domingo, 2 de janeiro de 2011

O dia D :: Flávio Tavares

DEU NO ZERO HORA (RS)

Sabem todos que Dilma Rousseff deve sua eleição a Lula da Silva e às engrenagens do poder descomunal da “máquina” federal, que ele usou de fio a pavio, como nunca fora utilizada. Ela própria é a primeira a reconhecê-lo. Engana-se, porém, quem pense que Dilma venha a ser na Presidência da República apenas um boneco de ventríloquo que fale e aja pela boca e mãos do mago maior. Ou um papagaio repetindo as palavras do capataz à peonada na roda de chimarrão.

Inteligente e sagaz, Lula ocupou sempre todos os espaços, mas – no fundo – sua grande preocupação existencial foi o futebol e o Corinthians, até na vida sindical. Também Dilma foi sempre protagonista, mas criativa e com visão própria. Mocinha ainda, na luta armada contra a ditadura forjou seu primeiro ato político concreto. Em junho de 2005, levada à chefia da Casa Civil no bojo da crise que encurralava o presidente, lembrei que ela integrava a geração que se preparou para o poder nos clássicos da sociologia e da economia, tendo O Capital, de Marx, como ponto de partida – mas não dogma de chegada – para desvendar a sociedade.

Vindo da esquerda, conviveu com a direita e, ao final dos oito anos de Lula da Silva, era das poucas figuras no governo em condições de disputar uma eleição sem a pecha de escândalos.

Não analiso, aqui, por que a corrupção seguiu nem por que Erenice Guerra (seu braço forte em Brasília) foi foco de subornos milionários. O tempo pós-eleitoral é outro e indago como a presidente Dilma, criativa e tenaz, comandará o ministério medíocre formado pelas pressões da politicalha interesseira?

No início do governo Lula, as credenciais de Dilma no secretariado gaúcho, anos antes, a levaram ao Ministério de Minas e Energia. Fôramos o único Estado sem racionamento de eletricidade nos apagões de 2001. Ela escolhera as pessoas certas, encabeçadas pelo então diretor de operações da CEEE, Valter Cardeal de Souza, e a eletricidade foi o fio que a levou aonde está.

Agora, a maioria dos 37 ministros não tem vínculos com a função. A estratégica Secretaria de Portos, por exemplo, foi dada aos irmãos Cid e Ciro Gomes, do Ceará, que nela emplacaram o conterrâneo Leônidas Cristino, prefeito do Crato, a 200 quilômetros do mar, no sertão semiárido. Lá não há porto e as águas do Rio Acaraú permitem apenas um amarradouro de barcos de madeira. O Ministério da Pesca ficou com a catarinense Ideli Salvatti, senadora loquaz mas que nunca pescou sequer um lambari. O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, foi denunciado pela promotoria pública de Minas, dias atrás, por fraudes e desvios de verbas quando prefeito de Belo Horizonte. O de Turismo, Pedro Novais, quando deputado em 2009, debitou despesas num motel em Brasília na conta da Câmara Federal. O Ministério dos Transportes ficou (de novo) com Alfredo Nascimento, do Amazonas, onde não há estradas nem ferrovias.

O ministro dos Esportes, Orlando Silva, do PC do B, continua, apesar das denúncias do Tribunal de Contas pelo desvio de milhões de reais nos Jogos Pan-Americanos. Não se sabe por que Carlos Lupi foi ministro do Trabalho nem por que continua. Também continua Fernando Haddad, correto, mas que só soube de Educação quando chegou ao ministério de mesmo nome.

Até nomes exponenciais (como Aloizio Mercadante, na Ciência e Tecnologia) estão fora de lugar. Sem falar de Antonio Palocci, que saiu às pressas do governo Lula no escândalo do jardineiro da casa de “garotas de programa” em Brasília, e volta como figura-chave. Como foi Dilma no tempo de Lula.

O dia “D”, de Dilma, recém começa como data decisiva.

*Jornalista e escritor

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