sábado, 5 de fevereiro de 2011

À sombra da reforma política:: Wilson Figueiredo

No último dia da campanha para eleger o presidente da Câmara dos Deputados, para este ano e o próximo, os dois candidatos, sem nada mais a dizer ao eleitor a quem devem seus mandatos, engalfinharam-se corporativamente na divergência fictícia em torno do novo prédio para alojar a ociosidade representativa, sem esquecer os reajustes de vencimentos iguais aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal e, para encerrar, tornar obrigatória, pelo Executivo, a liberação dos valores das emendas assinadas pelos deputados e incluídas no Orçamento da União.

O Brasil tem muito mais a fazer até a presidente Dilma Rousseff botar mãos à obra na enjeitada reforma política. Sem esquecer que o ex-presidente Lula passou como um vendaval, destelhou a oposição e deixou tudo por arrumar. Provou sem querer – e apesar dele – que a democracia resistiu galhardamente à maneira como é entendida e praticada por aqui. Sem reforma política, mas com a iniciativa de encaixar na classe média, mediante três refeições por dia, os brasileiros que estavam do lado de fora do consumo.

O resto ficou para depois.

Não consta onde foi parar o interesse público na democracia que os dois candidatos, agora resumidos num único presidente, se propuseram consolidar corporativamente. Sem uma oposição daqueles que fazem ou escrevem a história, e para as quais não basta a versão oral, nada feito. Questões inodoras, incolores e insípidas são óbvias demais para esquentar a disputa de uma presidência que, mais do que notícia de jornal, merece uma página de Eça de Queirós ou uma boa farpa de Ramalho Ortigão.

A reforma política esqueceu sua razão de ser, desde que o ex-presidente Lula desistiu e jogou a toalha porque a empreitada é, em si mesma, uma iniciativa tão perfeita para não ser executada que é melhor ficar fora do seu raio de alcance. Qualquer disposição efetiva pode estraga-la. Deixem o Brasil se encontrar. O ex-presidente livrou-se de ser o maestro de uma reforma na qual o Brasil, republicanamente falando, não se reconheceria no dia seguinte. Qualquer reforma que se faça só vai estragar as facilidades da vida parlamentar, cuja produtividade pode ser aquilatada pelos dias de trabalho. Se, ao invés de dois dias úteis (por semana), fossem quatro, o número de inconveniências dobraria.

Os dois candidatos quiseram animar a disputa, mas a diferença entre eles não foi suficiente para deixar clara qualquer divergência. Trataram de soprar as brasas dos interesses que os une e nos quais, um dia, acabam fritos. Sem necessidade de dar nome aos bois, um dos dois mandou à presidente Dilma uma carta na qual pedia respeito pelas emendas individuais.

O outro se sentiu roubado e sacou o argumento de que “bom presidente (da Câmara dos Deputados) não manda carta”, pois dispõe do recurso regimental de trancar a pauta da Câmara quando o Executivo não der a devida consideração às demandas parlamentares.

A repercussão do confronto não foi medida em pesquisas de opinião, mas o outro candidato advertiu o Executivo: “Mexer com deputado agora, de forma injusta (sic), significa mexer com a presidência da Casa, e não ficará sem a devida resposta”. Não era para valer, mas apenas constar. O Tribunal de Contas da União ficou na mira do orador e deve ter tomado nota de que “terá seu papel complementar como órgão auxiliar do Legislativo, e não o contrário, como acontece hoje”. Um deles informou que vai mudar o tipo de relação com tribunais que “querem legislar” (esta foi na vidraça do Supremo) sobre questões já decididas pelo Legislativo. O Ministério Público não ficou ileso, pois é useiro e vezeiro em “desrespeitar os parlamentares”.

A antirreforma falou. O resto virá a seu tempo.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

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