sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

No centro das decisões :: Merval Pereira

O G-20, que reúne as maiores economias do mundo, toma cada vez mais jeito de ser o organismo apropriado para as decisões do novo mundo multipolar que vem se desenhando, substituindo o G-8 antes que os fatos o tornassem obsoleto. Em poucos anos, países emergentes como China, Índia e Brasil estarão entre as principais economias do mundo, superando muitas das que hoje fazem parte do G-8.

A Rússia, pela importância política mais do que pela sua economia, já fazia parte como convidada do principal fórum de decisões.

A realidade fez com que esse fórum tivesse que ser ampliado, e agora os países emergentes estão inseridos nas decisões internacionais, e têm que assumir as responsabilidades decorrentes da nova situação.

Pois o presidente francês, Nicolas Sarkozy, está disposto a usar seu mandato à frente do G-20 para conseguir um consenso entre as principais economias do mundo, para regulamentar não apenas os mercados financeiros internacionais, mas também o mercado internacional de commodities, em especial o de produtos agrícolas.

Ele ontem fez um discurso bastante incisivo no Fórum Econômico Mundial, acenando inclusive com a possibilidade de uma revolta dos países pobres caso as principais economias do mundo não cheguem a um consenso para ajudá-los.

É dentro do contexto de um mundo que muda rapidamente, onde as informações chegam em segundos às mais diversas partes através dos mais diferentes meios tecnológicos, que Sarkozy vê a necessidade de uma ação para conter as especulações.

Não parecia estar fazendo cena quando previu que em 20 a 30 anos, se não houver uma mudança de postura diante dos problemas como escassez de alimentos devido à alta especulativa dos preços, pode haver uma crise de proporções inestimáveis.

Ele chamou atenção especificamente para o Brasil, dizendo que os países que hoje estão ganhando muito dinheiro com a alta dos preços das commodities estão sujeitos a quedas bruscas, o que pode desequilibrar suas economias.

Para ele, melhor será para todos se houver um mercado equilibrado pela regulação.

Sarkozy defendeu até mesmo uma taxa, que classificou de "infinitesimal", sobre as transações financeiras para a formação de um fundo de ajuda aos países pobres - fundo este com que os países ricos já estão comprometidos, mas para o qual não haverá dinheiro diante do enorme déficit fiscal que os países tiveram para enfrentar a crise financeira que estourou em 2008.

Dificilmente Sarkozy conseguirá esse consenso, e provavelmente as diferenças dos interesses dos países que formam o G-20 ficarão patentes durante as discussões. E Sarkozy parece jogar com a união dos países europeus para tentar dar os rumos das discussões, deixando os emergentes em posição subalterna.

O Brasil, por exemplo, se nega a apoiar uma regulamentação dos preços de commodities, mas quer a regulação dos mercados financeiros.

A própria gênesis do G-20 mostra como é difícil acomodar os interesses desse mundo multipolar, que tem hoje em países emergentes - como os que formam os Brics - jogadores fundamentais.

O G-20 nasceu em 2003, por ocasião da reunião da Organização Mundial do Comércio em Cancún, no México - que paralisou as negociações da Rodada de Doha para liberalização do comércio internacional devido a um impasse que colocou o grupo de países emergentes, à época liderado pelo Brasil, em contraposição a Estados Unidos, Japão e União Europeia.

Houve quem, na ocasião, se vangloriasse de que os emergentes haviam enfrentado com êxito os "países ricos" pela primeira vez, mesmo que à custa do fracasso das negociações.

Cinco anos depois, em 2008, o Brasil via-se na posição oposta à da China, e principalmente, à da Índia. Estávamos então do outro lado da mesa, com os "países ricos", na negociação da agricultura.

O problema é que a coesão do G-20 só se dá por razões que são ideológicas. A estratégia deu certo para os emergentes até o momento em que o G-20 representava uma resistência para a abertura em produtos industriais.

O que impediu a negociação naquela ocasião foi a proteção à agricultura familiar na Índia e na China. Dentro do G-20 não há um consenso básico em matéria de agricultura para poder negociar, porque a agricultura não é um tema Norte-Sul.

A Índia está protegendo seus pequenos agricultores porque eles não têm produtividade para competir, assim como a União Europeia protege os seus agricultores pela mesma razão. E o competidor, em grande parte das vezes, é o agronegócio brasileiro.

O Brasil pode ser considerado hoje a "fazenda do mundo". E poucos interesses comuns existem entre os representantes dos emergentes.

Alguns desses países já são potências econômicas, como a China, e outros estão a caminho, como Índia e Brasil, mas, quando lhes interessa, posam de pobres.

Porém, quando a França levanta a necessidade de dinamizar o comércio de alimentos para atender às necessidades justamente dos "países pobres", são os emergentes que produzem alimentos que não querem uma regulação.

Mesmo porque desconfiam que a preocupação francesa com os mercados tem mais a ver com a tentativa de controlar a ascendência das novas potências do que propriamente defender os países pobres.

A situação paradoxal leva a que seja possível que Índia ou China sejam obrigadas até a reduzir suas tarifas em caso de escassez de algum alimento, assim como os interesses do Brasil e dos Estados Unidos são convergentes quando se trata da produção de biocombustíveis, acusada frequentemente de ser responsável pela alta do preço dos alimentos.

Há ainda interesses políticos conflitantes entre os emergentes do G-20, como, por exemplo, a aspiração de fazer parte de um Conselho de Segurança da ONU reformulado que reflita esse novo mundo multipolar.

O apoio do presidente Barack Obama à entrada da Índia, anunciado recentemente, teve como objetivo principal enfraquecer diplomaticamente a China, mas atingiu diretamente o Brasil, que vem tentando obter dos Estados Unidos uma declaração formal de apoio e nunca conseguiu mais do que declarações genéricas e indiretas.

FONTE: O GLOBO

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