sexta-feira, 8 de abril de 2011

Massacre em Realengo

"Ele atirava na cabeça"

Aluna de 12 anos relata o ataque a sua escola, com 12 colegas mortos e 12 feridos

"Escutamos muito barulho e a professora disse que era só estouro de bexiga. Chegaram duas meninas mandando subir porque um homem estava matando pessoas lá embaixo. Todos saíram pisoteando o outro, e alguns desmaiaram na escada. Já tinha um monte de gente agonizando no chão. Ele dava tiro nos pés das crianças. Mandava virar para a parede e dava tiro. Ele atirava na cabeça. Só olhava pra frente e seguia em frente. Ele estava carregando a arma e já entrando na sala. A professora trancou a porta e colocou armário. A sala ficou suja de sangue. Deu muito, muito, muito tiro. Ele falava: "Vira de costas pra parede, vira de costas, vou matar vocês." Um monte de gente gritava "não, não atira em mim, não me mata", mas morreram mesmo assim. Tinha muita gente agonizando, muitos amigos. Colegas do meu irmão morreram. Meu irmão saiu de porta em porta me procurando, e o atirador vivo procurando a gente. Meu irmão conseguiu me pegar. A escada parecia uma cachoeira de sangue. Vinha aquele sangue escorrendo feito água. E muita gente morta na escada. Tinha mais meninas mortas do que garotos. Muita gente entrou em choque e desmaiou na escada. Essas ele matou ... Achava a escola segura. Agora eu fico com medo."

Depoimento de Jade Ramos de Araújo, 12 anos, 6ª série, turma 1703.

O pavor que o Rio não conhecia

Massacre em escola de Realengo faz a cidade pacificada reviver o pesadelo da violência

Por essa o Rio não esperava. Num momento em que a cidade, após tantos anos subjugada e maltratada pelo crime organizado, experimenta os ventos da pacificação e das Olimpíadas, agora assiste, incrédula e perplexa, a uma violência incomum onde ela menos deveria acontecer: numa escola pública repleta de estudantes. O homem armado executou a sangue frio 12 crianças acuadas, feriu outras 12 e conseguiu massacrar uma população inteira. Doze anos depois, os tiros de Columbine foram novamente disparados. Em Realengo.

Lição de crueldade em sala de aula

Homem armado entra em escola, executa 12 crianças, fere outras 12 e depois se mata

O terror que antes os brasileiros assistiam pela televisão, nos massacres das últimas décadas em colégios americanos, tornou-se, ontem, uma realidade assustadoramente presente na vida dos cariocas, na Escola Municipal Tasso da Silveira, na Rua General Bernardino de Matos, em Realengo, na Zona Oeste do Rio. Numa ação de crueldade, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, invadiu o colégio onde já estudou, executou a tiros 12 crianças e deixou outras 12 feridas, algumas em estado grave. Das 12 crianças mortas, dez eram meninas, baleadas a queima-roupa, quase sempre na cabeça. Vítimas de um assassino que, no fim, depois de ser alvejado por um PM, suicidou-se com um disparo na cabeça - e tendo ainda 22 balas num cinturão.

Wellington chegou a escola por volta das 8h30m e toda ação durou apenas 15 minutos. Aluno do colégio de 1999 a 2002, ele se aproveitou do fato de, esta semana, a escola estar completando 40 anos e recebendo antigos estudantes para dar palestras sobre suas experiências de vida. Reconhecido por funcionários, ele ingressou pela porta da frente, vestido de calca escura e camisa verde, com dois revólveres escondidos numa bolsa - um de calibre 38 e o outro, de 32.

- Ele entrou na escola dizendo que daria uma palestra - contou o gari Dorival Porto Rafael, que estava no colégio na hora da tragédia, embora a prefeitura negue que ele tenha se apresentado como palestrante.

Dentro do colégio, ele passou pela secretaria, onde pediu uma cópia de seu histórico escolar e perguntou por uma professora de literatura que dizia admirar. Na sala de leitura do primeiro andar, antes de começar a barbárie, Wellington a encontrou e deu-lhe um beijo na testa. Enquanto ela lhe pediu um tempo para atendê-lo, Wellington subiu para o segundo andar e entrou numa sala do 8º ano, onde cerca de 40 alunos assistiam a uma aula de português.

- Ele entrou e pediu para que as crianças fechassem os olhos e levantassem as mãos, disse que começaria uma palestra. Como pode um homem entrar numa escola, passar por dois portões, sem que ninguém pedisse para que se identificasse? - perguntou Francisco Andre, primo de Jéssica Guedes, de 13 anos, uma das vítimas do massacre.

Daí para frente, o pânico tomou conta de alunos e professores. Wellington recarregou a arma e entrou numa segunda sala de aula, em frente à primeira. Para escapar dos tiros, muitos correram para o terceiro andar e outros, para um auditório no quarto pavimento, que teve as portas fechadas por uma barricada de mesas e cadeiras.

- A moça da escola mandou todo mundo subir para o auditório. Nós ficamos lá dentro, trancados, até a polícia chegar - contou Pamela Cristina Nunes, de 13 anos, aluna do 7º ano.

“Ele queria matar apenas as meninas”, diz aluno

Outra menina, Jady Ramos de Araújo, de 12 anos, estudante do 6º ano, contou que, na fuga para o terceiro andar, muitas crianças foram pisoteadas e desmaiaram, enquanto o atirador dava tiros nos pés para derrubá-las.

- Ele falava “vira de costas para a parede, vira de costas. Vou matar vocês”.

Para os que paravam, ele falava “vira para a parede que eu vou te matar”. Um monte de gente gritava “não, não atire em mim, por favor, não me mate”, mas morreu mesmo assim. A escada parecia uma cachoeira de sangue. Sai correndo porque tinha medo de ele me matar. As crianças gritavam muito e fiquei muito nervosa - descreveu Jady, que se escondeu numa sala do terceiro andar.

Aluno do 8º ano, da turma 1801, Mateus Morais, de 13 anos, chegou a conversar com o assassino.

- Estávamos assistindo a aula quando, de repente, começou o barulho e o homem armado entrou na nossa sala - contou Mateus. - Eu pedi para não me matar, e ele respondeu que eu podia ficar tranquilo. Nos meninos, ele atirava só para machucar. Muitos foram atingidos nos braços e nas pernas. Ele queria matar apenas as meninas. Nelas, ele atirava na cabeça.

Uma menina de 12 anos, que pediu para não ser identificada, viu uma amiga sendo baleada na cabeça.

- Nos primeiros tiros, os professores acharam que eram bombinhas. Todos estávamos abaixados quando ele entrou, gritando para que ficássemos quietos. Não queríamos morrer.

Foi quando ele apontou para minha amiga e atirou. Um tiro na cabeça - contou.

A tragédia só não foi maior porque policiais militares que participavam de uma ação do Detro na Rua Piraquara, a duas quadras da escola, foram alertados por dois alunos feridos que tinham conseguido escapar. O sargento PM Marcio Alexandre Alves foi o primeiro a chegar e cruzou com o assassino quando ele saia de uma das salas de aula e se preparava para subir ao terceiro andar. Wellington chegou a apontar a arma para o policial, que foi mais rápido e acertou o assassino com um tiro de fuzil no abdômen. Ele caiu numa escada entre o segundo e o terceiro andares e, em seguida, deu um tiro na própria cabeça, depois de disparar pelo menos 30 vezes. O assassino deixou uma carta de despedida, que levava consigo.

Do lado de fora, dezenas de pessoas, desesperadas, cercavam a escola, enquanto crianças corriam pedindo ajuda, algumas delas feridas.

Deputado estadual e ex-chefe de Policia Civil do Rio, Zaqueu Teixeira foi uma das autoridades que estiveram na escola e no IML. De acordo com ele, cada morte teve característica de execução.

- Vi as fotos e entrei nas salas. Todas as crianças mortas tinham tiros na cabeça ou na parte superior do tórax. Ele atirou para matar, não há dúvida. Os tiro foram dados a curta distância, de cima para baixo. As crianças foram encurraladas e executadas. Já estive na apuração de muitos crimes, mas nunca vi nada parecido com isso. Meus anos de polícia não valeram de nada. É muita maldade - lamentou.

Percepção parecida com a de Marcos Aparecido, tio de uma menina desaparecida até ontem à noite.

Os tiros de muitos entravam por cima, pela cabeça, e saiam pelo queixo. Vi as fotos para tentar reconhecer minha sobrinha - disse.

FONTE: O GLOBO

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