sábado, 29 de janeiro de 2011

Protestos crescem e ditador do Egito mobiliza Exército

O regime do ditador egípcio, Hosni Mubarak, viveu ontem seu momento mais crítico desde que foi instaurado, há 30 anos. Mubarak mobilizou o Exército, decretou toque de recolher e derrubou a internet, mas acabou novamente surpreendido pela população, que desde o dia 25 sai às ruas para exigir a queda do regime. Milhares de egípcios desafiaram as medidas adicionais de exceção e os tanques. Manifestantes escalaram veículos policiais e atearam fogo a prédios públicos. Pelo menos 13 pessoas morreram, e o Nobel da Paz Mohammed El Baradei, que se dispôs a liderar a oposição, foi colocado sob prisão domiciliar. Os EUA, que têm em Mubarak um de seus maiores aliados, ameaçam rever a ajuda financeira e militar ao Egito “com base no que ocorrer nos próximos dias".

Repressão a protestos no Egito deixa 29 mortos; Mubarak dissolve gabinete

No dia mais violento das manifestações para exigir a renúncia de ditador, que promete nomear novo Ministério neste sábado; multidão desafia toque de recolher e enfrenta o Exército em três grandes cidades do país

CAIRO -Depois de enviar o Exército para as ruas, ordenar o corte de serviços de comunicação - como internet e telefones celulares - e anunciar seu apoio às medidas de força adotadas pelas forças de segurança, o presidente do Egito, Hosni Mubarak, anunciou ontem a dissolução de seu gabinete de ministros e se comprometeu a adotar reformas. O líder também se apresentou como o principal fator de estabilidade do país.

A rede nacional de rádio e TV convocada pelo ditador, que está no poder há três décadas, encerrou o mais violento dos quatro dias de protestos no país. "Seguirei os passos para manter a segurança dos egípcios. Essa é a responsabilidade que assumi", disse Mubarak.

A multidão enfrentou o Exército nas principais cidades do país - Cairo, Alexandria e Suez. O toque de recolher, imposto entre as 18 e as 7 horas não impediu as manifestações. Os choques de ontem resultaram na morte de pelo menos 29 pessoas, 16 no Cairo e 13 em Suez, segundo fontes médicas. Até o início das manifestações de ontem, outras cinco mortes tinham sido registradas. Mubarak, que prometeu no0mear um novo gabinete ainda hoje, determinou ainda uma onda de prisões em massa. Mohamed ElBaradei, ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e integrante da oposição, foi colocado em prisão domiciliar.

A Irmandade Muçulmana, mais importante movimento islâmico do Egito, informou ontem que cinco líderes do grupo e cinco ex-deputados também foram presos. Walid Shalaby, porta-voz da organização, afirmou que o número de membros detidos é muito maior.

Ignorando as medidas repressivas, milhares de egípcios marcharam, escalaram veículos das forças de seguranças com bandeiras e atearam fogo em prédios públicos - incluindo o Ministério das Relações Exteriores e a sede do governista Partido Nacional Democrático.

Rapidamente, o fogo se alastrou e ameaçou tomar conta do Museu Egípcio, onde estão 27 múmias de faraós, incluindo a tumba de Tutancâmon. Cairo, já caótica, entrou pela madrugada sob o som de tiros, sirenes de ambulâncias e ruídos de helicópteros das Forças Armadas.

A principal reivindicação da população é o fim do regime. "O que queremos é uma coisa só: fora Mubarak!", gritavam os manifestantes pelas ruas. "O governo não pode frear a democracia", disse ao Estado Tamer Nabi, professor primário e um dos que ontem se colocou diante dos tanques para impedir a passagem dos blindados.

Os protestos haviam começado pacificamente depois das orações de sexta-feira. No fim do dia, porém, as coisas fugiram do controle. A policia espancou dezenas de pessoas, fez novas prisões e continuou a lançar bombas de gás lacrimogêneo para tentar - sem sucesso - dispersar os manifestantes. Temendo o fim de seu governo, Mubarak aumentou a repressão, pôs o Exército nas ruas e decretou um toque de recolher, que inicialmente era apenas para o Cairo, Alexandria e Suez, a partir das 18 horas. A medida, porém, foi ampliada para todo o país.

À noite, o Exército posicionou-se em pontos estratégicos da cidade. Muitos egípcios, porém, foram as ruas saudar ironicamente os tanques, desafiando os militares. "Não temos medo", gritava um dos manifestantes, enquanto seus colegas tentavam escalar o veículo.

O Estado presenciou a cena de um tanque, repleto de civis em seu teto, tentando desviar da população. Um dos rapazes sobre o veículo levava a camisa número 11 da Seleção Brasileira com o nome de Robinho.

Sentados sobre os blindados, os soldados não disfarçavam o susto em ver a população desafiar o Exército e permanecer nas ruas durante a noite. Alguns dos manifestantes chegavam a dançar em volta dos tanques.

Em Alexandria, segunda cidade do país, um fato inusitado. Policiais passaram o dia em uma violenta batalha contra os manifestantes, lançado bombas de gás e distribuindo pancadas com cassetetes.

Esgotados, no início da noite, eles recuaram e cruzaram os braços. Alguns, começaram a apertar timidamente as mãos dos manifestantes, a maioria jovens estudantes que ofereceram água aos policiais. Um membro da ONG Human Right Watch informou que não havia mais policiamento na cidade.

No Cairo, a situação permaneceu tensa. Incêndios foram registrados em outras partes da capital. Os gritos dos manifestantes eram quebrados por ambulâncias, que levavam os feridos para hospitais. À beira do Nilo, um grupo tentava virar um caminhão abandonado pela polícia.

"O governo deu sinais de desespero ao enviar o Exército. Mubarak não teve nem mesmo a coragem de falar ao povo. Ele está distante da realidade que o Egito se transformou nos últimos 30 anos", afirmou Hani Abdallah, professor de economia da Universidade do Cairo, que esta semana trocou a sala de aula pelas ruas.

O Estado acompanhou ontem as orações na Mesquita de Rabaah, no bairro de Nasri. O líder religioso local pediu à população que abandonasse os protestos. A multidão ouviu em silêncio. Mas, assim que deixaram o local de culto, os fiéis se reuniram para iniciar uma marcha até o centro da cidade. "Os imãs do Egito são todos pagos por Mubarak. Não confiamos neles", afirmou Tariq Zoglu.

No inicio da marcha, eram 500 pessoas. Mesmo sem celular e internet, o número cresceu. À medida que avançavam a pé, ganharam adeptos de outras mesquitas e de moradores das ruas por onde passavam. "Eu não iria sair, mas quando vi que era algo real e espontâneo, decidi que queria fazer parte desse dia", declarou Samir, professor de inglês.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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