quinta-feira, 10 de março de 2011

Atualidade de San Tiago Dantas:: Cássio Schubsky

San Tiago Dantas consolidou política externa independente, contrária ao alinhamento do Brasil ao jugo norte-americano e sem submissão à ex-URSS

Em que pese o fato de muita gente pregar o desuso das expressões "direita" e "esquerda", sou dos que ainda creem na utilidade desses conceitos para definir o espectro político, posturas ideológicas e práticas de atores sociais em geral e de governantes em particular.

Em resumo muito sumário, ser de esquerda hoje é acreditar que existe, a olhos vistos, um enorme fosso social brasileiro e que impera -sim, senhor!- abjeta concentração da renda, a ser combatida.

Ser de direita é agir para que tudo fique como está, para ver como é que fica... mantendo-se a exploração venal do trabalho, mesmo com o verniz de medidas sociais de caráter paliativo.

É bem verdade que pregação e prática não guardam, muitas vezes, coerência entre si, ou seja, quando o que se proclama não é o que se faz. Exemplo: o sujeito bate no peito para se jactar "de esquerda", mas se aferra a privilégios, mamando, egoisticamente, nas tetas opulentas do Estado.

Escrevo tudo isso para lembrar que neste ano celebra-se o centenário de nascimento de um dos grandes personagens da história brasileira do século 20, Francisco Clementino de San Tiago Dantas.

Ativo integralista na juventude, San Tiago morreu cedo, com apenas 52 anos de idade, dizendo-se de esquerda. E forjou distinção entre o que ele chamava de "esquerda positiva" (que transige e negocia) e de "esquerda negativa" (movida pelo confronto desbragado).

Em clássico prefácio ao não menos clássico livro "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, o crítico literário Antonio Candido assinala essa mudança de rumo ideológico de alguns integralistas, asseverando que San Tiago "era um dos mais brilhantes entre eles".

Carioca, nascido em 30 de outubro de 1911, San Tiago Dantas tornou-se "catedrático menino", aos 26 anos professor da Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro.

Escritor bissexto, jornalista, advogado, deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (o PTB de Vargas e Jango), deixou poucos registros escritos de sua luminosa produção intelectual, em que se destacam pareceres jurídicos, discursos parlamentares, artigos compilados, aulas taquigrafadas por alunos e uma conferência notável intitulada "Dom Quixote, um Apólogo da Alma Ocidental".

No governo João Goulart, comandou as pastas da Fazenda e das Relações Exteriores, atuando ao lado de outros luminares da cultura, como Celso Furtado e Darcy Ribeiro. E manteve-se fiel a Jango, quando ambos definhavam: o governo e San Tiago, acometido de câncer fulminante, que o aniquilou em 6 de setembro de 1964.

Na condução do Itamaraty, consolidou a chamada política externa independente, contrária ao alinhamento do Brasil ao jugo norte-americano e sem submissão à extinta União Soviética.

Sua filiação à esquerda positiva custou-lhe caro -a Câmara recusou a indicação de seu nome para o cargo de primeiro-ministro no breve período parlamentarista.

Em discurso proferido quando foi agraciado com o prêmio "Homem de Visão do Ano", em 1963, semanas antes do golpe civil-militar que apeou Jango do poder, San Tiago cunhou uma farpa contra seus próprios detratores que ainda hoje dá o que pensar: a "elite esclarecida" está aquém do nosso povo.

Cássio Schubsky (1965-2011), foi editor e historiador, organizador do livro "Clóvis Beviláqua -Um Senhor Brasileiro" (Editora Lettera.doc). Este era seu último artigo inédito.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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