou tráfico de influência como ex-ministro da Fazenda e não assessorou empresas que têm negócios com o governo. Mas não revelou a lista de clientes nem o faturamento da consultoria. Disse que conta com a boa-fé das pessoas porque não tem como provar que não fez tráfico de influência. Agradou ao Planalto ao dizer que a responsabilidade no caso é só dele, e não do governo. Para os aliados no Congresso, o ministro se explicou; para a oposição, agravou sua situação.

Ainda silêncio sobre clientes

Palocci fala pela 1ª vez sobre suspeitas, mas não revela nomes nem faturamento de consultoria

BRASÍLIA - Exatos 19 dias após a revelação de que seu patrimônio deu um salto nos últimos quatro anos, o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, veio a público ontem, pela primeira vez, falar sobre seus negócios de consultor, cumprindo determinação da presidente Dilma Rousseff, mas ainda deixou muitas perguntas sem resposta. Sua fala não deve mudar o clima de crise política no governo. Ele não revelou os nomes de seus clientes, nem o faturamento de sua empresa, a Projeto, quando atuou como consultor, entre 2006 e 2010. Em entrevista ao "Jornal Nacional", da Rede Globo, Palocci negou ter praticado tráfico de influência e garantiu que não fez negócios que envolvessem o governo e empresas públicas. Disse também que os negócios de sua empresa não se misturaram às doações para a campanha presidencial do PT de 2010, onde ele exerceu função de coordenador.

Em 15 de maio, a "Folha de S. Paulo" revelou que Palocci comprou, ano passado, um apartamento por R$6,6 milhões e um escritório por R$882 mil, ambos em São Paulo. O negócio foi feito pela Projeto, da qual o ministro tem 99,9% do capital. Em 2010, a empresa de Palocci teria faturado R$20 milhões. Ao GLOBO, a assessoria da Projeto admitiu que os contratos tinham cláusula de sucesso, considerado por especialistas e políticos pagamento por tráfico de influência. Na entrevista, Palocci reconheceu, ainda que de forma indireta, que alguns contratos previam taxa de sucesso.

As denúncias envolvendo o principal ministro de Dilma abriram a maior crise política do atual governo. A base aliada aproveitou a fragilidade do governo no Congresso para chantagear o Planalto. Palocci deve continuar sangrando pelo menos até que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decida se abre ou não investigação para apurar suspeitas de tráfico de influência e enriquecimento ilícito.

Os principais trechos da entrevista ao "Jornal Nacional":

Sobre o faturamento da Projeto entre 2006 e 2010: "Todo o faturamento foi registrado nos órgãos de controle tributário tanto da prefeitura de São Paulo quanto da Receita. Todo o serviço prestado foi feito a partir de emissão de notas fiscais regulares e todos os impostos foram recolhidos. Era uma empresa privada, que prestava atividades privadas (...) Portanto, não tive atividade reservada, tive uma atividade pública. Agora, os números da empresa, eu gostaria de deixar reservados porque não dizem respeito ao interesse público. Agora, os contratos, sim, aquilo que fiz, serviço que prestei, as empresas que atendi, as empresas que tinham contrato com a Projeto, posso falar perfeitamente sobre eles".

Sobre o faturamento de R$20 milhões no ano eleitoral, sendo R$10 milhões em novembro e dezembro: "Os valores podem ser aproximados, não tenho neste momento. Mas o que ocorre é que no mês de dezembro encerrei as atividades da empresa, dado que ia assumir um cargo na Casa Civil. Promovi um encerramento das atividades todas de consultoria da empresa, todos os contratos que eu tinha há dois, há cinco, três anos, foram encerrados e eles foram quitados. (...) Por isso que há arrecadação maior nesse final de ano, mas são contratos de serviços prestados. Hoje a empresa não tem mais nenhum contrato, nenhuma arrecadação, nenhum valor."

Sobre a relação da Projeto com órgãos públicos: "Tenho esclarecido, e reafirmo aqui pela oportunidade, que minha empresa jamais atuou junto a órgãos públicos, ou diretamente prestando consultoria a órgãos públicos ou representando empresas nos órgãos públicos".

Fez negócios com o poder público?: "Nunca participei. Quando uma empresa privada tinha negócio com o setor público, nunca dei consultoria num caso como esse. (...) Pude esclarecer casos concretos que me foram apresentados, mas em nenhum momento eu participava de um empreendimento, vamos dizer, que envolvesse um órgão público e um privado. Um fundo de pensão de empresa pública com uma empresa privada, nunca participei disso. O que eu fazia era consultoria para empresas privadas. Se a empresa tinha necessidade junto a um órgão público, ela tinha lá seu departamento ou sua prestação de serviços para isso. Eu não fazia isso porque isso, a lei não me permitia."

Qual a relação entre o faturamento de 2010 e dos anos anteriores?: "Foram valores inferiores. A empresa foi ampliando sua atuação, ampliando seu faturamento naturalmente. Comecei a empresa em 2006, antes mesmo de ser deputado. E aí comecei a estabelecer os contratos da empresa. Mas insisto com você que isso é muito importante. Todos os contratos da minha empresa, que era um empresa privada, (foi) com empresas privadas. Nunca que uma empresa privada precisou de uma atividade pública ou de um órgão público, minha empresa tenha atuado nesses casos. Porque aí eu tinha clareza que isso não poderia se realizar."

Por que não divulga a lista de clientes? "Veja, semana passada, uma empresa admitiu que teve contratos comigo. O que aconteceu? Deputados da oposição foram imediatamente apresentar acusação grave contra essa empresa, que teria conseguido restituição de impostos, em tempo recorde, por minha intermediação. Veja a gravidade da afirmação. Não sou eu que nego. Duas horas depois, a Receita divulgou relatório mostrando que a Receita tomou a decisão em relação a essa empresa, quase dois anos depois de requerida a devolução do imposto e por determinação judicial."

Por que não divulgar os clientes? "Não posso expor contratos que tive com empresas privadas renomadas nas suas áreas num ambiente de conflito político. Acho que não tenho o direito de fazer a divulgação de terceiros. Eu acho que devo assumir os esclarecimentos relativos à minha empresa."

Em quais setores atuou como consultor? "Trabalhei na consultoria para vários segmentos de indústria, serviços financeiros, mercado de capitais, bancos e empresas, fundos de mercado de capitais. E trabalhei em empresas de serviços em geral. É um conjunto de empresas que pouco tem a ver, por exemplo, com obras públicas, investimentos públicos. São empresas que vivem da iniciativa privada e consideraram útil o fato de eu ter sido ministro da Fazenda, acumulado experiência na área econômica, conhecer a área. Depois que deixei o ministério, fiquei quatro meses respeitando a quarentena e só depois passei a prestar consultoria. (...) Meu papel é cumprir rigorosamente a lei. Não estou acima da lei. Por isso, quando criei a empresa segui todas as providências no sentido de ter licenças legais. Tudo está literalmente registrado e adequado. Quando vim para o governo, entreguei à Comissão de Ética da Presidência todas as informações das medidas que tomei. Encerrei as atividades de consultoria. Não atuo na empresa e cumpri aquilo que a lei dizia que eu devia como ministro. A Comissão de Ética recebeu todas as informações e disse que não havia nada de errado. A Procuradoria Geral pediu informações e mandei todas que pediram. Então vamos ver a avaliação desse organismo. Quando a Receita diz que não tem pendência da minha empresa na Receita, tenho certeza de que você considera isso informação relevante. Quando o Coaf diz que não há investigação sobre minha empresa, tenho certeza que se considera isso informação relevante."

Por que não divulga o faturamento?: "Respeito todas as suas perguntas. Respeite o direito de eu não falar em valores. Nenhuma informação da minha empresa é secreta. Não estou dizendo que não darei informações aos órgãos de controle."

Consultoria e doações para campanha: "Não existe nenhum centavo que se refira a política ou campanha. Nenhum centavo. Minha atividade na campanha foi política".

Crise no governo?: "Não há crise no governo, há uma questão em relação à minha pessoa, prefiro encarar assim e assumir plenamente a responsabilidade que tenho de prestar informações aos órgãos competentes e dar minhas explicações. Isso é uma coisa que cabe a mim. Não há crise no país, no governo."

Interferência da crise no trabalho?: "Não, de forma alguma, o governo toca sua vida, trabalha intensamente. Há, sim, não vou negar, questão dirigida à minha pessoa. Com forte intensidade, com forte conteúdo político."

Chantagem pública do deputado Anthony Garotinho, que se referiu a Palocci como "diamante de R$20 milhões": "Não acredito que o deputado tenha dito isso, porque não é um procedimento.... nem perto do adequado....Tenho dito aos meus colegas do Congresso que aquilo que me couber explicar, devo explicações e vou fazê-lo. Jamais posso dentro do governo trocar um assunto por outro ou misturar um por outro. O governo está tocando sua vida, as coisas estão acontecendo normalmente. Enfrento uma questão agora, uma polêmica. Agora, vou fazê-lo pessoalmente, vou trazer isso para minha responsabilidade, informando aos órgãos de controle e dialogando sobre essas questões."

Pôs o cargo à disposição da presidente? : "Olha, a presidente tem o meu cargo e o de todos os ministros. Não chegamos a conversar sobre esse assunto, mas não é isso que me prende ao governo. Estou aqui para colaborar com a presidente. Tudo que fiz na iniciativa privada, prestei contas, e estou tranquilo e seguro em relação aos procedimentos que tive."

O futuro, caso seja denunciado pelo procurador-geral da República: "Não posso responder em hipótese. Temos de ter tranquilidade de estar certos do que fizemos e oferecer as explicações adequadas. Não há coisa mais difícil do que você provar o que não fez, porque não há materialidade no que não fez. Digo a você: não fiz tráfico de influência, não fiz atuação junto a empresas públicas representando empresas privadas. Aí, como eu te provo isso?"

Como provar?: "Tem que... tem que existir boa fé nas pessoas. Por isso a lei diz que, quando há acusação, que é legítima haver, deve vir acompanhada de provas ou no mínimo indícios. Por isso precisamos acreditar na boa fé das pessoas. Eu te digo: não há problema estar em questão minhas atividades . Mas quero que as pessoas tenham boa fé, escutem as explicações, vejam as documentações enviadas aos órgãos públicos e que eu seja avaliado com Justiça, os meus direitos e os meus deveres".

FONTE: O GLOBO

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