segunda-feira, 14 de março de 2011

Obrigado, mas preferi outra:: José de Souza Martins

Dos aprovados para a USP, 2562 desistiram. Explicações oficiais e de cursinhos nada explicam

Dos aprovados no vestibular da Fuvest cujos nomes constavam da primeira lista de convocados para matrícula, na capital e no interior, 24%, por algum motivo, deixaram de matricular-se em diferentes cursos da USP e desistiram de suas vagas. Uma segunda chamada foi feita e já agora uma terceira. Pode parecer estranho que 2.562 pessoas aprovadas para ingresso na mais prestigiosa universidade brasileira e uma das cerca de 200 mais importantes do mundo tenham desistido do privilégio por nada. As razões apresentadas tanto pela USP quanto pelo MEC e pelos cursinhos, na verdade, nada explicam: multiplicação de vagas nas universidades federais, escolha de vagas com base nos resultados do Enem e as bolsas concedidas pelo ProUni para ingresso em escolas superiores particulares. Esses seriam, eventualmente, motivos para não tentar o vestibular na USP, porque mais seletivo. Mas não os motivos para obter uma vaga através do vestibular mais exigente e depois recusá-la.

Os 13% de desistência semelhante, em 2005, já representavam uma incógnita que pedia estudos e pesquisas, sobretudo para sustentar medidas de economia de recursos públicos no supostamente mau investimento em vagas que não serão preenchidas ou o serão com estudantes que não obtiveram o melhor resultado no processo seletivo. Ou então para desenvolver uma economia mais ampla de apoio a alunos que estão ingressando ao mesmo tempo na idade adulta e na universidade e relutam em assumir um compromisso que poderá custar-lhes mais do que podem, apesar de universidade pública e gratuita.

Notícia da Folha de S. Paulo informa que, dos 19 cursos com índice superior a 40% de renúncia à matrícula, 16 estão no interior. Vários são os fatores que podem contribuir para a desistência. O mais provável é o de que os candidatos tenham feito inscrição em mais de um vestibular e em outros cursos de seu maior interesse em outras universidades. Dos inscritos no vestibular de 2009, 68% pretendiam fazê-lo também em outras universidades, incluídas as públicas.

Renúncias têm havido até em cursos de grande procura, na capital. Dos três cursos de maior procura e de maior prestígio, direito, engenharia e medicina, não foi propriamente pequeno o índice de renúncia ao direito de matrícula na primeira chamada - respectivamente 11,6%, 19,7% e 5,7%. Todos cursos de alta disputa pelas vagas, com respectivamente 19, 14 e 49 candidatos por vaga. Seria, portanto, temerário inferir desses indicadores que haja excesso de oferta de vagas em relação à demanda. Sabemos todos que a universidade não é um supermercado, cuja dinâmica siga as oscilações do gosto e do consumo. Ao contrário, ela tem se antecipado à procura, oferecendo formação em função das carências que são as da própria produção e distribuição do conhecimento. É o que a USP tem feito com as novas licenciaturas para formação de docentes para o ensino médio em campos mais abrangentes da ciência.

A pesquisa que a Fuvest fez entre os vestibulandos, em 2010, mostra a proporção dos que se inscreveram em primeira opção em determinado curso. Em direito, o curso foi primeira opção para 57,9% dos inscritos para o diurno e apenas para 28,9% dos aprovados para o noturno. Medicina, o curso com maior número de candidatos por vaga, não foi primeira opção para 11,4% dos vestibulandos que para ele se inscreveram. E engenharia da produção, na Escola Politécnica, foi primeira opção para 41% dos aprovados. Ser chamado para um curso de segunda e terceira opção certamente representa uma frustração suficiente para estimular a renúncia à vaga e até a evasão posterior.

Uma universidade como a USP vai além da graduação. Envolve um complexo de compromissos e projetos também, e sobretudo, na pesquisa e na pós-graduação.

O prestígio da USP é medido por critérios que envolvem esse conjunto denso: os resultados das pesquisas, as publicações, as participações de seus pesquisadores em reuniões científicas dentro e fora do Brasil, a formação de novos doutores.

Não é casual que a USP esteja praticamente entre as 200 mais importantes universidades do mundo, no ranking do Times Higher Education, de Londres.

Com o esclarecimento da instituição que o prepara de que ela está muito perto de retornar à lista: no ranking de 2005 a USP estava em 196º lugar e em 2007 em 175º lugar. A instituição sublinha que ela "esteve muito perto de entrar na lista das 200 instituições deste ano". E destaca que, no Brasil, provavelmente, apenas no Estado de São Paulo há universidades de classe internacional.

Lembro que a USP, a Unicamp e a Unesp têm docentes em tempo integral, com doutorado, significativo desempenho em pesquisa e fundos adequados do governo, o que se deve sobretudo à Fapesp. O deslocamento da USP e de muitas outras universidades do mundo se deve ao aumento da competição pelas melhores colocações. A Alemanha emplacou apenas três universidades entre as cem primeiras.

José de Souza Martins, Professor Emérito da Universidade de São Paulo, é autor de A sociabilidade do homem simples (Contexto)

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO (13/3/2011)

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