quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Tragédia e descaso

DEU EM O GLOBO

A história se repete. Como se não houvesse previsão do tempo, mais uma tempestade de verão leva destruição e mortes ao Rio, desta vez na Região Serrana. Teresópolis, Friburgo e Petrópolis foram atingidos por um temporal que deixou pelo menos 264 mortos - entre os quais três bombeiros -, provocou deslizamentos, desabamentos e inundações, em nova tragédia que o poder público, ano após ano, não consegue evitar.

Em meio a mudanças climáticas que tornarão as chuvas mais rigorosas, crescem o desmatamento, a ocupação irregular das encostas e a demora na liberação de verbas. Na tragédia de ontem, o Centro de Friburgo ficou inundado e a cidade, isolada, sem energia elétrica e comunicações. O Estado do Rio recebeu apenas 0,6% dos recursos (R$ 1 milhão) do governo federal para prevenção, aplicados na capital, em Rio Claro e em Volta Redonda.

Outro levantamento mostra que a União deixou de repassar recursos até mesmo para as cidades atingidas na Região Serrana. Os R$ 450 mil previstos para obras de contenção na Estrada Cuiabá (Petrópolis) - área destruída pelas chuvas - não foram liberados. Para Friburgo, havia uma estimativa de repasse de R$ 21,7 milhões, mas os recursos também não foram empenhados.

Agora, a presidente Dilma Rousseff autorizou o repasse de R$ 780 milhões para recuperar áreas destruídas pelas chuvas no Rio e em São Paulo. Hoje, Dilma e o governador Sérgio Cabral, que estava no exterior com a família, vão sobrevoar as áreas atingidas.

Temporais deixam 271 mortos

Governo do estado estima que duas mil famílias precisem ser removidas de áreas de risco em Teresópolis

Mais uma vez castigada pelas chuvas de verão, a Região Serrana do Rio ainda contabiliza as perdas depois dos temporais que começaram na madrugada de segunda-feira. Até o fechamento desta edição, Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis já somavam 271 mortes, em uma contagem dos municípios. Teresópolis concentrava o maior número de mortos: 130. Pelo menos 960 pessoas ficaram desabrigadas, e outras 1.280 desalojadas. A Defesa Civil de Petrópolis registrava 34 mortes, mas a própria prefeitura esperava um número bem maior , pela dificuldade das equipes de socorro em chegar aos locais mais atingidos. Haveria ainda mais de 30 desaparecidos.

Os prolemas de comunicação na cidade de Nova Friburgo, que passou o dia de ontem isolada por barreiras, também dificultavam o trabalho de resgate.

Lá, foram ao menos 107 mortes, sendo três bombeiros, soterrados enquanto se dirigiam para uma operação de salvamento. No último boletim divulgado ontem pela Defesa Civil do estado, às 20h15m, as três cidades totalizavam 209 vítimas. No início da tarde, o prefeito de Teresópolis, Jorge Mário Sedlacek, decretou estado de emergência e calamidade pública.
Dezessete bairros da cidade foram atingidas por desmoronamentos. As mortes ocorreram, principalmente, nas localidades de Poço dos Peixes, Fazenda da Paz (no bairro da Posse), Granja Florestal, Parque do Imbuí, Barra do Imbuí, Vale Feliz, Jardim Serrano, Caleme e em Bonsucesso, na zona rural. Nos cálculos do prefeito, serão necessários R$ 200 milhões para reerguer Teresópolis.
Os desabrigados estão sendo levados para o Ginásio Poliespostivo Pedro Jahara, mais conhecido como Pedrão, e para um galpão na Rua Tamoio, no bairro do Meudon. As escolas dos bairros atingidos também estão acolhendo as vítimas. — Um hospital de campanha já está sendo erguido no ginásio Pedrão. Vacinas contra leptospirose e tétano estão sendo aplicadas em moradores —disse o prefeito.

Seis mil famílias em áreas de risco

Na avaliação do secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, cerca de duas mil famílias devem ser removidas de Teresópolis, sendo que 200 já foram atendidas com aluguel social. O secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Rodrigo Neves, que sobrevoou com Minc a região, afirma que a estimativa é de que, em Petrópolis, existam 4 mil famílias em áreas de risco, sendo que 500 em locais de extremo risco. Para Minc, houve uma combinação de um fenômeno natural com a imprudência dos prefeitos que não contiveram a ocupação desordenada:
— Houve irresponsabilidade histórica de vários prefeitos. Além dos omissos, que não impediram a ocupação desordenada, alguns chegaram a estimular a ocupação nas encostas - disse Minc, lembrando ser fundamental aumentar as áreas de preservação ambiental e a remover famílias de locais de risco. — O trabalho de médio prazo é reorganizar as áreas, realocar as pessoas. O mapeamento de risco está pronto para as três cidades (Teresópolis, Petrópolise Friburgo).
Precisamos de mais aluguel social emergencial e acabar com o populismo, fazendo a realocação de famílias. A Secretaria e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea)mobilizaram máquinas e pessoal para ajudar as equipes de socorro. Presidente do Inea, Marilene Ramos conta que, em Teresópolis, a catástrofe atingiu os acessos, impedindo a chegada dos bombeiros e da Defesa Civil aos locais onde a tragédia foi maior .

— Em Teresópolis o cenário é de destruição, e não há acesso para o socorro. Estamos mobilizando escavadeiras, dragas e caminhões para ajudar os prefeitos a abrir caminho até os locais onde estão as vítimas e desentupir os rios. Além disso, estamos trazendo equipe do DRM, geólogos e geotécnicos, para identificar áreas de risco mais críticas e apoiar reassentamentos—disse Marilene, que percorreu Petrópolis e Teresópolis.

A Secretaria estadual de Agricultura também começou ontem a deslocar para Teresópolis máquinas do programa Estradas da Produção. Os equipamentos, usados na recuperação de estradas vicinais, vão auxiliar na desobstrução dos acessos. A secretaria enviará para o município 30 profissionais, inclusive engenheiros.Os trabalhos emergenciais em Teresópolis ocorrem em mais de 20 frentes. — A situação é muito crítica em vários pontos de Teresópolis. Chegaremos a quase mil desabrigados na cidade relatou Rodrigo Neves, que criou um gabinete de crise para levantar as necessidades dos moradores. Moradora do bairro de Bonsucesso, Isabel Cristina Batista Ferreira, de 40 anos, perdeu uma filha de 5anos. Ela conta que estava com as três filhas — uma de 17 anos e duas de 5— e, por volta das 2h foi pega de surpresa pela enxurrada:
— A água começou a entrar em casa devagar . De uma hora para outra, subiu até o teto.Meu pai jogou uma das gêmeas para o telhado e me segurou pelo braço. As outras duas ficaram dentro da casa ate a água baixar . Não durou nem cinco minutos.

Mas a menorzinha não resistiu —desabafou, enquanto esperava a liberação do corpo. Isabel era uma das dezenas de pessoas que se postaram ao longo da tarde de ontem na porta da 110a -DP ,para onde foram levados os corpos. No local, parentes e amigos dos desapareci- dos buscavam noticias de parentes ou amigos. Entre os rostos inconsoláveis, estava Mozair Gonçalves, de 44 anos. Morador do bairro de Campo Grande, ele perdeu a mulher eum filho de 13 anos. Seu vizinho José Luiz dos Santos Barbosa diz que o cenário no bairro era de terror.

— Nunca imaginei que pudesse acontecer isso ali. A mata nativa desceu toda, com paus, pedra, com tudo. Minha casa ficou em pé porque dois carros virados protegeram o muro. Eu e uns amigos ainda salvamos muita gente,mas também encontramos muita gente morta. Rose Mari Barbosa Silva, de 43 anos, perdeu cinco pessoas de sua família no bairro Campo Grande, em Teresópolis. Ela disse que não imaginava que a tragédia fosse tão grande. Rose Mari mora no bairro Perdigueiro eontem caminhava na lama em busca de notícias.

— Perdi minha mãe,minha filha, meu cunhado e dois sobrinhos. Não sei como vou recomeçar a vida sem eles. Mesmo não morando no local da tragédia, vi toda a minha vida e minha família indo pela lama. ■

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