domingo, 13 de fevereiro de 2011

Em boa hora:: Míriam Leitão

A hora é boa para analisar com visão estratégica a relação com os Estados Unidos, deixando de lado as birras do último governo e tendo uma atitude mais madura. Eles são e por muito tempo serão o maior mercado do mundo. Em quatro anos, o Brasil saiu de um superávit comercial de US$ 10 bilhões para um déficit de US$ 7,7 bilhões com os americanos. O que aconteceu?

Alguém pode dizer que é o câmbio valorizado do Brasil. Resposta insuficiente, por várias razões. O mundo tem superávit com os Estados Unidos e nós um déficit crescente. Eles eram, anos atrás, perto de um quarto da nossa corrente de comércio; hoje, representam menos de 10%. A boa razão dessa queda é que o Brasil aumentou a venda para outros mercados do mundo, diversificando mais o destino de nossas exportações.

Mas esse encolhimento é também fruto do descaso —e até implicância ideológica —que o Brasil dedicou aos Estados Unidos nos últimos anos. É boa hora para analisar toda a relação com os norte-americanos porque o presidente Barack Obama está vindo, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, acabou de vir em viagem preparatória, um novo governo começa no Brasil, e a virada da balança comercial tem números expressivos demais para serem ignorados.

Anos atrás, os Estado Unidos propuseram a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) Se aquele bloco seria bom ou não, é difícil dizer hoje, por que é uma espécie de acordo Porcina — foi, sem nunca ter sido. Só se saberia se ele seria bom se tivesse havido uma negociação. O Brasil copresidente da negociação com os EUA de um acordofez o que pôde, e com mau modos, para bloquear a negociação bem no seu início. A ideia de nos amarrar nu ma região de livre comércio com a maior economia do mundo talvez fosse mesmo uma má proposta,mas o Brasil teria que saber qual era o lance seguinte. E não soube Poderia ter tentado um acordo bilateral de comércio que fosse bom para as duas maiores economias das Américas. Em algumas áreas, as economias competem entre s como na produção de certa commodities, em outras, são complementares.

O desleixo com que foi deixada a relação com os Estados Unidos tinha um elemento estranho à diplomacia brasileira. Ela sempre foi, com raras exceções, independente e altiva. Sempre soube quando dizer “não” às pressões de Washington, mesmo no governo militar . Mas nos últimos anos entramos em brigas inúteis. De que nos serve, por exemplo, ecoar os gritos demagógicos de Hugo Chávez contra o “imperialismo” americano, se a Venezuela continua tendo nos Estados Unidos um enorme parceiro comercial? De que nos serve apoiar o programa nuclear como Irã, afiançando que ele é pacífico como o nosso, passando um recibo de ingenuidade ao mundo?

Bastava no caso do Irã manter uma boa relação, já que ele é nosso parceiro comercial, mas avalizar uma política nuclear cheia de perigosas ambiguidades é um equívoco. De que nos serve embirrar contra a solução encontrada para o impasse de Honduras?O Brasil estava certo quando ficou contra o golpe, errou quando passou a ser o protetor de Manuel Zelaya e deixou que a embaixada fosse usada como seu escritório político. De qualquer maneira, quando houve a eleição, o período presidencial de Zelaya já havia terminado. Mas o Brasil ainda não reconhece o governo de Honduras e com isso criamos situações embaraçosas do tipo “ou ele ou nós”, cada vez que se pensa em uma reunião dos países das Américas. Está na hora de avaliar todo o comércio com osEstados Unidos, passando raios X sobre oportunidades, contenciosos, cooperação e interesses para saber o que vamos propor nestas semanas em que se prepara avinda do presidente americano. Na diplomacia, quase tudo se conversa de véspera, por isso, a hora é esta.

Na política internacional, temos que avaliar melhor onde os conflitos com os Estados Unidos são inevitáveis e quais as brigas que eram apenas demonstrações infantis de independência. Não precisamos provar independência; sempre fomos independentes. Nossa política externa nunca foi caudatária. A diplomacia brasileira tem habilidade e esperteza suficientes para saber a diferença de uma briga realmente boa e as que são inúteis.O Brasil quer e merece ter uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, mas não deve depositar tudo nesse altar. Essa é uma grande divergência com os Estados Unidos. A eles, interessa manter o mesmo núcleo de países no Conselho formatado para um mundo que já foi transformado pela emergência de potências médias importantes, entre elas, o Brasil.O tempo corre anosso favor,mas atitudes estouvadas enfraqueceram a nossa posição.

Na diplomacia, o parceiro estratégico muda dependendo do tema. Brasil e Estados Unidos estão mais próximos em alguns temas e em posições opostas em outros. Portanto, é preciso reencontrar o caminho desse diálogo nos pontos em que os dois países se aproximam. A ideia de que o Brasil deve se alinhar à China contra os países desenvolvidos não faz sentido em várias questões. Na guerra cambial, tanto o dólar quanto o iuan estão desvalorizados, com a diferença de que a moeda chinesa é controlada, e o dólar reage a um excesso de emissão. Mas os dois países criam problemas para ao Brasil. Na luta contra as emissões dos gases de efeito estufa, nosso maior parceiro deveria ser a Europa, que há anos persegue seus cortes de emissão, e não a China, que é a maior emissora, ou os Estados Unidos, o maior emissor per capita e que não assinou o Protocolo de Kioto. É esse pragmatismo inteligente que precisa voltar a vigorar na diplomacia brasileira.

FONTE: O GLOBO

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