quarta-feira, 16 de março de 2011

O Libano, o Egito e a democracia ocidental :: Michel Zaidan Filho

Dois acontecimentos recentes abalaram a situação política do Oriente Médio: as ciladas do sionismo acadêmico e a leva de manifestações populares, iniciada na Tunísia, que sacudiram os países árabes. No que diz respeito ao primeiro, há bastante tempo os ensaístas pagos por fortes grupos econômicos sionistas vêm fazendo um esforço de “desconstrução” dos genocídios praticados pelo Estado de Israel na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. A estratégia discursiva desses “cientistas” tem sido a negação ou a minimização das inúmeras baixas humanas sofridas pelos Palestinos e a curiosa situação de ocupação militar das três fronteiras desses territórios por forças militares israelenses. Se fosse possível resumir o esforço retórico dessa turma numa frase, poderíamos dizer como Nietzsche, não há fatos, tudo é versão. E o genocídio do povo Palestino é mais uma das versões alimentadas pelos grupos terroristas árabes no seu intuito – sempre confessado – de destruir o Estado de Israel.

O segundo acontecimento, infelizmente, é muito mais do que uma versão alimentada por grupos terroristas ou fundamentalistas anti-semitas. A atual onda de protestos contra vários governantes árabes, no Oriente Médio, deve sinalizar para mudanças políticas e sociais não necessariamente democráticas e republicanas. Desde o assassinato de Abel Gamal Nasser, o grande reformador do sistema político egípcio, o processo de modernização do Oriente Médio foi interrompido. O nacionalismo de Nasser foi progressivamente deslocado para o campo da cultura e da religião, assumindo o aspecto de uma luta civilizatória contra a cultura mundana e pagã do Ocidente. E seus líderes, guias religiosos que miram o ressentimento das massas enfurecidas contra as tropas militares dos “infiéis” estacionadas em locais, considerados sagrados para os muçulmanos.

No bojo desse caldeirão em ebulição, destacam os sistemas políticos do Líbano e do Egito como sistemas laicos, parlamentaristas e republicanos, onde são realizadas periodicamente eleições. Comparados com os regimes teocráticos do oriente Médio, de fato esses países parecem bem mais democráticos do que os demais. Infelizmente, os analistas que se detiveram no estudo comparativo das instituições políticas libanesas e egípcias, chegaram a conclusão de que, a despeito das aparências, esses sistemas são verdadeiras camisas de força, que engessam a representação de minorias, impede o surgimento de novas forças políticas e garantem a estabilidade do governo, através de eleições não muito democráticas, dada as restrições à liberdade de opinião e expressão que existe nesses países..

Pelo visto, no quadro da existência de inúmeras etnias e religiões a estabilidade política só é possível através de um forte controle social e político das forças da oposição ou da influencia cultural do Ocidente. Talvez isso explique os 30 anos do governo de Osni Mubarack, depois dos assassinatos consecutivos de Nasser e El Sadat. A provável queda de Mubarack não garante de forma alguma um processo de democratização dos sistemas políticos árabes no Oriente Médio. Pode se seguir uma onda de muita violência e intolerância religiosa contra outras etnias e religiões e o ódio ao Ocidente. É preciso ter em mente que as transformações políticas no mundo árabe se alimentam de muitas fontes de insatisfação. Assim, na ausência de uma sociedade forte, ampla e plural, pode prevalecer a liderança de grupos religiosos fundamentalistas que transformem o Egito em campo de lutas sangrentas entre grupos rivais, com a morte de muitas vítimas civis.

A democracia de baixa intensidade que caracteriza os sistemas políticos do Ocidente não é uma fórmula ou uma receita mágica que possa ser transportada por missionários ou tropas militares para a civilização da “barbárie” oriental, como pensam alguns. Primeiro, porque esses sistemas têm uma relação intima com o Cristianismo e a doutrina kantiana da responsabilidade moral dos indivíduos: segundo, porque na reconstrução desses sistemas deve ser levado em consideração o torvelinho das culturas, etnias e religiões que habitam a região. Sem isso, trata-se de repetir o velho etnocentrismo da cultura ocidental em considerar bárbaro, obscuro e atrasado tudo o que não for branco, cristão e reformado.

Michel Zaidan Filho é professor da Universidade Federal de Pernambuco

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