sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Uma guerra bem particular:: Maria Cristina Fernandes

A cada egípcio assassinado, tombam 600 alagoanos. O dado, divulgado ontem pelo Mapa da Violência, leva em conta dados de 2008 tanto do Estado mais violento do Brasil quanto de um dos países onde mais se mata no Oriente Médio.

Os quase 400 mortos oficialmente reconhecidos nos conflitos que tiveram origem na praça Tahrir podem alterar a 96ª posição que o Egito ocupa entre os 100 países mais violentos do mundo. Quanto a Alagoas, não há notícias do arrefecimento do tráfico de drogas, apontado como a âncora da violência que, no último ano de registro (2008), vitimou 1.887 pessoas num dos menores Estados do país.

O documento, produzido em parceria entre o Ministério da Justiça e o instituto Sangari (www.sangari.com/mapadaviolencia), informa que a taxa de homicídios deixou de crescer significativamente, mas estacionou em patamar ainda alto demais para padrões mundiais (26,4 mortes/100 mil habitantes). O Brasil ficou em 6º lugar, ultrapassado por países como El Salvador (1º) e Guatemala (4º), onde o crime estaria sendo dominado pelo que o relatório chama de "gangues juvenis".

Na década, morreram de morte matada meio milhão de brasileiros, cifra que rivaliza com a dos grandes conflitos mundiais do período, como as guerras do Iraque e do Afeganistão, mas não move um ponto sequer das bolsas de valores.

Alagoas lidera, mas o prontuário que registra o maior crescimento (367%) no número de homicídios na década é o do Maranhão. Em 1998, o Estado era o mais pacato do país, hoje, junto com a fronteira agrícola, já avançou para a 21ª posição.

Na década, três Estados ingressaram no clube dos 10 mais violentos do país: Bahia, Paraná e Pará. É neste último que fica o canto mais violento do território nacional, Itupiranga, município da região de Marabá com 42 mil habitantes onde, ao lado dos tradicionais crimes de pistolagem, assaltos a banco por quadrilhas armadas de fuzis e metralhadoras viraram rotina.

A violência se espraia no território nacional, mas é cada vez mais concentrada entre brasileiros negros de 15 a 24 anos. Apenas um terço dos óbitos jovens da década registram morte natural. Somem-se aos homicídios os acidentes de trânsito que, pelo crescimento exponencial da frota nacional de selvageria motorizada, já ultrapassam os índices pré- Código Brasileiro de Trânsito.

Além de jovem, o brasileiro assassinado é cada vez mais negro. No Brasil dos brancos a violência caiu 22%. No dos negros cresceu quase na mesma proporção. A cor da pele duplica as chances de um basileiro ser morto. Apesar de a violência crescer a taxas significativas em todo o país, a estabilidade na taxa nacional de homicídios - o crescimento na década foi de 1,9% - deve-se aos dois Estados mais populosos. Em São Paulo a taxa de homicídios caiu 56% na década e no Rio a redução foi metade da paulista.

A redução da violência em ambos os Estados esteve fortemente ancorada nos indicadores de suas capitais. São Paulo hoje é a capital mais segura para se viver no Brasil. Dez anos atrás era a sexta mais perigosa. O Rio, que locupleta a catarse nacional em torno do tema, era, no início da década, a quinta capital brasileira mais perigosa. Hoje apenas sete são mais seguras - Palmas, Florianópolis, Boa Vista, Campo Grande, Teresina e Rio Branco, além de São Paulo.

Coordenador do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cuja última edição é de novembro do ano passado, Renato Sérgio de Lima, relaciona a redução dos homicídios das capitais brasileiras, que o Mapa da Violência registra em 17%, ao crescimento nos gastos municipais com segurança pública. Lima explica que os prefeitos passaram a se envolver mais diretamente - chegando até a pagar aluguel de delegacia e quentinha para policial - porque a deterioração das áreas afetadas acaba exigindo um dispêndio ainda maior do poder municipal.

Segundo o anuário, o poder público mais do que duplicou seus gastos nesta rubrica a partir de 2003, sendo o maior aumento das despesas federais (202%), seguido pelas municipais (168%) e dos Estados (96%), titulares, pela Constituição, desta atribuição. A União passou a gastar mais para coordenar as ações nacionais de segurança pública. No detalhamento dos cortes do Orçamento, que só esperava a aprovação do salário mínimo para acontecer, essas despesas estarão na mira. É a melhor maneira de se dar a guerra por perdida.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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