terça-feira, 2 de novembro de 2010

Entrevista: FHC critica PSDB por omitir história

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) criticou a atuação de seu partido, o PSDB, na campanha para a eleição presidencial.

"Não estou mais disposto a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história", afirmou durante entrevista a Maria Cristina Frias e Vinicius Mota.

FHC evitou dizer se a derrota de Jose Serra faz de Aécio Neves candidato da vez, mas acha que, seja quem for, deve ser anunciado dois anos antes das eleições.

Para ele, o país está se movimentando em direção a um corporativismo estatizante: "Uma mistura de Getúlio [Vargas], [Ernesto] Geisel e Lula".

FHC diz não endossar PSDB que não defenda sua história

Para ex-presidente, "entramos num marquetismo perigoso, que despolitiza. liderar é transformar em problema o que a população não vê como problema"

Maria Cristina Frias e Vinicius Mota

"Não estou mais disposto a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ontem, em entrevista no instituto que leva seu nome, no centro de SP.Presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique defende que o partido anuncie dois anos antes das eleições presidenciais seu candidato. "O PSDB não pode ficar enrolando até o final para saber se é A, B, C ou D."

O ex-presidente diz que Lula "desrespeitou a lei abundantemente" na campanha e que promove "um complexo sindical-burocrático-industrial, que escolhe vencedores, o que leva ao protecionismo".

Para FHC, a tradição brasileira de "corporativismo estatizante está voltando". Lula é uma "metamorfose ambulante que faz a mediação de tudo com tudo".

Folha - José Serra aproveitou a oportunidade do segundo turno como deveria?

Fernando Henrique Cardoso - Serra foi fiel ao estilo dele. Tomou as decisões na campanha, com o [marqueterio Luiz] Gonzalez. Não fez diferente do que se esperaria de Serra como um candidato que define uma linha e vai em frente. O PSDB, e não o Serra, tem outros problemas mais complicados. Precisa ter uma linguagem que expresse o coletivo. Os candidatos esqueceram a campanha e não definiram o futuro. O nosso futuro vai ser fornecer produtos primários? Ou vamos desenvolver inovação, a educação, a industrialização? Isso não foi posto.

O governo Lula patrocina a formação de grandes empresas, uma espécie de complexo "industrial-burocrático". Qual a diferença para o seu governo, que também usou o BNDES nas privatizações?

Tudo é uma questão de medida. Os fundos [de pensão] entraram na privatização porque já tinham ações nas teles e participar do grupo de controle lhes dava vantagem. Mas tive sempre o cuidado da diversificação. O problema agora é de gigantismo de uns poucos grupos, nesse complexo, que na verdade é sindical-burocrático-industrial, com forte orientação de escolher os vencedores. Isso é arriscado do ponto de vista político e leva ao protecionismo.

A fila do PSDB andou? Chegou a vez de Aécio Neves para presidente?

Eu não posso dizer que passou a primeiro lugar, mas que o Aécio se saiu bem nessa campanha, se saiu. Não posso dizer que passou a primeiro lugar porque o Serra mostrou persistência e teve um desempenho razoável. Não diria que existe um candidato que diga "Eu naturalmente serei". Mas o PSDB também não pode ficar enrolando até o final para saber se é A, B, C ou D. Dentro de dois anos temos de decidir quem é e esse "é" e tem de ser de todo mundo, tem de ser coletivo. Não estou disposto mais a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história. Tem limites para isso, porque não dá certo. Tem de defender o que nós fizemos. A privatização das teles foi boa para o povo, para o Tesouro e para o país. Do ponto de vista econômico, as questões estão bem encaminhadas. O problema não é saber se a economia vai crescer, é se a sociedade vai ser melhor.

Houve sinais do que o sr. chama de "espírito" da democracia no processo eleitoral?

Não vejo. O presidente Lula desrespeitou a lei abundantemente. Na cultura política, regredimos. Não digo do lado da mecânica institucional -a eleição foi limpa. Mas na cultura política, demos um passo para trás, no caso do comportamento [de Lula] e da aceitação da transgressão, como se fosse banal. Aqui ocorre outra confusão: pensar que democracia é simplesmente fazer as condições de vida melhorarem. Ela é também, mas não se esqueça que ditaduras fazem isso mais depressa.

Como o sr. vê a volta de temas como religião na campanha?

Com preocupação. O Estado é laico, e trazer a questão religiosa para o primeiro plano não ajuda.

A dose dos marqueteiros nas campanhas está exagerada?

Sim, em todas as campanhas. Nós entramos num marquetismo perigoso, que despolitiza. Hoje a campanha faz pesquisas e vê o que a população quer naquele momento. A população sempre quer educação, saúde e segurança, e então você organiza tudo em termos de educação, saúde e segurança. Sem perceber que a verdadeira questão é como você transforma em problema algo que a população não percebeu ainda como problema. Liderar é isso. Você abre um caminho. A pesquisa é útil não para você repetir o que ela disse, mas para tentar influenciar o comportamento a partir de seus valores. O que nós temos na campanha é a reafirmação dos clichês colhidos nas pesquisas. Onde é que está a liderança política, que é justamente você propor valor novo. O líder muda, não segue.

A polarização nacional entre PT e PSDB completou 16 anos. Tem feito mais bem ou mais mal ao Brasil?

O que o Chile fez na forma da Concertação [aliança entre Partido Socialista e Democracia Cristã que governou o país de 1990 a 2010], fizemos aqui sob a forma de oposição. Há muito mais continuidade que quebra. O pessoal do PT aderiu grosso modo ao caminho aberto por nós. Isso é que deu crescimento ao Brasil. Agora tem aí o começo de um rumo que não é mesmo o meu, que é esse mais burocrático-sindical-industrial. E tem uma diferença na concepção da democracia.

O que seria essa social-democracia tucana?

Social-democracia, vamos devagar com o ardor. O sujeito da social-democracia europeia eram a classe trabalhadora e os sindicatos. Aqui são os pobres. O Lula deixou de falar em trabalhador para falar em pobre. Mudou. Nós descobrimos uma tecnologia de lidar com a pobreza, mas estamos por enquanto mitigando a pobreza. Tem de transformar o pré-sal em neurônio. Esse é o saldo para uma sociedade desenvolvida. Está se perfilando, no PT e adjacências, uma predominância do olhar do Estado, como se o Estado fosse a solução das coisas.

Então a diferença entre PT e PSDB, para o sr., se dá em relação ao papel do Estado.

A nossa tradição é de corporativismo estatizante, e isso está voltando. É uma mistura fina, uma mistura de Getúlio, Geisel e Lula. O Lula é mais complicado que isso, porque é isso e o contrário disso. Como é a metamorfose ambulante, faz a mediação de tudo com tudo. Lula sempre faz a mediação para que o setor privado não seja sufocado completamente. Não sei como Dilma vai proceder.

Isso tende a se aprofundar nesse novo governo?

A segunda parte do segundo mandato de Lula foi assim. A crise global deu a desculpa para o Estado gastar mais. E o pobre do [John Maynard] Keynes pagou o preço. Tudo é Keynes. Investimento não cresceu, gasto público se expandiu, foi Keynes. Não acho que o Brasil vá no sentido da Venezuela porque a nossa sociedade é mais forte. Aqui há empresas, imprensa, universidades, igrejas, uma sociedade civil maior, mais forte. Isso leva o governo a ter cautela. Veja o discurso da Dilma de ontem [domingo]. Ela beijou a cruz. Ela tem que dizer isso, que vai respeitar a democracia, porque senão não governa.

O que esperar de Dilma?

Não sabemos o que ela pensa, nem como é que ela faz. O Brasil deu um cheque em branco para a Dilma. Vamos ver o que vai acontecer com a conjuntura econômica. Há um problema complicado na balança de pagamentos, um deficit crescente, uma taxa de juros elevada e uma taxa de câmbio cruel.

Sinais para o futuro :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense Daniel Aarão Reis comentou comigo, na bancada do Jornal das Dez da Globo News do dia da eleição, que achou que os dois candidatos estavam muito tensos mesmo quando emitiram as protocolares mensagens de reconciliação política. Seria, segundo Aarão Reis, ainda consequência do clima agressivo que marcou a campanha eleitoral, principalmente no segundo turno.

De fato, a presidente eleita, Dilma Rousseff, fez um discurso frio, assumindo compromissos importantes, mas sem emoção que surgiu por segundos quando falou em Lula, mas conteve-se , enviando aos partidos de oposição e aos setores da sociedade que não estiveram conosco nesta caminhada uma mensagem da mão estendida, garantindo que não haverá discriminação, privilégios ou compadrio.

Partiu do candidato derrotado, José Serra, o tom aparentemente mais inusitado, mas que não deveria provocar tanta surpresa aos petistas, mas sim aos tucanos.

Serra acenou com a intenção de sair da eleição como líder da oposição, e num tom muito acima do que imprimiu na própria campanha: Nestes meses duríssimos, quando enfrentamos forças terríveis, vocês alcançaram uma vitória estratégica. Cavaram uma grande trincheira, construíram uma fortaleza, consolidaram um campo político em defesa da liberdade e da democracia no Brasil. Em defesa das grandes causas econômicas e sociais do país, disse, pintado para a guerra, dirigindo-se aos 44 milhões de eleitores que votaram nele neste segundo turno.

Quem deve ter ficado surpreso e preocupado é o senador eleito por Minas Aécio Neves, considerado pela maioria como o herdeiro natural das bandeiras do PSDB e candidato natural à Presidência da República em 2014.

Os petistas não têm direito de ficar espantados nem de reclamar da dureza das palavras num momento de festa pela eleição da nova presidente do país.

Em 1994, Lula saiu derrotado da campanha presidencial chamando o Plano Real de estelionato eleitoral e durante todos os oito anos de mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso o PT votou contra todas as propostas do governo, desde o Plano Real em si.

O PT foi contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Fundef, que mudou radicalmente o financiamento do ensino fundamental no país; contra a criação da CPMF; contra a reforma da Previdência; contra a privatização das telecomunicações, entre muitos outros temas.

Em janeiro de 1999, reeleito Fernando Henrique no primeiro turno, o PT lançou uma campanha Fora FH, e o hoje governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, escreveu um artigo na Folha de S. Paulo pedindo o seu impeachment.

Portanto, o tom belicoso de Serra na sua fala à Nação nada mais é que uma proposta de postura à oposição derrotada mais uma vez pelo PT, uma tentativa de marcar posição desde o primeiro momento.

A oposição que saiu das urnas fortalecida, no comando de 11 estados 8 governados pelo PSDB; dois, pelo DEM; e um, pelo PMDB dissidente governará 56% da população e 60% do PIB, e teve mais votos do que nas duas últimas eleições em que foi derrotada, reduzindo em quase dez milhões de votos a diferença para o PT.

O PSDB sozinho governará a partir de janeiro cerca de 47% dos brasileiros, quase metade do eleitorado brasileiro.

Os 44% de votos válidos obtidos por José Serra neste segundo turno traduzem o melhor desempenho da legenda nas últimas três eleições presidenciais perdidas, e em termos de eleitores governados o partido só foi melhor em 1994, na primeira eleição de Fernando Henrique com o Plano Real, quando governou 52% dos eleitores.

A unidade demonstrada pelo partido durante a campanha eleitoral começou a se desvanecer a partir da fala de Serra, que deliberadamente não citou o ex-governador mineiro Aécio Neves nos seus agradecimentos, sinalizando naquele momento que endossava as críticas de alguns de seus assessores mais próximos que viram nos resultados do segundo turno em Minas, quando Dilma Rousseff aumentou a vantagem sobre Serra, sinal de que Aécio apenas simulou estar empenhado na campanha.

A diferença de 1,7 milhão de votos, porém, nada tem a ver com a falta de empenho do ex-governador, mas com condições específicas locais, como uma rejeição natural à hegemonia paulista na política nacional e à vontade de que Minas tenha um papel mais destacado no PSDB, além, evidentemente, das sequelas deixadas pela disputa entre Serra e Aécio pela indicação a candidato à Presidência da República.

Ziraldo, um mineiro ilustre, não se surpreendeu com a ineficácia da ação de Aécio.

Uns 15 dias antes da eleição, quando havia indícios de que o ex-governador poderia virar os votos mineiros tal a intensidade de sua atuação, ele me disse que Dilma venceria em Minas por dois milhões de votos.

Eu conheço minha gente, e não adianta fazer pesquisa em Minas. Mineiro não revela seu voto, explicava Ziraldo.

E também não entra em briga sem necessidade. Aécio Neves telefonou para cumprimentar Serra, deu uma nota oficial elogiando a campanha excepcional do candidato tucano e recolheu-se.

Prepara-se para assumir o comando da oposição já articulando no Congresso com partidos hoje na base do governo, como o PSB, que saiu fortalecido da eleição e terá mais força política para disputar com o PT espaço no novo governo Dilma.

Aécio propõe ao PSDB uma oposição que não seja radicalizada e que se conecte mais amplamente com outras forças políticas do país.

Por que não? :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O desafio de suceder a Luiz Inácio da Silva pode não ser tão difícil para Dilma Rousseff como parece de início. Isso se ela for mulher de levar ao pé da letra o que diz e, nesse aspecto, já começando por se contrapor no estilo ao criador.

Durante todo o período como presidente, Lula não teve compromisso algum com as palavras por ele mesmo ditas, o que em pouco tempo minou a credibilidade de seus discursos.

De um lado foi excelente para seus propósitos de caráter popular, político e eleitorais porque como ninguém levava a ferro e fogo o que dizia podia dizer qualquer coisa diante de um microfone. E de qualquer maneira: agredindo o idioma, a gramática, a boa educação ou alguém, instituição ou situação que o desagradasse.

Pois se a presidente eleita começar por fazer de suas primeiras palavras uma profissão real de fé, já marcará uma diferença importante sem precisar trair nem renegar seu mentor.

Coisa, aliás, que dificilmente ela faria mesmo a despeito de todos os exemplos já amplamente citados, nenhum deles semelhante em nada às circunstâncias que cercam Lula e Dilma.

Dilma disse que pretende governar sem privilégios ou compadrio. Terá querido dizer, por suposto, que dará tratamento impessoal à Presidência da República.

Governando com aliados, sim, mas conferindo à oposição o respeito devido a uma força política antagônica que recebeu 43 milhões de votos.

Isso do ponto de vista administrativo, óbvio, mas não só. Na política, sobretudo, a neutralidade exigida pela Constituição requer que o Poder Executivo não pretenda se sobrepor aos outros, notadamente ao Legislativo, usando dos instrumentos de poder para solapar prerrogativas do Congresso.

Que boa parte dos congressistas deixam docemente que sejam solapadas, diga-se.

Dilma afirmou que não aceitará irregularidades no governo. O histórico na Casa Civil não recomenda, é verdade. Mas, digamos que, imbuída da nova responsabilidade, ela venha a pôr um fim na longa temporada de afagos públicos em acusados de toda sorte e duros ataques a instrumentos de fiscalização da administração pública.

Admitamos que a nova presidente seja diferente e não aceite se descompor moralmente apenas porque o descomposto de plantão pode vir a ser precioso numa eleição mais à frente ou em algum enrosco em que o governo ou algum de seus integrantes se envolva e que necessite de defesa ferrenha no Congresso.

Foi bem clara quanto à sua falta de compromisso "com o erro, o desvio o malfeito". E como não pareceu disposta a abrir exceções, é de se acreditar que pessoas consideradas por Lula diferentes dos comuns como o presidente do Senado, José Sarney, estejam incluídas.

Na visão da nova presidente "o povo não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável". Portanto, é de supor que não estejam nos seus planos elogios à gastança feita por Lula a partir da reeleição.

Em seu pronunciamento Dilma Rousseff dedicou longo trecho a afirmar seu zelo pela democracia. Prometeu zelar pela liberdade de imprensa, de culto religioso, pela observação da preservação dos direitos humanos e assegurou também que zelará pela Constituição, "dever maior da Presidência da República".

Quer dizer, não dará abrigo a tentativas de discriminação religiosa; não manterá relações de amizade com ditadores; não emprestará seu apoio a iniciativas de se impor controles do Estado sobre meios de comunicação e, assim, se dispõe a se contrapor às propostas apresentadas por parlamentares e governantes de seu partido País afora.

Dilma prometeu também nomear "ministros de primeira qualidade". Ou seja, não fará do ministério abrigo para derrotados nem para apaniguados desprovidos de competência.

E o principal de tudo é que expressa seu respeito, apreço e reverência pela Constituição do Brasil, o que leva à conclusão de que não pensa em desrespeitar as leis sejam quais foram as circunstâncias.

Se a tudo isso se juntar o respeito à verdade, ao patrimônio público e às regras de civilidade, a tarefa de suceder a Lula com sucesso pode ser bem mais fácil do que imagina Dilma.

O futuro ou os "ismos":: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O momento é decisivo. O Brasil pode buscar o futuro, ou voltar a meados do século passado. A demonstração de força do presidente Lula ao eleger uma novata em eleições, sem os requisitos de carisma e capacidade de comunicação, pode ser o começo de um novo caudilhismo. O projeto de Lula voltar em 2014 lembra o lusitano sebastianismo; a saudade do rei que partiu.

Na política econômica, o país voltou a se equilibrar sobre um velho tripé: a ideia de que o excessivo gasto público não produz inflação; prática no BNDES de escolha de empresas vencedoras para as quais destinar dinheiro subsidiado; grandes projetos conduzidos por empresas estatais. Isso é setentismo, o modelo dos militares nos anos 70 que nos levou ao inflacionismo e a esqueletos nos armários. Qual é o ideário da presidente Dilma? Os sinais que deu são de que aposta nesse velho tripé do regime que, por ironia, combateu; e desconfia do tripé do novo Brasil que saiu do Plano Real e da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Uma mulher no mais alto cargo da República é um grande avanço. E esse progresso ficou bem definido pela presidente eleita em seu primeiro discurso. Ela disse que é o fim de uma barreira, o entendimento de que esse mesmo movimento precisa ser feito em todos os campos, organizações, empresas. O Brasil está atrasado no esforço por igualdade de gênero. O risco, no entanto, é a confirmação dos estereótipos. Ela chegou lá pela força política de um homem, que a escolheu e a defendeu contra tudo e contra todos, passando por cima dos mais elementares limites institucionais da Presidência da República. Dilma tem méritos e terá que mostrá-los agora. Se ela se comportar como a segunda em seu próprio governo, por gratidão ou reverência ao seu criador, ela confirmará a ideia do papel subalterno da mulher. As mulheres que estão na política não entraram todas pela mesma porta: algumas constroem sua própria trajetória; outras são usadas para ampliarem o poder patriarcal de algum chefe político ou de um clã no poder. Está aí a família Roriz que não me deixa mentir. Como Dilma tem conteúdo e força própria, ela pode se afastar do modelo paternalista com que foi ungida e deixar sua marca na História.

Que assim seja. De retrocessos as mulheres não precisam mais. O país pode estar quebrando o monopólio da presidência para os homens e no início da era em que será natural, como disse a presidente, uma mulher no cargo; ou pode ser mais um caso de paternalismo.

A popularidade do presidente Lula também tem duas facetas. Uma moderna e outra velha. Em que vertente ela vai se consolidar é a grande questão.

Um líder ser querido e ter alto índice de aprovação é bom. O estilo de Lula, de líder de mobilização, ajudou a leválo ao patamar em que se encontra, mas a aprovação vem também do aumento da capacidade de consumo da população que se deve a inúmeros fatores, alguns remontando às decisões tomadas no governo de FHC, que ele tanto critica. O risco é Lula usar essa popularidade para reconstruir no Brasil o ultrapassado modelo do caciquismo populista em voga em meados dos anos 50 na América Latina. Aí, o lulismo seria um evento da categoria do getulismo e do peronismo.

A presidente eleita tem dito que vai erradicar a pobreza no país. Estudiosos têm dito há anos que está no horizonte das nossas possibilidades erradicar a pobreza extrema.

Como isso será feito é que definirá se estamos indo em direção ao futuro ou rumo ao passado. As políticas de transferência de renda têm que ser uma ponte para que o Estado chegue às famílias e, através de outras políticas, de educação, emprego e renda promova a emancipação dos pobres. Se for consolidada a atual forma de apresentar o Bolsa Família, como se fosse uma doação de um pai ou mãe dos pobres, o país estará confirmando velhos defeitos históricos como o messianismo e o clientelismo.

O culto à personalidade a que Lula e o PT se entregam tem como objetivo manter viva sua mística para 2014. Se for isso, o país viverá os próximos quatro anos no ambiente com o qual se manipulou a população portuguesa no século XVI, embalado pelo sonho de volta do rei D. Sebastião, o Desejado.

Lula conheceu vales e picos, mas por alguma mágica até os analistas independentes falam apenas dos picos como se ele tivesse sempre sido imbatível. Derrotado três vezes para a Presidência, só conseguiu vitória no segundo turno nas eleições que disputou, e chegou a ter popularidade baixíssima em 2005 após o estouro do caso do mensalão. Se ele se sentir posto de lado, como reagirá o seu enorme ego? Se ele permanecer como uma sombra pairando sobre a sua sucessora e aguardado como um Dom Sebastião, o país estará em pleno retrocesso.

O nacionalismo foi manipulado como arma de campanha eleitoral. Ele pode ser bom, se for confiança na força do país com visão estratégica do seu futuro. Ou pode ser retrocesso se for a defesa do modelo autárquico, com estatais se agigantando em nome de um falso patriotismo. O futuro do Brasil tem que incluir um forte setor privado, e integração com o mundo.

O país está numa encruzilhada.

Pode ser moderno, com uma classe média pujante, que busca a igualdade de gênero e promove os pobres através de rede de proteção e educação; ou pode ser de novo um país dos velhos ismos que nos apequenaram no passado e ainda estão presentes.

Terceiro mandato:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Vamos pensar juntos: se Lula já "aconselhou" a presidente Dilma Rousseff a manter Guido Mantega na Fazenda, Henrique Meirelles no Banco Central e Nelson Jobim na Defesa; se já empurrou Antonio Palocci para a coordenação política, provavelmente na Casa Civil; e se está deixando tudo praticamente predefinido, quem vai mandar no governo a partir de primeiro de janeiro de 2011?

No discurso para o público externo, Lula diz que não vai interferir no novo governo.

Na conversa olho a olho com Dilma, ele está "aconselhando", "sugerindo" e, na prática, montando a equipe.

A política econômica será a mesma, só é preciso coragem para o necessário ajuste fiscal. O abacaxi da área militar vai continuar sendo descascado por Jobim. Na política externa, no máximo Celso Amorim vai passar o bastão para o pupilo Antônio Patriota. Palocci vai organizar o banquete do PMDB e dos demais aliados. As estatais todas já estão devidamente dominadas.

A única área que parece em leilão é a Saúde, ora ficando com Temporão, ora migrando para outro peemedebista "de verdade", ora indo para o PSB. Sem contar que vivem soprando pela imprensa que o médico Palocci ficaria ótimo no cargo, que catapultou as candidaturas majoritárias de Serra, por exemplo. Mas, no final das contas, quem decide mesmo é Lula.

Ele fez a candidata, impôs seu nome ao PT, garantiu-lhe a vitória, vem escolhendo os ministros desde a campanha, determina como será o governo e será o dono do país, de fato, também no mandato da sucessora. Até voltar, de direito, pelas eleições de 2014.

Se ele insistir em ser o "grande pai", a primeira mulher eleita presidente do Brasil vai continuar sendo a "gerentona" -"mãe do PAC" e "mãe do Luz Para Todos". Se é que, pelo menos nisso, o PT de Palocci e Dirceu e o PMDB de Temer, Henrique Eduardo Alves, Moreira Franco e Eduardo Cunha concordam.

Reflexões ociosas:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL (online)

Ao apagar das luzes do segundo presidente que veio a ser o verdadeiro beneficiário da reeleição no Brasil, não custa lembrar que o compromisso implícito era o caráter experimental da novidade retardatária.

Pergunte-se a qualquer deles Fernando Henrique ou Lula antes que mudem de opinião. Nos 16 anos de reeleições, nenhum se dignou mover uma palha para avaliar se houve proveito na experiência, a partir de outro ponto de vista que não fosse o dos políticos e partidos.

A República Velha resistiu galhardamente a perfilhar a prática americana, mas nem assim se poupou das crises crônicas que a achacaram ao longo dos seus 40 anos. Até agora a reeleição beneficiou mesmo apenas o presidente Lula, pois o salvou do naufrágio para dizer o mínimo do primeiro mandato, e o recompensou com um mandato inteiro em que plantou a candidatura e elegeu a sucessora de sua livre escolha. O resto é hipótese.

Depois de dois presidentes reeleitos, ainda não se tem noção de benefício político de ordem geral a ser reconhecido à reeleição, que criou margem perfeitamente dispensável de riscos, além de se ter tornado na prática uma espécie de direito adquirido: o primeiro mandato traz implícita a expectativa de direito ao segundo.

Foi assim que se perdeu pelo caminho a cerimônia com o cidadão, e o candidato eleito, antes mesmo de tomar posse, passa a agir como pretendente ao próprio lugar, sem precisar dizer. Está implícito.

É aí também que já se localiza, entre os desafetos de Lula, a esperança de que a presidente Dilma Rousseff não perca tempo em se definir em relação a 2014 e, se possível, nos dois meses compensatórios como reparação do terceiro que se frustrou. Parece, mas não é, questão secundária, que possa esperar.

Os antecedentes da reeleição não se fundam em princípios, mas em razões políticas de natureza prática. A democracia não lhe deve favores nem louvores. No curso das duas reeleições sobre as quais se engessou o presidencialismo, no que ele tem de menos democrático e mais exposto a tentações, os partidos passaram ao segundo plano político.

Lula valeu-se do segundo mandato e empurrou o PT para os serviços domésticos.

O efeito perverso da reeleição está consolidado no exemplo americano. Nos Estados Unidos, presidente que não se reelege cai para a categoria de segundo grau e, como tal, é tratado. O segundo mandato passou a complemento do primeiro. É tomar posse e assumir o duplo papel. A avaliação política não tem a ver com o desempenho de governo, mas com a reeleição que, esta sim, passa a ser a razão de ser do mandato.

No Brasil, o primeiro a se reeleger foi Fernando Henrique, que acabou episodicamente mal por ter violado uma das convicções sagradas aos fundadores da República, pois viam na reeleição a semente de degradação dos costumes democráticos, qual seja, o princípio segundo o qual o poder corrompe: o segundo mandato é a prova explícita da corrupção.

No Brasil anterior, o quadriênio da República Velha foi substituído pelo mandato de cinco anos, adotado com bom resultado na Constituição de 1946 e cassado nos governos militares.

O custo que Fernando Henrique pagou não foi de natureza política, mas de ordem moral: o primeiro a se beneficiar da nova oportunidade seria ele próprio. E o que estava implícito na estreia da reeleição veio a ter consequência politicamente contrária: o segundo mandato social-democrata foi surpreendido pela crise da economia mundial e ficou sem tempo para se refazer.

Da mesma forma, o beneficiário da tempestade de falências veio a ser o presidente Lula.

A crise internacional foi a ponte que caiu e deixou Fernando Henrique isolado. Lula chegou ao outro lado por uma via alternativa e colheu os frutos.

A política é jogo de azar e, como dizia o poeta, um lance de dados nunca exclui o acaso.

Defesa das liberdades unifica país: Editorial – O Globo

A vitória de Dilma Rousseff tem características muito especiais, e talvez a menos importante seja o fato de o Brasil ter eleito a primeira mulher para o cargo de presidente da República. Não deixa de ser algo histórico, já verificado no continente na Argentina de Cristina Kirchner e no Chile de Michelle Bachelet, mas de nenhuma influência nos desafios efetivos que o novo governo enfrentará nos campos político, econômico e social. O criador de Dilma Rousseff, presidente Lula, fez de tudo para ter na figura da fiel ministra a personificação do seu terceiro mandato consecutivo, vetado corretamente pela Constituição e rejeitado pela sociedade.

Sequer os limites da legislação eleitoral o contiveram na mobilização da máquina do governo e de estatais para ajudar a eleger sua criatura. Aqui, a presidente Dilma Rousseff tem o primeiro desafio, pois, mesmo que concorde em apenas guardar o gabinete do terceiro andar do Planalto para Lula tentar reocupá-lo em 2014, a realidade da administração de um país grande e complexo como o Brasil exige um governo ativo.

No discurso da vitória, na noite de domingo, a presidente eleita registrou que não deixará de bater à porta de Lula em busca de conselhos. Pode ser, mas a maior parte da responsabilidade pelo que vier a acontecer, de bom ou de mal, será dela. A não ser que se estabeleça uma regra inédita no universo da política pela qual lucros da gestão Dilma serão capitalizados pelo lulismo, e as eventuais perdas, repartidas entre a presidente e o PT.

A campanha foi ríspida e ao mesmo tempo superficial, sem aprofundar qualquer discussão de problemas efetivos do país. A situação ressuscitou o tema da privatização, de forma mistificadora, enquanto a oposição se retraiu, diante dos índices recordes de popularidade do criador de Dilma. Mas, apurados os votos, ambos os lados precisam delimitar espaços de convivência, em respeito ao eleitorado, à democracia, ao país.

Neste sentido, o primeiro discurso de Dilma presidente infunde esperança de que será possível construir pontes entre governo e oposição, necessárias para o manejo de questões sérias, como a das bases frágeis e até injustas do sistema previdenciário do país do funcionalismo e dos assalariados do setor privado ; da ampliação dos investimentos na melhoria da qualidade da educação pública básica, sem o que as milhões de famílias dependentes das bolsas do assistencialismo jamais se libertarão da esmola estatal, e assim por diante.

Fez bem Dilma Rousseff ao estender a mão à oposição, garantindo que não praticará discriminação, privilégios e compadrios.

A postura coincide com a do senador tucano eleito Aécio Neves, considerado o grande nome da oposição no Congresso. Não poderia mesmo ser desconsiderado que, se Dilma obteve 55,7 milhões de votos, o candidato oposicionista José Serra atraiu 43,7 milhões de eleitores, quase 44% do total. Além disso, os tucanos elegeram oito governadores, três deles na região mais desenvolvida do país (São Paulo, Minas e Paraná). Em estados tucanos residem 47,5% dos eleitores e são produzidos 54,6% do PIB nacional. No primeiro turno, o principal partido de oposição vencera em São Paulo, Minas, Paraná e Tocantins; no domingo, conquistou Alagoas, Pará, Goiás e Roraima.

O governo Dilma, muito devido ao caboeleitoral Lula, fez ampla maioria na Câmara e no Senado. Mas não poderá esquecer como ficou o mapa eleitoral do Brasil, quase que dividido entre Sudeste/Sul/Centro-Oeste, majoritariamente oposicionista, e Norte/Nordeste, situacionista. Não interessa à sociedade a exploração política desta divisão, na qual estados mais ricos, com população mais esclarecida, ficaram com governadores de oposição.

Isso deve servir apenas de fator de moderação das alas radicais petistas, que talvez imaginem poder avançar sobre a Constituição.

Registre-se, ainda, a defesa das liberdades feita pela presidente eleita de imprensa, religião, culto. Este é um passo concreto para unificar o país, em torno de direitos fundamentais inscritos na Constituição, acima de partidos e ideologias.

A eleição de Dilma Rousseff: Editorial – O Estado de S. Paulo

Sem o presidente Lula, a ministra Dilma Rousseff nem candidata teria sido. Com ele, acaba de entrar para a história como a primeira mulher eleita para governar o Brasil e a segunda pessoa a chegar à Presidência sem nunca antes ter disputado uma eleição. A primeira foi o marechal Eurico Dutra, em 1945, com o apoio, aliás, do recém-deposto ditador Getúlio Vargas. E Lula se consagra como o primeiro presidente brasileiro a fazer o sucessor na plenitude democrática, pinçando uma figura de quem a grande maioria do eleitorado não tinha ouvido falar. O que o obrigou a levá-la consigo para cima e para baixo, afrontando a lei, antes do início da campanha.

À época, políticos e comentaristas se perguntavam se a popularidade única do presidente bastaria para eleger "um poste", na expressão clássica que parecia feita sob medida para Dilma. Jejuna em disputas eleitorais, com empatia zero e imagem de tecnocrata de fala pedregosa, incapaz de expor uma ideia sem a muleta do PowerPoint, Dilma era a carga que, em circunstâncias normais, nem o mais desesperado dos marqueteiros aceitaria transportar de bom grado. Mas, transformada num estranho híbrido de si mesma com a versão para consumo eleitoral, sob adversidades que poderiam perfeitamente bem desestabilizá-la (Erenice, aborto, um inesperado segundo turno), ela deu conta do recado.

O seu mérito próprio - sem o qual o fator Lula talvez não fosse suficiente - foi o de inspirar confiança na sua aptidão para dar continuidade às políticas que levaram legiões de seus beneficiários a endeusar o presidente. Isso ajudou a neutralizar os seus problemáticos traços de personalidade e o fato de não ser, diferentemente do patrono, "uma de nós", nem ter um grama que seja do carisma dele. Se, de acordo com as estimativas, 20% dos que acham Lula o máximo votaram no tucano José Serra, assim como a metade dos que consideram bom o seu governo, sabe-se lá qual teria sido o desfecho do pleito se a maioria concluísse que Dilma não era bem aquilo que Lula dizia.

Embora esta tenha sido a vitória mais apertada de um candidato ao Planalto desde 1989, a vencedora pode se gabar de que não fez feio na comparação com a última disputa do padrinho, considerando o abismo que os separa como caçadores de votos. No segundo turno contra Geraldo Alckmin, em 2006, Lula colheu 58,4 milhões de sufrágios. Dilma, agora, obteve 55,7 milhões. A julgar pelas urnas de anteontem, pelo menos, não será descabido prognosticar que há base para o surgimento de um lulo-dilmismo. É óbvio que não se pode prever qual será o grau de dependência da criatura em relação ao criador quando ela ocupar a cadeira que ele vagará a contragosto em 1.º de janeiro de 2011.

No discurso da vitória, por sinal no único trecho em que ela se emocionou abertamente, contendo as lágrimas, Dilma avisou que baterá "muito" à porta desse homem "de tamanha grandeza e generosidade". Mas várias de suas declarações chamaram a atenção por se referir a questões em relação às quais Lula fez má figura. Sobre corrupção, por exemplo, ela prometeu que "não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito". Em contraste com o governante de um país democrático que se permitiu investir contra a imprensa do alto dos palanques, ela agradeceu à mídia e disse que não carregará "nenhum ressentimento" pelas críticas recebidas porque prefere "o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras".

Tão ou mais importante do que isso, a eleita devotada a um líder que fez praça de dividir os brasileiros em "nós e eles" - por classe social, renda e região -, afirmou que "agora é hora de união" e que será "presidenta de todos, respeitando as diferenças de crença e de orientação política". Por fim, exortou os políticos, "independente de cor partidária" a somar esforços pelo País. Dir-se-á que seria espantoso se ela dissesse algo diferente ou calasse sobre qualquer desses temas. Dir-se-á também que a distância entre intenções e atos é irremediavelmente imensa. Mas não há como negar que Dilma começou bem o percurso entre as urnas e o poder e que a sua primeira fala desperta esperanças que não apareciam no horizonte da campanha.

Boa impressão: Editorial – Folha de S. Paulo

As primeiras palavras da presidente eleita, Dilma Rousseff, foram auspiciosas pelos compromissos com a democracia e o tom agregador

Foi promissor o discurso proferido pela presidente eleita, Dilma Rousseff, na noite de domingo, após a confirmação de sua vitória eleitoral. O pronunciamento, que se revestiu de características de uma carta de intenções, convidou o país à conciliação, prestigiou a ordem democrática e sugeriu diretrizes de governo elogiáveis.

Como seria de esperar, a futura mandatária comprometeu-se com os direitos e garantias constitucionais. Incisivamente, com o intuito de dirimir suspeitas, prometeu zelar "pela mais irrestrita" liberdade de imprensa e de religião.

Na economia, foi além das promessas protocolares de responsabilidade, respeito a contratos e estímulo ao crescimento. Em considerações que poderiam ser endossadas por opositores e críticos dos atuais rumos do governo, fez questão de citar a "melhoria da qualidade do gasto público" e a "atenuação da tributação".

Não esqueceu também o respaldo às hoje aparelhadas agências reguladoras, para que atuem com "determinação e autonomia" na promoção da "saudável concorrência" -fraseologia que faz lembrar a influência do ex-ministro Antonio Palocci na campanha.

Ainda na área econômica, Dilma Rousseff referiu-se a cuidados com o ambiente, num aceno ao eleitorado de Marina Silva. E revelou ciência das dificuldades oferecidas pelo cenário global ainda marcado por sequelas da crise financeira -que exigirá de seu governo esforços para compensar a pouca pujança dos países ricos.Nesse quadro, foi auspiciosa a menção às melhorias microeconômicas, com a valorização de "mecanismos que liberem a capacidade empreendedora de nosso empresariado e de nosso povo".

No que tange à administração pública, comprometeu-se com a transparência e ecoou o discurso de seu adversário José Serra, ao falar em "meritocracia" e garantir que não terá "compromisso com o erro, o desvio e o malfeito".

A presidente eleita foi menos específica ao se referir ao tema estratégico da educação, bem como à saúde e à segurança. Haverá por certo oportunidade adequada para que esclareça em detalhes suas políticas para essas áreas.

No terreno das reformas, o discurso enfatizou a política, para "elevar padrões republicanos" e avançar "em nossa jovem democracia". É uma tecla na qual o presidente Lula passou a insistir depois do escândalo do mensalão.

É fato que o sistema partidário e eleitoral tem defeitos. Parece no entanto irrealista e inapropriado que se consuma capital político em demasia nessa questão, na esperança de que novas regras venham a evitar mazelas que dependem, na realidade, de vigilância pública e de evolução da cultura política para serem sanadas.

Embora não devam ser consideradas como mais do que são -declarações políticas de uma candidata vitoriosa, que precisa atrair simpatias na metade do eleitorado que não a sufragou-, as primeiras palavras da futura presidente deixaram boa impressão.

Discurso agrada a setores econômicos

DEU EM O GLOBO

Economista de formação, Dilma deverá participar mais ativamente das decisões. Equipe tende a ser mais homogênea

Henrique Gomes Batista

O primeiro discurso de Dilma Rousseff após sua eleição agradou a diversas lideranças dos mais variados segmentos econômicos do país da exportação à construção, passando pelo comércio. Ao citar pontos como a melhoria do gasto público e a consciência da atual guerra cambial, a petista indicou linhas gerais de sua política econômica, o que foi bem recebido por especialistas. Para muitos, Dilma fará mudanças fundamentais em relação ao atual governo.

A presidente, economista de formação, participará mais ativamente das decisões do setor, e a equipe econômica deverá estar mais alinhada, mais homogênea, sem repetir alguns dos conflitos vividos no atual governo entre o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles.

A lista dos possíveis integrantes da futura equipe econômica, com nomes como o próprio Mantega, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o secretário de política econômica, Nelson Barbosa, contribuem para essa avaliação.

Estamos muito otimistas.

Pelo que ela tem feito, pensa, e pelo discurso de ontem, podemos concluir que ela perseguirá uma redução nas taxas de juros, e para isso terá que controlar os gastos públicos, ao mesmo tempo que terá de reforçar o mercado interno, depender menos do cenário externo. Acreditamos que ela e a possível equipe econômica têm capacidade para chegar a estes objetivos afirmou Paulo Safady Simão, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).

O economista da Confederação Nacional de Comércio (CNC) Carlos Thadeu de Freitas disse acreditar que Dilma deu mostras de que vai perseguir o aumento dos investimentos no país sem descuidar da estabilidade. Em sua opinião, o governo da petista poderá ser mais conservador nas políticas monetária e fiscal que a atual gestão de Lula: O mercado financeiro já demonstrou essa confiança, pois nesta segunda-feira (ontem) houve uma redução dos juros futuros no mercado disse.

Os nomes que começam a ser associados a seu futuro governo, na área econômica, são pessoas com muita capacidade para formular políticas. A volta de Antonio Palocci ao Ministério da Fazenda, ao meu ver, talvez sequer seja necessária

Expectativa de mais negociação com o Congresso Luís Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), concorda com a avaliação de que o governo Dilma deverá ter uma política monetária mais austera, o que contribui para expectativas positivas: Além disso, acredito que o governo de Dilma deverá negociar mais com o Congresso, o que permitirá avanços tributários, sobretudo na desoneração dos investimentos. Acredito também que deverão ser formados acordos de investimentos com outros países.

José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), acredita, contudo, que é necessário conhecer melhor suas propostas e, principalmente, sua equipe, para avaliar qual será sua atuação: Espero que ela mude algumas coisas, pois a situação cambial favorece as importações e facilita a estagnação da indústria nacional. Mas é fato que ela tende a ser mais atuante nas discussões econômicas que Lula, até por ser economista, e ter uma equipe mais homogênea.

Centrais querem mínimo de R$ 575

DEU EM O GLOBO

Sindicalistas reivindicam aumento de 12,9%; governo quer piso de R$ 538

Karina Lignelli

SÃO PAULO. As centrais sindicais, que apoiaram a eleição de Dilma Rousseff para a Presidência vão cobrar sua contribuição dois meses antes da posse. Na quinta-feira, os representantes dos trabalhadores entregam pauta unificada ao relator do Orçamento para 2011, Gim Argello (PTB-DF), reivindicando aumento de 12,9% para o salário mínimo, que pode chegar a R$ 575,80. Esse reajuste, significa um aumento real de 7%.

Pela proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada em agosto, o novo piso seria de R$ 538,15. O índice apenas repõe a inflação do período, já que em 2009 o Produto Interno Bruto (PIB) ficou negativo por causa da crise global. A ideia, segundo as centrais, é garantir o reajuste acima da inflação.

Estudo feito pela subseção do Dieese na Força Sindical, a pedido dos sindicalistas, propõe somar à inflação prevista de 5,5% o PIB de 2010, estimado em 8%. Desde 2006, a fórmula de reajuste negociada entre as centrais e o governo era inflação do período mais o PIB de dois anos anteriores.

Vamos tentar fazer um acordo com o relator para que a proposta já entre no Orçamento, que será apresentado na sexta disse o deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), que também é presidente da Força Sindical.

Mesmo que o PIB tenha zerado, o aumento real tem que ser mantido neste ano também.

Em 2010, o desempenho da economia foi positivo para os acordos coletivos em geral disse o secretário-geral da Força João Carlos Gonçalves, o Juruna.

De acordo com Paulinho, as centrais concordaram com a proposta, que em agosto tinha sido fechada em R$ 560 (reajuste de 9,8%). Porém, o índice foi calculado na época com projeção de 4% de aumento real e 6% de PIB, considerado hoje pelos sindicalistas abaixo do ideal.

Mas, se tudo der errado, vamos propor uma emenda no Congresso para tentar os 12,9%. Até acho que será difícil vincular com o Orçamento, mas o governo pode aprovar uma medida provisória. O que não dá é para o mínimo ficar sem aumento afirmou.

Outra justificativa para o aumento real é o impacto na renda dos 45,9 milhões de trabalhadores ou aposentados que recebem o piso. Pelo estudo, com a reposição da inflação, o aumento no salário seria de R$ 28,20, e o impacto de R$ 17,08 bilhões. Já com a proposta atual, a diferença na renda seria de R$ 65,80, que representa um impacto de R$ 39,8 bilhões na economia.

Garantir a proposta significa melhorar a renda, valorizar aposentadorias e empurrar para cima o piso das demais categorias de trabalhadores que ganham acima do mínimo. Vamos continuar a brigar no Congresso para que a política de reajuste do salário mínimo até 2023 vire lei diz Juruna.

Serra terá atuação ativa, dizem aliados

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tucanos buscam sepultar a interpretação de que o candidato derrotado planeje disputar Presidência em 2014

Partido tenta atenuar mal-estar de serristas com Aécio pela vitória de Dilma em MG e por entrevista sobre derrota

Breno Costa e Catia Seabra

SÃO PAULO - Tucanos mais próximos a José Serra (PSDB) buscaram sepultar ontem a interpretação de que o tucano tem a intenção de se candidatar novamente à Presidência.

No domingo, em seu discurso após a vitória de Dilma Rousseff (PT), Serra disse que sua derrota era um "até logo" e afirmou que "quis o povo que não fosse agora" que ele fosse presidente.

Segundo tucanos, o que Serra está decidido a fazer é se manter na vida pública, com atuação política ativa. A maneira pela qual isso vai se dar ainda é uma incógnita.

"Ele nunca falou em 2014. Isso foi uma interpretação que fizeram", disse Sérgio Guerra, presidente do PSDB e coordenador da campanha.

No caso de uma nova corrida à Presidência, ele deflagraria uma polarização direta com o senador eleito Aécio Neves (MG) dentro do partido. O mineiro desistiu de sua pré-candidatura ao Planalto, no fim de 2009, para evitar disputa direta com Serra.

Além de potencializar uma fissura nas estruturas do partido e, consequentemente, da oposição ao novo governo, Serra, sem mandato público, teria que atravessar um deserto de quatro anos antes de concorrer novamente.

Poderia disputar a Prefeitura de São Paulo em 2012, mas seria alvo certo de ataques de adversários por, em 2006, ter deixado o cargo 15 meses depois de assumir. O fato chegou a ser usado por Dilma em sua propaganda.

A indefinição decorre do fato de Serra nunca discutiu a hipótese de derrota.

Fato, por ora, é o desejo de Serra manter o controle sobre o partido. Apesar de não descartada, é pouco provável que José Serra busque um cargo na hierarquia do partido. O mesmo vale para Aécio Neves. A sucessão interna no PSDB acontece em março.

Serra passou o dia em sua casa, em São Paulo. À tarde, recebeu Sérgio Guerra.

Sua única manifestação se deu pelo microblog Twitter, em que voltou a agradecer a votação que teve e relatou ter dado os parabéns a Dilma.

Segundo o senador, Serra estava "tranquilo", sem demonstrar qualquer tipo de abatimento ou ressentimento em relação a Aécio Neves.

"Aécio se esforçou pela eleição", disse Guerra.

Houve um constrangimento no partido, no entanto, pelo fato de a vantagem de Dilma sobre Serra em Minas ter sido o dobro do esperado.

Entre serristas, a avaliação foi de que Aécio realmente se empenhou nos últimos dez dias da campanha. Mas já era tarde demais para reverter um ambiente antipaulista que ele mesmo teria ajudado a criar nos últimos anos.

A publicação de uma entrevista pela agência internacional "Reuters" ontem, em que Aécio tece considerações sobre a derrota, apesar de ter sido feita no meio da semana passada, aumentou o mal-estar com o mineiro.

Serra vai permanecer em São Paulo nos próximos dias. Um período de "exílio" no exterior, a exemplo do que aconteceu após a derrota para Lula, em 2002, está "fora de cogitação", disse Guerra.

O primeiro passo concreto do PSDB para definir o futuro da legenda acontece na próxima semana, quando a Executiva do partido se reúne para avaliar a campanha e discutir os próximos passos.

Também estava prevista para ontem à noite, em São Paulo, uma reunião da coordenação financeira para tratar das contas da campanha.

Coordenador do comitê financeiro da campanha, José Gregori informou que as contas estavam equilibradas, sem dívida "significativa".

Oposição governará 52% da população do país

DEU EM O GLOBO

PSDB e DEM administrarão dez estados, que somam mais de 50% do PIB nacional, e já articulam cobranças a Dilma

Fabio Brisolla

A oposição ao governo da presidente eleita Dilma Rousseff pretende assumir uma postura ofensiva desde o primeiro dia do novo mandato.

De acordo com os líderes Rodrigo Maia, do DEM, e Sérgio Guerra, do PSDB, por ser um governo de continuidade, a cobrança seguirá no mesmo ritmo, sem período de trégua para adaptação da nova administração.

O confronto, salientam os dois aliados, será amparado pelos números alcançados nas urnas. Apesar da derrota do candidato à Presidência José Serra, o PSDB venceu a disputa pelos governos de oito estados.

Somados ao DEM, que elegeu dois governadores, a oposição vai responder por estados que, juntos, reúnem 95,6 milhões de pessoas, ou 52% da população do Brasil.

O PSDB elegeu os governadores dos dois maiores colégios eleitorais do país: Minas Gerais (19,2 milhões de eleitores) e São Paulo (39,8 milhões de eleitores), que serão conduzidos respectivamente por Antonio Anastasia e Geraldo Alckmin. Outro trunfo é o governo do Paraná, com o tucano Beto Richa. Nos oito estados, em breve sob administração do PSDB, vivem 47,5% dos eleitores. O conjunto responde ainda por 54,6% do PIB nacional.

Os dois novos redutos do DEM, Santa Catarina e Rio Grande do Norte, correspondem a 5% do eleitorado.

Já o novo governo e seus aliados alcançam também 46,2% do total de eleitores brasileiros, mas em 16 estados, incluindo o Distrito Federal. Os dois principais partidos do governo, PT e PMDB, elegeram dez governadores.

Há, porém, um dissidente: o governador eleito de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, do PMDB, faz oposição a Dilma.

Não vamos dar seis meses de prazo para a nova administração, como de praxe. Estamos entrando num governo anunciado como de continuação e que, portanto, está em seu nono ano.

Vamos chegar cobrando a execução de programas, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), e também as ampliações prometidas avisa o deputado federal Rodrigo Maia, presidente do DEM.

Governo leva vantagem em disputa no Congresso

Na Câmara dos Deputados, o PSDB tem 53 parlamentares a partir de 2011, enquanto o DEM contabiliza 43. No Senado, PSDB tem cinco representantes, e o DEM aparece com dois.

A oposição talvez tenha tido a maior perda no Senado, onde o Lula trabalhou e obteve vitórias importantes. Mas ainda temos uma boa bancada no Senado; e na Câmara mantivemos uma bancada que nos dá condição de cumprir nosso papel acrescenta Maia.

Os dois principais partidos da bancada governista já dão uma dimensão do potencial da máquina que entra em funcionamento a partir de 2011. O PT fez 88 deputados federais, enquanto PMDB chegou a 79. No Senado, são 20 peemedebistas e 11 petistas.

Para o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, os dez estados comandados pela oposição têm uma representação clara: As eleições estaduais andaram na contramão da eleição nacional. Isso foi um recado da população avalia Guerra, que reconhece o distanciamento criado com o governo após os confrontos travados durante a campanha eleitoral. E acrescenta: Quem liderou esse processo foi o presidente Lula.

O líder do PSDB frisou que os governadores do partido devem ficar distantes das disputas políticas que estão por vir.

Nosso primeiro grande objetivo é governar bem esses estados e confirmar a expectativa dos eleitores de nossos candidatos. Mas os governadores não vão liderar os processos de oposição diz Guerra.

O cientista político Cesar Romero Jacob acredita que a tensão resultante da campanha será dissipada por uma nova configuração de forças.

O foco da briga atualmente é entre o PT e o PSDB de São Paulo. Agora, quem vai governar é uma mineira. E o líder da oposição, provavelmente, será o mineiro Aécio Neves. Portanto, o eixo da política está sendo deslocado de São Paulo para Minas Gerais ressalta.

Além de Lula e Dilma, o analista aponta Aécio Neves como um dos principais vencedores nas eleições de 2010. Em Minas Gerais, Aécio venceu a disputa para o Senado e, usando seu prestígio político no estado, ajudou a eleger senador, Itamar Franco (PPS), e o governador, Anastasia.

Para Romero Jacob, na medida em que novos protagonistas do cenário político brasileiro assumirem seus postos, o diálogo será restaurado naturalmente.

Apesar das divergências, há um consenso mínimo entre PT e PSDB em relação ao legado positivo tanto do governo Lula quanto da administração de Fernando Henrique Cardoso.

Não existe conflito ideológico, mas sim, político pondera.

Aécio evitará "luta frontal" com paulistas, diz analista mineiro

DEU N AFOLHA DE S. PAULO

Para cientista político, atitude de diálogo credencia tucano a buscar a Presidência

Claudia Antunes

RIO - O senador eleito Aécio Neves não travará uma "luta frontal" com os paulistas pela candidatura do PSDB à Presidência em 2014, mas tampouco ficará "quieto e passivo", avalia o mineiro Rubem Barboza Filho, da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora).

Segundo o cientista político, evitar o choque direto obedece ao "estilo" do ex-governador de Minas Gerais e ao seu cálculo de evitar vetos do grupo de São Paulo, que hoje domina o partido.

"Se considerarmos Aécio e os paulistas como dois jogadores, ambos sabem que podem vetar as pretensões do adversário, mas também que isso é a morte de ambos. O interessante será ver como cada lado consegue "seduzir" o outro num jogo mais inclusivo", disse, por e-mail.

Para Barboza, a eleição mostrou que a "despaulistização" do PSDB é inevitável "num futuro próximo".

Ele acha que os paulistas dificilmente conseguirão repetir a "manobra" deste ano, quando José Serra "impôs" sua candidatura. Mas não aceitarão "passivamente" o "deslocamento de sua hegemonia". Daí a estratégia do ex-governador mineiro:
"Aécio tem capacidade de interlocução com outros partidos e lideranças, o que provavelmente nenhum outro líder tucano tem hoje. Por outro lado, aglutinará o sentimento de que o jogo interno de SP não pode determinar a dinâmica da disputa nacional. [O ex-presidente] Itamar Franco será seu fiel escudeiro nessa campanha."

O cientista político não concorda com a percepção de que Aécio não se esforçou no segundo turno -Dilma Rousseff venceu com vantagem de 17 pontos em Minas.

Barboza lembra que a votação de Serra no Estado aumentou 35% em relação ao primeiro turno (30,76% para 41,55%), e a da petista subiu 24% (46,98% para 58,45%). Na capital, o tucano venceu por 51% a 49%.

"Para um analista maldoso, Aécio teria feito uma operação cirúrgica: mostrado sua capacidade de mudar na capital e enviado o recado de que esse era o limite que se impôs, para abrir o futuro. Não creio que nenhum político tenha essa capacidade de dispor do eleitorado."

Segundo Barboza, há três razões para a derrota de Serra em Minas: a popularidade de Lula no Estado, a resistência dos mineiros a São Paulo, acirrada pelo "bloqueio" à candidatura de Aécio, e a incapacidade de Serra de "seduzir e comover" eleitores.

Ele avalia, no entanto, que Aécio só poderá viabilizar sua pretensão à Presidência se articular uma proposta diferente da do PT -mas não se trata de rumar à direita, diz.

"É preciso aprofundar uma política de direitos sem transformá-los em "dádiva" de um enredo político particular, mas como parte do romance republicano do país."

Dilma faz reunião de transição só com petistas e irrita PMDB

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"Eles não vão governar sozinhos", avisa peemedebista; processo será conduzido por Dutra e Palocci

A primeira reunião da presidente eleita Dilma Rousseff (PT) com auxiliares para definir a equipe de transição, realizada, ontem em Brasília, teve presença só de petistas, sem ninguém do PMDB, principal aliado na campanha. Ficou acertado que o presidente do PT, Jose Eduardo Dutra, e o ex-ministro Antonio Palocci comandarão o grupo que fará a passagem do governo Lula para o de Dilma.

Peemedebistas demonstraram insatisfação com o episódio. "Eles não vão governar sozinhos", avisou o deputado Eduardo Cunha (PMDB-SP). O governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, disse ao Estado que o PT quer negociar com um PMDB unido. Para ele, a legenda "terá mais importância quanto mais se unificar como partido de centro.

PT e PMDB começam disputa por espaço no governo Dilma

Na 1ª reunião sobre transição, que Dutra e Palocci vão comandar, peemedebista algum foi chamado; partido avisa que petistas "não vão governar sozinhos"

A primeira reunião da presidente eleita Dilma Rousseff (PT) com auxiliares diretos para montar a equipe de transição, realizada ontem, em Brasília, teve presença apenas de petistas, sem nenhum convidado do PMDB, seu principal aliado na campanha. Ficou definido, no encontro, que o presidente do PT, José Eduardo Dutra, e o ex-ministro Antonio Palocci comandarão o grupo que fará a passagem do governo Lula para o de Dilma.

Insatisfeitos com a iniciativa, alguns peemedebistas não esperaram para dar o troco. "Eles não vão governar sozinhos", avisou o deputado Eduardo Cunha (PMDB-SP). Pouco preocupado, o governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, fez em entrevista ao Estado uma cobrança: o PT quer negociar com um PMDB unido. A legenda "terá mais importância quanto mais se unificar como partido de centro", avisou.

Os dois episódios mostram que, nem bem terminou a apuração dos votos, já corre solta a disputa por espaço entre os dois partidos. Setores petistas já deixaram vazar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva gostaria que Guido Mantega fosse mantido na Fazenda. Admite-se que Henrique Meirelles pode ter um "lugar importante" no novo time, mas não se sabe onde. Luciano Coutinho, do BNDES, pode tanto ficar no banco como ir para a Fazenda, se Mantega sair, ou para o Banco Central.

Completando esse pré-cenário da macroeconomia, Dilma tratou de antecipar, em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, um "compromisso forte com os pilares da estabilidade econômica" e a manutenção do câmbio flutuante. "Não acredito que manipular o câmbio resolva coisa alguma. Temos uma péssima experiência disso", avisou. Pouco antes, a presidente eleita anunciara na TV Record que pretende convidar governadores para uma ampla discussão sobre saúde e segurança.

A temperatura nos bastidores do Congresso também está subindo. Com planos de promover reformas importantes já em 2011, o PT está buscando uma estratégia alternativa para chegar à presidência da Câmara, no caso de não haver um acordo com o PMDB. Seu líder na Casa, Cândido Vaccarezza (SP), candidatíssimo ao posto, defende um rodízio entre os dois partidos no posto que hoje é do peemedebista Michel Temer - mas poderia construir outras alianças, isolando esse partido e criando um bloco com PSB e a esquerda.

Nesse quadro, o PSB, com seis governadores e 35 deputados federais, faz planos de reivindicar três ministérios e uma estatal "de vulto". No Rio, o governador Sérgio Cabral, reeleito, já cobrou ontem que Dilma mantenha o acordo que ele fez com o presidente Lula sobre divisão dos royalties do pré-sal.

A oposição, apesar da derrota presidencial, comemorava também ontem o controle do governo de 11 Estados, nos quais circula mais de 50% do PIB do País. No PSDB, o dia no entanto foi intranquilo: a disposição de José Serra de se manter na cena, com o seu "até logo" no domingo à noite, decepcionou outros tucanos que consideram necessária uma nova arrumação interna do partido.

Pacificadores entraram em campo para esfriar as queixas contra o senador eleito Aécio Neves, pela forte derrota de Serra em Minas. Como revelam os números, mesmo uma grande vantagem tucana no Estado não impediria a vitória de Dilma, que terminou com 12 milhões de votos de vantagem. A Executiva do PSDB marcou uma reunião de avaliação geral do partido para o fim da semana que vem.

Com votos das regiões Sul e Sudeste, Serra vence na maioria das capitais

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No primeiro turno a candidata petista venceu em 14 capitais, mas José Serra virou o resultado no domingo

Marcelo de Moraes

Apesar de ter perdido a corrida presidencial, o tucano José Serra conseguiu vencer em mais capitais no segundo turno do que a presidente eleita, a petista Dilma Rousseff. Ao todo, o candidato do PSDB bateu Dilma em 14 dessas cidades e perdeu em 12, além do Distrito Federal.

José Serra se saiu melhor nas regiões Sul e Sudeste. No Sul, derrotou Dilma nas três capitais: Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. No Sudeste, só foi superado no Rio, chegando na frente em São Paulo, Belo Horizonte e Vitória. Dilma foi melhor no Nordeste, com triunfos em seis capitais: Salvador, Recife, Fortaleza, Teresina, João Pessoa e São Luís.

No primeiro turno, esse confronto direto entre os dois principais candidatos nas capitais brasileiras já tinha sido bastante equilibrado, mas Dilma levara uma pequena vantagem, superando o adversário em 14 capitais, além do Distrito Federal. Nesse turno da eleição, os votos eram mais espalhados do que agora, já que incluíram a opção pelo voto em outras candidaturas, como a da senadora Marina Silva (PV-AC).

Agora, com o confronto direto entre PT e PSDB, Serra conseguiu inverter o placar das capitais porque conseguiu virar a preferência do eleitorado em Belo Horizonte, Belém e Natal, onde terminara atrás de Dilma no primeiro turno. Em compensação, foi derrotado por Dilma em Cuiabá, onde tinha se saído melhor do que a adversária.

Ao todo, no segundo turno, Serra foi melhor em Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Aracaju, Natal, Maceió, Campo Grande, Goiânia, Boa Vista, Belém e Rio Branco. Dilma ganhou no Rio de Janeiro, Palmas, Porto Velho, Manaus, Macapá, Cuiabá, Salvador, Recife, Fortaleza, João Pessoa, São Luís e Teresina, além do Distrito Federal.

Apesar de obter a preferência da maioria das capitais, que concentram grandes colégios eleitorais, Serra terminou 12 milhões de votos atrás de Dilma. O problema é que, apesar de vencer em mais lugares, poucas vezes conseguiu estabelecer uma diferença confortável a seu favor. Dilma, em compensação, quando foi bem, obteve muitos votos.

Diferença. Serra, por exemplo, venceu em São Paulo, capital brasileira com o maior número de eleitores. Sua vantagem na cidade, que é administrada por seu aliado direto, o prefeito Gilberto Kassab (DEM), entretanto, foi de apenas 466 mil votos. Considerando que São Paulo é o principal reduto eleitoral da oposição, esse número foi extremamente tímido e compensado por Dilma ao vencer numa capital menor, como Manaus.

Entre os eleitores da capital amazonense, a petista estabeleceu uma superioridade de cerca de meio milhão de votos sobre Serra. Ou seja, na disputa pela preferência do eleitorado, a conquista ampla de Manaus valeu a Dilma a neutralização da maior capital de todas.

Em Belo Horizonte, Serra virou a desvantagem do primeiro turno, mas não conseguiu abrir uma vantagem que compensasse a derrota em outras cidades importantes. Na capital mineira teve apenas dez mil votos a mais do que a presidente eleita.

Já Dilma garantiu largo predomínio nos lugares nos quais se saiu melhor que o adversário. No Rio de Janeiro, superou o tucano por mais de 700 mil votos. Em Salvador, essa margem foi de praticamente 600 mil votos. Em Fortaleza, um terceiro massacre, com a petista, abrindo diferença de mais de meio milhão de votos.

Pior desempenho. Rio Branco, no Acre, foi a capital onde Dilma Rousseff teve seu pior desempenho no segundo turno. Apesar de o PT ter ganho o governo local, Dilma teve apenas 26,71% dos votos na capital

Desempenho de aliados pesou no resultado

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Entre as capitais dos 8 Estados onde o PSDB ganhou, Serra só não bateu Dilma em Palmas, no Tocantins

Marcelo de Moraes

O bom desempenho dos partidos de oposição nas disputas pelos governos estaduais ajuda a explicar a vantagem que José Serra conseguiu sobre Dilma Rousseff nas capitais no segundo turno.

No novo mapa nacional do poder, o PSDB de Serra terminou como o partido que vai controlar o maior número de governos estaduais. Ao todo, os tucanos vão comandar oito Estados: São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Pará, Goiás, Alagoas, Roraima e Tocantins. Nas respectivas capitais, Serra só não bateu Dilma em Palmas (TO).

Além disso, a oposição ainda venceu no Rio Grande do Norte e em Santa Catarina, com candidatos do DEM, partido que indicou Índio da Costa como candidato à vaga de vice-presidente na chapa encabeçada por Serra. Nesses Estados, o tucano também superou a adversária nas capitais.

Desempenho. A mesma lógica se aplica aos resultados de Dilma no segundo turno. Onde seus candidatos foram bem, a presidente eleita derrotou o tucano na capital.

Foi o caso de Salvador, na Bahia, onde a petista impôs uma derrota com mais de 600 mil votos de diferença sobre Serra. Entre os baianos, o governador petista Jaques Wagner foi reeleito já no primeiro turno.

Dilma ainda pôde contar na Bahia com o apoio de um segundo candidato, o ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima (PMDB), que acabou fora do segundo turno, mas ajudou a ampliar o prestígio de Dilma na campanha.

Ceará. A petista também foi ajudada em Fortaleza pelo desempenho do governador Cid Gomes (PSB), irmão do deputado Ciro Gomes, que foi reeleito também no primeiro turno.

A presidente eleita ainda teve o forte engajamento na sua campanha da prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT), que ficou ao seu lado no primeiro discurso feito depois da confirmação de sua vitória, anteontem em Brasília.

Na capital cearense, a diferença a favor de Dilma superou o meio milhão de votos.

Jair Rodrigues - "Disparada"

Juristas criticam primeiro discurso de Dilma depois de eleita

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O advogado José Carlos Dias disse que declaração foi reconhecimento de erros como os ocorridos na própria administração da petista na Casa Civil

Fausto Macedo,

SÃO PAULO - Causou polêmica entre juristas e advogados renomados o trecho do pronunciamento da presidente eleita Dilma Rousseff(PT) em que ela promete valorizar a transparência na administração pública e garante que não haverá compromisso com o erro, o desvio e o mal feito.

"Até parece que a oposição foi eleita", disse o advogado José Carlos Dias, criminalista há mais de 40 anos. Para ele, o discurso da petista, feito logo após ser declarada vencedora pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), "soa, ainda que de forma indireta, como uma admissão de irregularidades no governo".

"Tudo o que ela (Dilma) está propondo fazer é absolutamente contrário ao que o governo fez durante todo esse período, governo do qual ela participou", avalia José Carlos Dias. "É um reconhecimento de que houve tais erros em sua própria administração porque Erenice (Guerra, sucessora de Dilma na Casa Civil) estava lá na ante sala dela e Dilma a aceitava."

Dias considera que a eleita apresentou ao País um "discurso padrão". "Precisa ver se depois ela vai cumprir essas promessas. Quem trabalhou tantos anos no governo Lula precisará fazer uma transformação total para poder realmente atuar do jeito que propõe."

Para o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), "o entusiasmo (de Dilma) não deve ceder à cultura até aqui enraizada". "É uma sinalização alvissareira e que, se realmente observada, implicará dias melhores para essa nossa sofrida República", anota o ministro. "Em sã consciência todos nós temos que admitir que há uma página a ser virada. Somente a hipocrisia é que realmente pode levar-se a pensar que tudo está bem."

"Vamos apostar, nós cidadãos brasileiros preocupados com a coisa pública, vamos apostar nossas fichas no que ela realmente veiculou", diz o ministro. "Ela disse, inclusive, que realmente lutará pela liberdade de opinião e de expressão. Assim é que se quer em uma República verdadeiramente democrática.

Luiz Fernando Vidal, presidente da Associação Juízes para a Democracia, considera que o discurso de Dilma não fugiu do esperado. "Nesse sentido é obvio que todo administrador público tem o dever de se pautar por esse dever de transparência. Acho que, de certa forma, expressa algum compromisso de se colocar esse dever de transparência acima de interesses de momento, partidários e políticos circunstanciais."

Para o magistrado, "só o tempo é que vai dar elementos para saber se esse compromisso é efetivo ou não".

Sobre o fato de Dilma dizer que não haverá compromisso com o erro, o presidente da Associação dos Juízes para a Democracia faz uma observação. "Acho que o erro é um acontecimento previsível, esperado, em qualquer administração pública, muito embora seja sempre indesejado. Nesse sentido eu creio que ela expressa essa ideia de que não deseja o erro e que o erro será reparado."

Para Vidal, "é uma obrigação" dar respaldo aos órgãos de controle e de fiscalização, conforme anunciado por Dilma. "É uma obrigação. Acho que também podemos fazer uma leitura aí de um compromisso dela no sentido de que a máquina do governo vai ser usada para garantir a independência desses meios institucionais. A leitura é essa: o compromisso com a independência."

O jurista Miguel Reale Júnior, também ex-ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, disse. "Uma coisa é a declaração, outra coisa é a realidade. Tivemos o exemplo do caso Erenice durante a campanha, em que a candidata resumiu o episódio à responsabilidade de um filho de um assessor."

Para Reale Júnior, "ela (Dilma)minimizou ao máximo fatos gravíssimos ocorridos na sua gestão, entre 2007 e 2009, e depois na gestão de sua sucessora (Erenice Guerra), promoveu a minimização dos graves acontecimentos".

"Importante não é saber quem é que fez o lobby, mas quem tomou a decisão que atendeu o lobby", argumenta o advogado.

Reale Júnior também considera obrigação dar respaldo à atuação dos órgãos de fiscalização. "A expectativa é que ela se lembre do que diz no discurso. Fica como uma marca, um ponto a ser intensamente cobrado da futura presidente. Respaldar a autonomia e a independência desses órgãos de controle e de fiscalização, é isso que tem que ser respaldado. E não é bem o que aconteceu, seja com a Polícia Federal ou dentro da Receita, onde houve efetivamente escamoteamento, ocultação das responsabilidades por tanto tempo. Uma coisa é discurso, outra é realidade."

Freire parabeniza Dilma pela vitória e Serra pela dignidade e firmeza

DEU NO PORTAL DO PPS

Luiz Zanini

O presidente nacional do PPS, deputado federal eleito Roberto Freire (SP), disse que a vitória de Dilma Rousseff para suceder o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um momento importante da democracia brasileira. Ao parabelizar a petista pela eleição nas urnas neste domingo, Freire ressalvou, no entanto, que ela foi eleita com o “voto conservador”, do “Brasil menos desenvolvido”.

Freire fez questão de destacar o desempenho de José Serra (PSDB), sobretudo pela “dignidade durante a campanha eleitoral e pelo pensamento democrático mais avançado” entre os candidatos. “O Serra está de parabéns não só porque mostrou firmeza no processo eleitoral, mas por também ter representado o pensamento mais avançado da oposição brasileira”, disse, ao hipotecar a confiança do PPS no tucano.

Dilma

“O resultado da eleição demonstrou que o Brasil desenvolvido não aprova o governo Lula, porque os votos [em Dilma] significam o voto no assistencialismo, no pesamento político conservador e preconceituoso”, disse Freire, ao analisar que a candidata do PT foi eleita com os “votos do Brasil menos desenvolvido”.

Para ele, do ponto de vista nacional, a “oposição saiu fortalecida” do pleito pela eleição em primeiro turno dos governos de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Norte. “O resultado geral foi razoável para a oposição em função do equilíbrio que ficou estabelecido”, frizou

Segundo Freire, a oposição agora terá de avaliar a capacidade do governo eleito liderar politicamente o país. “Neste momento isso é uma incognita, e de qualquer forma temos de parabenizar Dilma pela vitória nas urnas”, disse.

O presidente do PPS afirmou ainda que a presidenta eleita precisará dissipar os “receios em relação a questão democrática”. “Independentemente das divergência, a oposição vai lutar para que o país continue trilhando a estabalidade do ponto de vista da democracia, com respeito as liberdades”, disse, ao acentuar o que o PPS espera o governo que toma posse em 1º de janeiro.

Para Freire, o Brasil deu um belo exemplo de democracia "e a oposição estará preparada para cumprir o seu papel".

Tom conciliador de Dilma contrastou com fala de Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Daiene Cardoso

Mais do que cumprir protocolo, os discursos do candidato derrotado José Serra e da presidente eleita Dilma Rousseff na noite de ontem, após o anúncio da vitória da petista, revelam um pouco dos sentimentos vividos por ambos no domingo. Se de um lado Dilma pregou a conciliação ao "estender a mão a eles (da oposição)", como cabe ao vencedor, alguns cientistas políticos detectaram um tom de cobrança de Serra sobre o papel da oposição.

O cientista Marco Antonio Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), avalia que a petista fez um discurso de estadista por usar um tom pacificador diante da divisão eleitoral revelada pelas urnas. Dilma venceu por 56% dos votos válidos. "Não é um discurso de praxe por causa do nível de tensão da campanha", afirmou. Para Teixeira, Dilma foi cuidadosa em pontuar os assuntos que nortearam a campanha, como a liberdade de imprensa e de religião. "Foi mais um discurso de posse do que de vitória", observou.

Na opinião do cientista político e consultor da ONG Voto Consciente, Humberto Dantas, o pronunciamento seguiu o padrão de conciliação que se espera de um recém-eleito e pode ter chamado a atenção por trazer um equilíbrio que difere do embate eleitoral vivido nos últimos dias. "(os discursos de )Dilma e Serra foram mais equilibrados, diferente do tom da campanha", analisou. Apesar de seguir o protocolo, Dantas aponta que Dilma apresentou um discurso técnico, bem diferente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Foi absolutamente zero de entusiasmo. É um discurso muito distante do que os do Lula", ressaltou.

Embora tenha usado um "vocabulário de guerra", como "trincheira", "fortaleza" e enfrentamento de "forças terríveis", Serra não mandou um recado diretamente à Dilma, mas aos próprios aliados da oposição, dizem os analistas. O consultor da ONG Voto Consciente destaca que, ao lembrar as dificuldades da campanha em seu discurso, Serra pode ter passado uma mensagem de qual deverá ser o rumo da oposição a partir de agora. "Foi um recado para a oposição enquanto oposição. Se for para o partido, é muito desagregador. Mágoa só faz mal ao PSDB", avaliou Dantas.

Ressentimento

Ao não mencionar o senador eleito Aécio Neves (MG), o tucano deixou clara sua desilusão com o companheiro de partido, afirmam os especialistas. "Ele não vai curar a mágoa tão rápido", prevê Teixeira. No segundo turno, Dilma teve 58,45% e Serra 41,55% dos votos válidos em Minas Gerais, território de Aécio. "É um exagero atribuir a derrota em Minas Gerais ao Aécio. Uma eleição presidencial tem outras variáveis", afirmou Teixeira. Quanto ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que Serra só se lembrou de agradecer no discurso após ser alertado pela filha, Verônica Serra, o "ato falho" não surpreendeu: "Tem a ver com o fato dele (Serra) ter pedido para o Fernando Henrique não se mostrar na campanha", disse Teixeira.

Se por um lado Aécio pode ter entrado para a lista de desafetos de Serra, quem caiu nas graças do ex-presidenciável foi o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin."O Alckmin foi extremamente leal", disse Teixeira, ao lembrar que, em 2008, Alckmin foi "abandonado" por Serra ao apoiar Gilberto Kassab (DEM) para a Prefeitura de São Paulo. Ontem, Serra afirmou em seu discurso que Alckmin se dedicou mais à campanha presidencial do que à sua própria eleição."E o Serra não é muito de agradecer ninguém", lembrou Dantas ao comentar a gratidão de Serra demonstrada ao governador eleito paulista.

Apesar dos derrotados geralmente discursarem antes dos vitoriosos, Teixeira não viu problemas em Serra se pronunciar depois de Dilma. "Achei até que ele foi elegante, mas obviamente ficou transtornado (com a derrota)", concluiu.

Os cientistas não têm dúvidas de que Serra, ao reforçar em suas palavras que não se despede da vida ao término do pleito, voltará em breve aos holofotes. "Pelo seu capital político, ele tem que ser considerado em todos os momentos", comentou Teixeira. Humberto Dantas tem a mesma opinião, com a seguinte ressalva: "Só acho que não sairá mais para a Presidência, não há mais ambiente para isso".

Com derrota de Serra, PSDB mineiro aposta no fim da hegemonia paulista

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Capitaneado por Aécio, partido articula agenda 'propositiva' para oposição no Congresso

Eduardo Kattah e Amanda Romanelli

BELO HORIZONTE e SÃO PAULO - Fortalecido pela vitória na eleição majoritária estadual, capitaneada pelo ex-governador e senador eleito, Aécio Neves, o PSDB mineiro aposta que a prática irá evidenciar o fim da hegemonia paulista no partido. Aécio já articula apoios visando estabelecer uma agenda própria do Congresso, para tirar o Parlamento do que considera um papel de submissão em relação ao Executivo. A intenção é fazer com que o Legislativo tome a iniciativa de discutir reformas estruturantes para o País.

O secretário-geral do PSDB, deputado federal Rodrigo de Castro (MG), admite que a perda de espaço no Congresso "é um dificultador a mais para a oposição", especialmente em relação ao Senado, mas diz que o objetivo é fazer uma "oposição de qualidade".

"Vai ser sempre uma oposição firme, uma oposição serena, é claro, sempre visando o bem do Brasil, dialogando quando tem de dialogar, mas também mostrando os pontos fracos e mostrando os caminhos. Com certeza será uma oposição de qualidade", afirmou Castro, ao comentar o resultado da eleição presidencial, no fim da noite de domingo, 31.

Um dos mais importantes aliados de Aécio, o secretário-geral considera agora fundamental a união do partido. "Não se faz um projeto presidencial pensando numa hegemonia de quem quer que seja, ou de um estado em relação ao outro."

Em São Paulo, o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), esteve na residência do candidato derrotado José Serra. Ao chegar, o senador afirmou a repórteres que, ao contrário de 2006, o PSDB esteve unido durante a campanha. Por isso, condenou o comentário que Xico Graziano, coordenador do programa de governo de Serra, fez no Twitter. O ex-secretário do governo paulista e coordenador do programa de governo de Serra questionou a surpreendente derrota do tucano em Minas Gerais, um ataque indireto ao senador eleito Aécio Neves.

"O Xico é um companheiro nosso, um grande quadro, mas está completamente equivocado. Não falei com ele, mas ele está errado. Todos trabalhamos pela eleição do Serra, inclusive o governador Aécio Neves, e com muita força e muita determinação. Acho que ele cometeu uma injustiça", disse.

Balanço. O senador afirmou também que um balanço sobre o resultado do pleito deverá ser feito apenas no fim da próxima semana, em uma reunião da diretoria executiva do partido. Guerra, porém, adiantou que o PSDB considerou a disputa "desequilibrada", visto que, na sua opinião, Serra precisou enfrentar não só a adversária, mas também a máquina pública.

"Nossa estrutura era infinitamente menor que a do PT e a da candidata deles. Só um cego não viu (o uso da máquina administrativa). Mesmo assim, tivemos 45% dos votos, elegemos oito governadores, além de dois do DEM, e elegemos deputados e senadores consistentes. Crescemos como partido."

O desafio à criatura:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio da Silva não apareceu na festa, mas esteve presente na vitória de ontem de Dilma Rousseff em cada um dos 56 milhões de votos dados a ela e até no único momento em que a plateia de correligionários reunidos para ouvir o primeiro discurso da sucessora eleita, se entusiasmou: quando Dilma expressou sua gratidão e admiração por Lula.

A reação reproduziu exatamente o ambiente da eleição, toda ela referida na figura de um presidente que não esconde sua contrariedade em deixar o Planalto nem o desejo de fazer da obra da sucessão uma "prova" de seu poderio junto à população.

Por isso mesmo o resultado sequer pode ser visto - como pretende a propaganda oficial - como uma celebração à participação das mulheres na política brasileira, porque foi na realidade a vitória de uma mulher eleita não por méritos próprios, mas pela vontade e o esforço de um tutor.

E quem confirmou isso foram os petistas reunidos em um hotel de Brasília para ouvir as primeiras palavras de Dilma Rousseff depois de eleita, ao aplaudi-la com vigor apenas quando da referência a Lula.

O discurso de um modo geral foi frio, protocolar e genérico. Talvez como coubesse mesmo à ocasião. Foi parecido com a candidata que, mesmo eleita presidente da República, não demonstrava alegria, não transmitia emoção. Sorriu apenas ao falar de Lula, o único momento em que externou alguma emoção. Não lançou uma ideia nem disse uma frase que pudesse ser vista como marca de personalidade ou de estilo governamental. Quem escreveu o texto, não quis arriscar: pôs Dilma a reafirmar compromissos como a erradicação da miséria, a prometer cumprir contratos, reforçar agências reguladoras, melhorar a segurança pública, a nomear "ministros de primeira qualidade" e, no fim, a convidar "a todos para uma ação em prol do futuro do País".

Até a reafirmação da "mão estendida" à oposição por ora soou como uma formalidade. Pode ser só isso ou pode significar algo mais, disposição de realmente distender os ânimos, mas isso vai depender dos gestos futuros.

Para uma candidata que esperava ganhar no primeiro turno e um partido que preparava há tempo a festa da vitória, o primeiro pronunciamento poderia ter sido mais bem elaborado. Mas não surpreendeu nem decepcionou. Apenas deixou a desejar que os próximos sejam mais pródigos de substância.

Os primeiros instantes de Dilma eleita presidente foram muito semelhantes a todos os momentos já vistos e ouvidos desde que foi lançada candidata e reafirmaram um desafio que se impõe a ela de agora em diante cada vez com mais contundência: o de sair da sombra do criador e mostrar-se uma criatura à altura da responsabilidade que recebeu da maioria do povo do Brasil.

Vou-me embora pra Pasárgada :: Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada