quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

Os limites desse tipo de conexão entre o público e o privado, o interesse geral e o particularismo são, entretanto, fluídos. O reforço do espírito verdadeiramente democrático, baseado nos valores de liberdade e responsabilidade, da separação entre os poderes e da delegação representativa precisa ser permanentemente cuidado para que não se jogue fora a criança com a água do banho, sob a justificativa de haver “avanços sociais substantivos” logrados por governos personalistas ou de partidos quase-únicos, que de democráticos têm muito pouco.


(Fernando Henrique Cardoso, no livro ‘Xadrez internacional e social-democracia’, pag. 141- Editora Paz e Terra, São Paulo 2010.)

Desafio e reação:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O que está acontecendo no Rio nos últimos dias é simplesmente terrorismo e, como tal, deve ser combatido com a participação das Forças Armadas. Mas não como responsáveis pelas operações, mas sim assumindo suas funções naturais. O economista Sérgio Besserman, que foi um dos estrategistas da política de retomada dos territórios ocupados pelos bandidos no Rio, lembra que terrorismo é uma questão de segurança nacional e, portanto, mesmo sem alterar a Constituição já caiu o anteparo constitucional que sempre foi usado para evitar que as Forças Armadas se envolvessem nessa questão de segurança criminal.

O professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira considera um equívoco pensar que só é terrorismo aquilo que parte de grupos políticos, com um programa político, e objetivos bem estabelecidos, como libertação de um território, ou luta contra um regime.

"Terrorismo é um método de ação, não um objetivo", ressalta Teixeira. Quando uma pessoa ou um grupo organizado usa da violência, em especial contra a população civil ou autoridades constituídas num estado de direito, é terrorismo".

Já Besserman lembra que terrorismo não luta para ganhar a guerra, mas para ganhar a comunicação, que no caso do Rio é instalar o pânico na população, sugerir que são capazes de impor elevados custos a todo o estado, de modo a forçar algum tipo de acordo, ou explícito, ou tácito.

"E o que cabe às forças de segurança do estado, mas não apenas a elas, mas também, à União e à sociedade civil, é uma reação de não aceitar o jogo deles", salienta Besserman, considerando que a Secretaria de Segurança vai fazer agora um trabalho de inteligência, para demonstrar aos traficantes que o custo da ação terrorista é muito superior ao ocasional ganho que eles possam ter.

Para o professor Francisco Carlos Teixeira, malgrado o princípio correto praticado pelo governo estadual de restabelecer o controle territorial, com a extensão da soberania do estado de direito, uma política pública aprovada pela maioria esmagadora da população, o grande erro é não dar a dimensão política adequada ao combate ao narcotráfico.

"Não se trata apenas de pedir ou não ajuda federal. A ação federal deve, precisa, ser constante com ou sem pedidos formais", diz ele.

Não se trataria de uma intervenção, mas de exigir que a Receita Federal, a Polícia Federal e as Forças Armadas cumprissem com mais rigor e eficiência suas funções.

"Não quero dizer que são ineficientes ou incompetentes", esclarece Teixeira, para quem "simplesmente o governo federal não deu a prioridade que o caso necessita".

Estas instituições - típicas do estado moderno e expressão de sua soberania - não foram chamadas e equipadas para a uma luta direta contra o narcotráfico.

Teixeira ressalta que também por seus métodos (bombas, incêndios em carros, uso de armas de grosso calibre, chegando a atacar veículos das Forças Armadas ou a derrubar helicópteros da polícia) reconhecemos um desafio direto ao estado de direito e, aí, a coisa é política.

"Desafiar o estado em duas de suas condições de estado moderno: o monopólio da violência organizada e o acesso ao território, colocando graves problemas de exercício da soberania, é um fato político", afirma Teixeira.

O economista Sérgio Besserman chama a atenção para o fato de que esse não é um problema apenas nosso, mas global.

O exemplo do México é o mais claro de todos. Na sua análise, o tráfico de drogas passou a ser um grande negócio global, a oferta de armas muito sofisticadas aumentou, elas ficaram muito mais baratas.

E a existência de muitos conflitos locais por todo o planeta faz com que exista uma enorme oferta de armas de segunda mão.

"Tornou-se possível a quem queira confrontar o monopólio da força por parte do estado se armar".

Para Francisco Carlos Teixeira, envolver as Forças Armadas é um erro. Ele chama a atenção para o que está acontecendo no México, onde cerca de 50 mil homens das Forças Armadas lutam há quatro anos contra sete cartéis de drogas, já com 28 mil mortos, desde dezembro de 2006, a maioria civis inocentes.

O que ocorreu lá? Ineficiência e, claro, a inadequação de função, ao lado da intrusão da corrupção e do suborno nas Forças Armadas, e forte choque entre autoridades civis e militares, inclusive no controle do espaço público".

Segundo Teixeira, o Estado deve tomar as decisões necessárias com suas instituições republicanas, e todos já sabemos quais são estas ações: ao lado de um projeto correto e apoiado pela população precisamos que: (a) a Receita Federal controle o fluxo anormal de recursos, a lavagem de dinheiro e as operações fronteiriças; (b) a PF interrompa a entrada de armas e de drogas; (c) as Forças Armadas tenham meios materiais para o efetivo controle das fronteiras, de forma organizada, permanente e com modernos recursos tecnológicos.

Além disso, as Forças Armadas podem trabalhar na formação de pessoal em logística, inteligência, preparação de ações contra motins e demonstração e treinamento de armas e, principalmente, armamento não letal. Segundo ele o equipamento da nossa PM é ainda muito ruim, com grave deficit de material de defesa pessoal.

O professor Francisco Carlos Teixeira dá um depoimento pessoal: "Eu próprio vi, em Rondônia, a ação exemplar do Exército no controle do fluxo de drogas na fronteira (e do desmatamento). Mas, a piada é que tais ações possuem calendário, posto que o diesel distribuído é insuficiente para patrulhas diárias durante 30 dias do mês. Assim, os bandidos ( traficantes e desmatadores ) esperam dia 15 ou 18 de cada mês para reiniciar suas operações, quando já sabem que o diesel acabou".

Militância digital:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio da Silva convida quem quiser para suas entrevistas individuais ou coletivas. Do mesmo modo, vê, ouve ou lê o que é dito quem quer.

Portanto, o encontro que reuniu alguns autores de blogs para entrevistar o presidente da República não se pode dizer que tenha pecado pelo excesso de governismo. Inclusive porque ninguém é obrigado a ter senso crítico em relação a pessoas, objetos ou situações que lhe sabem bem ao paladar, à visão, ao tato e ao olfato.

O Palácio do Planalto e Lula resolveram retribuir os serviços prestados por um grupo de "blogueiros progressistas" (o pressuposto é que os demais sejam reacionários), ativistas da campanha de Dilma Rousseff e não seria de esperar outra atitude que não a da benevolência.

De todo modo, chamou atenção o entusiasmo. Na saudação ao "primeiro presidente do Brasil a receber representantes da blogosfera" - como se não fosse ele o primeiro a conviver com a modalidade -, no silêncio reverencial diante de respostas quilométricas e/ou incongruentes, nas gargalhadas cúmplices, na docilidade nas repetidas referências à "imprensa golpista" ou "velha mídia".

Nas entrevistas tradicionais, em que não há seleção ideológica, não se vê, por exemplo, o entrevistado precisar corrigir o entrevistador que estranha o fato de as indicações ao Supremo Tribunal Federal não terem deixado a Corte com "a cara do governo Lula".

"Graças a Deus o Supremo não ficou com a cara do governo", respondeu o presidente a um rapaz que se identificou como representantes de um "blog jurídico", ensinando-lhe, em seguida, algo sobre a independência dos poderes inerente à República.

Fora isso, os autodenominados "blogueiros progressistas" passaram batidos por repetidas afirmações de Lula de que não fazia ideia das realizações de seu governo em diversas áreas: comunicações, legislação trabalhista e direitos humanos.

O presidente, depois de oito anos de governo, disse que só teria a real noção de suas realizações depois que "desencarnasse" da Presidência. Pôde dizer sem ser contestado que o ex-diretor da ABIN, Paulo Lacerda, deixou o governo e a PF porque "estava na hora de sair". A ninguém ocorreu lembrar-lhe que Paulo Lacerda foi mandado para Portugal em meio ao escândalo dos grampos telefônicos ilegais, por sugestão do ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Quando afirmou que a sociedade ao controle social da mídia, defendendo iniciativas como a Ancinav e o Conselho Nacional de Jornalismo, não precisou explicar a razão de seu governo ter recuado de todas elas. Inclusive retirando propostas semelhantes do Plano Nacional de Direito Humanos 3.

Dissertou sobre enormes resistências à reforma política sem que lhe perguntassem quais são elas. Não foi questionado sobre a razão de ter aprofundado velhas práticas contra as quais agora promete lutar ao "desencarnar" da Presidência.

Esteve à vontade para ressaltar sua altivez em reuniões internacionais (permanecer sentado, enquanto os outros chefes de Estado se levantavam para receber George W. Bush), e relatar a amargura por ligações feitas entre o desastre da TAM e a crise aérea de 2006/2007.

Tão à vontade que, ao repetir que a agressão de petistas ao então candidato José Serra foi uma "farsa" - na abertura havia provocado muitos risos ao "ameaçar" os blogueiros com "bolinhas de papel" - deu-se ao desfrute do machismo consentido. Na ocasião, contou, resolveu responder no lugar de Dilma, comparando ao adversário ao goleiro chileno Rojas, "porque ela é mulher e não entende nada de futebol".

Cada um fala com quem quer, mas respeito, inclusive aos fatos, é bom e todo mundo gosta.

Erratas. No artigo de ontem havia dois erros: o nome do ministro do Supremo Tribunal Federal é José Antonio, e não José Roberto, Toffoli; o próximo integrante da corte seria o 9º e não o 8º indicado por Lula. Dos ministros em atividade o presidente nomeou seis. Carlos Alberto Direito morreu no exercício da função e Eros Grau se aposentou.

Ouvidos de mercador:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Enquanto Lula dava entrevista a blogueiros engajados e o Rio registrava ontem 33 veículos incendiados e 21 mortos só nesta semana, a jornalista americana Roxana Saberi contava a um punhado de pessoas na Câmara como foi presa e humilhada por cem dias no Irã, reclamando a força emergente do Brasil para cobrar liberdade e os direitos civis no país.

"Quando você não tem voz, como é importante que falem por você!", implorou, emocionada.

Pela Constituição, artigo 4º, as relações internacionais são regidas por dez princípios. O segundo é a "prevalência dos direitos humanos". Com o Irã, porém, a política "ativa e altiva" passa longe disso.

Lula arranha a bela imagem internacional do Brasil ao comparar as manifestações contra o regime Ahmadinejad a "chororô de time derrotado" e ao permitir que o Brasil continue teimosamente se abstendo nos foros de direitos humanos, inclusive no caso iraniano.

Roxana queria ser recebida por Lula, que estava com os seus blogueiros, ou, quem sabe, pelo Itamaraty, ocupado com o ministro de Negócios Estrangeiros de uma outra ditadura, a do Sudão. Contentou-se com o Congresso e com o assessor internacional, Marco Aurélio Garcia. Ela insiste em que o Brasil reveja seu voto covarde quando o Irã voltar ao banco dos réus em dezembro. Parece perda de tempo.

A palestra de Roxana foi na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, tradicionalmente comandada pelo PT. Mas nenhum parlamentar do partido foi ouvi-la, e o próprio presidente, o petista Luiz Couto, só chegou no final. O único deputado era Chico Alencar (PSOL).

OK. Todos tinham mais o que fazer, mas, se o governo não está nem aí para as vítimas do Irã, o Congresso tem de se unir à opinião pública brasileira no grito internacional pelas liberdades e pela segurança individual e coletiva no Irã. Como no Sudão e em todos os demais regimes de força. Sem esquecer a guerra no Rio, evidentemente.

Novos cidadãos e velhas instituições:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Quando a sociedade está em movimento, as instituições têm que se adequar a ela, sob pena de atraírem para si o descrédito da população e provocarem a relativização de direitos individuais e coletivos. Esse descompasso hoje é cristalino e sua manutenção não é um conforto para uma democracia jovem como a brasileira.

A democracia tem se consolidado a duras penas, e os avanços, obtidos como síntese de conflitos. Ao longo do embate, a Constituição Cidadã de 1988, em algumas particularidades, virou letra morta; em alguns temas vem sendo relativizada pela Justiça; e em outros, perdeu as características em função de um movimento ideológico que foi na direção contrária de suas formulações, em especial no que diz respeito ao papel do Estado e à economia. Junto com a relativização da Constituição pós-ditadura, ocorreu também uma ofensiva contra o Ministério Público, instituição que, desde o final dos duros tempos autoritários, reivindicava autonomia para a defesa de direitos individuais e coletivos. Acusado de ativismo no período da redemocratização, o MP foi duramente combatido no período de virada ideológica dos períodos FHC. No espaço que acabou deixando a descoberto, floresceu o ativismo judicial - entenda-se do Judiciário - que tem abarcado funções do Legislativo e do próprio MP e se espelha numa ideologia conservadora, principalmente no âmbito político-eleitoral, de tutela da democracia e do voto.

Uma nova "clientela" de cidadania emergiu

No período de redemocratização, a sociedade estava em movimento e a Constituição obrigou as instituições - com erros e acertos - a se adaptarem aos novos tempos. Hoje o país passa por um novo ciclo de mudanças. No Brasil pós-Constituinte, os direitos de cidadania diziam respeito a menos da metade da população que tinha acesso a trabalho formal e ao mercado de consumo. Num país com gravíssimos problemas de distribuição de renda, individual e regional, a capilaridade maior de programas de transferência de renda produziu uma rápida ascensão de grandes setores da população que antes viviam abaixo da linha da pobreza; programas adicionais, como os que deram maior facilidade de acesso das classes mais baixas da pirâmide social ao curso superior, cumpriram também o seu papel de engordar as classes médias brasileiras. Um crescimento econômico mais forte, e alguns anos longe das recessões promovidas para reduzir o consumo - conforme a receita de uma política monetária baseada em metas de inflação, juros altos e política fiscal apertada - bastaram para que ocorresse uma mudança substancial na "clientela" para a qual se deve garantir direitos de cidadania. Hoje, há cidadãos que não existiam na época da Constituição cidadã.

No momento em que ocorre a inclusão social de grandes massas da população, as instituições brasileiras, todas, são obrigadas a refletir sobre o seu papel na democracia, e principalmente sobre o papel dos novos cidadãos na política. Há uma crise, sim, mas não é institucional. É uma crise de adequação das instituições a uma nova realidade que, embora não seja ideal, trouxe ganhos para uma grande parcela de sua população. Nessas circunstâncias, tende a aumentar a "clientela" das instituições, brasileiros que ascenderam à cidadania, ou mais precisamente à consciência da cidadania.

O exemplo mais evidente dessa crise são os partidos políticos, até porque eles refletem de forma quase imediata um conflito latente entre as classes economicamente hegemônicas e as massas que ascendem à cidadania com igual direito a voto. Mas não são os únicos. A mídia, como aparelho privado de ideologia, ainda não incorporou os novos cidadãos à sua realidade. O Ministério Público, acuado pelo ativismo judicial, tem sido mais tímido na defesa da cidadania. O Judiciário, ao assumir a tutela dos demais Poderes, tem muitas vezes se constituído numa barreira conservadora à inclusão, de fato, das classes menos privilegiadas .

A dessincronização com uma sociedade que se move é geral. O cuidado que se deve ter, no entanto, é com as expectativas. As demandas de cidadania reprimidas têm levado repetidamente ao descrédito das instituições. A ansiedade de dar resposta a essas frustrações tem influenciado movimentos políticos na sociedade civil vestidos de panacéia para todos os males - por exemplo, o Movimento Ficha Limpa, que até agora apenas jogou para o Judiciário a tutela das eleições. As decisões finais das urnas estão sendo tomadas todas por plenos de juízes. É necessário um debate mais profundo sobre as respostas a demandas de cidadania, que garantam o direito igualitário ao voto, à saúde, à educação e às oportunidades, sob pena de o país parar para debater novas panacéias, ao se concentrar sobre um senso comum perigoso para as instituições democráticas, de que todos os seus problemas estão concentrados nas instituições políticas, cujos mandatários ascendem pelo voto.


Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Primeiros riscos :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A maioria dos analistas não tem dúvidas da capacidade técnica do novo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, mas muita gente duvida que o BC tenha autonomia no governo Dilma Rousseff. O governo terá que pagar o preço dessa reputação. Sinais ambíguos emitidos pela própria presidente e as teses do ministro da Fazenda, Guido Mantega, levaram a conjuntura a uma situação difícil.

Tombini sobe ao ápice de sua carreira de funcionário do Banco Central ao mesmo tempo em que sobem a inflação, os juros futuros, as expectativas de inflação, os preços das commodities, as vendas de varejo e as dúvidas em relação à política monetária. Não precisava ser assim. O país poderia estar agora apenas comemorando o que o grande varejo previu ontem como o melhor Natal em três anos.

Valem pouco as palavras da nota da presidente eleita de que será mantida a política econômica de austeridade fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação, se, na prática, parte dessa política já mudou. Herdada do ex-presidente Fernando Henrique, a política foi mantida pelo governo Lula até certo momento. Depois, começou a ser alterada e há dois anos desmontou-se o pilar da austeridade completamente.

O ministro Guido Mantega disse ontem que agora a política anticíclica muda de direção, e, em vez de se aumentar os gastos, eles serão reduzidos porque é o que tem que acontecer num período de crescimento econômico. Há só um problema com essa fala dele: está um ano atrasada.

Este ano, mesmo com o país em forte recuperação, o Ministério da Fazenda acelerou gastos e maluquices fiscais, porque era ano eleitoral. A crise foi o álibi perfeito para que os comandantes da política econômica ficassem à vontade para dizer o que realmente pensam e fazer o que acham que está certo.

Foi assim que Guido Mantega defendeu teses como a de que aumento de gastos não tem a ver com inflação. Foi assim que o BNDES recebeu aportes que superam R$200 bilhões do Tesouro, que foram chamados de empréstimos para não constarem na dívida pública. Com esse dinheiro estatizou riscos de projetos duvidosos ou emprestou quantias exorbitantes para algumas empresas. Foi assim que a venda de um direito futuro de exploração de petróleo paga pela Petrobras com títulos emitidos pelo Tesouro virou superávit primário. Essas e outras barbaridades ganham ares de boa gestão de política econômica e foram confirmadas com as nomeações feitas pela presidente. O que a presidente diz hoje com palavras difere do que ela diz com suas escolhas.

O Banco Central está numa situação complexa. Ele fez nas atas do Copom e no Relatório de Inflação cenários benignos para a inflação. E esses cenários não se confirmaram. Pelo contrário. A inflação de serviços está em mais de 7%, os IGPs, em 10%, o IPCA deve fechar o ano em 5,7%. No começo do ano, pode cair ligeiramente no acumulado em 12 meses, mas voltará a subir porque em junho, julho e agosto de 2010 as taxas ficaram próximas de zero. Quando elas saírem da conta, certamente o acumulado subirá, avalia o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio.

A MB Associados considera que a tendência dos preços dos alimentos e das commodities agrícolas é de alta, com a exceção do arroz, leite e trigo, mas porque trigo teve alta grande demais e agora pode ficar estável. Isso se não for, junto com a soja, alvo da pressão dos fundos financeiros. A carne de gado confinado já foi vendida ao mercado e deve haver uma redução da oferta em dezembro puxando os preços de outros tipos de carne. O café está entrando no ano de baixa produção, o que já pressiona os preços, os estoques estão baixos e houve problemas nas safras da Colômbia, Vietnã e América Central. Açúcar está na hora da renovação das plantações, o que pode reduzir a produção. O milho no Brasil teve uma safra menor do que a esperada. Laranja teve problemas de clima e doença. Alimentos, portanto, continuarão pressionando a inflação.

As grandes empresas de varejo que fazem parte do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo divulgaram ontem excelentes números do Índice Antecedente de Vendas (IAV). O indicador é construído com a média das vendas das grandes redes e as previsões que fazem, de tal forma a ser como o nome diz, um antecedente. A previsão é de que as vendas do varejo tenham aumento de 11,8% em novembro, na comparação com o mesmo mês do ano passado, e de 11,1% em dezembro. No setor de duráveis, as vendas do varejo devem crescer 16,5% e 16,7%. Esse seria então, diz o IDV, o melhor Natal desde 2007.

É uma boa notícia, mas que somada às pressões inflacionárias, às dúvidas sobre a autonomia do Banco Central e ao expansionismo fiscal do governo podem levar a uma tendência de acomodação de reajustes altos de preços dentro da cadeia produtiva. Neste exato momento, negociações por aumentos de preços estão ocorrendo entre indústria e varejo para o suprimento do Natal. Se for dominante a impressão de que o governo será leniente com uma taxa de inflação maior, ela será maior; é a profecia autorrealizável.

Mas se o Banco Central defendeu nas últimas atas e relatórios de inflação um cenário benigno, o que ele fará agora? Elevar o tom da ata? Subir os juros ainda no governo Lula para poupar o governo Dilma de fazer isso logo no início? Elevar os juros na primeira reunião do governo Dilma? Ou tentar adiar a má notícia elevando o recolhimento compulsório? São essas dúvidas que o Banco Central terá que responder nas próximas semanas para restabelecer ou perder de vez a confiança em sua capacidade de decidir de forma autônoma a política monetária.

A procura de novo rumo, anti-Alckmin, por Kassab :: Jarbas de Holanda

De um lado, os dirigentes do DEM, acima das divergências existentes entre as duas principais correntes, sinalizam o propósito de recuperar o espaço de centro-direita do antigo PFL, em torno de uma proposta de candidatura presidencial própria em 2014 e até lá de firme postura oposicionista diante do governo Dilma Rousseff, bem como em resposta a nova e maior queda das representações na Câmara e no Senado no recente pleito nacional (atribuída, também, à perda de identidade com a repetição de apoio a peesedebistas). De outro lado, a única figura do partido com desempenho de função política importante no Sudeste – o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab – anuncia que até o início de 2011 deve trocá-lo pelo PMDB, levando à prática entendimentos que mantém com o vice-presidente eleito e líder governista Michel Temer. Que já está desdobrando na preparação de um bloco de partidos de esquerda (da base lulista-dilmista no Congresso, entre os quais o PC do B), na perspectiva de ter apoio deles, como candidato do PMDB a governador em 2014, por uma terceira via antirreeleição de Geraldo Alckmin e distinta da alternativa do PT. O que, obviamente, poderá inviabilizar-se já em 2012 com o insucesso de um candidato que indique para sua sucessão como prefeito. Mas que, antes disso e até lá, aponta para um entrosamento político e administrativo da prefeitura paulistana com o Palácio do Planalto.

O Valor, de anteontem, no editorial “Um prefeito em busca de um partido”, avalia as razões e os objetivos do complicado projeto pessoal de Kassab. A matéria começa assinalando que a derrota da candidatura presidencial de José Serra “desarrumou o quadro político mais do que já estava”, sobretudo o que ele montara em São Paulo para eleger (ou reeleger) Kassab, do DEM, em aliança com o PMDB estadual de Orestes Quércia, “passando por cima dos interesses dos tucanos paulistas”. Agora, sem mandato Serra perdeu o poder de mediar as relações entre o prefeito e o governador Alckmin. Mais à frente: “Para Kassab, seria confortável se o seu partido rumasse para uma solução coletiva de se incorporar ao PMDB”, o que os dirigentes do DEM, por consenso, já rejeitaram. “Resta a ele uma solitária decisão de mudar de partido. Como sua vice, Alda Marco Antônio, é do PMDB, dificilmente o DEM pediria seu mandato de volta. Seria tirar o mandato do recém-peedemebista Kassab para entregá-lo à também peemedebista Alda. Os parlamentares que ele conseguiu eleger pelo DEM (seis federais e oito estaduais) correm o risco de perda de mandato, caso resolvam acompanhá-lo”. Conclusão do editorial – “O PMDB paulista elegeu apenas um deputado federal. O prefeito tem conversado com Michel Temer e tem o seu apoio para embarcar no partido, que hoje divide o poder nacional com o PT. Kassab se prepara para uma nova disputa com Alckmin daqui a quatro anos, e sem contar com uma divisão do PSDB que parece se reunir naturalmente em torno de Alckmin no estado. O destino do prefeito está traçado – é o PMDB. Só não se sabe se levará junto à bancada que elegeu este ano”.

Reportagem do Estado de S. Paulo, também de ontem – “Com PDT, PC do B e PSB, Kassab tenta criar a 3ª via” – cobriu um encontro que o prefeito teve na segunda-feira com os deputados Aldo Rebelo, do PC do B, Márcio França, do PSB, e Paulo Pereira da Silva, do PDT. Trechos: “Ele deve reformular o governo a partir de janeiro para acomodar os novos aliados. O argumento para a transformação política do prefeito bem-vindo no chamado bloquinho, é acabar com a polarização entre PT e PSDB e abrir caminho para um movimento de ‘centro-esquerda’, a partir de sua chegada ao PMDB. Na avaliação de dirigentes das siglas, o movimento garante força política suficiente para retirar dos tucanos o domínio do governo de São Paulo, que completará 20 anos ao fim da gestão de Geraldo Alckmin (PSDB)”.

Jarbas de Holanda é jornalista

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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No reino da lulosfera

DEU EM O GLOBO

Foi a primeira entrevista coletiva a favor. O Planalto escolheu dez blogueiros chapas-brancas para conversar com Lula. Sem contestação, ele se queixou do noticiário da mídia tradicional.
Estava presente o blog Cloaca News, que diz publicar "as últimas do jornalismo de esgoto e dos coliformes da imprensa golpista".

Lula recebe Cloaca e outros amigos no Planalto

Avesso a entrevistas, presidente abre agenda para falar a blogueiros chapas-brancas no palácio

BRASÍLIA. Na primeira entrevista que o presidente Lula concedeu só para blogueiros, o Palácio do Planalto deu preferência a um grupo que alega representar "blogs progressistas". Boa parte deles aderiu a uma nova classificação e recentemente se proclamou como a turma dos "blogs sujos". Dizem ser uma homenagem ao tucano José Serra, que assim os teria classificado durante a eleição. Na entrevista de ontem, Lula, assim como fazem esses blogueiros, elegeu a grande imprensa como alvo principal. E não poupou críticas aos jornais brasileiros que, segundo ele, torceram contra seu governo.

Entre os convidados para o bate-papo, transmitido ao vivo pelo Blog do Planalto, havia os que usam a internet para uma espécie de guerra santa contra a cobertura das grandes empresas de comunicação. O Cloaca News, por exemplo, avisa, logo na capa, que publica "as últimas do jornalismo de esgoto e dos coliformes da imprensa golpista". E diz que tem a seguinte missão: "Desmascarar a máfia midiática que infesta nosso país".

No encontro com o presidente, a assessoria apresentou o representante do blog, William Barros, como o "Senhor Cloaca". E foi assim que Lula se dirigiu a ele: "Senhor Cloaca".

No blog, há textos com ataques a todos que fazem críticas ao governo. Os artigos sobre Lula têm principalmente referências elogiosas a entrevistas dadas no exterior. Há também um texto da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) com críticas ao governo. O blog fala que a CNBB liberou bispos para "esculhambarem" o governo, mas depois não assumiu. O Cloaca resume o caso no título: "Vão arder no mármore do inferno".

Durante a campanha, logo após o episódio em que Serra foi atingido por um objeto, o blog postou vários textos ironizando o poder de fogo de uma bolinha de papel. E até incluiu uma ficha do Dops da Bolinha, numa referência à suposta ficha da presidente eleita, Dilma Rousseff, publicada na imprensa.

Entre os convidados havia ainda o Blog do Miro, de Altamiro Borges, que diz ter montado na internet "uma trincheira contra a ditadura midiática". Ele reproduziu no blog e-mail que circulou na internet com o título: "45 razões para não votar em Serra". Também participaram da entrevista Altino Machado (Blog do Altino), Maria Flor (Blog da Maria Flor), Eduardo Guimarães (Cidadania), Leandro Fortes (Brasília, Eu Vi), Pierre Lucena (Acerto de Contas), Renato Rovai (Blog do Rovai), Rodrigo Vianna (Escrevinhador) e Túlio Vianna (Blog do Túlio Vianna).

Lula pediu a um assessor para identificar os blogueiros antes de cada pergunta. Rovai explicou que a entrevista foi pedida em agosto, durante o I Encontro de Blogueiros Progressistas, em São Paulo. Foram escolhidos dez para participar do encontro.

- É a primeira vez que um presidente recebe a blogosfera no Palácio do Planalto. Isso sinaliza um outro momento no contexto midiático nacional - elogiou o jornalista.

A partir dali, o encontro se transformou numa trincheira de um dos mais duros ataques do presidente à imprensa. Estimulado pelos blogueiros, Lula criticou a cobertura da mídia. Disse que o setor precisa de regras de atuação e defendeu restrições ao capital externo no controle de empresas de comunicação. Segundo ele, regulação não é crime; censura é que é crime:

- Tenho problemas, são públicos, na minha relação com o que vocês chamam agora de mídia antiga. De vez em quando eu digo que vou ter orgulho de ter terminado meu mandato sem ter almoçado em nenhum jornal, em nenhuma revista, em nenhum canal de televisão. Não precisei almoçar, não precisei jantar para poder sobreviver. Sei que durante muito tempo eles torceram para me derrotar. Mas eu sei que sou o resultado da liberdade de imprensa nesse país.

Lula apontou o dia do acidente com o avião da TAM, em SP, como o mais triste dos 8 anos de governo. Críticos responsabilizaram a fiscalização das condições da pista - e portanto, o governo - pelo acidente.

- O dia em que sofri mais foi no acidente do avião da TAM em Congonhas. Nunca vi tanta leviandade... Foi o dia mais nervoso da minha vida. Não quero que isso se repita - disse Lula.

Segundo ele, o governo deve preparar um projeto até o fim do ano para que Dilma encaminhe ao Congresso. Lula sustenta que é necessário criar mecanismos que permitam a punição de autores de denúncias falsas.

Mesmo com críticas à imprensa, o presidente defendeu o controle externo do capital estrangeiro no setor. Hoje, estrangeiros podem controlar, no máximo, 30% de uma empresa de comunicação. Dirigentes de emissoras de rádio e TV reclamam que a regra não está sendo cumprida. Empresários estrangeiros estariam assumindo o controle de portais que fazem papel de jornal, rádio e TV. Para Lula, é importante deixar as regras ainda mais claras:

- Acho que é diferente ser dono de um banco e ser dono de um meio de comunicação. Acho que nós precisamos ter claro que um trabalha com o bolso e outro trabalha com a cabeça das pessoas. Então eu acho que a gente precisa ter um certo controle da participação de estrangeiros sim. A gente não pode abrir mão do controle.

Lula voltou a criticar duramente Serra por supostamente simular ter sido gravemente ferido no Rio. O presidente disse que perdeu três eleições e que poderia ter perdido cinco, mas jamais teria coragem de fazer aquela cena.

- O Serra tem que pedir desculpa para o povo brasileiro - disse.

Serra alerta sobre 'herança adversa'

DEU EM O GLOBO

Ex-governador critica Lula e prevê problemas para Dilma na economia

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Em sua primeira aparição pública após a derrota sofrida na disputa presidencial, o ex-governador José Serra (PSDB) fez ontem uma advertência sobre a "herança adversa" deixada pelo governo Lula para sua sucessora, Dilma Rousseff, na área econômica. Para Serra, o presidente Lula, em vez de tentar melhorar esse quadro de inflação em alta, taxa de câmbio supervalorizada, contas fiscais maquiadas e atividade econômica em desaceleração, optou por continuar em campanha, já de olho na sucessão de 2014.

- Estou assombrado como um presidente da República, que devia estar governando o país, continue fazendo campanha. É o que, aparentemente, mais Lula sabe fazer na vida: campanha e mentir. Em vez de trabalhar para criar melhores condições para sua sucessora no Brasil, ele continua fazendo campanha e absurdos, como o projeto do trem-bala, que é uma das maiores fraudes em matéria de obras públicas que o Brasil assistiu e que eu espero que não se realize - disparou Serra, durante uma visita ao Senado.

Serra preferiu não opinar sobre os primeiros nomes confirmados para a futura equipe econômica, mas fez questão de enfatizar que eles terão "um nó difícil de desatar" pela frente.

- Quero registrar que a herança que se deixa para o novo governo é adversa. Inflação para cima, produção desacelerando, taxa de câmbio supervalorizada, o déficit em conta corrente é o segundo maior do mundo, ou seja, uma economia repleta de desequilíbrio e contas fiscais maquiadas. É o legado deixado por Lula. Não sei se é maldita, mas é uma herança muito adversa.

O candidato derrotado do PSDB rebateu ainda pontos da entrevista concedida ontem por Lula a um grupo de blogueiros que ajudaram na campanha de Dilma. A começar pela declaração de Lula de que ele deveria pedir desculpas ao país pelo episódio da bolinha de papel:

- Se alguém deve (desculpas) é o presidente Lula, porque, como foi comprovado, foi um outro objeto atirado em mim e isso, inclusive, está filmado. E o presidente Lula sabe disso. Acontece que o presidente Lula não perde o costume, continua fazendo campanha e talvez já tenha começado sua campanha para 2014 e dizendo mentiras.

Serra também rebateu as acusações de Lula de que teria explorado o acidente da TAM, ocorrido em São Paulo:

- Como governador fui ao local me solidarizar com os familiares e estimular policiais e bombeiros. Já o presidente Lula sumiu do mapa nas primeiras horas, evitou dar entrevistas e desapareceu. O comentário é mal educado e raivoso.

Sarney, Collor, Marina e Ideli evitam cumprimentá-lo

Serra reuniu-se com parlamentares de oposição e foi ao plenário do Senado, onde o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP) ignorou sua presença. Coube ao líder do DEM, senador José Agripino (RN), anunciar a chegada de Serra. Sarney limitou-se a ouvir o colega, interrompendo-o para anunciar o resultado de uma votação.

O ex-presidente Fernando Collor evitou cumprimentar Serra. Ele e Sarney foram apontados pela campanha tucana como aliados indesejados de Dilma. A senadora Marina Silva (PV) também deixou o plenário sem cumprimentá-lo. A líder do governo no Congresso, senadora Ideli Salvatti (PT-SC), fez careta e se levantou da bancada ao perceber a presença de Serra, que evitou responder se pretende ser candidato novamente.

Sindicalistas recusam proposta de R$ 540 para o salário mínimo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Eles prometem enviar emenda elevando o mínimo para R$ 580 e dando 80% de reajuste para os aposentados

Lu Aiko Otta

BRASÍLIA - A intenção de fixar um salário mínimo de R$ 540 para 2011 anunciada nesta qaurta-feira, 24, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, vai trombar de frente com a bancada governista no Congresso Nacional. "O mínimo tem de ser fixado numa medida provisória, que vem para cá para ser votada", disse o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, deputado pelo PDT de São Paulo.

"Eu e o senador Paim (Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul) já combinamos que, assim que ela chegar aqui, vamos fazer uma emenda elevando o mínimo para R$ 580 e dando 80% de reajuste para os aposentados que ganham mais do que o mínimo", reforçou Paulinho. A proposta do governo para o piso salarial será submetida ao voto dos parlamentares.

Está em curso um processo de negociação entre governo e centrais sindicais para fixar o novo valor do mínimo. A proposta do governo é de R$ 540, valor alcançado pelo critério vigente, que considera a inflação mais o crescimento do PIB de dois anos anteriores. O governo diz que não tem condições de conceder o aumento pedido pelas centrais sindicais. A decisão final do reajuste do piso salarial, no entanto, será tomada pelo presidente Lula somente após consultar a presidente eleita, Dilma Rousseff.

Além dos sindicalistas, porém, há dentro do próprio governo quem apoie valores maiores. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, já falou em R$ 570. Estava prevista uma nova rodada de negociações para esta semana, mas ela não ocorreu. "Existe uma discussão em andamento e se ela for rompida vai ficar ruim para a presidente Dilma", disse Paulinho. Ele observou que a proposta de R$ 540 defendida por Mantega "não é a que ganhou as eleições".

Por outro lado, o sindicalista reconhece que essa pode ser apenas uma posição negociadora.
"Espero que seja só discurso de alguém que foi confirmado e quer mostrar que está macho", disse. Em anos anteriores, os sindicalistas também tiveram de derrotar a posição mais conservadora do ministro da Fazenda.

Judiciário

Apesar de o ministro Guido Mantega ter dito que 2011 deve ser um ano de contenção de gastos, sindicalistas do Judiciário insistem na necessidade de aprovação de um projeto para reajustar os salários da categoria.

O coordenador do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal (Sindijus), Roberto Policarpo, afirmou que é uma "balela" o argumento de que o reajuste poderá colocar em risco o processo de consolidação fiscal.

Funcionários do Judiciário fizeram na quarta-feira um ato público em frente ao STF para cobrar a retomada das negociações entre o Judiciário e o Executivo para garantir a inclusão do projeto na proposta de Lei Orçamentária. O ato atrapalhou a sessão de julgamentos do Supremo. Os ministros tiveram dificuldades para ouvir votos de seus colegas.

Importações do Brasil são as que mais crescem

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A expansão das importações no Brasil em 2010 é a maior entre 70 países analisados pela Organização Mundial do Comércio. Houve aumento de 46% entre dezembro de 2009 e setembro deste ano. O real valorizado e o fortalecimento do mercado doméstico são os principais motivos desse avanço. Ao final de dezembro do ano passado, o Brasil importava US$ 12,8 bilhões. No mês de setembro de 2010, esse volume já chegava a US$ 18,7 bilhões.

Brasil é o país com maior crescimento das importações desde o início do ano

Volume cresceu 46% entre dezembro de 2009 e setembro deste ano; variação é a maior entre 70 países avaliados pela OMC

Jamil Chade - Correspondente / GENEBRA

A invasão de importados no Brasil bate todos os recordes. Pelos dados oficiais de 70 governos, o País está enfrentando a maior expansão de importações em 2010 entre os membros do G-20 (20 países mais ricos e influentes do mundo) e entre todas as economias que tiveram seus dados compilados pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

A comparação entre o que o Brasil importou em dezembro de 2009 e setembro deste ano mostra um aumento das importações de 46%. Em qualquer outra comparação entre 2009 e 2010, o Brasil também lidera em expansão de importações.

O real valorizado e o crescimento do mercado doméstico são os principais motivos do fenômeno. No fim de dezembro do ano passado, o Brasil importava US$ 12,8 bilhões. Em setembro de 2010, esse volume já chegava a US$ 18,7 bilhões. Em outubro, o volume chegou a cair um pouco, mas nada que tenha modificado a trajetória.

Setembro bateu recorde em volume de importações no País. Em comparação com a média dos meses de 2006, o valor é três vezes maior. Em relação a setembro de 2009, o Brasil também tem a maior taxa de expansão, de 43%. Na China, a alta havia sido de 24%, ante 34% na Rússia.

Nenhuma das 70 economias avaliadas teve variação tão grande como a do Brasil entre dezembro de 2009 e o fim do terceiro trimestre de 2010.

O Brasil já aparece nas estatísticas americanas como o parceiro comercial com o qual os Estados Unidos têm o maior superávit. Com a Europa, a situação se repete. O superávit que o Brasil tinha com os europeus desde 1999 foi zerado no terceiro trimestre, ainda que o governo aposte que as vendas de fim de ano farão com que o ano termine com superávit a favor do Brasil. O resultado contrasta com os números de 2007, quando o País havia obtido saldo positivo de 11,5 bilhões, amplamente favorável às contas nacionais.

Em 2010, o Brasil foi a economia que teve a maior expansão de importação de produtos europeus. O crescimento das vendas europeias ao Brasil foi de 54% de janeiro a agosto. Segundo os dados da OMC, China e Rússia também tiveram alta em suas importações em 2010. Mas a expansão foi maior no Brasil.

A Argentina é a economia cujos números mais se aproximam dos brasileiros. No mesmo período analisado, as importações aumentaram 42%. Mas elas são apenas um terço do que o Brasil compra a cada mês, e a base de comparação é baixa.

Nos EUA, maior importador do mundo, a alta em 2010 foi de 14%. Em setembro, a economia americana havia importado US$ 171 bilhões, praticamente o mesmo que os países da UE juntos. A China vem em 3º lugar, com US$ 128 bilhões naquele mês.

Balança. Já do lado das exportações, o Brasil obteve taxas recordes de expansão entre as maiores economias. Mas a taxa é inferior à das importações. Entre dezembro de 2009 e setembro de 2010, o volume de vendas subiu de US$ 14,4 bilhões para US$ 18,8 bilhões em setembro e US$ 18,3 bilhões em outubro.

O valor de setembro de 2010 representa uma expansão de 36% em comparação com setembro de 2009, a mais alta entre os principais exportadores.

Em agosto, o Brasil também havia superado os demais países, com 39% em relação ao mesmo mês de 2009 - a China havia obtido alta de 34%. Mas naquele mês as importações do Brasil haviam crescido ainda mais: 57%.

Para banco japonês, China inspira política econômica

ENVIADO POR MAURICIO DAVID

O Brasil deve adotar nos próximos anos uma política econômica baseada no modelo chinês. Para a equipe de analistas do Nomura Securities, que elaborou um documento sobre o país, essa será uma das principais mudanças no governo da presidente eleita Dilma Rousseff. A instituição admite que, à primeira vista, essa hipótese pode parecer absurda, já que são duas economias diferentes.

Hoje, a China tem um modelo de crescimento com foco nas exportações de manufaturados, alto índice de poupança e investimentos que geram superávit em conta corrente.

Já o Brasil é um exportador de commodities, com baixas taxas de poupança e um enorme e crescente déficit em conta corrente. A equipe do banco japonês, no entanto, lembra que o governo brasileiro já alterou sua política para um modelo inspirado na China.

Isso teria acontecido em 2008, quando o governo federal, em meio ao iminente aperto no crédito, decidiu capitalizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que o transformou no maior banco de fomento do mundo, com investimentos em torno de R$ 146 bilhões neste ano. Segundo a instituição, a oferta de crédito se tornou uma marca da atual política econômica e uma iniciativa de longo prazo.

"O BNDES é hoje o maior financiador para projetos de infraestrutura e em setores onde o governo tenta predominar. Isso se ampliou de tal forma que a política monetária não pode ser discutida sem se levar em conta esses movimentos". Na visão da equipe, o maior sinal de que o Brasil copia o modelo chinês é o fato de o banco de fomento ter se tornado na maior fonte de investimentos da economia nacional.

Outro indicativo, conforme o documento, é a taxa de câmbio. "Depois de anos de um regime de transparência e livre flutuação do câmbio, o governo apelou neste ano para a imposição de políticas restritivas à entrada de capitais, sob a alegação de que precisa se proteger contra iniciativas do FED [Federal Reserve]".

Para evitar a entrada de capitais especulativos e conter a valorização do real, o governo brasileiro elevou as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Uma terceira evidência seria a proximidade dos dois países nos fóruns mundiais, como o G-20. No recente encontro na Coreia do Sul, o Brasil apoiou a China nas queixas de que os Estados Unidos representam uma ameaça à estabilidade internacional. A crítica é direcionada contra a decisão do governo de Barack Obama de injetar US$ 600 bilhões na economia norte-americana.

O Nomura acredita que a ideia de "copiar" o modelo chinês tem como base três razões. Primeiro, por conta dos laços econômicos entre as duas nações. A China representa hoje o maior mercado para os produtos brasileiros, sendo que neste ano, se tornou o maior investidor no Brasil.

Outro motivo seria que as autoridades brasileiras já esperam que Pequim irá ocupar o lugar dos Estados Unidos como principal potência. Por fim, a última razão se justificaria pelo fato do modelo chinês se adaptar à ideologia do PT.

"Acreditamos que o próximo governo vai utilizar mais oferta de crédito e outras medidas administrativas para tentar controlar a inflação e menos instrumentos monetários como a política de juros altos. A meta de inflação deve ficar subordinada a outras considerações, como a política fiscal e cambial", disse a instituição, que espera a continuidade de uma postura intervencionista no câmbio e um papel central do BNDES na economia nacional.

Futura equipe de Dilma prega austeridade

DEU EM O GLOBO

Ao serem anunciados como os primeiros integrantes do governo Dilma Rousseff, Guido Mantega (Fazenda), Alexandre Tombini (BC) e Miriam Belchior (Planejamento) defenderam a austeridade fiscal para viabilizar investimentos.

Promessas de austeridade

Equipe econômica de Dilma prega corte de gastos com custeio para bancar investimentos
Eliane Oliveira, Luiza Damé, Martha Beck e Patrícia Duarte

Com discurso afinado e ensaiado, os três principais integrantes da equipe econômica do governo Dilma Rousseff, confirmados ontem - sem a aparição pública da presidente eleita -, garantiram a manutenção da política econômica, com destaque para o regime de metas de inflação e a autonomia do Banco Central. Guido Mantega (Fazenda), Alexandre Tombini (Banco Central) e Miriam Belchior (Planejamento) também incorporaram o compromisso com a austeridade fiscal.

Durante a apresentação conjunta no CCBB, onde trabalha a equipe de transição, Mantega afirmou que 2011 será o ano da contenção de gastos. Disse que o país não comporta a criação de mais despesas previstas em projetos que tramitam no Congresso. Tombini disse ter recebido de Dilma a garantia de que terá "autonomia operacional total". E Miriam frisou que, apesar da rigidez fiscal, não faltará verba para os programas sociais. Mas ressalvou que o governo agirá dentro dos limites na discussão de reajustes para o funcionalismo. Os três foram conduzidos pelo deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), um dos coordenadores da transição.

Dilma confirmou a indicação dos três em nota, inaugurando novo estilo de anúncio de equipe. Pouco antes da entrevista dos seus primeiros ministros, ela estava no Palácio da Alvorada com o presidente Lula, o deputado Antonio Palocci e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, este também confirmado ontem para permanecer no cargo, mas sem anúncio oficial.

Com as nomeações, Dilma quis pôr um ponto final nas especulações de que poderia haver uma intervenção na política monetária do BC, com a saída de Henrique Meirelles. Em seu comunicado, afirma ter determinado à equipe que garanta a continuidade da "bem-sucedida política econômica do governo Lula".

"Não tem meia autonomia"

Preocupada em tranquilizar os investidores, Dilma fez questão de lembrar, em seu comunicado, que permanecerá a fórmula baseada no regime de metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal, com metas de superávit. E destacou que também são prioridades avanços na área social "para vencer a pobreza e alcançar o patamar de nação plenamente desenvolvida". Tombini também deu recados ao mercado, ao dizer que teve "longas conversas" com Dilma, recentemente. Repetiu mais de uma vez que terá total autonomia na sua função:

- Ela (Dilma) me disse que nesse regime (metas de inflação) não tem meia autonomia. Temos regras de jogo bem definidas. Temos autonomia operacional total - disse Tombini, que deve ser sabatinado pelo Senado em dezembro: - Quero dizer que meu compromisso com o Brasil e com a presidente eleita Dilma é cumprir a meta de inflação, e que é isso que farei com autonomia operacional total.

Primeiro a falar, Mantega procurou mudar a imagem de gastador que tem junto ao mercado. Afirmou que é hora de reduzir gastos e manter o crescimento da economia com solidez fiscal e controle da inflação:

- O ano de 2011 será de consolidação fiscal com contenção de despesas de custeio. O crescimento só será sustentável se for sem desequilíbrios macroeconômicos, ou seja, que não gere dívida pública, que não aumente o endividamento do Estado e que não gere inflação - disse o ministro.

Mantega reafirmou o compromisso de Dilma de fazer superávits primários (economia para o pagamento de juros da dívida pública) que permitam queda do déficit nominal e da dívida - a meta é reduzir essa dívida de 41% para 30% do PIB até 2014.

O ministro frisou que a austeridade fiscal poderá ficar comprometida se aprovados aumentos de despesas como o previsto na PEC 300 - que cria um piso nacional para os policiais e teria impacto de R$46 bilhões para a União, estados e municípios -, reajustes para o Judiciário e salário mínimo maior que R$540:

- A consolidação fiscal corre risco, caso sejam aprovados aumentos de gastos que estão tramitando em projetos de lei. É preciso um esforço comum de contenção de gastos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário para que a solidez fiscal continue viabilizando o crescimento sustentável no país.

Mantega sinalizou que o governo mudará a forma de estimular a atividade econômica e porá menos verba no BNDES - o que, para ele, abrirá espaço para que o setor privado financie mais empreendimentos, e reduzirá pressão sobre os preços, criando espaço para queda das taxas de juros.

Já Miriam Belchior, que substituirá Paulo Bernardo, enfatizou os compromissos de Dilma na área social. Frisou conhecer bem as dificuldades do setor público quanto à disponibilidade de recursos e afirmou que esse é um desafio permanente:

- Vamos canalizar recursos para as prioridades anunciadas pela presidente Dilma Rousseff: erradicação da miséria, criação de oportunidades para todos, educação e saúde de qualidade, melhoria na segurança pública, combate às drogas e investimentos em infraestrutura, para o país continuar melhorando.

PM avança para ocupar o bunker do tráfico na Penha

DEU EM O GLOBO

Quatro dias após o início dos ataques que aumentaram a sensação de insegurança no Rio, o governo do estado decidiu preparar sua principal ofensiva contra o terror imposto pelo tráfico. O objetivo é dominar a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão, que se transformaram no maior bunker de traficantes cariocas desde que migraram para lá bandidos expulsos de favelas ocupadas por Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O governador Sérgio Cabral Filho pediu apoio logístico à Marinha, que vai fornecer blindados e equipamentos. A PM decretou estado de prontidão em todas as unidades da Região Metropolitana. Ontem, até o final da noite, a corporação fez incursões em 28 favelas, resultando na morte de 18 pessoas e 41 presos - desde domingo, já morreram 22. A Policia Civil foi a outras duas favelas. Entre a madrugada e o início da noite, 28 veículos (oito dos quais ônibus) foram incendiados em ataques do tráfico. Pela primeira vez, quatro pessoas ficaram feridas no incêndio de uma van e uma outra num ônibus.

Ataque ao bunker do tráfico

A GUERRA DO RIO

Com apoio da Marinha, estado prepara ação na Vila Cruzeiro para acabar com atentados

Ana Cláudia Costa, Gustavo Goulart e Vera Araújo

O governo do estado prepara uma grande ofensiva contra o tráfico na Vila Cruzeiro, programada para começar na madrugada de hoje. Principal reduto do tráfico no Rio, a Vila Cruzeiro, junto com o Complexo do Alemão, se transformou no maior bunker de traficantes cariocas, recebendo bandidos de comunidades ocupadas por Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O governador Sérgio Cabral pediu apoio à Marinha do Brasil, que garantiu suporte logístico, como veículos blindados, armas, munição e óculos de visão noturna.

Em entrevista ontem ao "Jornal Nacional", da TV Globo, o governador afirmou que recebeu um fax do ministro da Defesa, Nelson Jobim, garantindo total apoio:

- Acabamos de solicitar ao ministro Nelson Jobim e ao almirante Julio (Soares de Moura), comandante da Marinha, o apoio logístico, com transporte, viaturas e equipamentos importantíssimos para o combate a esses criminosos.

O governador ressaltou que a Marinha não vai atuar diretamente no combate aos atentados no Rio.

- Não é apoio de efetivo. A Marinha não vai se envolver. Vai ceder esses equipamentos para a operação da Polícia Militar.

Todos os batalhões da Região Metropolitana estão de prontidão. Ontem, as polícias Militar e Civil fizeram operações simultâneas em 29 favelas. Os alvos principais são os responsáveis pelos ataques que estão apavorando a população. Só a PM fez incursões em 27 comunidades, resultando na morte de 18 pessoas e na detenção de 153 (21 ficaram presas após serem ouvidas).

PM apreende 1t de maconha na Penha

Ontem, a Polícia Militar ensaiou uma investida nos morros da Chatuba e da Fé, no Complexo da Penha, ocupando os principais acessos. As comunidades fazem parte de um conjunto de morros que forma os complexos da Penha e do Alemão, onde está a maior facção criminosa do Rio. Só nessa ação, quatro pessoas morreram e 25 pessoas foram detidas. Há ainda 14 feridos no Hospital Getúlio Vargas e dois policiais militares baleados de raspão. Entre os mortos, está uma menina de 14 anos, vítima de uma bala perdida na Favela do Grotão, na Penha.

De acordo com o balanço da PM, foram apreendidas 14 armas pistolas e revólveres, dois fuzis, uma espingarda calibre 12, uma submetralhadora, uma granada e duas bombas artesanais nas operações de ontem. Na Chatuba, foi apreendida também uma tonelada de maconha.

Segundo o relações-públicas da PM, coronel Henrique Lima Castro, a corporação pôs 17.500 militares nas ruas e reforçou o policiamento nas UPPs, temendo que as unidades fossem alvos dos bandidos:

- Não começamos esta guerra. Fomos provocados a entrar nela e vamos sair vitoriosos. A gente tem fôlego para isso. Ainda não usamos o pessoal que está de férias e o do interior.

Câmera flagrou bandidos em favela

A ação policial começou simultaneamente nas favelas por volta da 9h. Enquanto equipes da Polícia Civil entravam nas favelas de Manguinhos e Jacarezinho, PMs de diversos batalhões se reuniram no 41º BPM (Irajá) e, de lá, partiram para invadir as favelas do Complexo da Penha. O fato ocorreu logo depois de um câmera no helicóptero da TV Globo flagrar cenas, no início da tarde, de homens fortemente armados e circulando em motos num dos acesso à Vila Cruzeiro. O Batalhão de Operações Especiais (Bope) ocupou os acessos e não vai sair de lá, até a ocupação completa da favela hoje. Para isso, estavam sendo requisitados blindados de outros batalhões.

Quando o Bope chegou, traficantes, por meio de radiotransmissores, alertavam para o posicionamento dos blindados da polícia. Comerciantes do Largo da Penha optaram por fechar as portas, temendo balas perdidas. A intensa troca de tiros deixou o Largo da Penha deserto. Até os camelôs recolheram as barracas. Traficantes armados de fuzil circulavam pelas escadarias da Igreja da Penha e atiravam em direção aos policiais. Um carro blindado do Bope foi atingido por duas bombas de fabricação artesanal e ficou com os dois pneus furados.

PMs de vários batalhões entraram pelos dois acessos da Avenida Vicente de Carvalho e invadiram o Morro da Fé, vizinho à Vila Cruzeiro. A avenida, uma das mais movimentadas da região, foi fechada. Às 9h30m, começou um confronto. As rajadas de fuzil foram contínuas por pelo menos uma hora. Houve correria entre os moradores. Muitos não puderam subir. Uma casa de shows e um posto de gasolina serviram de abrigo para crianças que haviam saído da escola.

As ações da polícia se estenderam pelos morros da Chatuba, do Sereno e da Caixa D"Água. Durante um dos confrontos, Álvaro Lopes, de 81 anos, foi baleado de raspão no braço, na porta de sua empresa, na Rua Cajá. Um morador não identificado foi baleado de raspão. Por conta da troca de tiros nas favelas da região, a direção do Hospital Getúlio Vargas divulgou um alerta a todos os profissionais da emergência, para ficarem a postos para atender baleados. Na saída do hospital, Álvaro contou o drama por que passou.

- Eu estava na porta da empresa. Ouvi os tiros e senti uma queimação no braço. Moro aqui há 40 anos e já imaginava que essa guerra ia ser assim - disse.

Por volta das 13h, cerca de 80 homens do Bope chegaram à Penha. Eles fecharam a Avenida Brás de Pina para que as equipes pudessem passar. O comboio foi aplaudido por motoristas, que, presos no engarrafamento, pediam a ação imediata da polícia na região. As equipes foram entrando aos poucos, nas favelas da Chatuba e Caixa D"Água, que fica atrás do Parque Ary Barroso, onde há uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Apesar do intenso tiroteio, durante o qual pacientes tiveram que se abaixar, o atendimento não foi interrompido.

O motorista de uma cooperativa de táxi, Rafael Ramos, de 33 anos, disse que sua empresa, por precaução, não está atendendo mais chamados entre Vicente de Carvalho e Penha. Já o aposentado Valdemar da Rocha, de 75 anos, disse que já está acostumado com confrontos na região, mas nunca viu um igual ao de ontem.

- Moro aqui há 40 anos e é normal haver tiros na Penha. Sempre houve bandido. Mas tiroteio igual ao de hoje (ontem), com rajadas sem parar, eu nunca tinha visto - disse.

Além de favelas na Penha, a PM esteve no Morro do Tuiuti, em São Cristóvão, no Morro da Cotia, no Grajaú, na Favela Faz Quem Quer, em Rocha Miranda, e na Vila Kennedy. Na Zona Sul, a ação no Morro do Cerro-Corá assustou moradores do Cosme Velho. Houve um intenso tiroteio. A PM também esteve no Morro do Santo Amaro, no Catete. Na Baixada, ocorreram incursões em cinco comunidades. A Polícia Civil esteve em Manguinhos e no Jacarezinho.

Jungmann classifica ação de criminosos no Rio como "atos terroristas"

DEU NO PORTAL DO PPS

Por: Diógenes Botelho

"O que estamos vendo acontecer hoje no Rio de Janeiro pode ser qualificado como ações terroristas de grupos criminosos", afirmou nesta quarta-feira o ex-presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE). Para ele, a ação terrorista foi arquitetada por dois motivos principais: Em primeiro lugar, pelo fato de que visa não o crime diretamente, mas fazer com que a estrutura de Estado e o dispositivo de segurança se condicionem aos desejos do crime organizado do Rio de Janeiro. Em segundo lugar - e de acordo com os qualificativos que a ONU usa para definir ação terrorista, estamos vendo ações planejadas com incêndios e agressões que visam amedrontar, coagir e constranger a população do Rio de Janeiro.

Jungmann avalia ainda que hoje ocorrem 3 crises simultâneas no Rio de Janeiro. "Em primeiro lugar, temos as chamadas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadoras) que vêm retirando dos criminosos o controle territorial de algumas áreas. Isso tem, por exemplo, encurralado o Comando Vermelho no Morro do Alemão. A partir daí, os criminosos partem para ações fora do complexo que visam coagir a população e ganhar a queda de braço com o governo para que ele enfraqueça a ação do Estado", analisa o deputado.

Outro problema gravíssimo, afirma Jungmann, atinge os presídios de segurança máxima, que, no Rio de Janeiro, podem ser chamados de "presídios de comunicação máxima". "Eles se transformaram em quartel general do crime organizado, ou seja, é de dentro do presídio de segurança máxima que partem os ordens para as ações que hoje ocorrem no estado. Urge reconhecer que algo está muito errado nesse projeto", alerta o deputado.

Em terceiro e último lugar, destaca o deputado, está a questão das milícias."É preciso uma reforma das polícias, porque a polícia que está fazendo uma política que tem o seu sucesso relativo, caso das UPPs, é a mesma, ainda que minoritária, que serve os quadros para a milícia. Enquanto não reformarmos essa polícia, e uma reforma que efetivamente signifique o seu resgate, a sua melhoria de condições operacionais, de carreira, de atuação enquanto inteligência, de equipamento e de expurgo de maus policiais, com o funcionamento das corregedorias de modo adequado, nós não vamos ter a sustentabilidade dessas operações", defende o parlamentar.

Jungmann alerta ainda que o que ocorre no Rio de Janeiro pode se alastrar país afora. E, justamente, num período em que a antiga capital federal vai sediar eventos fundamentais para o Brasil como as Olimpíadas e a Copa do Mundo. "Ressalto a necessidade de uma intervenção política coordenada, porque neste instante somos todos cariocas", afirmou.

Entrevista: Stepan diz que Rio vive clima de guerra e que só UPP não elimina a violência

DEU NO PORTAL DO PPS

Para Stepan, violência explodiu por descontinuidade no combate ao crime.

Por: Wilson Passos

A violência que se alastra pelo Rio de Janeiro há vários anos não vai ser resolvida apenas com a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). É preciso muito mais. Entram aí medidas concretas para dar uma alternativa de vida para os jovens envolvidos com o tráfico, o maior controle das fronteiras brasileiras para impedir a entrada de armas e drogas no país e um processo radical de "desinfecção" do sistema policial, completamente contaminado pela corrupção e envolvimento com o crime. A opinião é do vereador do Rio e deputado federal eleito Stepan Nercessian (PPS-RJ). Em entrevista ao Portal do PPS, além de debater propostas para o combate à violência, ele traça um cenário de como a população do estado convive com essa situação: "Você vê carro de polícia no morro e não sabe se ele está em incursão, excursão ou se está indo receber, pagar ou prender. Mas é o tempo todo esta relação, tanto é que bandido perdeu medo de polícia". Confira abaixo a entrevista.

Portal – Na sua opinião, os atos de violência que se intensificaram no Rio nos últimos dias são uma reação às políticas de segurança implantadas pelo governo do estado?

Stepan Nercessiam – A minha intuição diz que é uma reação. É algo orquestrado. Não são atos isolados de vandalismo. É uma reação a essa ocupação porque ninguém pode ter imaginado que, encurralando um inimigo, ele desaparece. Ele não evapora. Ele vai para outro lugar. Eles (criminosos) estão nos grandes complexos e tentando dar sinais de que haverá reação. Acho que a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) é uma boa medida mas ela não contém soluções mágicas. Portal – Uma das grandes críticas que se faz é ao escancaramento das fronteiras para a passagem de armas pesadas que irão abastecer as organizações criminosas que operam nos grandes centros urbanos. Isso também precisa ser enfrentado?Stepan – Isso sempre foi colocado de uma maneira muita confusa. Sempre quiseram colocar soldadinho na rua, ou botar soldado no morro. Isso já aconteceu e é um paliativo que não dá certo. Não é esse o caminho. Agora a verdadeira obrigação das Forças Armadas é cortar o canal de entrada de armamento, de pirataria, do contrabando. Tudo do crime está aí junto. As coisas entram à vontade no país. O Rio de Janeiro, por exemplo, não faz fronteira com nenhum país que eu conheça. Tem um erro muito grave deste policiamento de fronteira. É a corrupção nas estradas. São as cargas e o contrabando que passam.

Portal – Você acredita que a violência no Rio tem solução?

Stepan – Eu acho que tem. A violência assumiu essa proporção por descontinuidade no combate sistemático de crime. Elas não são políticas públicas. São políticas de governo. Cada governador que entra pensa de uma maneira e a polícia começa a agir de uma maneira. Nada que não tenha continuidade tem eficácia. As pessoas precisam saber que existe um padrão. O Rio de Janeiro tem um problema muito grave que é o da corrupção entranhada no seio das autoridades policiais. Você prende tanto traficante quanto polícia diariamente. Você tem notícias de crime onde tem ou o bandido ou policial envolvido, o que enfraquece a importância e a autoridade policial. Você vê carro de polícia no morro e não sabe se ele está em incursão, excursão ou se está indo receber, pagar ou prender. Mas é o tempo todo esta relação, tanto é que bandido perdeu medo de polícia. Os caras estão dando tiro em cabine policial, tiro em PM.

Portal – Mas a polícia não está tentando fazer uma espécie de faxina interna para expulsar os maus profissionais?

Stepan - Existe um trabalho de reformulação da policia mas, a meu ver, muito tímido. Esta é uma questão. Uma outra questão que eu falo é quase utópica. É que em qualquer situação de guerra, como esta do Rio, aonde você avança sobre os territórios dominados para afugentar o inimigo, deveria se pegar algumas coisas dos códigos de guerras mundiais. Já tenho notícia que tem uma porção de jovens envolvidos: “fogueteiros” (quem avisa sobre a chegada da polícia), “aviãozinhos” (aquele que transporta pequenas quandidades de droga) que não estão nada tranquilos com a perda de território e querem opção. A opção tem que ser acenada. Não tem a delação premiada? Poderia se acenar com uma rendição assistida pela Justiça. Tem muita gente que quer largar o crime e não tem mais como. É um negócio que eu quero lançar. Tem “bandeira branca” até em guerra.

Portal – Você assume em fevereiro próximo o mandato de deputado federal. Vai trazer esta discussão para o Congresso Nacional?

Stepan - Eu tenho impressão (que será discutida), principalmente, no viés da proteção ao menor e ao adolescente porque não é pequeno o contigente de adolescentes e de menores nesta reação com o tráfico. Há de se pensar. De dar possibilidade, de estudar, de eles fazerem alguma coisa.

Verônica Ferriani - "Com um sorriso nos lábios"

O tempo passa? Não passa:: Carlos Drummond de Andrade

O tempo passa ? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.