terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Mudanças em causa própria:: Raymundo Costa

Há um sentimento de urgência no Congresso em torno da reforma política. Ignorada por Dilma Rousseff, que na campanha chegou a considerá-la prioridade, a reforma foi assumida pelo Congresso. Mas as mudanças sugeridas pelos líderes políticos, até agora, apontam para o mesmo impasse no qual se viram os partidos, nas tentativas anteriores.

A sensação de "agora vai" decorre, principalmente, do fato que os grandes partidos serão os mais beneficiados com as mudanças em vista, como o fim da coligação nas eleições proporcionais ou a criação do "distritão", musa da estação dos primeiros dias de atividade parlamentar. Na prática, trata-se da implantação do voto majoritário nas eleições para a Câmara dos Deputados.

Atualmente, os deputados são eleitos pelo voto proporcional, sistema que pode levar a casos como o da ex-deputada Luciana Genro (PSOL-RS): ela foi a oitava mais votada do Estado, e a segunda de Porto Alegre, mas ficou fora da Câmara, porque seu partido não atingiu o número de votos necessários para enviar um representante a Brasília. Houve outros 32 casos parecidos, em 15 Estados brasileiros. Pelo "distritão", todos estariam eleitos.

A proposta é antiga, mas ganhou visibilidade, nos últimos dias, por causa da adesão à causa do vice-presidente da República, Michel Temer, e do presidente do Senado, José Sarney, dois eminentes próceres do PMDB. O presidente do PP, senador Francisco Dornelles (RJ), também já havia declarado apoio ao "distritão".

O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), entidade ligada às centrais sindicais, fez uma simulação de como seriam as atuais bancadas na Câmara, se o "distritão" fosse o sistema adotado nas eleições de 2010. Os partidos que se revezaram no poder nos últimos 16 anos seriam os que mais ganhariam deputados.

O PMDB elegeu 78 deputados e ficaria com dez a mais; o PT teria levado mais oito vagas, além das 83 que conseguiu nas urnas. O DEM, que perdeu a quarta posição na Câmara para o PP (os dois partidos tem origens profundas na antiga Arena), em vez de 43, teria eleito 50 deputados - sete cadeiras a mais ajudariam a manter de pé um partido que parece às vésperas da implosão. De todos, o PSDB é o que mais ganharia - sairia de 53 para 65 deputados, 12 a mais.

Ocorre que o PT, por mais que seja beneficiado com a mudança, ficará contra o "distritão". Partido mais bem organizado do país, muito embora o PMDB continue sendo o de maior capilaridade, interessa aos petistas o voto na legenda. As pesquisas indicam um índice de apoio ao PT em torno dos 20%, enquanto o PMDB fica a distante 7%, em segundo. Na legenda, o PT teve 10 milhões de votos contra 8 milhões do PMDB, em segundo, na eleição de 2010.

Interessa ao PT, portanto, manter o voto de legenda. Por isso, o partido vai insistir na proposta do voto em lista fechada, que esteve por ser aprovada em 2009, com o apoio das quatro legendas, mas foi brecada por exigências de última hora feitas pelo PSDB. Véspera de ano eleitoral, a época, na realidade, era imprópria para mudanças nas regras do jogo. Se a lógica petista é partidária, por outro lado o "distritão" interessa ao PMDB, sigla mais afeita à filiação de nomes populares do rádio e da televisão, por exemplo. Mas não seria bom negócio, aparentemente, para o PSB (e outras siglas do mesmo porte), um dos partidos que mais cresceram nas eleições de 2010.

Não interessa aos partidos médios e pequenos, também, o fim da coligação entre partidos para as eleições proporcionais. Dos quatro maiores, na eleição passada, somente o DEM teria perdido espaço - o PMDB teria hoje mais 31 deputados, o PT, 20 e o PSDB os mesmos 12 do "distritão". Instinto de sobrevivência: já há algumas eleições o DEM, sucedâneo do antigo PFL, adotou o método de se coligar com siglas de maior densidade eleitoral, a exemplo das pequenas legendas, como é o caso da tradicional aliança do PCdoB com o PT.

A "janela" para permitir a troca de partido sem a perda do mandato interessa ao PMDB e PSB, especialmente, que seriam o destino de todo adesista que ainda não oficializou apoio ao governo por causa da lei da fidelidade. Hoje o maior interessado é Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, que já contratou o caminhão de mudança e esvaziou suas gavetas no DEM numa caixa de papelão. Mais tarde pode ser do interesse de Aécio Neves ou José Serra, se os tucanos, outra vez, resolverem não optar pelo suicídio coletivo. O governo pode ser a maior vítima de um inchaço pemedebista, mas também pode tirar gente do PMDB para o PSB, um bom aliado.

Duas outras mudanças começaram a ser discutidas, agora que está claro que Senado e Câmara efetivamente vão criar comissões para tratar da reforma política. O primeiro é a candidatura avulsa, lançada por dois eventuais candidatos: Marina Silva, que convive com dificuldades com a cúpula do PV, e Itamar Franco, que nunca foi muito ligado a partidos políticos. Outra é o voto facultativo, que chega com o cheiro de quem deseja tirar da fila de votação os eleitores do Brasil profundo, aquele onde são maiores os índices de abstenção, mas também a base de sustentação do atual governo. O casuísmo está a solta na reforma política.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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