sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna

Faltam pouquíssimos dias para a eleição. Numa reunião com quase 2 mil intelectuais, você só ouve falar do assunto em conversas privadas, entre colegas.

Admitamos: há uma dominância do PT na academia e na área de pesquisa em geral, que tem a ver com as políticas públicas que tiveram o setor de ciência e tecnologia como alvo.

Este acontecimento aqui não se explica sem o apoio do Estado, das estatais, do BNDES, da Finep.

Este não é o espaço da opinião livre, mas um mundo todo referido a realidades do poder. O mundo da opinião tem presença aqui, mas ela não é dominante. Na maior parte dos casos, esses congressos envolvem indivíduos que dependem mais das agências estatais que da sociedade.

É um espaço muito particular. E os grandes recursos privados não se interessaram ainda por esse pedaço do mundo. Se é que algum dia vão se interessar
.

(Luiz Werneck Viana, como expositor numa sessão especial em homenagem a Gildo Marçal Brandão, No 34º Encontro anual da ANPOCS – Caxambu/MG, 25 a 29/10/2010)

O Brasil e seu futuro :: Roberto Freire

DEU NO BRASIL ECONÔMICO

No próximo domingo, seremos mais uma vez chamados a responder a uma questão essencial: que futuro queremos para nosso país, depois de oito anos de um governo que não fez nenhum avanço nas necessárias reformas democráticas do Estado (política, tributária, educacional etc.), por desídia ou oportunismo, e que apenas se refestelou nas conquistas de governos passados, aproveitando-se de uma situação econômica passageira na economia mundial.

Não estaremos apenas escolhendo um novo presidente entre dois candidatos, mas que país queremos ser! Um país cuja população mais pobre deva continuar dependendo do Bolsa Família ou um país que garanta aos seus filhos educação de qualidade e formação técnica capaz de torná-los cidadãos, por meio do trabalho e da repartição da riqueza socialmente produzida?

Um país maravilhoso na propaganda governamental ou um país que procura realizar seu projeto de nação enfrentando efetivamente suas precárias condições sociais, ao buscar resolver, de uma vez por todas, a criminosa questão da falta de saneamento e água tratada para metade de nossa população?

Um país que depende basicamente de produzir e exportar matérias-primas, como hoje, ou um país capaz de produzir conhecimento e uma indústria importante de manufaturados, ampliando nossa participação no comércio mundial?

Um país preso a uma das mais altas taxas de juros do mundo ou um país dotado de uma política macroeconômica que imponha uma política fiscal responsável, que garanta os instrumentos necessários para a redução dos juros e uma política cambial competitiva?

Um país preso a uma política que mantém e garante a manutenção de oligarquias de um passado que não passa ou um país moderno, com uma sociedade civil ativa que controla o Estado e participa de suas realizações?

Um país que ameaça a liberdade de opinião e de imprensa ou um país que tem nessas liberdades o fundamento de uma sociedade democrática, plural e livre, capaz de escolher seus caminhos por meio da democracia representativa, tendo na mídia um aliado na fiscalização do Estado?

Um país cuja política externa é voltada para a realização da concepção ideológica de um partido ou um país cuja política externa é voltada para preservar os interesses nacionais, comprometida com a ampliação da democracia, da autodeterminação dos povos e garantia dos fundamentais direitos humanos, colocando-se contra qualquer tipo de ditadura?

Um país cujo presidente confronta os poderes instituídos da República, ou um país onde Executivo, Legislativo e Judiciário respeitam-se mutuamente e cumprem suas funções constitucionais?

Um país onde os valores republicanos são usados em benefício de pessoas ou partidos ou um país onde o mérito, a honestidade e a transparência sejam elementos fundantes de nossa convivência democrática?

Enfim, o país que seremos será fruto da decisão que domingo definiremos. Para tanto é necessário que compareçamos às urnas com o coração leve, a cabeça erguida e confiantes que o Brasil pode mais!


Roberto Freire é presidente do PPS

Avanço:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, que atualmente preside o Tribunal Superior Eleitoral, já havia proposto no julgamento do recurso de Joaquim Roriz que o empate registrado sobre a Lei da Ficha Limpa fosse superado pela adoção do Artigo 205 do Regimento Interno do STF, que prevê que, em caso de impasse, vale a decisão que fora contestada.

Foi essa a solução adotada ontem, depois de um segundo e desgastante empate sobre o mesmo tema. No julgamento do caso de Joaquim Roriz, houve até quem alegasse que a decisão do TSE não poderia ser adotada pelo Supremo porque se tratava de um “tribunal inferior”.

Os ministros do Supremo não tiveram a preocupação de se reunir antes do julgamento para definir de maneira tranquila qual seria o critério de desempate caso ele se apresentasse novamente, como era previsível.

Tiveram assim que mais uma vez se digladiar em público, em transmissão ao vivo e a cores, para chegar a uma decisão que poderia ter sido tomada nos bastidores e anunciada com tranquilidade pelo presidente Cezar Peluso.

Ele, por sinal, foi parte do problema ao se negar a dar o “voto de qualidade” previsto no Artigo 13 do Regimento Interno. Como Peluso votara contra a entrada imediata em vigor da lei, seu desempate seria a favor do recurso ou de Roriz ou de Jader, o que certamente provocaria reações da opinião pública.

Peluso usou uma argumentação democrática para não assumir a decisão final contra a Ficha-Limpa, alegando que não tem vocação para déspota.

Ora, se existe no regimento interno do Supremo essa definição para o desempate, usar o voto qualificado não torna ninguém déspota.

É estranho também que caiba a cada presidente do STF decidir se usa ou não o critério de desempate, seria melhor que este fosse retirado do regimento interno ou que fosse tornado compulsório.

Ao analisar a questão da anterioridade da lei eleitoral, prevista no artigo 16 da Constituição Federal, o Tribunal Superior Eleitoral já decidira que a criação, por lei complementar, de novas causas de inelegibilidade não se enquadra nela, pois a Lei da Ficha Limpa não rompe a igualdade das condições de disputa entre os contendores e também não é uma decisão retroativa, pois simplesmente inclui novas exigências para que todos os candidatos sejam registrados.

A lei ficaria caracterizada como retroativa se, por exemplo, um deputado já eleito perdesse o mandato por estar enquadrado nela, mas esse não era o espírito da legislação aprovada no Congresso.

O que se aprovou não é uma mudança na legislação atual, mas novas exigências para o acesso à legenda partidária para concorrer às eleições.

Apenas os novos candidatos, mesmo que desejando a reeleição, encontraram pela frente novas exigências, além daquelas a que estavam acostumados.

O que não precisava era o ministro Celso de Mello tentar encontrar uma saída “por analogia” ao lembrar que o artigo 97 da Constituição estabelece que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Além do fato de que o presidente do Supremo abrira mão do voto qualificado, o que por si resolveria o impasse, dando a maioria dos votos a um dos lados, não se tratava ali de discutir a inconstitucionalidade da lei, e Celso de Mello usou o caso apenas como uma “analogia” para solucionar o impasse, o que só enfraqueceu a decisão final do Supremo.

O fato, porém, é que o espírito da legislação que foi enviada ao Congresso através de uma iniciativa popular, figura criada na Constituinte de 1988, tem sido respeitado tanto no Congresso quanto agora no Judiciário, apesar de todas as tentativas de alterarlhe a configuração.

O espírito da lei tem base na seguinte pergunta: por que uma pessoa é impedida de fazer concurso público se tiver antecedentes criminais de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? Várias tentativas já haviam sido feitas para impedir candidatos que respondem a processos de participar das eleições, mas esbarravam sempre na exigência da lei complementar das inelegibilidades de que todos os recursos tenham sido esgotados para que o candidato seja impedido de concorrer ou mesmo de tomar posse.

A decisão de ontem pega todos os políticos que renunciaram a seus mandatos para escapar da cassação, mas outros casos como os de Paulo Maluf e Garotinho, condenados por um colegiado em primeira instância, ainda deverão ser julgados pelo Supremo.

Tudo indica que já existe jurisprudência para uma decisão do STF caso o empate persista, como seria normal acontecer. A não ser que algum ministro mude de voto.

A Lei da Ficha Limpa chegou ao Congresso a reboque de milhões de assinaturas, e muitas outras foram aditadas pela internet, no que se caracterizou como uma mobilização popular inédita.

É claro que não é razoável que os ministros do Supremo se sintam pressionados pela opinião pública e votem a favor da imediata adoção da lei apenas por isso.

Mas o fato de que cinco ministros votaram contra mostra que o tema, por ser controverso, provocou polêmicas e discussões, mas a pressão popular não impediu que cada ministro exercesse sua função livremente.

Talvez apenas o presidente do Supremo, Cezar Peluso, possa ter evitado dar o desempate por essa pressão, mas prefiro pensar que ele o fez por convicções pessoais fortes.

O voto a zelar:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Por mais que se concorde com o mérito e se louvem os efeitos da Lei da Ficha Limpa, não há como deixar de dar razão ao ministro Gilmar Mendes quando, em sua veemente diatribe, apontou para o constrangimento que o julgamento do recurso de Jader Barbalho representava para o Supremo Tribunal Federal.

De fato, foi constrangedor constatar como estamos querendo que o Supremo resolva as mazelas acumuladas do Brasil sem que seja essa sua função.

Pensando bem, desde quando os problemas de candidatos com contas abertas na Justiça podem ser vistos como uma questão constitucional?

A rigor a suprema corte de Justiça do País não deveria cuidar desse tipo de coisa. Muito menos ser submetida, ou submeter-se, à perpetração de casuísmos ou, mais grave: cuidar de corrigir distorções criadas em outras instâncias da sociedade e do Estado que não cumprem os respectivos papéis cívico-institucionais.

Cobra-se dos magistrados comportamento mais sereno e surgem condenações de toda parte quando batem boca, exaltam-se na defesa de suas teses, trocam argumentos de forma mais incisiva.

Como ocorreu na sessão de quarta-feira no julgamento do recurso à decisão do Tribunal Superior Eleitoral que tornava Jader Barbalho inelegível por ter infringido dispositivo da chamada Lei da Ficha Limpa, que veda candidaturas de políticos que tenham renunciado a mandatos para fugir de processos que podem resultar em cassação.

Os ministros e ministras foram veementes em defesa de seus pontos de vista como devem ser, cumpriram suas missões. Uns argumentando que o recurso era válido, porque consideravam ilegal aplicar a lei aprovada neste ano em caráter retroativo. Outros afirmando que elegibilidade é requisito, não é pena, e, portanto, não se aplicaria o princípio da não-retroatividade nem da anualidade.

Há consistência de ambos os lados e o resultado final validando as decisões do TSE - pela aplicabilidade já, pelo menos nos casos de renúncia - realmente dá uma sensação de dever cumprido contra determinadas malfeitorias.

Foi um golpe fatal no truque tentado no Senado na última hora com uma mudança de texto destinada a provocar a invalidade do processo legislativo na Justiça, causa uma impressão de bem-estar. Mas, como argumentou a outra metade do STF nesse julgamento de novo empatado em 5 a 5, a lei não pode se enquadrar a casos específicos. É um conceito, um princípio, a ser aplicado sem "olhar a quem".

Nesse aspecto, fica o gosto amargo do casuísmo. Hoje é Jader Barbalho, Joaquim Roriz e companhia. Mas e amanhã, o sentido justiceiro não pode ser voltar contra os que hoje nos consideramos com a razão?

Continuo a gostar do sentido da lei. Mas desde o julgamento de quarta-feira pensamentos complementares me inquietam a mente. E foi refletindo e cotejando argumentos de parte a parte que veio a constatação da evidência: candidatos com vida pregressa questionável não são - ou não deveriam ser - um problema a ser resolvido pelo Supremo.

No julgamento anterior, do caso de Joaquim Roriz, um dos ministros disse isso com outras palavras: o País não pode querer que o STF resolva problemas que outros setores e instâncias ignoram. Por medo de enfrentar ou desejo de que as coisas permaneçam sem solução.

A polícia não conclui os inquéritos, a Justiça comum não julga os processos, o Poder Legislativo não aprova as leis que deveriam aprovar no tempo certo e com o conteúdo irrepreensível do ponto de vista da Constitucionalidade. Para isso há comissões de Constituição e Justiça na Câmara e no Senado.

Além disso, e talvez principalmente, os partidos é que são os responsáveis pela lista de candidatos. Entidades de direito privado, são como um clube e aceitam quem querem nas suas fileiras. Alguns têm até essa regra no estatuto, outros já aplicaram a norma nesta eleição: ficha-suja não entra.

Ah, os partidos não valem nada? Pois é, mas a cobrança é feita na porta errada. O STF não tem nada com isso nem com a permissividade do eleitor que não faz a sua parte aplicando o princípio segundo o qual cada um tem seu nome e voto a zelar.

Além do arco-íris :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O Brasil descobriu petróleo no pré-sal nos anos 50 e já o explora há décadas. O que houve agora foi a descoberta de grandes reservas, mas nem todo produto é de boa qualidade. A produção iniciada em Tupi é mínima perto do total extraído no Brasil.

Principalmente é falsa a ideia de que o pré-sal é a solução mágica que garante o futuro. O governo faz confusão proposital quando o assunto é petróleo.

A excessiva politização do tema está criando mitos e passando para o país a ideia de que agora ganhamos na loteria, um bilhete premiado, que vai produzir dinheiro abundante que resolverá todos os nossos problemas. Isso reforça a tendência a acreditar na quimera, no “deitado em berço esplêndido”, que tem feito o país perder chances e assumir riscos indevidos.

A primeira descoberta de petróleo no pré-sal do Brasil foi em 1957 no campo de Tabuleiro dos Martins, em Maceió. A segunda foi em Carmópolis, em 1963. Ainda hoje se produz petróleo nos dois campos: no segundo, 30 mil barris por dia. O campo de Badejo, na Bacia de Campos, também fica na camada do pré-sal. Ele foi descoberto em 1975. Os dados contrariam o marketing do “nunca antes” e que esse petróleo é o “passaporte para o futuro”, como tem dito a candidata Dilma Rousseff.

Há produção de petróleo em campos de pré-sal no mundo inteiro. No Golfo do México, no Oriente Médio, no oeste da África, no mar do Norte. Um dos mais famosos é o de Groningen, na Holanda, descoberto pela Shell em 1959. Ainda hoje se tira petróleo de lá.

— O pré-sal invenção brasileira é uma distorção de marketing inventado pelos políticos do governo com apoio dos ideólogos da Petrobras e da ANP — explica o ex-diretor da Petrobras, Wagner Freire.

O Brasil produz hoje dois milhões de barris de petróleo por dia. Na melhor estimativa, a produção do pré-sal chegará a esse volume daqui a cinco anos. A exploração definitiva do campo de Tupi, que começou ontem, mas que na verdade ainda se encontra na fase de testes, foi de 14 mil barris, cerca de 0,7% da produção atual. A projeção é que em 2012 produza 100 mil.

— Na rodada zero de licitações, em 1998, a ANP permitiu que a Petrobras escolhesse todos os campos que gostaria de explorar. Ela não quis as áreas do pré-sal. Na época, o barril do petróleo custava em torno de US$ 15.

Por esse preço, a exploração era inviável pelos custos e dificuldades. Hoje, o petróleo está cotado a US$ 80. É por isso que a produção começou a valer a pena — lembra o consultor Adriano Pires.

O campo de Tupi foi licitado para a Petrobras e outras empresas privadas no ano 2000, como resultado da segunda rodada da ANP. Em 2007, foi comprovado que havia petróleo e, diante dos indícios de grandes reservas 47, blocos do pré-sal foram retirados da competição.

Até agora ainda não se sabe quais são as reservas de Tupi. A Petrobras afirma que existem de 5 a 8 bilhões de barris. Mas a certificadora Gaffney, Cline & Associates, que foi contratada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para analisar o campo, estimou um volume menor: de 2,6 bilhões de barris.

Quem está certo? Ninguém sabe. É preciso fazer mais prospecção.

O relatório da Gaffney também diz que um dos campos de pré-sal, o de Júpiter, tem óleo pesado, ou seja, com menor qualidade, explica Wagner Freire. O gás possui 79% de CO2 e o petróleo é de 18° de API. O petróleo do tipo Brent e WTI, que são referência no mundo, possuem API acima de 30°. Quanto mais alta essa medida, mais leve é o petróleo, ou seja, dele se retira maior volume dos derivados mais valorizados.

O petróleo que hoje se extrai no Brasil é de 20° a 22°. Tupi é um pouco melhor, 26°, mas ainda assim não chega ao nível do Brent e do WTI.

O fato de ter alto teor de CO2 no gás em Júpiter é um complicador. Se o CO2 for para a atmosfera, aumentará muito as emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

Todo brasileiro admira a capacidade da Petrobras, provada ao longo de cinco décadas, de encontrar petróleo, desenvolver tecnologias e produzir em águas profundas.

Mas a propaganda tem distorcido tudo, como se houvesse uma Petrobras velha e uma nova, do PT.

Não é verdade também que antes o petróleo brasileiro era carne de pescoço e agora acharam filé. Temos no Brasil óleos mais leves, ou seja filé mignon, em poços como os do Espírito Santo. O de Urucu na Bacia do Solimões é leve e sem enxofre, melhor que o Brent. E tem petróleo leve e pesado no pré-sal.

A Gaffney, que fez o estudo para a ANP, concluiu que todas as reservas do pré-sal juntas têm potencial de 15 a 20 bilhões de barris. Isso é uma boa notícia porque significa dobrar as reservas provadas do Brasil, que em 31 de dezembro de 2009 estavam em 15,2 bilhões. Poderíamos chegar a 35 bilhões e ganharíamos cerca de seis posições no ranking mundial de países com potencial para explorar petróleo, saltaríamos do 16º lugar para 10º, ao lado da Nigéria.

Ainda assim, estaríamos longe de países como Arábia Saudita, com 314 bilhões de barris em reservas; Irã, com mais de 138 bilhões; Iraque, 115 bilhões; Kuwait, com 113 bilhões. Não seríamos também o primeiro da América do Sul porque a Venezuela tem mais de 99 bilhões de reservas comprovadas.

Há dificuldades técnicas nada desprezíveis para a produção desse petróleo em larga escala.

— Para se ter ideia, o campo de Roncador, que é no póssal, e foi descoberto em 1996, com três bilhões de barris de reservas, ainda não tem seu plano de desenvolvimento completo. E o desenvolvimento e a operação do présal são mais complexos e mais caros — diz Freire.

Não existe um pote de ouro depois do arcoiacute;ris que vai resolver todos os nossos problemas.

Ainda não inventaram um passaporte para o futuro que não seja trabalhar muito, poupar mais, investir sempre e, principalmente, educar a população.

Para reconstruir o diálogo:: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Pacto se dará sob reaglutinação partidária

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) terminava de dar uma entrevista numa emissora de televisão na tarde de segunda feira quando entrou no estúdio o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), que o aguardou. Finda a entrevista, entabularam conversa, ali em pé, no meio do estúdio, que prosseguiu pelos gabinetes da emissora.

Um é governador reeleito com a maior votação proporcional do país e presidente do partido governista mais cacifado nas disputas estaduais. O outro é detentor do mais importante cargo eletivo do principal parceiro que resta ao PSDB na oposição.

Foi uma conversa sem testemunhas, mas a hipótese mais plausível é que tenham discutido a reaglutinação partidária que assentará a conflagração política em que esta campanha lançou o país.

Se o próximo governo começar no tom que a campanha acabou, é de crise que se falará nos próximos quatro anos. Nesse cenário, é Luiz Inácio Lula da Silva quem se reapresentará. A perspectiva não interessa ao PT, que veria selado seu fracasso em sobreviver a Lula, nem ao PSDB, que teme voltar a enfrentá-lo. Depois de uma campanha dessas, diálogo não é decorrência natural. É a única saída.

Não é uma reconstrução fácil. Se confirmadas as pesquisas, José Serra não terá levado o PSDB a um simples fracasso eleitoral, mas à renúncia de um projeto político de poder. Ou é possível divisar sobras numa candidatura que principia pelo adesismo lulista e acaba em abençoada pancadaria?

Pelos serviços prestados, o PT está a um passo de renovar seu contrato, mas o terá feito numa campanha sem ousadia ou utopia. A relação de Dilma Rousseff com seu eleitorado é uma página que a onipresença de Lula e a despolitização da campanha mantiveram em branco até o final.

O eleitor já não quer ouvir mais falar desta campanha, que dirá da próxima, mas o calendário da política é outro. O pacto de convivência começa a ser montado sob a perspectiva de reorganização partidária com vistas às eleições municipais.

Kassab tem pressa. Campos, nem tanto. Demistas correm contra o tempo. Restam apenas 11 meses para a filiação partidária de quem vai disputar a eleição municipal de 2012.

Dos caciques do DEM, Kassab foi de longe o mais discreto da nau serrista. Não fez eco à histeria religiosa ou moralista da campanha tucana.

Tem pouco tempo para encaminhar sua sucessão. Precisará reverter o desgaste de sua gestão para amarrar o futuro de sua candidatura ao governo de São Paulo em 2014 contra Geraldo Alckmin.

Seu cacife será proporcional à capacidade de incorporar seu partido ao PMDB, legenda cuja principal liderança paulista, Orestes Quércia, está fora de combate. A movimentação tiraria seus correligionários de oito anos de inanição, seja pela incorporação, seja pela mudança, desimpedida pela lei nesta situação, para outros partidos da base governista, como o PSB.

Se eleita no domingo, Dilma terá em Lula seu principal credor. Mas em segundo lugar não há muitos rivais para o governador de Pernambuco, a não ser que alguém se arrisque a prever os rumos desta sucessão se Ciro Gomes tivesse obtido legenda para disputar a Presidência.

Na reunião que Dilma fez com os governadores aliados logo depois do primeiro turno, Campos foi o que mais abertamente apontou os erros do entrevero com a imprensa.

Governador mais próximo presidente da República, é também um dos aliados de Dilma com melhor trânsito na oposição. Seu partido deu apoio formal aos tucanos Antonio Anastasia, em Minas, a Beto Richa, no Paraná, e Teotônio Vilela, em Alagoas. De tanto ralar para desatar os nós entre seus vizinhos e governo federal, Vilela acabou convidando-o a participar do seu horário eleitoral gratuito.

Sua ascendência sobre o líder das pesquisas na Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), é tamanha que seu adversário na campanha diz que o Estado está sob ameaça de anexação por Pernambuco.

O PT é seu principal aliado no Estado, o que não inibiu Eduardo Campos a enfrentar as corporações da educação, saúde e segurança para estabelecer programas de metas com conceitos que arrepiam os petistas como meritocracia e contratos de gestão.

Com brandura e sem se esgoelar em palanque, talvez seja o governador mais próximo de realizar o sonho lulista de extermínio da oposição no Estado.

Com a adesão em massa dos prefeitos do PSDB à sua candidatura, a oposição no Estado está concentrada no DEM e no PMDB, partidos que têm três das 25 cadeiras da bancada pernambucana .

Um rearranjo partidário levaria seus dois últimos adversários em disputas estaduais, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) e o deputado federal Mendonça Filho (DEM) para a mesma sigla. Ainda que ex-caciques do DEM tenham se bandeado para Campos, os demistas ainda estão melhor estruturados no Estado que os pemedebistas, o que pode acabar impondo a ascendência de Mendonça sobre Jarbas, único político no Estado com quem o governador não dialoga.

Em grande parte, foi o PSB, e não o PT, a legenda que ocupou os espaços abertos pela decadência do partido de Kassab, mas a imagem de um partido que, derrotado, prefere unir-se ao adversário não dá conta do rearranjo em curso.

Campos deve ser peça-chave na frente partidária que se idealiza para dar sustentação a um eventual governo Dilma e conter o gigantismo do PMDB no governo. A incorporação fortalece ainda mais os pemedebistas, mas o movimento tem outras serventias, como a de quebrar a polarização entre PT e PSDB no seu berço paulista. Foi contra essa polarização que o PSB elegeu o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda.

Aquela eleição foi patrocinada por outro interessado no fim da polarização, o senador eleito por Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB) que, desta vez, tem poucos motivos para torcer pela tese da incorporação. Se PSDB e DEM têm sobrevivido a um casamento litigioso, é porque o divórcio correria o risco de isolar os tucanos na oposição.

As armas ainda estão em jogo e as urnas não foram sequer plugadas, mas a notícia de que os políticos voltaram a conversar é sinal de que o governo a ser eleito neste domingo tem alguma chance de vingar.


Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

O Brasil que está dando certo :: Rogério L. F. Werneck

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na esteira de uma campanha marcada pela mistificação e pelo escapismo, a candidata governista chega ao final da eleição presidencial em vantagem significativa nas pesquisas de intenção de voto. É o sucesso de um discurso enganoso que passa solenemente ao largo de questões fundamentais que o País terá de enfrentar nos próximos anos. O eleitor vem sendo conclamado a escolher entre "o Brasil que dava errado e o Brasil que está dando certo" e a eleger "a presidente que não vai deixar privatizar a Petrobrás nem o pré-sal".

"O Brasil que está dando certo" não sabe bem como é mesmo que vai continuar financiando a gigantesca farra fiscal instaurada no segundo mandato do presidente Lula. Ou pior, acha que sabe. Aposta em poder dar sobrevida ilimitada ao fabuloso esquema de expansão de crédito subsidiado bancado por emissão de dívida pública, montado no BNDES. Confia na elevação sem fim da carga tributária para fazer face à expansão descontrolada de gastos. E espera poder continuar recorrendo impunemente a artifícios contábeis de todo tipo para escamotear a gritante deterioração das contas públicas. Sempre tendo o cuidado, claro, de não informar o eleitorado de qualquer uma dessas apostas.

"O Brasil que está dando certo" tem taxa de juros absurdamente alta e taxa de câmbio em preocupante apreciação, mas já não tem plano de jogo coerente para lidar com tais problemas. É um país onde o ministro da Fazenda se vangloria de contar "com armas de grosso calibre" para combater a apreciação e brada aos quatro ventos que "essa história de que ajuste fiscal vai baixar os juros é um equívoco". E onde as pressões em favor da redução da taxa de juros vêm perdendo força. Parte do empresariado já não se preocupa com a taxa de juros e com a sobrecarga que a política fiscal expansionista impõe à política monetária. Prefere frequentar os guichês de favores do BNDES, sem se dar conta de que a expansão do crédito subsidiado bancado por emissão de dívida pública vem tornando cada vez mais remota a possibilidade de uma queda estrutural da taxa de juros.

"O Brasil que está dando certo" é um país onde o governo impõe uma carga tributária mais alta do que a de qualquer outra economia em desenvolvimento, mas gasta quase tudo em dispêndios correntes. Só consegue investir pouco mais de 1% do PIB. E, ainda assim, prefere, por razões ideológicas, concentrar seu parco orçamento de investimento em áreas nas quais o setor privado está interessado em investir. O País continua exibindo carências vergonhosas em saneamento básico, transporte de massa, saúde, segurança e educação. Mas é em setores como petróleo e energia elétrica que o governo quer investir. Basta comparar os quase R$ 300 bilhões de dinheiro público já destinados ao BNDES e à Petrobrás, desde 2008, com os totais de R$ 18 bilhões e R$ 34 bilhões que a candidata governista promete gastar nos próximos quatro anos em transporte público e saneamento básico.

"O Brasil que está dando certo" é, portanto, um país que aprendeu pouco nos últimos 40 anos. Ainda insiste em despejar recursos públicos em investimentos no setor produtivo. E, como no regime militar, está de novo pronto a perder a oportunidade de ampliar rapidamente o acesso da população a condições decentes de educação, saúde, segurança e infraestrutura urbana.

Há poucos dias houve quem afirmasse que a eleição de Dilma Rousseff era a garantia de que os recursos do pré-sal seriam destinados à educação. Ledo engano.

O que a candidata governista tem em mente é a dilapidação de boa parte do excedente potencial do pré-sal num faustoso programa de subsídio à produção nacional de equipamentos para a indústria petrolífera. Se ela tiver o sucesso que espera nessa empreitada, vai sobrar bem menos do que se imagina para educação e outros destinos mais nobres. Numa triste reedição do nacional-desenvolvimentismo geiselista.

O Brasil vai custar a dar certo se, ao arrepio das lições da história, teimar em insistir no que deu errado, de fato, no seu conturbado passado.

Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da PUC-RIO

Sobre história e processos:: Lidia Goldenstein

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Segunda-feira o Brasil terá um novo presidente. Seja quem for, administrará um país complexo que, apesar de viver um momento especialmente positivo, tem sérios desafios à frente. Quem não compreender as profundas mudanças estruturais ocorridas no País nos últimos 20 anos dificilmente enfrentará as questões que se colocarão com a agilidade, profundidade e amplitude necessárias. Antes de mais nada qualquer reflexão séria sobre a estratégia a ser perseguida no próximo mandato tem de entender que o que ocorre no País hoje não é milagre nem magia, mas resultado de processos que têm uma história.

O Brasil entrou em crise em meados da década de 70. Passou os anos 80 de crise em crise, com problemas de dívida externa, inflação, déficits públicos e baixo crescimento. Foram inúmeros os planos que tentaram sem sucesso quebrar o círculo vicioso que levava a economia a uma mediocridade sem fim. Por mais que haja motivos para não gostar do governo Collor, seria intelectualmente desonesto não lhe dar o crédito pela abertura da economia, sem a qual nenhum plano de estabilização teria sucesso.

Apesar dos custos, maiores do que o necessário, a abertura introduziu a concorrência na nossa economia protegida, na qual ineficiência, baixo investimento, elevados custos e produtos obsoletos eram a regra. A abertura obrigou nossa indústria a se modernizar, viabilizando o controle da inflação que, simultaneamente, vai criando um horizonte para os investimentos, um espaço para o início da queda dos juros e retomada do crédito, além de uma brutal transferência de renda para a população, dando início ao processo de ampliação do mercado interno.

Mais ainda, com o controle da inflação, a terra deixa de ser reserva de valor, provocando a queda dos seus preços, o que permitiu uma mudança radical no setor agrícola: o agronegócio se fortalece, caem os preços dos alimentos e o Brasil torna-se um grande exportador de commodities. A queda dos preços da cesta básica ajuda a elevar a renda disponível para consumo, e as exportações, a acumular reservas, reduzindo nossa vulnerabilidade externa.

A ampliação do mercado consumidor impulsiona a retomada dos investimentos das empresas, agora desafiadas pela abertura da economia. Ganham, com isso, o mercado de trabalho e, novamente, o mercado consumidor, com reforço de uma massa de trabalhadores que, formalizados, passam a ter acesso ao crédito que começa a inundar a economia. Mas o Plano Real sozinho também não criaria as condições para a retomada. É preciso lembrar as privatizações, sem as quais não estaríamos na era digital; o saneamento do sistema bancário; os programas sociais, que se foram aprimorando e ampliando ao longo dos anos; e vários outros processos que permitiram aumentar o emprego, a renda, o crédito, o mercado consumidor e os investimentos. Ainda se deve lembrar o cenário externo, em especial a China, que, como grande consumidora das commodities brasileiras, deu conforto às contas externas do País. Tudo processo, tudo história, tudo interligado... Nada funcionando isolada ou imediatamente.

Nos últimos anos fizemos mais do mesmo: ampliamos as transferências de renda, o mercado interno e o crédito, e continuamos a desfrutar de um cenário externo favorável. Enquanto isso o mundo se movia: a revolução tecnológica aprofundou-se e as transformações na geografia econômica internacional radicalizaram. Quando todas as dif iculdades pareciam superadas e o País parecia enfim pronto para retomar a rota de crescimento, a China impõe uma dinâmica tal ao processo de internacionalização que afeta direta e profundamente a estrutura produtiva brasileira, criando dramáticos desafios para o Brasil. Que estamos atrasados na infraestrutura e na educação é mais que óbvio. Que segurança e saúde têm problemas dramáticos ninguém questiona. Que nossa taxa de investimento, apesar de crescente, ainda é insuficiente é um consenso. São deveres de casa em que estamos atrasados. Equacioná-los é condição necessária, mas insuficiente, para resolver nossos desafios. A ideia de que poderemos continuar fazendo mais do mesmo é falsa.

O Brasil está diante de uma encruzilhada: continuar com a atual política econômica e rapidamente bater no seu limite de crescimento, correndo o risco de uma desindustrialização parcial, com aumento das importações e enorme dependência do setor de commodities, ou dar um "salto para a frente" com a introdução e/ou fortalecimento de certos setores/segmentos que permitam uma nova onda de modernização da nossa matriz industrial, mantendo-a competitiva internacionalmente.

O País tem uma imensa oportunidade de desenvolver sua indústria criativa e, por meio dela, elevar o valor agregado do setor de serviços e segmentos do industrial. O novo presidente só será novo de fato se aceitar esse desafio.

Economista

'Para ganhar é preciso ter Minas do lado', diz Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Brás Henrique

O candidato a presidente José Serra (PSDB) disse hoje, em Uberlândia (MG), que após encerrar as gravações do programa eleitoral gratuito de televisão, durante a madrugada, chegou a Minas Gerais para caminhar para a vitória na eleição de domingo. "Minas é um Estado que sintetiza o Brasil, é um eixo político e econômico. Para ganhar é preciso ter Minas do lado, para governar o Brasil tem que ter Minas do lado", disse ele, na presença do governador reeleito Antonio Anastasia (PSDB) e dos senadores eleitos Aécio Neves (PSDB) e Itamar Franco (PPS).

No rápido discurso para cerca de 2 mil pessoas no Uberlândia Clube, no centro da cidade, Serra aproveitou para alfinetar, sem citar qualquer nome, os adversários políticos, principalmente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se empenha diretamente na campanha da candidata Dilma Rousseff (PT).

Serra disse que em Minas Gerais ele tem "parceiros que valem ouro na política brasileira" e usou a presença do ex-presidente Itamar Franco, em especial, para cutucar Lula. "(Itamar) É um homem íntegro, que soube ser presidente da República, com decoro, com comportamento irretorquível, correto", afirmou o tucano, em entrevista coletiva, antes de seguir para Montes Claros (MG).

Para citar os elogios ao trio mineiro, Serra se lembrou de um trecho da Bíblia, sem saber exatamente em qual parte, na qual Deus vai a Salomão, em sonho, no dia em que este assume o seu reinado, e lhe oferece qualquer desejo. "Salomão só disse que queria sabedoria e conhecimento. Pois bem, venho a Minas recolher o conhecimento administrativo e a competência do Anastasia e a sabedoria enorme, inversamente proporcional à idade, do Aécio Neves", disse.

"E o decoro do presidente Itamar Franco, que deu ao Brasil uma lição de como se deve comportar um presidente, que precisa ser presidente não de um partido, não de um grupo, mas de todo o nosso País, de toda uma nação", afirmou. Serra ainda acrescentou que, caso seja eleito, terá outra postura. "Como presidente não vou tratar adversário como inimigo a ser destruído. Para mim adversário é um concorrente na democracia e será respeitado como tal e não perseguido."

Denúncias

Serra disse que irá "desprivatizar o Estado brasileiro", referindo-se às denúncias contra pessoas ligadas ao atual governo. "Vou fazer com que os órgãos governamentais sirvam ao nosso povo e não a grupos, a negociações, a interesses, como todos os dias a gente pode constatar, como a cada final de semana temos um rol de escândalos que significa usar o governo, os seus órgãos, as suas empresas, para finalidades privadas."

Como irá encerrar a campanha do segundo turno no sábado, em Belo Horizonte, Serra enfatizou que "essa eleição vai se decidir em Minas Gerais". Pediu, como de costume, a multiplicação de votos a cada pessoa presente em seu discurso e ouviu um coro de manifestantes: "45, eleito". E, antes de encerrar sua visita a Uberlândia, numa tradicional cafeteria do centro, disse: "Vamos substituir, no Brasil, o punho fechado da intolerância pelo abraço fraterno da solidariedade. Vamos nos dar os braços, de cabeça erguida, altiva, de coração leve."

Itamar Franco, indagado se o pleito de fato se decidiria em Minas, foi sucinto e rápido na resposta: "Minas tem que somar com os outros Estados." Anastasia preferiu usar um slogan em seu discurso. "O povo de Minas não erra, o presidente é José Serra."

Último debate

Sobre o último debate, da TV Globo, amanhã à noite, Serra disse que irá responder as perguntas sobre questões que interessam ao País. "Tenho muita vontade de falar sobre o Brasil, das coisas que pretendo fazer e como explorar as soluções dos problemas."

Indagado sobre os comentários de cientistas políticos, que citam a campanha eleitoral deste ano marcada por boatos e mentiras, ele concordou e acusou aliados da adversária Dilma - sem citá-la - pela situação. "Sem dúvida, tudo vindo do outro lado", disse. "Sou político ligado à verdade, o outro lado é um lado de profissionais da mentira, mentem o tempo inteiro."

O tucano citou que abriu concurso público para contratação de 110 mil funcionários, sendo que os adversários teriam alegado que ele era contra esse sistema. "Sou contra cabide de emprego, cargo de gente sem concurso para atender um amigo, um camarada, um companheiro, não para trabalhar", completou.

Papa

Serra ainda fez um rápido comentário sobre a atitude do papa Bento XVI, que hoje condenou o aborto e conclamou os bispos brasileiros a orientarem politicamente os fiéis católicos. O tucano alegou que não leu a declaração do Papa na íntegra, mas que conhecia o seu teor.

"O Papa é um líder espiritual mundial da Igreja Católica, ele tem o pleno direito de emitir as suas diretrizes e orientações para os católicos do mundo. Tem plena liberdade de fazê-lo, é um guia espiritual muito importante, e a defesa da vida é algo que merece fazer parte das palavras do papa, além do que é previsível, além do que é bom para o mundo ouvir isso: a defesa da vida", disse.

Pressão de bispos dá certo e Papa interfere na eleição

DEU EM O GLOBO

Às vésperas da eleição presidencial, o Papa Bento XVI criticou as propostas de descriminalização do aborto - tema recorrente na campanha - e, em discurso para bispos brasileiros, disse que o episcopado do país tem o dever de emitir juízo moral sobre temas políticos. Sem citar a eleição brasileira, Bento XVI afirmou que projetos que descriminalizam o aborto e a eutanásia ferem o ideal democrático. A posição do Vaticano foi resultado da mobilização de bispos moderados e conservadores brasileiros. A petista Dilma Rousseff disse que não será prejudicada e minimizou a mensagem do Papa - que preocupou sua campanha. José Serra disse que Bento XVI tem o direito de orientar os fieis.

Interferência papal

Mobilização de bispos faz Bento XVI defender participação do episcopado em questões políticas

Gerson Camarotti*

BRASÍLIA - O Papa Bento XVI disse ontem, no Vaticano, durante discurso para 14 bispos da Regional Nordeste 5 (Maranhão), que o episcopado tem “o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas”. Sem mencionar diretamente a eleição presidencial de domingo no Brasil, o pontífice criticou propostas de descriminalização do aborto.

— Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático, que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade de toda pessoa humana, é atraiçoado nas suas bases — afirmou o papa.

Segundo integrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) ouvidos ontem pelo GLOBO, a posição do Papa não foi casual, mas sim fruto de uma mobilização de bispos moderados e conservadores.

O próprio discurso do Papa revela que o assunto foi provocado pelos religiosos do Brasil.

— Lendo os vossos relatórios, pude dar-me conta dos problemas de caráter religioso e pastoral, além de humano e social, com que deveis medir-vos diariamente. O quadro geral tem as suas sombras, mas tem também sinais de esperança — disse o Papa.

O aborto teve destaque na disputa entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). Os ataques de religiosos à petista por sua posição declarada antes da campanha, de ser favorável à descriminalização do aborto, foram apontados por analistas como um dos fatores que impediram sua eleição no primeiro turno.

Pressionada por grupos religiosos, Dilma assinou uma carta em que se compromete a, caso eleita, não propor mudanças na legislação atual sobre aborto e sobre outros temas relacionados à família e à adoração religiosa.

— Em determinadas ocasiões, os pastores devem mesmo lembrar a todos os cidadãos o direito, que é também um dever, de usar livremente o próprio voto para a promoção do bem comum — prosseguiu Bento XVI em seu discurso, disponível no site do Vaticano.

O Papa também defendeu o ensino religioso na rede de educação pública no país e o uso de símbolos religiosos em instalações públicas: — Amados irmãos, uno a minha voz à vossa num vivo apelo a favor da educação religiosa e mais concretamente do ensino confessional e plural da religião, na escola pública do Estado. Queria ainda recordar que a presença de símbolos religiosos na vida pública é ao mesmo tempo lembrança da transcendência do homem e garantia do seu respeito.

Bento XVI lembrou o Cristo Redentor, no Rio, que, segundo ele, “representa a hospitalidade e o amor com que o Brasil sempre soube abrir seus braços a homens e mulheres perseguidos e necessitados”.

Polêmica em acordo com a Santa Sé

A mensagem do Papa Bento XVI na véspera da eleição foi intencional e serviu para referendar um posicionamento político de segmentos da CNBB. Nos bastidores, cresce o descontentamento e a desconfiança com a candidatura de Dilma. Hoje, moderados e conservadores são maioria na CNBB, isolando prelados progressistas, historicamente próximos ao PT. Esse grupo majoritário não digeriu o Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH 3), lançado pelo presidente Lula em dezembro do ano passado, e que previa — depois foi retirada — a descriminalização do aborto, entre itens polêmicos.

Segundo relatos, a posição de Bento XVI também foi uma espécie de resposta indireta à notícia divulgada há cerca de três semanas de que o Palácio do Planalto cogitava rever o acordo com a Santa Sé — assinado pelo presidente Lula e o Papa Bento XVI em 2008. O acordo regulamenta aspectos jurídicos da Igreja Católica no país, incluindo isenções fiscais, liberdade de credos e ensino religioso nas escolas públicas, mas sua constitucionalidade está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal por entidades civis como a OAB.

Ao GLOBO, um prelado da CNBB lembrou que, apesar das negativas do Planalto, a simples veiculação da notícia foi interpretada no Vaticano como uma espécie de ameaça velada.

Tanto que, além da questão do aborto, Bento XVI fez questão de ressaltar em sua mensagem de ontem um dos pontos fundamentais do acordo, lembrou esse bispo, a educação religiosa nas escolas públicas.

Outro forte desconforto da CNBB que ganhou ontem apoio de Bento XVI é em relação ao PNDH 3. Um influente bispo afirmou que, apesar das modificações feitas no plano, “nada garante uma não retomada dessas questões, caso Dilma seja eleita”. O Papa tocou num dos pontos mais importantes para os católicos no plano, pedindo a presença de símbolos religiosos em locais públicos.


Recado a Hugo Chávez em 2007

As palavras do Papa aos bispos do Maranhão avalizando o dever dos religiosos de emitir juízo moral em assuntos políticos acabou reforçando a posição adotada nas últimas semanas por alguns dos mais importantes bispos brasileiros, como o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer, o cardeal arcebispo de Aparecida, dom Raymundo Damasceno, além do próprio arcebispo dom Orani Tempesta.

Não é comum esse tipo de manifestação política da Santa Sé, mas também não chega a ser um fato inédito.

No papado de Bento XVI, a manifestação política mais contundente da Santa Sé ocorreu em 2007. Em fevereiro daquele ano, militantes próximos ao presidente Hugo Chávez tomaram de maneira violenta o Palácio Arquidiocesano de Caracas e desalojaram os funcionários. O Papa chegou a manifestar apoio ao arcebispo de Caracas, cardeal Jorge Urosa.

Mas a resposta mais contundente a esse episódio na Venezuela ocorreu em sua passagem por Aparecida, em maio daquele mesmo ano, quando Bento fez um discurso condenando os governos totalitários no continente, num recado ao governo venezuelano.

Já em Cuba, o processo foi diferente.

Lá, a Santa Sé trabalhou por uma aproximação com Fidel e Raul Castro para conseguir a liberdade religiosa para os católicos cubanos.

Dilma e Serra: é direito do Papa se manifestar

DEU EM O GLOBO

Declarações preocuparam, porém, o Planalto e petistas

BRASÍLIA e UBERLÂNDIA (MG). A mensagem do Papa Bento XVI aos bispos brasileiros avalizando que os religiosos devem emitir juízo moral em assuntos políticos causou contrariedade no Palácio do Planalto e na cúpula da campanha da candidata petista, Dilma Rousseff. A maior preocupação foi com a utilização que deverá ser feita por parte de prelados moderados e conservadores da orientação do Papa de rejeitar projetos políticos que contemplam aberta ou veladamente a descriminalização do aborto. Dilma, que tentou minimizar o fato, afirmou que a posição do Papa tem de ser respeitada. O candidato do PSDB, José Serra, deu respaldo à declaração de Bento XVI, afirmando que “é bom para o mundo ouvir a defesa da vida”.

Coordenadores da campanha de Dilma avaliaram que a mensagem do Papa pode resgatar a campanha religiosa feita contra Dilma na reta final do primeiro turno, quando foi explorada uma declaração da candidata em 2007 favorável à descriminalização do aborto. Dilma disse não acreditar em constrangimentos ou prejuízos para a campanha por causa do posicionamento da Santa Sé.

— Eu acho que é a posição do Papa e tem que ser respeitada. Ele tem direito de manifestar o que ele pensa. É a crença dele, e ele está recomendando uma orientação — afirmou Dilma.

Questionada sobre a campanha de teor religioso que houve contra sua candidatura, a petista discordou que haja ligação entre os fatos. Ela disse que são coisas diferentes a posição oficial da Santa Sé e a campanha pela internet feita anonimamente.

— Eu não acho que o Papa tenha nada a ver com isso. Aqui no Brasil ocorreu uma outra coisa. No Brasil ocorreu uma campanha que não veio à luz do dia.

Quem fez a campanha não se identificou, não mostrou a sua cara. E foi uma campanha de difamações, de calúnias.

E algumas delas feitas ao arrepio da lei.

Indagada sobre a posição de alguns bispos brasileiros contrários a sua candidatura, Dilma afirmou que, nesse caso, não há problema de um bispo vir a público e se posicionar sobre o tema. O problema, para ela, é quem faz campanha “por baixo do pano”. Recentemente, o bispo de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, declarou voto contrário a Dilma e chegou a classificar o PT de “partido da morte e da mentira”.

— Ele (o bispo) veio a público e falou a posição dele, uai! Nós somos contra é essa conversa que vem por baixo do pano. E essa campanha que vem por baixo do pano tenta fazer um jogo que confunde tudo.

Ela voltou a declarar ser pessoalmente contra o aborto, mas também contra a prisão de mulheres que interromperam gestação e, por isso, procuram hospitais.

Reafirmou que não faria mudança na legislação atual, que prevê abortos na rede pública para mulheres vítimas de estupro ou que correm risco de vida.

Mesmo antes de conhecer a íntegra da declaração de Bento XVI, Serra declarou que considera direito de um líder espiritual mundial fazer a defesa da vida.

— Não li a declaração na íntegra. O Papa é um líder espiritual mundial da Igreja Católica e ele tem pleno direito de emitir as suas diretrizes e orientações para os católicos do mundo. Tem plena liberdade, é um guia espiritual muito importante. E a defesa da vida é algo que merece fazer parte das palavras do Papa. Além do que é previsível, e é bom para o mundo ouvir isso, a defesa da vida.

A polêmica sobre o aborto foi um dos temas que dominaram o debate entre os candidatos no primeiro turno. Embora negue que tenha estimulado a inclusão de temas religiosos no debate, Serra acabou se beneficiando das contradições de Dilma sobre o assunto.

Desde que o assunto do aborto entrou na pauta eleitoral, Serra e Dilma passaram a priorizar encontros com líderes evangélicos e a disputar o apoio de representantes da Igreja Católica. Ontem, em meio a um encontro com líderes políticos em Uberlândia, Serra recebeu uma imagem de Nossa Senhora da Abadia, que ele beijou e acabou erguendo como um troféu em meio a um evento eleitoral. Durante seu discurso, o tucano citou um trecho bíblico.

(Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos, enviada especial)

Relatório da PF aponta tentativa de lobby de petista na Casa Civil

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Candidato grampeado diz ter se reunido com Dilma para evitar distribuição de franquias dos Correios

Irmão de Erenice atua em defesa dos atuais franqueados; Dilma nega encontro relatado por petista em grampo

Andréa Michael e Andreza Matais

SÃO PAULO, BRASÍLIA - Relatório da Polícia Federal aponta tentativa de lobby na Casa Civil para favorecer agências franqueadas dos Correios. A então ministra Dilma Rousseff, hoje candidata do PT à Presidência, é citada no documento como alvo dos lobistas.

Segundo o relatório, Sancler Mello, candidato a deputado estadual pelo PT do Rio, relata a um lobista ter sido recebido por Dilma em julho de 2006 para discutir uma forma de evitar a realização de licitação para renovação da rede de franqueados da estatal -concorrência pública que, de fato, não foi aberta.

A conversa foi gravada com autorização da Justiça Federal. Dilma e Sancler negam o encontro.

A Casa Civil está no centro do escândalo envolvendo Erenice Guerra, que sucedeu Dilma no cargo. Erenice deixou o governo após a descoberta de uma esquema de lobby dentro do órgão.

Parte dos diálogos ocorreu em julho de 2006 e integram uma longa investigação sobre as agências terceirizadas dos Correios.

O trabalho deu origem a outros inquéritos e operações, entre as quais as batizadas de Selo e Déjà-vu.

Em abril daquele ano, dois meses antes das conversas gravadas, o TCU (Tribunal de Contas da União) havia dado prazo até o final de 2007 para que o governo fizesse a licitação para substituir as agências franqueadas.

A Abrapost, associação que representa 90% dos franqueados, tentava na Justiça impedir a redistribuição da rede de agências. Para isso, ingressou no STF (Supremo Tribunal Federal).

Em março deste ano, a causa foi assumida pelo advogado Antonio Eudacy Alves Carvalho, irmão da ex-ministra Erenice.

Nas escutas, Sancler conversa com Carlos Eduardo Fioravante da Costa, ex-diretor dos Correios e segundo suplente do senador Hélio Costa -na ocasião, ministro das Comunicações.

"AJUDA FINANCEIRA"

Segundo o relatório, Fioravante "promete ajuda financeira" de R$ 100 mil a Sancler para que ele tentasse convencer Dilma a cancelar uma medida provisória determinando uma nova licitação.

A Folha apurou que o Ministério das Comunicações chegou a encaminhar à Casa Civil, em 15 de dezembro de 2006, minuta de uma MP que reformulava o setor.

Em 2007 e 2010, o governo editou MPs renovando prazo de vigência das franquias e fixando datas para a renovação da rede, mas as licitações nunca ocorreram.

No diálogo, gravado no dia 18 de julho de 2006, Sancler diz: "Eu acabei de sair de reunião com ela [Dilma] lá... Ela se compromete e não emitir a medida provisória para ser relatada em 2006".

E continua: "Ela espera a decisão do Supremo, não emite a medida provisória, que já está pronta, que ela ia mandar para o Congresso, para o Bittar [Jorge Bittar, deputado federal pelo PT-RJ], que vai ser o relator".

Candidato do PT-RJ e Dilma negam encontro

Dilma Rousseff (PT) informou, por meio da assessoria, que não conhece Sancler Mello, candidato derrotado do PT a deputado no Rio, e que não o recebeu quando era ministra da Casa Civil.

A assessoria da Casa Civil negou haver registro de encontro da então ministra com Sancler em 2006.

O petista também negou qualquer encontro com a então ministra, que diz conhecer apenas pela TV.

Por meio de seu advogado, Sancler informou que tem "reputação ilibada" e que o processo relativo ao caso já foi arquivado.

Dilma não respondeu às perguntas da Folha sobre a não realização de licitação para redistribuir as franquias dos Correios, como determinou o TCU.

O ex-diretor dos Correios Carlos Eduardo Fioravante disse que não se lembra de ter conversado com Sancler em 2006 sobre o assunto.

A Abrapost informou que não irá comentar o caso e que não mantém relações com Sancler. O advogado Antonio Eudacy Alves Carvalho não foi localizado pela Folha.

A Polícia Federal informou, por meio da assessoria, que a Operação Selo se desdobrou em mais de 20 inquéritos para apurar as mais variadas suspeitas de irregularidades.

Colaborou Filipe Coutinho, da Sucursal de Brasília

Anpocs, enfim, debate as eleições

DEU EM O GLOBO

Legado de Lula e a campanha são discutidos no último dia do encontro

Arnaldo Bloch Enviado especial

CAXAMBU (MG). A discussão de ideias em torno do cenário eleitoral floresceu, enfim, no último dia do 34º Encontro Anual da Anpocs, que reúne pensadores de todo o país na tradicional mesa de debates “A conjuntura política e social”.

Presidindo a mesa, o secretárioexecutivo Cícero Araújo (USP) conclamou os participantes a comentarem a sucessão de Lula, evitando uma visão “do agora” e, em seu lugar, fazendo uma projeção dos desafios para o futuro governo.

Mesmo sem se furtar ao desafio, o cientista político Antonio Jorge de Almeida, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia), iniciou os trabalhos com um inspirado preâmbulo, bem focado no tal do “agora”: — O segundo turno esteve envolto numa aura de guerra santa. Em certo momento seria possível imaginar que Serra era candidato a cardeal presidente do Santo Ofício, e Dilma, candidata à sucessão de Irmã Dulce.

Para estudioso, Lula fortaleceu elites Especializado em estudos sobre hegemonia e contra-hegemonia, Almeida acusou o governo Lula de ter ajudado a fortalecer a burguesia e as elites industriais e financeiras do país.

— Lula não construiu, ao contrário do que dizem, uma nova hegemonia. Ele deu, sim, continuidade e força à maldita herança macroeconômica de Fernando Henrique Cardoso. Seus programas sociais, inclusive o Bolsa Família, em nada contrariam o grande capital. Não à toa, Delfim Netto disse que Lula salvou o capitalismo — afirmou.

Discursando na sua tradicional cadência, lembrando seus tempos de porta-voz de Lula, André Singer saudou o “alinhamento eleitoral” ocorrido no Brasil entre 2002 e 2006, que deslocou o eixo de apoio ao presidente da classe média para as classes de baixíssima renda, resultando na arrancada de Dilma.

— Basta ver a distribuição de votos: Dilma perde conforme aumenta a renda numa proporção que vai de 55% a 35%. Com Serra ocorre o oposto: perde votos à medida que a renda diminui, numa faixa de 33% a 55%.

Na visão do economista José Eli da Veiga (único da mesa sem grau de cientista social), outro caso seria também se as pesquisas não tivessem derrapado na reta final do primeiro turno: — Os institutos de pesquisa no Brasil estão obsoletos. Há tempos que o Gallup migrou para a amostra aleatória. A metodologia das cotas tem base no censo de 2000! O erro foi grosseiro.

No Google insight, onde se pode ver o que as pessoas estão procurando na internet, no dia seguinte ao debate da Globo a linha de interesse por Marina se multiplicou por dez.

Veiga ataca Serra e Dilma por seu desprezo pela plataforma programática proposta por Marina, que poderia ter resultado num acordo com um dos lados.

— Eles rejeitaram demandas importantes como a do fim dos leilões para termoelétricas com uso de diesel e carvão, um crime de lesa-Humanidade — disse.

Alheio ao que poderia ter sido, Singer vê, no momento, uma profunda polarização social, “que não aparece na superfície, talvez só comparável à eleição de Getulio”, na qual estariam se digladiando pela tal hegemonia uma coalizão de modelo neoliberal privatista e outra, produtivista, de forte caráter reformista, que une a classe trabalhadora e os sindicatos.

— Esta classe dominante financeira está, inclusive, reagindo com muita energia à redução da pobreza. A coalizão rentista quer juros altos e o câmbio onde está. Mas não dá para fazer um estado de bem estar social com menos de 5% de crescimento ao ano...

Na análise de Singer, a depender de quem ganhar este cabo de guerra, o Brasil terá uma oferta de emprego qualificada rumo a um país com características, grosso modo, do modelo de tipo escandinavo; ou, então, uma sociedade agrária exportadora com uma diferença social muito mais expressiva. Neste terreno simbológico, ele observa que, num restaurante de classe média, “quem está sentado vota em Serra e quem está de pé, servindo, em Dilma”.

José Eli discorda: — Não é bem assim. Por exemplo, entre os recepcionistas e garçons aqui do Hotel Glória de Caxambu, muitos vão votar em Serra. Estamos em Minas Gerais...

Singer fez uma projeção entusiasmada sobre a erradicação da pobreza no Brasil: — Se continuarmos reduzindo a miséria assim, teremos, em 2016, apenas 4% da população abaixo da linha da pobreza.

O mesmo José Eli voltou a discordar: — Nesta cálculo não está o saneamento, tão importante quanto a renda para definir pobreza.

A falta de esgoto, área negligenciada tanto por Fernando Henrique quanto por Lula, produz parasitoses que afetam a inteligência de gerações de crianças, que crescerão com um déficit em sua capacidade, inclusive de gerar seu próprio bem-estar social.

Para criticar a retórica dos candidatos, Rubem Barboza Filho, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), evocou o já clássico discurso de Obama em resposta aos ataques do pastor Jeremya (“A more Perfect Union”). Para ele, os EUA conseguem usar sua tradição para construir uma narrativa histórica que leve o país a evoluir. Segundo ele, no Brasil inexiste esse “tempo republicano”.

— Nem Serra nem Dilma desconhecem a História do Brasil.

Mas vivemos, ciclicamente, num tempo monárquico. Não há uma luz, como a dos pioneiros e da Constituição para os americanos, que nos guie. Não há povo, República, nesta História ainda. Temos que reconstruíla de uma forma que fortaleça nossa cidadania.

Sociólogos acreditam que a campanha teve falsa polarização

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Virulência encobre semelhanças entre Dilma e Serra no 2º turno

Claudia Antunes

CAXAMBU (MG) - A virulência da campanha encobriu a falta de uma polarização real entre os projetos de Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB)?

A resposta "sim" venceu por 3 a 1 em debate reunindo quatro acadêmicos com diferentes simpatias políticas para discutir as eleições, no último dia da reunião anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciência Sociais).

Ex-porta-voz do presidente Lula, André Singer (USP) foi o único a defender que existem diferenças grandes, a partir da base social dos candidatos -a votação de Dilma é maior entre os mais pobres, e a de Serra aumenta com a renda.

Para Singer, a disputa é entre "neoliberalismo privatista" e "reformismo forte".

O governo Lula, disse, "obrigou todas as forças políticas a centrarem na agenda contra a pobreza", mas manter isso dependerá de um cabo de guerra pós-eleitoral entre "rentistas" e "produtivistas" sobre juros e câmbio.

O mineiro Rubem Barboza (Universidade Federal de Juiz de Fora) rebateu Singer: "Se perguntarem para os garçons deste hotel [local do encontro], não sei se tem tanta Dilma. Tem pobres em Minas que votam no Serra".

Para Barboza, PSDB e PT se assemelham porque ambos rejeitaram a construção de uma "narrativa histórica" em que a população, e não os projetos partidários, fosse o sujeito da conquista de direitos. "Nossa história é feita pelo tempo principesco."

O mineiro comparou a retórica de Lula no segundo turno à da ultradireita americana. "O [movimento] "Tea Party" quer exterminar a possibilidade de os EUA caminharem para uma narrativa que não seja conservadora. O verbo exterminar entre nós não foi dito por candidatos, mas foi usado por alguém."

Crítico à esquerda, Antônio Jorge de Almeida (Federal da Bahia) disse que a campanha de "panfletos ilegais, orações, conversões e até milagres" simula uma "guerra de classes ou do bem contra o mal" que contrasta com a "paz reinante no mercado".

O baiano afirmou que a "principal contribuição" de Lula foi "dar estabilidade à hegemonia burguesa no Brasil". Isso não significa, disse, que esse processo se dê sem disputas entre "frações e subfrações" dentro do poder.

Para José Eli da Veiga (USP), um dos autores do programa de Marina (PV), as coalizões dilmista e serrista são "tão heterogêneas que fica quase impossível saber o que o vencedor faria".
Veiga concordou com Singer quanto às diferenças de base social, mas discordou que haja projetos opostos. "Dizem que é como cada lado vê o Estado, mas o Estado não é um projeto."

Ele rebateu a acusação de que o programa da verde fosse liberal. "Reli e não achei nada, a não ser a questão dos gastos públicos correntes. Se Dilma vencer, terá que enfrentar isso no primeiro ano."

Médicos repudiam frases de Lula contra Kligerman

DEU EM O GLOBO

Academia Nacional de Medicina divulga nota se dizendo "indignada com a falsa acusação

A Academia Nacional de Medicina divulgou ontem uma nota de repúdio contra a acusação de que o médico Jacob Kligerman teria participado de uma farsa ao atender o candidato José Serra (PSDB) quando o tucano foi agredido, no último dia 20, em ato de campanha no Rio. Na ocasião, o presidente Lula se referiu à agressão e ao atendimento a Serra prestado por Kligerman como uma farsa.

Na nota, a Academia, “reunida em sessão plenária (ontem), pela unanimidade dos presentes, indignada com a falsa acusação feita a um de seus membros, Dr. Jacob Kligerman”, declara que ele “é um dos acadêmicos mais respeitados por seu valor profissional e sua permanente atualização na especialidade de cirurgia de cabeça e pescoço”.

A nota diz ainda que o médico “sempre pautou sua atividade profissional no respeito aos direitos de seus pacientes e, ao mesmo tempo, no mais rigoroso cuidado com a ética médica”.

Nos bastidores, Collor negociava a BR

DEU EM O GLOBO

Senador, que já indicara um diretor da estatal, queria botá-lo na presidência, mas divulgação suspendeu negociação

Geralda Doca
BRASÍLIA. A confirmação e divulgação do fato de que o senador Fernando Collor (AL) nomeou pelo menos um diretor da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras, puseram areia nos planos do ex-presidente e do seu partido, o PTB, que pretendiam tomar conta da empresa. Isso já estava sendo acordado nos bastidores, em caso de vitória da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, segundo interlocutores da empresa. A frente da negociação teria sido assumida pelo líder do PTB, o senador Gim Argello (DF), que se tornou o mais novo amigo de Dilma e do Planalto nos últimos meses.

Segundo fontes, José Zonis — indicado de Collor para a Diretoria de Operações — viraria presidente da BR, e o atual, José Lima de Andrade Neto, iria para uma diretoria da nova estatal do pré-sal no governo Dilma.

— A divulgação da influência de Collor na empresa caiu como uma bomba, e o acordo que vinha circulando fica sub judice. O medo é como a opinião pública vai reagir, pois qualquer nome ligado ao ex-presidente gera enorme resistência — diz a fonte.

Além de Zonis, é da quota do PTB a indicação do diretor da Rede de Postos e Serviços, Luiz Claudio Caseira Sanches. Os dois são funcionários de carreira da Petrobras.

A indicação deles foi sacramentada numa reunião do conselho de administração da BR no dia 22 de setembro de 2009, em Brasília. Geralmente, essas reuniões são realizadas no Rio. Participaram do encontro, os conselheiros ministros da Fazenda (Guido Mantega), da Casa Civil (Dilma Rousseff, na ocasião) e de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA).

Outros dois diretores, o financeiro (Nestor Cerveró) e o de mercado consumidor (Andurte de Barros) só teriam conseguido se manter nos cargos devido à intervenção do PT, por meio do deputado Cândido Vaccarezza (SP) e do senador Delcídio Amaral (MS).

Com as indicações do PTB para as duas diretorias da BR, os ex-diretores Edimilson Santana (Operações) e Edimario Oliveira (rede de postos) perderam seus cargos. Conforme relatos, as demissões teriam causado desconforto, pois uma semana antes, o novo presidente da BR, Lima, que sucedeu José Eduardo Dutra (PT-SE), garantiu que não haveria mudanças.

O senador Gim Argello reafirmou a defesa da indicação de Collor. Ao ser perguntado sobre o acordo para que o PTB assumisse o comando da BR, disse não ter informação a respeito e negou acordos preliminares.

Vaccarezza foi na mesma linha: — Desconheço qualquer acordo.

Nunca na minha vida participei de qualquer negociação com o ex-presidente (Collor).

A influência de Collor na BR foi levantada pelo adversário de Dilma à Presidência, José Serra (PSDB), durante debate na rede Record, na segunda-feira.

Produção da Petrobras cresceu mais com FH

DEU EM O GLOBO

Número de barris de petróleo subiu 109% nos oito anos do governo tucano, contra alta de 30% na gestão de Lula

Henrique Gomes Batista

Um dos principais temas da reta final da campanha presidencial no segundo turno, a Petrobras apresentou um crescimento na produção de petróleo maior no governo tucano que na atual gestão petista. Segundo dados do “Valor Data” — segmento de pesquisa do jornal “Valor Econômico” —, nos oito anos sob a gestão de Fernando Henrique Cardoso, a estatal passou de uma produção diária de 716 mil barris, em 1995, para 1,5 milhão de barris/dia, em 2002, ou seja, um crescimento de 109%. Já no governo Lula, a produção passou de 1,540 milhão de barris/dia, em 2003, para 2,002 milhões de barris/dia em 2010, segundo dados de até agosto, o que representa um crescimento de 30%.

Especialistas apontam diversos motivos para a redução do crescimento da produção: ao estar em um patamar mais elevado, fica mais difícil manter uma expansão em ritmo acelerado.

Outra razão para essa situação é e mudança de estratégia, com a estatal priorizando a atividade de refino em detrimento da alta na extração de óleo. Mas, segundo alguns analistas, o avanço menor pode ser também consequencia do aumento da ingerência política na Petrobras, que reduziu a eficiência da empresa.

— Isso demonstra a atual situação da empresa, de maior ingerência política sobre suas decisões.

Em parte, esse crescimento menor ocorreu porque a empresa preferiu investir em refinaria, mas a maior parte dos analistas não vê a necessidade de tantas refinarias nem ganhos muito relevantes para os acionistas.

Ou seja, talvez, se a decisão fosse só econômica, faria mais sentido continuar aumentando a produção — afirmou Daniella Marques, analista da Oren Investimentos, referindo-se à decisão da estatal de aumentar o processamento do óleo no país, o que contribui para a industrialização do setor, embora possa não ter sido a melhor opção econômica em determinado momento.

Segundo Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), isso pode ser percebido com a análise de outro dado: há cinco anos a Petrobras não consegue atingir suas metas de produção de petróleo. Em 2006, a meta era de 1,91 milhão de barris/dia, mas só foi alcançado 1,78 milhão. Este ano, a meta era 2,3 milhões de barris/ dia não deve ser alcançada.

A própria estatal indica que só chegará a 2,1 milhões de barris/dia. Para Pires, isso demonstra falhas na gestão: — A Petrobras, por causa dos interesses políticos, muitas vezes criava metas muito altas, para gerar fato político, agradar ao governo, e, durante o ano, ia reduzindo as previsões, sem grande estardalhaço. Ou então a empresa, mostrando falha de gestão, não conseguia prever situações como paradas de manutenção em algumas plataformas.

Osmar Camilo, da Socopa Corretora, afirma que a situação de deteriorização da gestão da Petrobras, com muitas decisões políticas, acaba afetando o resultado da empresa e reduzindo a performance dos papéis em bolsas de valores, prejudicando o pequeno investidor.

— Casos como este, em que a capitalização da empresa foi utilizada para maquiar o superávit primário, faz aumentar o temor dos agentes financeiros, e a cotação da empresa cai — disse.

Gabrielli afirma que análise tem que ser mais completa O presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, não concorda que a gestão da empresa seja avaliada utilizando-se como último dado a produção. Ele afirmou, em Recife, que a análise tem de ser mais completa: — O lucro bruto operacional cresce mais do que as receitas a partir de 2003. Apesar de aumentarmos o número de funcionários, a receita e o lucro por empregado cresceram a partir de 2003. O valor agregado pela companhia cresce 450% de 1999 para 2008. Em 2005 retomamos o investimento em refino: passamos de US$ 200 milhões ano para US$ 200 milhões por mês. As reservas provadas têm salto significativo assim como o patrimônio e o lucro líquido.

Gabrielli diz que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento subiram 627% entre 2001 e 2008, de US$ 132 milhões anuais para US$ 1,1 bilhão.

As reservas subiram de 10,8 bilhões de barris para 14,8 bilhões de barris, valor que pode dobrar com a confirmação dos campos do pré-sal.

— As grandes descobertas aconteceram antes de 1999.

Atualmente 98% da produção vêm de áreas descobertas antes do fim do monopólio. Só 2% vêm de campos adquiridos no leilões — disse, lembrando que a estatal também aumentou muito a sua capacidade de geração de energia elétrica e passou a atuar na produção de biodiesel.

Vaccari vira réu em processo do caso Bancoop

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Fausto Macedo

A juíza Patrícia Inigo Funnes, da 5ª Vara Criminal de São Paulo, recebeu a denúncia formulada pelo promotor de Justiça José Carlos Blat contra seis dirigentes e ex-dirigentes da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) por crime de formação de quadrilha, estelionato e tentativa de estelionato, falsidade ideológica e crime de lavagem de capitais por desvios de recursos no total aproximado de R$ 70 milhões e prejuízo de aproximadamente R$ 100 milhões a cooperados que não receberam suas unidades habitacionais.

Com isso, tornaram-se réus na ação o ex-presidente da Bancoop João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, Ana Maria Érnica, diretora-financeira da cooperativa, Tomás Edson Botelho Fraga, ex-diretor administrativo-financeiro da Bancoop, Leticya Achur Antonio, advogada da cooperativa, e Henir Rodrigues de Oliveira e Helena da Conceição Pereira Lage, ambas sócias de empresas envolvidas no suposto esquema. A juíza também decretou, a pedido do Ministério Público, a quebra dos sigilos bancários e fiscal de Vaccari Neto e de Ana Maria Érnica.

O Ministério Público tomou ciência da decisão hoje. A juíza indeferiu o pedido de bloqueio de bens de Vaccari Neto e Ana Maria e Tomás Botelho, mas o promotor José Carlos Blat vai reiterar o pedido depois de analisar as informações bancárias e fiscais resultantes da quebra de sigilo.


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A primeira vez que entendi :: Affonso Romano de Sant'Anna

A primeira vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na infância
cortei o rabo de uma lagartixa
e ele continuou se mexendo.

De lá pra cá
fui percebendo que as coisas permanecem
vivas e tortas
que o amor não acaba assim
que é difícil extirpar o mal pela raiz.

A segunda vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na adolescência me arrancaram
do lado esquerdo três certezas
e eu tive que seguir em frente.

De lá pra cá
aprendi a achar no escuro o rumo
e sou capaz de decifrar mensagens
seja nas nuvens
ou no grafite de qualquer muro.