domingo, 9 de janeiro de 2011

O tempo e a hora::Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Na primeira semana da presidente Dilma, o cenário político ficou confuso, a economia mandou sinais de prudência e ajuste, alguns ministros tiveram ideias e fizeram escolhas animadoras, a presidente marcou seu estilo. O país se viu poupado de ouvir declarações torrenciais diárias do chefe da nação. O tom diferente mostra as vantagens dos rituais democráticos, como a alternância do poder.

A posse da presidente Dilma significou um ineditismo: pela primeira vez desde 1930 três presidentes eleitos tomaram posse sucessivamente, sem interrupções e anormalidades. Tudo foi como tem que ser. É, enfim, a normalidade numa república tão cheia de sustos e sobressaltos.

Na área política, o governo pareceu à deriva, impotente diante das quedas de braço entre os dois grandes partidos da coalizão, na guerra pelos cargos do segundo escalão, que a prudência mandaria ter mais técnicos do que indicados pelos partidos. Ajudaria se o PT não tivesse se mostrado tão voraz na ocupação de ministérios e postos; ajudaria se o PMDB entendesse a proposta da presidente de ter técnicos em posições-chave. A repetição do padrão da repartição, envolvendo as mesmas pessoas, a mesma estranha lógica, fez o governo parecer velho logo nas primeiras horas. Os impasses criados pela incapacidade do ministro cuja função é fazer a articulação política passaram uma mensagem de fraqueza num momento em que o governo deveria estar no auge da sua força, logo nos primeiros dias. É uma luz amarela acesa no painel. Pode ser superado, mas produziu na largada uma assustadora paralisia e exibiu feios sinais da luta intestina pelo poder.

A inflação fechada do ano não deixa dúvidas de que ela continuará sendo um ponto de desconforto e limites neste começo de governo. Vai incomodar um pouco mais. Há incertezas que continuarão também presentes tornando a conjuntura mais difícil de manejar até pelos descuidos fiscais do ano passado. O governo anunciou possíveis cortes no orçamento. Será preciso saber onde será cortado porque a ministra do Planejamento acha que não se pode "demonizar" o gasto de custeio, a ministra do Desenvolvimento Social vai gastar mais com o Bolsa Família, a briga política pode resultar num gasto previdenciário maior com o salário mínimo, e algumas boas ideias que surgiram elevam gastos.

Na educação, a boa ideia é ampliar o ensino médio para um turno integral que some o ensino das disciplinas tradicionais desse período escolar com aulas de cursos profissionalizantes. Isso seria o ideal: uma educação universalista e ao mesmo tempo incluindo uma qualificação técnica. Não se disse como fazer, nem quanto custa, mas mais tempo na escola só pode ser bom para jovens no momento mais decisivo da formação. Ainda não se sabe como resolver o elementar no ensino médio que é combater a evasão.

A ministra Maria do Rosário tocou de novo na velha ferida da necessidade de o Brasil buscar as informações sobre os desaparecidos. A reação do general José Elito, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, foi um espanto. Disse que a ditadura teve seus prós e contras e, como a guerra do Paraguai, é parte da História. Faltou explicar qual é o "pró" de uma ditadura e por que não se divulgam os dados, documentos, fatos, principalmente relacionados aos mortos. Não faz sentido algum que o Brasil seja o único país incapaz de olhar seu passado com sinceridade e sem vetos dos militares. O país acaba de passar pelo vexame de ser condenado pela OEA por não ter feito isso. As Forças Armadas são uma instituição da República, não são aquilo que alguns fizeram em seu nome. Hoje, democráticas e respeitosas dos limites institucionais, não podem encobrir os crimes cometidos em seu nome e nas suas dependências. Se o fizerem, confirmam hoje os erros de ontem. Se o general acha que os desaparecidos são parte da História, que os brasileiros tenham os registros dessa História. É isso que a ministra Maria do Rosário está pedindo. A presidente Dilma não gostou das declarações do general, cobrou, e ele disse que foi mal interpretado. É, pode ser. Mas as declarações do general pareceram claríssimas. Em uma de suas frases, ele disse que as Forças Armadas não têm do que se envergonhar nem do que se vangloriar. Isso é só 50% verdade: não têm mesmo do que se vangloriar naqueles episódios.

Os novos ministros apresentaram algumas boas ideias, ou bons movimentos. Nomeações do ministro Aluizio Mercadante foram animadoras, como a do cientista Carlos Nobre. O anúncio da ministra Tereza Campelo de que o Bolsa Família terá metas, métodos de gestão, prestação de contas é indicação de que se busca o caminho da manutenção da política, com atualização e correção de rumo. Mas se o modelo de gestão é o mesmo do PAC, melhor ter um pé atrás: no PAC, quando uma meta não era atingida, adiava-se a meta para maquiar a prestação de contas. Se for assim, esquece. A preocupação do ministro Paulo Bernardo de que haja mais informatização, internet disseminada está também na direção certa, mas não basta acusar empresas quando se tem, como já disse aqui, fundos cheios de recursos e o poder da regulação.

Mas o velho permanece presente no novo governo: o BNDES estuda a possibilidade de conceder garantias fracas para empréstimos à petrolífera de Hugo Chávez; no governo persiste a ideia de ocupar a presidência da Vale com indicação política; o irrelevante secretário internacional Marco Aurélio Garcia continua com suas declarações fora de propósito. Alguns dos ministros conseguem ficar no governo, mas renovar-se; outros, no entanto, dos que foram herdados da administração anterior, já assumiram com a validade vencida.

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