segunda-feira, 23 de maio de 2011

Reconstrução fluminense sob suspeita

Vítimas de uma das maiores catástrofes naturais do país, as cidades turísticas de Nova Friburgo e Teresópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, estão tendo seus já dificílimos trabalhos de reconstrução atrapalhados por problemas políticos. Nos dois municípios - que responderam por 808 dos 905 mortos e 231 dos 292 desaparecidos -, a briga política inclui acusações de irregularidades e falta de transparência na gestão dos recursos destinados à recuperação. Em Nova Friburgo, uma licença médica por tempo indeterminado do prefeito Heródoto Mello (PSC) deixou em aberto a prestação de contas de R$ 10 milhões repassados pela União. Em Teresópolis, o prefeito Jorge Mario Sedlacek (PT) é acusado de favorecer empresas na contratação dos serviços de reconstrução. Rejeitado dentro de seu próprio partido, Sedlacek é alvo de CPI na Câmara Municipal.

Crise política emperra reconstrução da serra fluminense

Chico Santos

Nova Friburgo - Vítimas de uma das maiores catástrofes naturais do país, as cidades turísticas de Nova Friburgo e Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, estão tendo seus já dificílimos trabalhos de reconstrução atrapalhados por problemas políticos. Nos dois municípios, que juntos responderam por 808 dos 905 mortos e 231 dos 292 desaparecidos oficiais, a briga política inclui acusações de irregularidades e de falta de transparência na gestão dos recursos destinados à recuperação. Nova Friburgo não tem nem mesmo prefeito efetivo, enquanto em Teresópolis o prefeito Jorge Mario Sedlacek (PT) é alvo de CPI e rejeitado por seu partido.

No dia 12 de janeiro deste ano o céu desabou em Nova Friburgo e os morros que cercam a cidade despejaram toneladas de água, lama e pedras nos rios e riachos. Mais de 700 barreiras desceram sobre casas, fábricas, fazendas e sítios. Oficialmente, morreram 426 pessoas, segundo dados do Instituto Médico Legal (IML) do Estado e 68 permanecem desaparecidas, segundo o Ministério Público estadual. Mas, em ambos os casos, a população afirma que os dados estão subavaliados e que sob as milhares de toneladas de detritos que permanecem nas encostas há famílias inteiras soterradas sem sobreviventes para reclamar a ausência.

Três meses e meio antes, na última semana de setembro, o prefeito da cidade, Heródoto Bento de Mello, 85, fez uma viagem pessoal à Suíça. Como seria por menos de 15 dias, não precisou pedir licença à Câmara de Vereadores, como determina a Lei Orgânica do município. No dia 28 de setembro a Câmara recebeu um atestado médico de Lausanne (Suíça), traduzido, acompanhado de um pedido de licença retroativo ao dia 20. Mello havia sofrido um acidente na estação ferroviária local e machucado a cabeça.

Com a licença do titular, assumiu o vice, Dermeval Barboza Moreira Neto (PMDB), como prefeito em exercício, condição na qual permanece até hoje. De setembro até agora foram oito pedidos de licença de Mello, seis deles aprovados, o último vencido no dia 11 de janeiro.

Desde então a Câmara rejeitou dois pedidos, fazendo com que Mello passasse da condição de prefeito licenciado para a de afastado. Foi nessa condição que ele comunicou aos vereadores no dia 26 de abril que permaneceria mais 30 dias fora.

Em março, após um longo período internado em um hospital da cidade do Rio de Janeiro, o prefeito afastado de Nova Friburgo voltou ao município, tendo sido montada uma enfermaria especial no seu apartamento, no centro da cidade. Lá, diz-se que a providência foi para evitar que Mello corresse o risco de ficar, sem licença da Câmara, 90 dias fora de Nova Friburgo, o que abriria espaço legal para um pedido de impeachment. No dia 24 de março, o prefeito afastado recebeu a visita de uma comissão instituída pela Câmara de Vereadores, formada por clínico, neurologista e psiquiatra.

A comissão concluiu que Mello precisaria de pelo menos mais 90 dias afastado, mas as informações obtidas pelo Valor não esclarecem um ponto crucial: qual o real estado de saúde do prefeito, que completa 86 anos no dia 15 de setembro. O mistério é geral na cidade. Sabe-se apenas que ele sofreu "traumatismo craniano não especificado", descrição que consta em um dos seus pedidos de licença à Câmara.

O mistério investiga de tal maneira o imaginário da população que já circulou na cidade o boato de que o prefeito havia morrido. O Valor tentou falar com Mello no seu apartamento. Atendida por um assistente que disse não ser possível. A solução foi deixar telefone e e-mail para eventual resposta que não chegou.

Enquanto perdurava o afastamento de Mello, mantinha-se também a interinidade de Moreira Neto, levado a assumir a responsabilidade de cuidar da cidade depois da tragédia de janeiro. O deputado federal Glauber Braga (PSB-RJ), de Friburgo, considera que há um "clima de instabilidade" política no município.

Pela legislação, a Câmara de Vereadores só pode abrir um processo de impeachment se receber um pedido de um eleitor, fundamentado no Decreto-Lei 201/67, que trata de responsabilidades de prefeitos e vereadores. O único pedido recebido até a semana passada foi considerado sem fundamento.

O impasse em Nova Friburgo tem uma quitação histórica não concretizada como pano de fundo. Em 1964, o regime militar depôs o então prefeito, Vanor Moreira por supostas ligações com comunistas. Assumiu o vice, Heródoto Bento de Mello, o mesmo que se nega agora a passar o cargo ao filho de Moreira.

Suspeitas de que Mello tenha contribuído para a queda do Moreira pai geraram um afastamento político entre as duas famílias que, segundo o prefeito em exercício, só terminou na eleição de 2008, quando Mello e ele formaram a chapa da coligação vencedora. Moreira Neto minimiza o coincidência histórica como elo no impasse atual.

Interino, o prefeito também está sob fogo cruzado. O deputado Braga cobra transparência no uso dos recursos emergenciais concedidos pelo governo federal (R$ 10 milhões) e também das doações recebidas. Há também críticas generalizadas porque Moreira Neto licenciou-se em abril para viajar aos Estados Unidos.

Sobre os recursos, o prefeito disse que as informações estavam no site da prefeitura, mostrando documentos segundo os quais havia no dia 4 deste mês um saldo de R$ 2,819 milhões na verba do governo federal, destinada à rearrumação da cidade. A Secretaria de Comunicação do município mostrou extratos com número e valores de cheques emitidos, sem constarem os beneficiários, o que seria uma falha do Tesouro municipal a ser corrigida.

Sobre as doações, Moreira Neto disse que elas somaram aproximadamente R$ 3,4 milhões, dos quais teriam sido gastos apenas R$ 544 na compra de um terreno para a construção de casas populares que deverá ser devolvido porque não era adequado. Sobre a viagem, ele disse que foi porque "estava no limite" e que foi punido por ter feito tudo às claras, após ter passado várias semanas trabalhando sem interrupção. Com perda de 48% da arrecadação de Imposto sobre Serviços (ISS) nos quatro primeiros meses deste ano, Nova Friburgo está com tudo por fazer, exceto a limpeza das ruas, favorecida pela estiagem da estação fria.

O empresário Carlos José Ieker dos Santos, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) para o Centro-Norte do Estado, acha que a situação, já por si muito difícil, fica ainda mais grave com o "clima de dúvida" da política local. Ele pediu mais presença do governo do Estado.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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