terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Na sequência da insensatez:: Wilson Figueiredo

A função inseparável do conceito de oposição é também insubstituível, porque é com a divergência que os dois lados – a oposição e a situação – se medem para manter ou conquistar o poder com o que consideram credenciais dadas pelos eleitores. Ainda está por ser levantado o prejuízo deixado ao longo do caminho da redemocratização brasileira pelo efeito perverso do AI-5 na representação política, e o mais que se seguiu na sequência da insensatez com que a Constituição de 88 admitiu a proliferação de partidos políticos que se reproduzem como se o número de legendas fosse sinal de qualidade.

Não será difícil encontrar o elo perdido entre a representação vazia de qualquer sentido, pois apenas assinava em baixo os atos da ditadura, e a naturalidade com que deputados e senadores não se deram por achados, como se não tivessem de responder pelo colaboracionismo. A fachada atrás da qual se refugia a supressão da memória vem a ser o mensalão, cujo saldo negativo faz do Congresso Nacional a instituição de mais baixa credibilidade na opinião pública.

A oposição, em seu atual formato, tem raízes que não se confundem com as formas tradicionais de luta, principalmente as do período constitucional de 1946 a 1964, cuja ênfase política fugia à razão e viabilizava tentativas de depor governo como solução natural. Começava com a dúvida sobre o resultado da eleição e mantinha na mira a moralidade pública. Os governos viviam pesadelos.

O fictício acerto de contas sobre despesas ditas políticas por uma conveniência geral, até hoje referido apenas como mensalão, não passou de satisfação para distrair a opinião pública e ganhar tempo. A oposição, que se pretendia superior às revelações, deixou passar em branco a oportunidade quando percebeu a extensão da crise na mira. Avaliou politicamente o peso das circunstâncias e, para não incorrer no pecado do golpismo, esperou que tudo se resolvesse como de praxe. Calou para não parecer interessada em agitar o remédio radical antes de usá-lo. E o governo, por seu lado, também não se coçou. Nenhum deles percebeu a hora para a negociação de uma varredura de alcance geral, a título de satisfação ao eleitor, de quem os políticos só se lembram em ano de eleição. Depois, nem bom-dia. Na campanha presidencial, Lula ainda tentou repassar a suspeita de golpe à conta do PSDB, mas já era tarde e ficou falso.

Por ser o maior partido fora do poder, o PSDB, em seu formato atual, não tem de dançar en pas de deux com o PT, nem pode se comprometer com formas de luta abaixo do nível. Fica além do horizonte a possibilidade da reforma política, abandonada pelo governo e pela oposição: depende de parlamentares que, pela ordem natural, são os menos interessados e têm tudo a perder.

Somam número suficiente para bloquear, confundir e malbaratar qualquer oportunidade. Há sempre um escândalo à disposição da insaciável curiosidade popular. A ideia de reforma política é órfã, de pai e mãe, seja do governo ou da oposição, que já foi governo e também não passou das boas intenções.

Com a responsabilidade de se interessar pelo aperfeiçoamento da democracia, que não é obra apenas de governo, a social- democracia mantém perfeita compatibilidade com reformas e pode assumir a iniciativa de apresentar a questão ao debate no inicio de um mandato presidencial que só tem a ganhar à medida que aproveitar a oportunidade que pode não se repetir, como é da preferência da História.

A classe média tem, cada vez mais, peso na formação da opinião pública e, historicamente, aproximou-se tanto da social democracia que, pela sua própria natureza, quebrou a polaridade política com que quiseram incompatibilizá-la com a burguesia, de um lado, e com o proletariado, do outro. Nunca, antes, na história do nosso tempo, a democracia contou tão certo com a classe média.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

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