sábado, 2 de outubro de 2010

Reflexão do dia - Roberto Freire

Agora, quando fica evidente a possibilidade do segundo turno para as eleições presidências, com a ampliação de parcelas das camadas médias urbanas dirigindo seu voto aos candidatos da oposição, é fundamental que possamos, finalmente, discutir os projetos de nação que cada candidatura defenderá junto à cidadania do país.

Que país teremos - e seremos - daqui a 20 anos? Que futuro aguarda nossa juventude, com a irrupção da "Sociedade do Conhecimento"? Como estará nossa indústria, ante a necessidade de operar com base em energia renovável e limpa?

E, mais importante, que democracia teremos se não realizarmos, nos próximos anos, as reformas estruturais do Estado brasileiro, tornando-o contemporâneo da sociedade do futuro? A necessidade do segundo turno se impõe, entre outras coisas, para que possamos saber que resposta nos dará o futuro presidente a tais questões.



(Roberto Freire, no artigo, ‘Rumo ao segundo turno”, Brasil Econômico, 1/10/2010)

Entrevista / Marco Aurélio Nogueira: Lá e acolá, política há

DEU NO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

Por Mauro Malin em 30/9/2010

O professor universitário Marco Aurélio Nogueira diz em entrevista ao Observatório da Imprensa que há cálculo político tanto por parte da mídia, na forma como apresenta as denúncias de escândalos, como por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que usa as críticas à grande imprensa para tentar blindar a candidata Dilma Rousseff e, no mesmo passo, fazer um aceno a setores mais intransigentes de seu partido, o PT. Marco Aurélio descarta a ideia de que haja algum "golpe" em marcha e comenta as dificuldades de organização social numa sociedade fortemente midiatizada, como a atual.

O professor tem no currículo a passagem por diferentes redações de órgãos de imprensa alternativos, nas décadas de 1980 e 90. Integra conselhos editoriais de diversas revistas acadêmicas e da revista Política Democrática, do Instituto Astrojildo Pereira, ligado ao PPS. Marco Aurélio é professor titular do Departamento de Política da Universidade Estadual Paulista, Unesp, campus de Araraquara. Seus livros mais recentes são O Encontro de Joaquim Nabuco com a Política (2010) e Potência, Limites e Seduções do Poder (2008). Colabora mensalmente como colunista no O Estado de S. Paulo.

A seguir, a entrevista.

Sociedade midiática

"Nossa sociedade é efetivamente midiática, no sentido de que nela a mídia está centralizada. A força acumulada pela mídia deslocou o peso relativo das coisas. Há sempre uma dose a mais de espetáculo. Ao menos parcialmente, a atenção da mídia, principalmente da TV, tende a se voltar para o show, em busca de audiência. Nisso, há algo de jogada política e algo de estratégia de negócios."

Conflito Lula vs. Mídia

"A mídia fez a parte da denúncia – às vezes sem sustentação, forçando a barra e com ênfases exageradas. Houve bastante cálculo político nisso, uma intenção explícita de pesar no processo eleitoral em curso. Do mesmo modo que as reclamações do presidente Lula. Ele podia tê-las feito há três anos, quando já era criticado. O fato de ter verbalizado agora, exacerbado, também tem a ver com cálculo político. Tentou fazer uma blindagem adicional em torno da candidata Dilma, para que, a partir de então, qualquer nova acusação contra seu governo se tornasse suspeita. Lula protesta apoiado na aprovação popular de que desfruta. Ao mesmo tempo, tenta abrir diálogo com áreas mais intransigentes do PT, áreas que não são lulistas. ‘Companheiros, podem contar comigo num ataque à imprensa burguesa’, parece dizer. Mas é evidente que ele tem todo direito de reclamar e, ao fazê-lo, não me parece que esteja a indicar uma predisposição antidemocrática ou de cerceamento da imprensa, como muitos falaram. A democracia comporta tudo isso."

Histórico de conflitos

"Algum tipo de rusga entre políticos, candidatos e mídia sempre houve. Casos notórios foram os de [Leonel] Brizola em 1982 [acusou a Rede Globo de dar resultados favoráveis a seu oponente governista, Moreira Franco, na apuração dos votos da eleição para governador do Rio de Janeiro] e o de Lula em 1989 [o debate final entre Lula e Fernando Collor foi editado de modo desfavorável a Lula no Jornal Nacional da sexta-feira que antecedeu a votação do segundo turno]. Mesmo o presidente Fernando Henrique chegou a reclamar do tratamento que recebia de alguns órgãos. Mas eu não me lembro de um clima assim em eleições mais recentes. A radicalização verbal dos diversos protagonistas levou a que muita besteira fosse dita e criou um clima alarmista, como se a democracia estivesse por um fio no país. Como não há nada nesse sentido, só dá para entender que todos tentaram aquecer o ambiente tendo em vista a obtenção de efeitos políticos, eleitorais."

Fragmentação social

"A midiatização anda de mãos dadas com uma espécie de radicalização da estrutura em rede da sociedade. Multiplicaram-se muito os pólos, os nós, da rede que é a sociedade, resultado da forte fragmentação da estratificação social e dos incentivos feitos pela rápida difusão das tecnologias de informação e comunicação. Em decorrência, a agregação dos indivíduos em grupos ficou problematizada, dificultada. Ninguém organiza direito essa sociedade. Os grupos sociais não têm uma expressão clara. O próprio conceito de luta de classes muda de figura. Não porque a teoria esteja errada ou porque não existam mais classes, mas porque a realidade mudou. Claro que há lutas de classes, mas numa estrutura muito mais descentrada, diluída. Torna-se precária a homologia entre condição social e pensamento, entre posição social e ideologia. Há diferentes visões dentro de um grupo social."

Partidos

"Os partidos com maior personalidade doutrinária ou programática tendem a perder força ou mesmo a desaparecer, enquanto os partidos fisiológicos crescem ou mantêm sua influência. O PMDB é uma estrutura fisiológica capaz de permear a sociedade, pela tradição do nome e pela maneira como, nos últimos anos, se constituiu. O PT tem outra história, que não era fisiológica. O lulismo acabou por levar o PT ao fisiologismo. O PT era ideológico. O lulismo, não. O PT apareceu como proposta de setores de classes. O lulismo, em outra vertente, constitui o PT como partido eleitoral. Ficou, porém, o nervo ideológico. Isso é muito difícil de reverter. Daí porque certos setores vão aproveitar um eventual governo Dilma para tentar criar uma cunha e fazer com que o partido volte a prevalecer, a ter influência. Não jogarão Lula para fora, pois ele é um patrimônio valioso. Vão negociar, pressionar e agir, como se poderia dizer, da boca para dentro, ou seja, em termos de luta interna. Haverá algum tipo de medição de força voltada para isso."

Tribos políticas

"Na medida em que os partidos mais ideológicos se enfraquecem, proliferam tribos políticas que atuam por espasmos. Ao mesmo tempo, há movimentos como o MST, que já foi mais forte e também sofreu certo refluxo por causa do fenômeno apontado. Não sei se os quadros do MST conseguem manter uma coesão muito boa hoje em dia. Também eles estão afetados pela pulverização, pela dificuldade de alcançar um pensamento que oriente os diversos segmentos sem-terra e solde seus interesses e seus modos de ver o mundo."

Sociedade líquida

"É uma metáfora, de Zigmunt Bauman, bem sugestiva. Vejo vantagens nela. Ela me ajuda, por exemplo, a entender por que os processos sociais (políticos, econômicos, culturais) são tão erráticos, dinâmicos e difíceis de ser controlados, ou porque as pessoas, os cidadãos, os jovens, são tão flutuantes em termos de opinião. Ou, ainda, por que os governos têm tanta dificuldade de governar bem e de estabelecer um padrão de gestão. A partir dessa metáfora, torna-se mais fácil entender por que tudo ficou tão complicado e confuso na arena política e por que a política mais desencanta e afasta do que encanta e aproxima. Há uma crise intrínseca da política, sem dúvida, mas ela também está sentindo as dores de uma dissonância que se estabeleceu entre ela e a sociedade.

"Os jovens de hoje, por exemplo, são completamente diferentes do que eram os jovens de 15 anos atrás. O modo como se posicionam, a falta de densidade política e ideológica que manifestam, as formas de agir que privilegiam, tudo isso reflete as dificuldades que têm de se inserir nesse mundo "líquido", no qual o futuro mete medo ou está obscurecido. Ao mesmo tempo, não são alienados. Têm outra maneira de se pôr diante dos fatos e de assimilá-los reflexivamente. Será que a mídia analisa o leitor do futuro? Em dez ou vinte anos, se não for feito nada, não vai haver mais jornais e revistas. É bem verdade que muitos órgãos já estão trabalhando ativamente no meio virtual, o que é uma tentativa válida de chegar a um público mais jovem e, por outro lado, a um público mais velho que já se conectou. Mas será preciso avançar ainda mais nessa direção."

Mídia orquestrada?

"Não consigo ver isso. A mídia forma um partido golpista? Precisaria ter articuladores ativos de algum tipo de golpe. Se não há isso, a acusação fica muito etérea. Em 1964, um Júlio de Mesquita [dono do Estadão] se reunia com golpistas. Hoje, não há isso. Não há sequer uma unidade mínima entre os grandes órgãos, nem em termos políticos, nem em termos ideológicos. Pode haver, com certeza, uma mesma intenção de ser protagonista, de substituir partidos e políticos na formatação das decisões, mas isso não é suficiente para que se veja na mídia um bloco político em ação."

Disputa de hegemonia

"O que há é uma disputa pela alma dos brasileiros, travada por dentro, a partir da mídia. A mídia que pesa não tem presença muito expressiva da esquerda, ou, para usar outra denominação, daqueles que propõem uma democracia mais radical. Esse segmento não dispõe de órgãos de imprensa. Tem que se valer de órgãos que não são dela para entrar na luta pela hegemonia. Há disputa, em parte, na web, mas é muito fraca. Os partidos que conseguem se viabilizar eleitoralmente participam da disputa por meio do governo, tendem a usar os cargos e os recursos de poder que conquistam para melhorar seu acesso aos circuitos de hegemonia. Valem-se dos canais estatais para entrar com mais força na luta pela conquista das consciências. É um expediente inevitável, usado por todos, com maior ou menor discernimento. O modo de vida e a dinâmica dos sistemas empurram os partidos e os políticos para esse uso do aparelho estatal. Talvez seja ruim para a democracia, mas ela tem como suportar isso, ao menos até certo ponto. Pode até mesmo contar com mecanismos sociais de controle dos eventuais exageros que vierem a ser cometidos."

Aparelhamento do Estado

"Nesse quadro, o aparelhamento do Estado torna-se inevitável. Não, porém, como parte de um plano para tomar conta do Estado e entregá-lo aos companheiros, mas como algo que integra o próprio jogo político. Você se segura no que você conquistou nas eleições, apoiando-se na legitimidade assim adquirida."

Fim da imprensa alternativa

"O que perdeu força, desde o início dos anos 1980, foram os jornais alternativos, que hoje se resumem a muito pouca coisa, com vendagens inexpressivas. Ficou longe o tempo em que havia O Pasquim, Opinião, Movimento, Voz da Unidade, Em Tempo. As editoras de livros se tornaram muito ecléticas, sem personalidade definida, o que não é necessariamente um mal. Os jornais sindicais, me parece, perderam força. É como se tivesse havido um estreitamento dos canais alternativos de comunicação."

Internet

"Com a internet, há outro fator a considerar. A própria linguagem da internet ainda não encontrou tradução política para a luta por uma hegemonia que não seja a do mercado. Na internet, a articulação da informação depende desesperadamente da capacidade de ação intelectual do usuário, que pula de link em link e tem que montar seu discurso. O cardápio é inesgotável, ilimitado. E é o usuário que precisa resolver de que modo os pratos serão servidos. Mas me parece evidente que a internet é hoje um campo de disputas e de possibilidades. Faz-se política nela, à moda antiga e de muitas maneiras novas. A internet anuncia uma saída para o estreitamento dos canais alternativos na sociedade midiatizada."

Mundos paralelos :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O debate da TV Globo foi tão modorrento quanto uma partida de final de campeonato em que o empate desse a vitória aos dois times, se isso fosse possível. Nenhum dos dois principais concorrentes quis arriscar as posições já conquistadas. O tucano José Serra está convencido de que irá para o segundo turno no vácuo do crescimento da candidata do Partido Verde, Marina Silva, enquanto a candidata petista, Dilma Rousseff, considera que a fatura será liquidada já no primeiro turno.

Dois mundos paralelos que no domingo se encontrarão com a realidade das urnas.

Por isso, os dois não se confrontaram. Só quem precisava manter o espírito competitivo em busca de aumentar sua penetração no eleitorado era Marina, não em busca de um utópico segundo lugar que levasse ao turno final "duas mulheres", mas atrás do maior índice possível para ter poder de barganha num eventual segundo turno entre Serra e Dilma.

Entre os assessores do Partido Verde, a conta que se faz é que qualquer resultado que dê a ela entre 15% e 20% de votos válidos terá sido uma vitória.

Marina, levando a disputa para o segundo turno, terá quebrado a lógica da disputa plebiscitária planejada pelo presidente Lula, que demonstrou nessa eleição ser um grande estrategista político, mesmo que tenha reforçado esse seu pendor com o abuso do poder político que o cargo lhe confere e a leniência que o Tribunal Superior Eleitoral admite.

O decorrer da campanha eleitoral demonstrou que ele estava absolutamente certo ao não querer uma segunda candidatura do campo governista, como pretendia o deputado federal Ciro Gomes do PSB.

Além de ter provado que não precisava de um reforço para vencer o candidato tucano, Lula ainda se livrou de uma boa dor de cabeça ao escantear Ciro, pois com um aliado desses não é preciso adversário para criar problemas.

O deputado cearense foi dispensado por Lula com requintes de crueldade e, tendo transferido seu título eleitoral para São Paulo, não pode se candidatar nem a deputado federal.

O plano de Lula só teria tido um êxito mais completo se Ciro se dispusesse a disputar uma vaga de deputado federal por São Paulo e fosse traído pelo petismo paulista, como fatalmente ocorreria.

O que não estava nos planos do estrategista Lula era a possibilidade de Marina Silva se lançar candidata com chances reais de se tornar um fator decisivo na definição da eleição.

Ela caminha para assumir esse papel, podendo levar a eleição para o segundo turno ou, mesmo que Dilma se eleja amanhã, comandando uma força política que não poderá ser menosprezada nas negociações de um futuro governo petista.

No último debate da TV Globo houve um detalhe adicional que refreou o ânimo dos dois principais contendores.

Assim como em todos os demais debates, quem faz a pergunta fica à mercê do adversário, pois o sistema prevê uma tréplica que dá ao perguntado a última palavra. Essa seria a explicação técnica para que nem Serra nem Dilma tenham querido fazer perguntas diretas um ao outro em temas que pudessem criar problemas, como corrupção ou aborto. A palavra final ficaria sempre com o adversário, que teria assim condições de fixar sua posição diante do eleitorado.

Na vez em que Marina perguntou a Serra, ele ficou com a palavra final, quando a comparou a Dilma por causa do mensalão.

Paradoxalmente, o debate que mais permitiu aos candidatos falarem sobre temas específicos de governo, como segurança, habitação, transportes, superando assim a superficialidade dos debates acontecidos até aquele momento, foi o momento em que o eleitorado telespectador aguardava a confrontação dos dois mais votados. Também Marina parece que esperava por esse ambiente mais tenso para tirar proveito dele, mostrando-se como a única que trata de programas sem se entregar aos factoides políticos.

Como, no entanto, nem Serra nem Dilma estavam dispostos a se enfrentar, o primeiro guardando energias para um segundo turno que considera certo, a segunda por se considerar já eleita no primeiro turno, Marina ficou meio deslocada.

Talvez tenha sido essa a razão para seu desempenho medíocre, surpreendida pela falta de agressividade dos seus adversários, ela que não tem o espírito agressivo ao fazer política.

Teve que partir para o ataque aos dois, a fim de roubar votos que aumentassem seu cacife eleitoral, e às vezes pareceu fora de tom.

Não houve escorregões dignos de nota, a não ser a confusão frasística de Dilma que trouxe à tona a lembrança das famosas contribuições não contabilizadas de Delúbio Soares no mensalão, provocando risos na platéia, e ninguém se sobressaiu no que foi o último embate da campanha eleitoral.

As posições ficaram congeladas, e domingo saberemos quem estava com a razão, se Dilma ou Serra.

O Supremo Tribunal Federal acabou tendo uma influência maléfica no processo eleitoral quando decidiu desqualificar o título eleitoral e ao não conseguir decidir sobre a lei da Ficha Limpa.

Depois de anos, suas excelências descobriram que falta uma fotografia no título eleitoral, o que podia propiciar que fosse usado por outra pessoa que não o titular.

Essa "descoberta" do Supremo leva a crer que muitos políticos foram eleitos irregularmente por causa da falta de uma fotografia no título eleitoral.

Ao mesmo tempo, mesmo preservando o espírito da lei que foi aprovada no Congresso com o apoio de todos os partidos políticos, inclusive o PT, e sancionada pelo presidente da República, o Supremo substituiu o Congresso na definição de que documento serve para coibir a fraude eleitoral, o que seria no mínimo desnecessário.

Já a não-decisão sobre a Ficha Limpa coloca no limbo milhões de votos, que poderão simplesmente ser anulados se a decisão final for a favor da aplicação imediata da lei, como, aliás, já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral.

Para culminar a semana "horribilis" do Supremo, houve o caso do genro do Ministro Ayres Britto, que enquanto estiver à solta no mercado advocatício prejudica a atuação do sogro, um ministro que tem dado provas de integridade e espírito público.

''Nós somos a opinião pública'' :: Miguel Reale Júnior

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

São repetidas as queixas de Lula de que as forças de oposição, compostas pelas elites, não admitem que um peão de fábrica tenha assumido a Presidência e alcançado sucesso. Essas queixas misturam ressentimento e vaidades. Basta lembrar, por exemplo, o que Lula disse, em maio de 2006, aos moradores de palafitas em Manaus: os adversários deviam "aprender" que um metalúrgico, com o quarto ano primário e curso do Senai, é capaz de fazer "muito mais do que eles neste país", pois a sabedoria do ser humano não está na quantidade de anos na escola, mas na "capacidade do sentimento".

Em julho de 2007, em Cuiabá, Lula comparou seus opositores aos mesmos que levaram Getúlio Vargas ao suicídio, setores da "elite" cuja raiva contra seu governo deriva da ação em favor dos pobres. Em fins de agosto de 2007, no Paraná, via a "campanha da imprensa" que o atingia como fruto da soma de duas "doenças malignas", a inveja e o preconceito.

Uma das espertezas da propaganda política está em colar à figura dos adversários a marca de inimigos do povo, que, para Lula, são os partidos de oposição e a imprensa reveladora dos podres do governo.

Há poucos dias, todavia, Lula extrapolou o plano das queixas e das acusações aos adversários, que de forma já imprudente vem qualificando como inimigos do povo, ao dizer: "O que eles não se conformam é o pobre estar conseguindo enxergar com os seus olhos, não precisa do tal do formador de opinião pública. Nós somos a opinião pública e nós mesmos nos formamos."

Essa manifestação levou à imediata reação da OAB, por meio do seu presidente, Ophir Cavalcanti Filho, bem como de entidades de imprensa e de representantes da sociedade civil, que proclamaram a importância da liberdade de expressão, que compreende a de informar e a de criticar, para abertamente se formarem as convicções políticas.

Ao afirmar Lula que não são precisos os formadores de opinião, pois "nós somos a opinião pública", desfaz-se o relevo do pluralismo de ideias, da diversidade de posições a serem suscitadas pelos chamados "formadores de opinião", que só existem onde houver ampla discussão e multiplicidade de perspectivas, com exame das contraposições e reflexão. Contra o pluralismo característico dos formadores de opinião, apresenta-se então uma verdade monolítica, única, que brota espontaneamente do povo, como uma comunidade orgânica homogênea: "A opinião pública somos nós."

Assim, para Lula, o povo forma-se a si mesmo e é o seu próprio porta-voz. Lula autoproclama-se o lídimo representante do sentimento deste povo, sentimento que sabe captar, pois já dissera, com razão, que a sabedoria se faz não só com estudo, mas com sentimento. Esquece, contudo, que sabedoria também não se alcança apenas com sentimento.

Agora, no calor da disputa eleitoral, almeja traduzir a forma de sentir desse povo de pobres que enxerga com os próprios olhos e torna dispensáveis os formadores de opinião. Para Lula, a opinião pública brota por obra de uma revelação natural do povo sobre o certo e o errado e acerca dos caminhos para a consecução do bem de todos. Com essa compreensão da via política construída de modo imanente a partir do próprio povo, cria-se uma perigosa estrada para um autoritarismo populista, que o século passado revelou de modo trágico.

No nazismo entendia-se que povo engendrava uma unidade incindível, na qual os indivíduos formam uma coletividade concreta, participando de um mesmo espírito objetivo que penetra e abraça a todos. O Führer, como o condutor da comunidade, encarna o espírito objetivo, o "são sentimento do povo".

O historiador italiano Emilio Gentile descreve o fascismo como a mobilização popular por meio de um partido único e de um chefe carismático que faz do uso racional do irracional a forma de uma política de massas que visa a privar as pessoas de sua individualidade como elementos celulares de uma coletividade nacional. O fascismo, diz Michel Winock, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, detém a verdade, exclusiva, inconciliável com qualquer outra perspectiva e, portanto, hostil ao pluralismo.

Com certeza Lula, cujas inteligência e sensibilidade compensam a falta de estudo, sabe usar racionalmente o irracional, mas talvez não dimensione as consequências da guerra aberta deflagrada a partir da posição de presidente da República, com menosprezo ao pensamento, ao direito de crítica, ao jornalismo investigativo denunciante de graves irregularidades de seu governo, que transforma em golpismo, para legitimar uma verdade única a brotar como força viva de uma sociedade de pobres que se forma a si mesma e da qual é a encarnação como líder populista.

A consequência ficou patente na campanha. Os blogs pró-Dilma adotam desabrido maniqueísmo ao propagar que votar no PSDB/DEM é estar "contra o País" e do lado dos inimigos que devem ser expurgados. Na mobilização contra a imprensa surgem ameaças a jornalistas e promessas de retaliação a revistas e jornais qualificados de golpistas por terem divulgado matérias contra o PT ou sua candidata. O clima é de ódio e violência.

Estão aí lançados os ingredientes de uma receita de autoritarismo populista que terá Lula como condutor e Dilma como coadjuvante, sem força para manobrar os radicalismos despertados.

Mas se Dilma, eleita, não quiser ser apenas coadjuvante? No jogo entre sentimento de inferioridade intelectual e orgulho de sua passagem pela Presidência, Lula já disse que a partir de janeiro vai estudar novamente ou ensinar a governar. Longe do Planalto, Lula poderá, talvez, confrontar-se com Dilma presidente ao pretender dar lições de como governar. Será um conflito entre presidentes: a que é e o que não deixou de ser por sua popularidade e gosto do poder. Assim, o risco de um autoritarismo populista remanesce duplicado.


Advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi Ministro da Justiça

Calma, gente :: Zuenir Ventura

DEU EM O GLOBO

Como já tinha feito em 2006, assisti ao debate dos candidatos à presidência no auditório da TV Globo anteontem. Dessa vez fiquei dividido entre a torcida pelo segundo turno e o medo de que isso transformasse a campanha numa briga de foice, mais do que já estava sendo. Para surpresa geral, porém, em vez disso, não houve baixarias e o clima foi até morno, talvez mais por cautela do que por civilidade. O cuidado de não se ofenderem chegou a levar Dilma e Serra a não dirigirem perguntas um para o outro. Plínio teve momentos engraçados, como sempre, Dilma melhorou seu desempenho, Serra demonstrou mais uma vez que seria melhor presidente do que é candidato, e Marina assumiu o papel de fiel da balança, acreditando que possa haver prorrogação.

A metáfora futebolística é inevitável: com medo de perder a partida no final, os adversários preferiram a defesa ao ataque. Foi um ambiente completamente diferente do que se tem visto nos jornais e na internet. Estive há dias em Brasília e São Paulo, e poucas vezes vi jornalistas se xingarem tanto. Quem viveu os tempos da guerra UDN x Vargas, com direito a atentado e a suicídio, sabe aonde pode chegar a marcha da insensatez em política. Por isso, tive vontade de chamar o Ancelmo para pedir: calma, gente.

Mesmo para os que leem Merval Pereira todos os dias - e isso é imprescindível para quem se interessa por política, concordando ou não com ele - o seu livro "O lulismo no poder" não deixa de ser atual, pois o que foi escrito no calor da hora ganhou uma organização por blocos temáticos que dá aos artigos unidade e sequência.

Merval estuda um fenômeno que costuma provocar ou adesão ou aversão. E muitos equívocos, desde o começo. Ao surgir no ABC paulista, Lula foi classificado pelos comunistas de "invenção" do general Golbery, guru do regime militar. Quarenta anos depois, a oposição cometeu erro parecido, ao achar que ele era um mero aprendiz de Chávez, sem perceber que o personagem é mais complexo - é pragmático e não ideológico, nem de esquerda nem de direita, muito pelo contrário, e cujo governo foi capaz de promover do bom - inclusão social e estabilidade econômica - e do pior - aparelhamento do Estado, corrupção e tráfico de influência.

Mesmo não gostando do seu objeto de análise, o autor procura reconhecer sua importância e evita idiossincrasias, já que pertence a uma escola de repórteres que teve como mestres Carlos Castello Branco e Villas-Boas Corrêa, para os quais o fato é sagrado, não a simpatia política, e a opinião só vale quando endossada pela informação. Como o botânico que não escolhe a planta pela forma ou pela cor, o colunista do GLOBO vem há anos estudando o lulismo e seu criador. O resultado saiu na hora certa.

Urgência adiada :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O último debate entre os candidatos a presidente foi frio não por falta de temas e contradições.

Foi o retrato final de uma campanha em que o principal ator não era candidato, em que os temas foram contornados por respostas prontas, em que a favorita nas pesquisas só aceitava falar com a imprensa protegida por um pódio com microfones que a afastasse dos jornalistas.

O mais estranho foi a renúncia dos dois candidatos de se perguntarem. Os dois, quando puderam escolher, preferiram perguntar a Marina Silva.

- Isso prova que eles sabem que eu estou no jogo - me disse ela, ao sair.

No final da entrevista, os assessores de Dilma Rousseff garantiram que as pesquisas qualitativas durante o debate registraram a percepção dos participantes de que houve uma polarização entre Dilma e Marina. As pesquisas qualitativas do PSDB registraram, segundo assessores de Serra, que quando Marina crescia tirava votos de Dilma.

Marina Silva declarou ao final que havia conseguido quebrar o plebiscito. O presidente, o verdadeiro centro de decisão de toda a campanha, havia dito que seria uma comparação entre quem tinha feito mais: se Fernando Henrique, se ele.

Nisso, Lula se frustrou. Não houve a prova dos nove de que ele seria superior ao adversário que o derrotou em duas eleições. O candidato do PSDB falou de suas realizações, mas dedicou pouco tempo ao período FH, com o argumento de que o melhor era discutir as capacidades de cada candidato e o futuro do país. Marina entrou no meio da conversa e evitou que houvesse apenas esse Fla-Flu.

Plínio de Arruda Sampaio herdou o "contra tudo isso que está aí", ecoou o velho discurso do PT contra "a dívida", mas fez bem seu papel de provocador, essencial em qualquer campanha. Plínio confunde as dívidas externa e interna, mas levantou um bom número. Disse que o governo Lula deve R$1 trilhão e 600 bilhões. É mais ou menos isso. Curioso é que o PT acusava Fernando Henrique de ter deixado uma dívida de R$800 bilhões. Plínio não parece ter entendido que os juros podem e devem ser derrubados, mas não pagar significa fazer um plano como o de Collor.

No grupo do PT, o entendimento é que, quando podia perguntar sobre habitação para Dilma e não o fez, José Serra estava jogando a toalha. Afinal, ele tinha feito críticas aos programas habitacionais do governo. Serra discorda. Acha que o tema não permitiria o verdadeiro debate que gostaria de ter com ela.

Dilma ficou na confortável situação de ter o que mostrar e pouco ser cobrada por suas contradições. Houve criação de emprego no período; o país teve dois anos de recessão no governo Lula, mas este ano o Brasil está crescendo forte; o crédito aumentou muito e isso alavancou o consumo, ampliando o otimismo das famílias.

Ela contou esses feitos, mas quando é para falar o que está errado no quadro atual do país, ela se comporta, impunemente, como se não tivesse feito parte do governo que a lançou. É capaz de afirmar que a estrutura tributária do país é caótica, sem explicar por que oito anos não foram suficientes para organizar esse caos. Metade do gasto previsto para ferrovias nos próximos anos é no controvertido trem-bala.

Em Belo Monte, os índios xicrim receberam a promessa de ganhar uma rodovia e muitas picapes para compensar o fato de que perderão a hidrovia. Com várias contradições assim, Dilma proclamou as vantagens da hidrovia e da ferrovia. A maioria dos seus números não suporta uma prova dos nove. Mas os seus R$40 bilhões investidos em saneamento, que seriam o triplo do gasto no governo Fernando Henrique, trazem um problema, se forem verdadeiros: o governo anterior levou o acesso à rede coletora de esgoto de 48% a 56% dos domicílios. O governo Lula reduziu o ritmo da melhora, passando de 56% para 59%. Os dois não tiveram bom desempenho, mas o de Lula é pior.

Marina não perguntou de aborto de propósito, mesmo convencida de que nesse tema sua adversária tem mudado suas declarações conforme a conveniência.

- Não vou provocar uma guerra santa. Cada pessoa tem suas convicções, mas o ideal é que as defendesse. Eu tenho as minhas, mas prefiro, se for eleita, levar o assunto a plebiscito.

Serra não tocou no outro assunto que incomodaria a adversária: o caso de corrupção que estourou na antessala do gabinete ocupado pela então ministra Dilma Rousseff. O candidato do PSDB culpou a natureza do debate, em que parte dos blocos é de temas sorteados. Mas no outro encontro dos quatro, os que trouxeram Erenice Guerra para a cena foram Plínio de Arruda Sampaio e Marina Silva.

Seja qual for a avaliação que cada um tenha do desempenho dos candidatos nessa campanha, o fato é que faltou conversa, diálogo, confronto e propostas exequíveis. A educação foi declarada a prioridade por todos, mas o que se discutiu mesmo é se o PSDB impediu ou não o ensino técnico.

A verdade é que o Brasil acaba de saber que é pior em repetência e evasão do que todos os países do Mercosul. As metas do IDEB para a escola pública no ano de 2021 são de se atingir 5,8 nos primeiros quatro anos, 5,2 nos quatro anos seguintes e 4,9 no ensino médio. Isso é menos do que a escola privada teve em 2005.

Um país em que o governo tem metas tão medíocres e que aceita manter a desigualdade entre escola pública e privada acha mesmo que pode virar potência? Um país assim pode passar por uma disputa presidencial tratando o assunto desta forma? Não foi por falta de urgências que tivemos uma campanha tão superficial.

Equador, Brasil e o "buen vivir" :: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nestes tristes trópicos, até a reforma enfrenta obstáculos que, algumas vezes, são intransponíveis

Era uma vez o tempo em que Ernesto Che Guevara se propunha a criar "um, dois, três Vietnãs" na América Latina. Hoje nem os poucos revolucionários remanescentes citam o Vietnã como modelo. Não passa de uma ditadura de partido único, nominalmente comunista, que pratica o capitalismo.

Essa mudança na ecologia política acabou matando uma velha discussão na esquerda, entre reforma e revolução. Se a revolução saiu do mapa, ganhou a reforma, certo?

Errado, pelo menos na América Latina: nestes tristes trópicos, até a reforma enfrenta obstáculos eventualmente intransponíveis.

A crise equatoriana é apenas o exemplo mais recente.

O presidente Rafael Correa ganhou duas eleições presidenciais e obteve ainda a aprovação popular de uma nova Constituição pregando o "socialismo del buen vivir" ou a "revolução cidadã".

O programa da Aliança País, a coligação que apoia Correa, "se propõe a lutar pela democracia, pela igualdade, a soberania, a solidariedade, a justiça social, a diversidade, para eliminar a opressão, a dominação, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o Socialismo do Bem Viver".

Aposto que você já está se levantando do sofá para assinar a ficha de filiação, certo?

Embora fale em socialismo, o programa não prega abolir a empresa privada, mas defende fazê-la conviver com formas alternativas de propriedade, como, entre outras, a pública (em setores estratégicos), a mista e a familiar.

Nenhum dos outros regimes ditos socialistas da região (Bolívia e Venezuela) aboliu a iniciativa privada ou anuncia a sua abolição. E, convenhamos, socialismo com propriedade privada não é socialismo.

Mesmo assim, empaca.

Primeiro, porque os setores conservadores leem apenas a palavra que consideram maldita, "socialismo", e ficam contra.

Uns de boa fé, porque acreditam que socialismo e ruína são parentes muito próximos. Outros de má fé, porque querem preservar os privilégios que fazem da América Latina a região mais desigual do planeta.

No Equador, a "Revolução Cidadã" é atacada também pela esquerda. Uns porque acham que a construção do socialismo está sendo lenta demais (o que é inevitável sempre que se tenta fazê-lo respeitando as regras democráticas). Outros porque, como disse Correa ao ser libertado, recorrem a "fundamentalismos e infantilismos absurdos, que causam grande dano às mudanças que necessita nossa região".

Alude ao fato de que até parlamentares da coligação governista têm votado contra proposições do governo -não por acaso, Correa disse sentir-se traído, enquanto estava sequestrado.

Contrariar interesses -e os da polícia é só um deles- encontra sempre resistência, mas qualquer processo de mudança exige que interesses sejam contrariados.

É um dilema que, na América Latina, só é contornado quando dá para atender ao mesmo tempo os pobres, com esquemas como o Bolsa Família, e os ricos.

No ano passado, no Brasil, os detentores de títulos da dívida pública receberam 23 vezes mais dinheiro público que as 12,6 milhões de famílias pobres.

Não é exatamente socialismo, mas é uma maneira de "buen vivir", a única que sobrevive.

As mulheres e o poder:: Carla Rodrigues

DEU EM O GLOBO (PROSA & VERSO)

Na campanha, o feminino foi tanto promessa do novo quanto um velho clichê

A participação das mulheres na vida política de um país é condição para o avanço da democracia. Desde a Revolução Francesa - quando Olimpe de Gouges foi para a guilhotina por reivindicar os mesmos direitos de cidadania conquistados pelos homens -, as mulheres lutam por um lugar na política. A primeira grande bandeira foi a do sufrágio universal, só conquistado principalmente a partir dos primeiros anos do século XX, e antes do qual não se poderia falar em democracia, já que os governantes eram eleitos apenas pela metade do eleitorado. É sinal de uma democracia consolidada como a que o Brasil aspira ser que homens e mulheres ocupem o poder em partes iguais, e a redução da histórica hegemonia masculina na política, um indicador de mais e melhor democracia. Sobretudo, é fundamental para enfrentar a persistente disparidade de gênero numa sociedade tão profundamente desigual como a brasileira que haja mulheres no comando: do país, das empresas, das universidades e de diferentes instituições da sociedade.

Candidatas não têm ligação com o feminismo

O que se vê no cenário eleitoral de 2010 no Brasil não é muito diferente do que já aconteceu em outros países da América Latina. Argentina e Chile passaram pela experiência de eleger mulheres para a Presidência, o que pôde ser comemorado em ambos os países, apesar das imensas diferenças entre Cristina Kirchner e Michelle Bachelet. Há uma peculiaridade no caso brasileiro: existem duas mulheres candidatas à presidência da República, mas o país tem uma das menores taxas de representação parlamentar feminina no continente - 9%, à frente apenas da Colômbia, 8%, e do Haiti, 4%.

Nem Dilma Rousseff nem Marina Silva exibem em seus currículos qualquer trajetória nos diferentes movimentos de mulheres que emergiram no Brasil, a partir dos anos 1970. Também não se apresentam como identificadas com as causas feministas. Muitas outras mulheres já chegaram ao poder sem estar necessariamente associadas a esta militância. No entanto, ainda que não sejam explicitamente defensoras da igualdade de gênero, as duas apelam ao eleitorado se valendo da sua condição feminina como um sinal de inovação na política.

Que é um avanço inegável, não há dúvida. Trata-se apenas de pensar como esse avanço está se dando.

Quando o presidente Lula chama Dilma de "mãe do Brasil", adere ao mais antigo dos estereótipos sobre a mulher: a valorização do feminino pelo seu destino biológico, que se sobrepõe a qualquer outra qualidade como indivíduo. Apesar de Dilma não ter pautado sua vida por ideais como a família, e mesmo que tenha feito uma carreira pública na qual está também apoiada sua candidatura, o apelo à figura materna é uma forma de associar cuidado (com o povo, com o país) aos estereótipos do feminino como lugar de interioridade e domesticidade.

Paradoxalmente, essa mesma imagem tem servido, ao longo da história, para reforçar a divisão entre esfera doméstica - como pertinente às mulheres - e esfera pública - privilégio dos homens. Dessa separação se valiam os franceses, quando redigiram a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, excluindo as mulheres sob a alegação de que, por causa do inexorável papel de mães, o lugar delas era em casa.

Já Marina lista o fato de ser mulher como uma das 43 razões para que o eleitor vote nela. Associa o feminino ao novo e também apela para a ideia do cuidado, dizendo que será a primeira mulher a "cuidar do Brasil". Em entrevistas, chegou a convocar o eleitorado a elegê-la por ser "mulher de verdade". Em parte, pode ser uma referência à ausência de atributos femininos clássicos na figura de Dilma Rousseff, como beleza ou delicadeza. Mas, principalmente, é a afirmação de uma perspectiva há muito superada: a idéia de que existe uma definição prévia, única e determinada do que é ser mulher. Foi contra essa determinação que as mulheres sempre lutaram, porque daí partiram as mais violentas tentativas de aprisionar o feminino como um lugar subordinado e imutável ao qual as mulheres deveriam se contentar.

Talvez o conservadorismo da sociedade brasileira ainda não dê espaço para que as mulheres pretendam chegar ao poder com bandeiras de combate à desigualdade de gênero ou de defesa dos direitos das mulheres. Talvez ao eleitorado só seja aceitável colocar uma mulher na Presidência se a ela estiverem associadas essas representações arcaicas, de tal forma que ser mulher só seja um valor de reforço à democracia pelo ineditismo, não pelo conjunto de mudanças que poderia se dar a partir dessa escolha.

Se for assim, a única esperança é que ter uma mulher no poder não seja apenas um símbolo de mais democracia, mas se traduza, de fato, numa forma de as mulheres mudarem também a cara do século XXI. Como reconhece Eric Hobsbawm, as mulheres fizeram a maior e mais importante revolução do século XX e alcançaram prodigiosas conquistas, entre as quais o voto e o direito de participar da vida pública. Infelizmente, ainda há muito a ser feito. Violência, saúde, acesso ao poder, renda, e tantos outros sinais cotidianos - e ancestrais - de discriminação contra as mulheres são a manifestação, na cultura, de uma desigualdade que ainda não foi superada.

Lula conteve avanços para as causas das mulheres

Mais do que pela sua condição de mulher, o que eleva o desempenho eleitoral de Dilma é o apoio do presidente Lula. Em que pesem os inúmeros e importantes esforços da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Lula foi um presidente que conteve propostas de avanço para as causas das mulheres em nome de acordos por maioria no Congresso. Se nesse campo Dilma seguir os passos de seu padrinho político, não se deve esperar dela muito mais do que a mesma atitude de ainda considerar a agenda feminista como "coisa de mulher" - expressão pejorativa por excelência. Já Marina, que se apresenta como inovadora porque associada à causa ambiental, ao desenvolvimento sustentável e ao futuro, é uma incógnita no que diz respeito à agenda de superação das desigualdades.

Embora o combate às disparidades existentes entre homens e mulheres não devesse depender de governantes que usam saias para ser enfrentadas, a eleição de uma mulher para a presidência cria a expectativa de que se abram novos horizontes para problemas tão arcaicos. Pena que, para vir a superá-los, as duas candidatas, antes, precisem reforçá-los.



Carla Rodrigues é jornalista, professora da PUC-Rio, doutoranda em Filosofia, e autora, entre outros, de "Coreografias do feminino"

Transferência de votos:: Fernando Rodrigues

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A eleição de amanhã é um laboratório exemplar sobre como se dá (ou não) o fenômeno da transferência de votos no Brasil. As disputas mais emblemáticas e reveladoras são as de presidente e de governador de Minas Gerais.

O Datafolha perguntou há algum tempo aos eleitores mineiros se eles levariam em conta as opiniões de Aécio Neves (PSDB) e de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na hora de escolher quem será o próximo governador do Estado. O resultado foi que o tucano e o petista tinham pesos equivalentes em solo mineiro.

Passado algum tempo, a influência de Aécio foi mais eficaz. Turbinou a candidatura do tucano Antonio Anastasia para o Palácio da Liberdade. O fato de Lula ter aparecido de maneira intensa ao lado de Hélio Costa (PMDB) não impediu a queda do peemedebista.

Já no caso da eleição presidencial, a aparição de Lula ao lado de Dilma Rousseff foi útil para que a petista passasse a liderar a disputa entre os mineiros. Na outra ponta, as carreatas e discursos públicos de Aécio Neves a favor do tucano José Serra resultaram em vão.

Entre os fatores que facilitam a transfusão de popularidade e votos está a relação entre os cargos disputados. Quando um presidente tenta dar apoio ao candidato que vai sucedê-lo, a tarefa é mais fácil. Mas o eleitor tende a rejeitar intromissões cruzadas. Basta lembrar que FHC fracassou ao tentar eleger Serra prefeito de São Paulo, em 1996. Lula sofreu revés igual com Marta Suplicy, em 2008.

É evidente que uma pré-condição para transferir voto é estar bem avaliado. Outro aspecto relevante é a dosagem. Em Minas Gerais, muitas vezes o candidato parece ser Lula, e não Dilma Rousseff ou Hélio Costa. Nesses casos, há risco de o remédio virar veneno.

Hélio Costa parece ter sido inoculado com esse veneno. Já Dilma desenvolveu imunidade. Não importa o tamanho da dose, ela só faz crescer quando está com Lula.

Não era este o debate:: Villas-Bôas Corrêa

DEU NO JORNAL DO BRASIL(ONLINE)

Dou a mão à palmatória: apostei todas as fichas no último debate pela TV Globo, entre os quatro candidatos mais credenciados no cacho de bananas do ridículo e do bestialógico. E a expectativa era de final da Copa do Mundo, com a favorita Dilma Rousseff, no sobe e desce das últimas pesquisas e pela primeira vez ameaçada de não se eleger no primeiro turno, adiando a decisão para um segundo turno de todo o risco.

Com bloco e caneta, suportei o atraso de mais de meia hora.

Com a competência de sempre, William Bonner conduziu o debate, engessado na rigidez dos minutos para as perguntas, as respostas e os comentários.

Mas, com a exceção de sempre do candidato Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, o único com colocações originais e surpreendentes, mesmo nas repetições dos temas, valorizados pelo seu bom humor e por sua facilidade de comunicação.

Com a disciplina de quartel de meia-volta volver que calava os debatedores, o debate ganhou significação e importância mais pelo que não foi dito do que pela fuga dos desafios do risco de uma crise com a desmoralização dos três poderes.

Com o próximo Congresso nos esgares dos candidatos no programa eleitoral gratuito, um tiro que saiu pela culatra, é aconselhável que os crentes rezem pela sobrevivência da democracia.

Pelo andar da carruagem, não iremos muito longe. E como o candidato Plínio Sampaio não tem cacife eleitoral, o baile fica reduzido a Dilma Rousseff, José Serra e, como tema para especulação, a Marina Silva.

Não é a incompetência ou a miopia política que estão contaminando este final de campanha, desde que o favoritismo da candidata oficial entrou no desvio da arrogância.

A crise que escurece o horizonte da campanha é a moral e ética do pior Congresso de todos os tempos e que será superado pelo próximo dos tiriricas. E que já perdeu o bonde da história com esta campanha medíocre, escapista que ajudou a empurrar o Legislativo para o fundo da cova.

Construir 1 milhão de casas e escolas, distribuir cestas básicas com sobremesas e sorvetes, além de aumentar o salário mínimo, são re l a m b o i a s para atrair o voto.

Mas o que está cada vez mais claro é que o governo em dose dupla do presidente Lula e o próximo não terá apoio no Congresso para a reforma que reclama a convocação de uma Assembleia Constituinte, que não foi cogitada por ninguém no lero- lero do horário de propaganda eleitoral ou na campanha perdida na véspera.

Brasília, com ou sem Roriz, é a capital que não deu certo, com o gigantismo de mais de 3 milhões de habitantes. E a praga da desmoralização do Congresso já ameaça o próximo. Ou alguém do mundo da lua acredita que o futuro Congresso será pior do que o agonizante? Na melhor das hipóteses, serão sapatos do mesmo pé.

Elis Regina - Como Nossos Pais

Debate não mudou quadro, dizem políticos

DEU EM O GLOBO

Aliados de Dilma, Serra e Marina concluem que pouca agressividade entre candidatos não alterou intenções de voto

Cristiane Jungblut e Henrique Gomes Batista

RIO e BRASÍLIA. Petistas, tucanos e verdes concordaram num ponto, após o debate de quinta- feira, na Rede Globo: o quinto e último encontro entre os presidenciáveis não alterou o quadro eleitoral. Entretanto, enquanto petistas saíram mais felizes do estúdio, de onde acompanharam o enfrentamento, tucanos e verdes demonstravam apreensão sobre a possibilidade de haver ou não segundo turno.

O ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves (PSDB) disse que o evento não deve alterar o quadro eleitoral. Mas, na sua opinião, há uma curva mais favorável à realização do segundo turno.

- Essa possibilidade, que não existia há 30 dias, agora está ocorrendo. Essa curva não se alterou com o debate. Agora, haverá tempo de causar o segundo turno? Isso, saberemos no domingo. Mas, havendo segundo turno, que é o que acredito, teremos que começar a campanha no domingo à noite - disse.

Aécio chegou a criticar a falta de ataques mais diretos no último debate:

- Talvez tenha ficado uma pontinha de frustração pela falta de confronto, mas eu não participei desta estratégia - disse Aécio, que elogiou a participação da candidata do PV, Marina Silva: - Parece que ela começou a acreditar em si mesma.

O presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), que estava na TV Globo, admitiu que não houve intenção de os candidatos de se enfrentarem:

- Não se teve a vontade dos candidatos do confronto. Espero que, no segundo turno, haja o confronto.

O presidente do PV no Rio, Alfredo Sirkis, disse crer que Marina se saiu melhor e negou que ela tenha partido mais para o ataque:

- Eu não diria que ela foi mais agressiva. Na minha opinião, ela está mais incisiva.

Vice da chapa de Dilma Rousseff , Michel Temer (PMDB) elogiou o nível do debate, lembrando que foi mais propositivo, sem abordar temas polêmicos como corrupção:

- Nesse debate, houve mais espaço para tratar de propostas e temas que interessam à população. Mas não influencia na mudança do quadro - afirmou.

Jefferson anuncia voto em Plínio de Arruda Sampaio

Assim como Aécio, o deputado Antônio Palocci (PT-SP) avaliou que o debate não alterou o quadro eleitoral:

- O debate não muda o quadro, mas deixa o eleitor mais informado.

O desempenho de Serra provocou uma baixa ontem em sua campanha: o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson, anunciou que votará no candidato do PSOL, Plínio de Arruda Sampaio, e liberou os filiados do seu partido para votar como quiserem.

Oficialmente, o PTB está na coligação de Serra, mas grande parte da bancada petebista no Congresso apoia Dilma. Em seu Twitter, Jefferson criticou o desempenho de Serra: "Serra o mesmo de sempre. Sem graça, sem emoção, sem colorido. Sem compromisso com o coletivo de partidos a seu lado. Eu, eu, eu... Plínio mostrou a força da terceira idade. Idealista, corajoso, fina ironia, coletivo, partidário. (...) Plínio terá meu voto para presidente do Brasil. Como presidente do PTB, libero meus companheiros a escolherem seu candidato".

Ontem, integrantes da campanha de Serra disseram que o tucano cumpriu o que havia sido determinado por seus estrategistas: falar mais para o Nordeste e para as camadas mais baixas, com promessas como salário mínimo de R$600. A aliados, Serra explicou que, nos debates anteriores, ele perdera pontos ao ser mais agressivo e que, por isso, não deveria correr riscos.

O governador de São Paulo, Alberto Goldman (PSDB), disse acreditar que não era necessário tocar nos temas polêmicos:

- Esses assuntos já são do conhecimento de toda a população. O debate melhorou um quadro (para Serra) que já estava bom.

Debate tem 27 pontos de audiência

DEU EM O GLOBO
O debate entre os candidatos à Presidência Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB), Marina Silva (PV) e Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), na TV Globo, na noite de quinta-feira, teve média de 27 pontos de audiência no Rio de Janeiro e de 23 pontos em São Paulo. Segundo a emissora, o embate entre os presidenciáveis ficou acima da média de audiência para o horário, que foi de 20 pontos nas quintas-feiras de setembro.
Enquanto os quatro presidenciáveis participavam do debate, 41% do total de televisões ligadas em São Paulo estavam sintonizadas na TV Globo. No Rio, esse percentual - conhecido como share (participação) - chegou a 46%.
No mesmo horário do debate, a Rede Record marcou 14 pontos em São Paulo, com 26% de participação; o SBT ficou em terceiro, com sete pontos e 13% de share; a Band marcou cinco pontos, com 10% de participação; e a Rede TV, dois pontos, com 3% de share.

Serra e Dilma negam que tenham evitado confronto durante programa

DEU EM O GLOBO

Para petista e tucano, foram poucas as chances de perguntas livres

Gilberto Scofield e Natanael Damasceno

Apesar de terem evitado o confronto direto no último debate entre os presidenciáveis, realizado anteontem pela Rede Globo, a petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra negaram, ao fim do programa, terem se esquivado das perguntas do oponente. Segundo os dois adversários, foram as regras do debate que determinaram que houvesse pouco confronto.

- Eu perguntei para os candidatos que restavam a mim perguntar. E quando comecei o bloco, eu fiz perguntas a ele. Não tenho nenhum problema em fazer perguntas (para Serra) - disse a petista, ao ser indagada se evitou fazer perguntas ao tucano.

Serra apresentou argumento semelhante:

- Eu não evitei (fazer perguntas à Dilma). Eu só tive uma oportunidade. E que era um tema que eu achava que não era próprio para perguntas. Apenas isso. Mas não evitei. Tive a expectativa de que pudesse fazer isso no momento seguinte, mas o Plínio abriu (o bloco seguinte).

Serra não questiona caso envolvendo Erenice

Serra disse ainda que só não questionou a ex-ministra sobre as suspeitas que pairam em relação ao filho de Erenice Guerra, sucessora de Dilma no Ministério da Casa Civil , por tráfico de influência porque não teve oportunidade.

Durante entrevista coletiva no Projac, após o programa, Dilma e Serra se disseram satisfeitos com o embate. Ele, por poder discutir propostas e pontos de vista. E ela, por ter achado elevado o nível da discussão.

- Cada um (debate) tem o seu peso. Mas esse foi muito emocionante por ser o último. E por a gente estar naquele momento em que estamos encerrando a campanha eleitoral. Eu agradeço ao Serra, à Marina e ao Plínio pelo fato de que nós tenhamos mantido um nível tão elevado nesse debate. É uma contribuição para a democracia, um desempenho como esse nas eleições - disse Dilma.

Já o tucano afirmou que, apesar de as regras do programa deixarem muitos assuntos pendentes, o encontro foi proveitoso. Ele, no entanto, disse não ser capaz de responder se o programa será capaz de mudar o quadro eleitoral.

- Evidente que ficam muitas coisas pendentes, porque um debate tem regras, tem tempo, tem temas que são sorteados e muitas vezes não pode se tratar de tudo aquilo que de outra maneira seria abordado. Mas para mim foi bastante proveitoso. Saio bastante satisfeito e com muita energia. Meu principal problema nesse momento é como vou dormir com tanta energia acumulada ainda agora. Se pudesse, jogaria uma partida de futebol ou iria a outro debate.

'Isto é para ganhar', grita Aécio em caminhada tucana em BH

DEU EM O GLOBO

Parte do material distribuído em Minas não tinha o nome de Serra

Candidato tucano ao Senado, Aécio Neves faz corpo a corpo nas ruas da região central da capital mineira

Adriana Vasconcelos

BELO HORIZONTE. No último dia de campanha em Belo Horizonte, os candidatos da Coligação Somos Minas Gerais - liderada pelo ex-governador Aécio Neves e o ex-presidente Itamar Franco, que disputam uma vaga no Senado, além do governador tucano Antonio Anastasia, que concorre à reeleição - arrastaram uma multidão de militantes pelo centro da capital mineira. O evento fechou a Avenida Afonso Pena, uma das principais da cidade, e terminou com um grito de guerra de Aécio:

- Isto é para ganhar! - berrou o ex-governador, ovacionado pelo público presente.

Apesar da superprodução montada pela campanha local, poucos dos presentes levavam consigo material de campanha fazendo alusão ao candidato do PSDB à Presidência, José Serra. Entre os que fizeram questão de usar adesivos do tucano estava o senador Eduardo Azeredo, que disputa uma vaga na Câmara dos Deputados.

A festa parecia a da vitória, de tão animados e otimistas que estavam os tucanos. Dois bonecos em tamanho natural de Aécio e Anastasia eram disputados quase a tapas pelos militantes, que queriam tirar fotos dos dois candidatos tucanos. Do alto dos prédios do Centro de Belo Horizonte, caía uma chuva de papel picado.

Na chegada à concentração, o governador Anastasia fez um balanço da campanha e falou do seu otimismo quanto à possibilidade de uma vitória já no primeiro turno:

- Nós estamos muito felizes, nesta fase final da campanha, uma campanha bonita, uma campanha baseada na verdade, com reconhecimento dos mineiros do que foi feito nos últimos anos em Minas Gerais. Estamos extremamente otimistas e muito confiantes agora na vitória no próximo domingo.

Mesmo tendo sido mais curto que o previsto, o evento terminou em tom emocional ao som de um dos hinos do estado, o mesmo usado por Anastasia e Aécio em seus últimos programas no horário eleitoral na TV e no rádio.

Serra defende um governo de ''mãos limpas, sem escândalos''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Durante caminhada em Osasco, presidenciável tucano pregou uma "economia forte" e disse que, se vencer, ampliará a oferta de emprego

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, aproveitou ontem uma caminhada por Osasco, na Grande São Paulo, para dizer que, se eleito, pretende fazer um governo de "mãos limpas".
"Precisamos ter uma administração limpa, sem escândalos, onde não se perca dinheiro com propinas e desperdício. Temos de usar esse dinheiro em benefício do nosso povo. Essa é a questão fundamental", disse.

Serra defendeu uma "economia forte" e disse que, se vencer, ampliará a oferta de emprego. "O Brasil precisa de uma economia forte para manter e ampliar a oferta de empregos", declarou, a dois dias da eleição.

O candidato fez um breve balanço desses dois meses de campanha presidencial. "Tirando a violação da intimidade de família, tirando essas coisas, eu diria que foi bom. Mas, infelizmente, aconteceram esses episódios muito desagradáveis, principalmente de parte do PT", afirmou Serra em referência aos casos de quebra de sigilo fiscal de seus familiares, que se tornaram públicos no decorrer da campanha.

O tucano também comentou o debate de anteontem, na Rede Globo. "Foi um bom debate. Mas debates são sempre engessados. Não dá para ser de outra maneira", declarou Serra, que aproveitou para lamentar o fato de a candidata do PT, Dilma Rousseff, não ter feito perguntas a ele.

"Ela teve três oportunidades para me perguntar, e não perguntou. Eu tive uma, que veio por sorteio, com tema pré-determinado", completou Serra.

Durante a visita ao centro de Osasco, o tucano seguiu o script de presidenciável. Acompanhado por Alckmin, conversou com eleitores, entrou em lojas e até dançou o hit "Ah, muleke".

Na caminhada, correligionários de Serra encontraram com cabos eleitorais do PT.

Os petistas provocaram os tucanos, atravessando o calçadão com um dragão chinês, com imagens do candidato a deputado estadual Marco Martins, de Dilma, do presidente Lula e de Aloizio Mercadante. Apesar das provocações, não houve confronto.

Tucanos fazem último esforço pelo 2º turno

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em Osasco, Serra cola no prestígio de Alckmin, que lidera pesquisas para voltar a ocupar o Palácio dos Bandeirantes

Julia Duailibi

Enquanto o candidato do PT ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, aposta na popularidade do presidente Lula para levar a eleição estadual ao segundo turno, o presidenciável José Serra colou no prestígio do tucano Geraldo Alckmin (PSDB) - líder nas pesquisas para de novo ocupar o Palácio dos Bandeirantes - para tentar forçar um segundo turno na corrida ao Planalto.

Serra saiu às ruas de Osasco em companhia de Alckmin, num último esforço para impedir que sua rival Dilma Rousseff (PT) garanta a vitória amanhã mesmo. Sua campanha, contudo, sofreu um revés a dois dias da eleição. O presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, declarou ontem que não votará no tucano e liberou os correligionários de seu partido para apoiarem o candidato que desejarem.

O PTB, ao lado do DEM e do PPS, era um dos principais partidos aliados aos tucanos na corrida presidencial. O apoio ao PSDB, referendado em convenção em junho, serviu principalmente para engordar o tempo de TV do presidenciável. Rendeu 46 segundos por bloco na propaganda de Serra na televisão.

"A coisa azedou desde a convenção. Eu não quero mais. Quem joga sozinho perde sozinho", declarou Jefferson. Questionado pelo Estado sobre a razão de fazer o anúncio na véspera da eleição, afirmou: "Isso tem de ser feito na hora certa. Reagi na hora que tinha de reagir".

Em caminhada ontem por Osasco, na Grande São Paulo, Serra evitou comentar as declarações do petebista. Disse que não tinha conhecimento do assunto e que estava sabendo do tema pelos próprios jornalistas que o acompanhavam.

Roberto Jefferson fez o anúncio ontem por meio do seu Twitter: "Como presidente do PTB, libero meus companheiros a escolherem seu candidato a presidente do Brasil". Aproveitou para anunciar que o seu voto para presidente será para Plínio de Arruda Sampaio (PSOL). Jefferson também ligou para as principais lideranças do PTB nos Estados para falar sobre a sua decisão.

No final da tarde, o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra (PE), telefonou para Jefferson para tentar apaziguar a situação. Não adiantou. "Faz algum tempo que Roberto vem sustentando divergências. Considero ele um líder de muita qualidade", disse o presidente tucano.

Indagado sobre a repercussão que o anúncio de Jefferson poderia ter na campanha do PSDB, Sergio Guerra afirmou que "não necessariamente" haverá perdas de votos para o candidato.

Clima. Durante a campanha, a relação de José Serra com alguns líderes de partidos aliados se deteriorou. O candidato chegou a bater boca por telefone com o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), em razão de uma declaração do aliado a um jornal.

Jefferson também já havia manifestado sua insatisfação com os rumos da campanha e com a forma como o candidato não defendia seu apoio publicamente. "Ele ficava constrangido em dizer que tinha meu apoio", disse.

A participação de José Serra no Jornal Nacional, da Rede Globo, em agosto, quando foi questionado sobre o apoio de Jefferson e disse que "não tinha compromisso com erro", também ajudou a azedar a relação com o petebista. Para os tucanos, os desentendimentos com integrantes de legendas aliadas passam pela distribuição de recursos da campanha e pelo fato de Serra estar em desvantagem nas pesquisas de intenção de voto mais recentes - sem a perspectiva de poder, aliados se sentiriam mais livres para costurar o futuro político.

Recado do Serra para você

Mais de 135 milhões vão às urnas amanhã

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Eleitor terá de escolher presidente da República, governador, dois senadores, um deputado federal e outro estadual

Moacir Assunção

Amanhã, das 8 às 17 horas, exatos 135.804.433 brasileiros irão às urnas para eleições em que estarão em disputa os cargos de presidente da República, senador, governador, deputados federais, estaduais ou distritais. Em relação à eleição presidencial de 2006, o eleitorado cresceu em 9 milhões - menos que entre 2002 e 2006, quando passou de 115 milhões para 126 milhões (11 milhões).

Em São Paulo, o eleitorado equivale à população da Argentina. São quase 8,5 milhões na capital e 21,8 milhões no interior, totalizando 30.301.398 eleitores aptos, para uma população estimada em 42 milhões. O Estado é o maior colégio eleitoral do País, seguido por Minas Gerais, com 14,5 milhões, e Rio de Janeiro, com 11,5 milhões.

Ainda de acordo com as estatísticas do Tribunal Superior Eleitora (TSE), com dados atualizados até 2 de setembro, 9 pessoas disputarão o cargo de presidente da República. Para governador, 171 candidatos concorrerão a 26 vagas referentes aos Estados e uma ao Distrito Federal.

Há 276 concorrentes para 54 vagas ao Senado. Para a Câmara, 6.057 candidatos disputam 513 vagas. Já para deputado estadual, serão eleitos 1.059 candidatos entre os 14.418 concorrentes. Para deputado distrital, 882 candidatos lutam por 24 vagas.

Projeção. "Nossa expectativa para a eleição é a melhor possível. O TSE já divulgou uma projeção de uma demora de cerca de um minuto e meio para o eleitor votar, um pouco mais que a eleição passada, mas acredito que não teremos problemas no pleito", analisou o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo, Walter Guilherme.

Na madrugada da segunda, de acordo com Guilherme, já deverão estar definidos os nomes dos vencedores das eleições para presidente e governador. O pleito contará com 420 mil seções, nas quais trabalharão 2,2 milhões de mesários distribuídos em todos os municípios do País e em 154 cidades no exterior.

Pouco mais de 200 mil brasileiros votarão em outros países. O maior eleitorado fora do Brasil, com 21 mil brasileiros aptos a votar, é Nova York, seguida por Lisboa e Boston, ambos com cerca de 12 mil eleitores.

Como funciona a complexa matemática eleitoral no Brasil

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Como o sistema é proporcional, não basta o candidato ser bem votado para conquistar vaga

Moacir Assunção

Ao contrário do que o senso comum possa indicar, nem sempre os candidatos mais votados para cargos como deputados federais, distritais e estaduais são os eleitos. Na votação majoritária, para presidente da República e governador, o pretendente que recebeu mais sufrágios é considerado eleito e, quando não atinge o porcentual de 50% mais um, os dois mais votados disputam o segundo turno.

Para os cargos proporcionais, entretanto, a disputa é bem mais complexa e envolve contas, feitas por partidos e coligações, para saber quantos representantes de cada legenda estarão no Congresso na legislatura seguinte. A Constituição impõe os limites máximo de 70 deputados por Estado e mínimo de oito, de forma a garantir a representação. São Paulo, o Estado mais populoso do Brasil, elegerá 70 deputados federais.

No Brasil, para definir as vagas que caberão a cada partidos, utiliza-se um método conhecido como quociente eleitoral para o cálculo das proporções e outro conhecido como distribuição das sobras para ocupar as cadeiras não preenchidas pelo quociente eleitoral.

Divisão. O quociente eleitoral é definido como o total de votos válidos dividido pelo número de vagas. Cada partido tem seus votos divididos por este quociente e obtem-se, assim, o quociente eleitoral. As vagas restantes são divididas usando-se o método de distribuição das sobras entre as legendas que tiverem atingido o quociente eleitoral.

Essa complicada matemática eleitoral explica por que, muitas vezes, candidatos que recebem enormes votações não são eleitos por que a coligação que integram não conseguiu mais votos além dos dele. Daí, apesar do grande número de sufrágios, o partido acaba não conseguindo levar representantes ao Congresso.

A votação proporcional explica também a razão de candidatos que obtêm votações muito altas acabam levando junto com ele para a Câmara outros pretendentes que tiveram número baixíssimo de sufrágios.

Em 2002, por exemplo, o então candidato a deputado Enéas Carneiro, do extinto Prona, obteve mais de 1,5 milhões de votos. Com isso, ele, que morreu em maio de 2007,, levou ao Legislativo federal mais cinco candidatos do seu partido, um dos quais, Vanderlei Assis, teve apenas 275 votos. O segundo mais votado após Enés, Amauri Robledo Gasques, obteve 18.421 votos.

Vários especialistas criticam o sistema proporcional brasileiro por causa de suas regras. Na eleição de 1998, eram necessários 330 mil votos para eleger um deputado em São Paulo ante 17 mil em Roraima, o que viola a tese de "um homem, um voto", consagrada na Constituição.

Próximo presidente terá um ‘abacaxi’ fiscal, dizem analistas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O principal problema do próximo governo na área econômica será o equilíbrio das contas públicas, em meio as promessas de aumento de gastos, informa Patrícia Campos Mello. O cenário compromete a capacidade de investimento para a Copa em 2014 e a Olimpíada em 2016.

Sucessor herda País com menor capacidade de fazer investimentos

Gastos do governo bateram recorde este ano, com alta de 11,8%, o que piora a situação fiscal na gestão do próximo presidente

Patrícia Campos Mello

Os gastos do governo bateram recorde de crescimento este ano - tiveram alta de 11,8%, o maior aumento dos últimos 12 anos. Segundo estudo elaborado pelo especialista em finanças públicas Raul Velloso, o ano de 2010 (contabilizando apenas os oito primeiros meses) só perde para 1998, último ano de descontrole fiscal da fase pré câmbio flexível.

Para Velloso e outros analistas, o cumprimento da meta de superávit primário de 3,3% este ano só não está ameaçado porque o governo vem recorrendo a manobras contábeis envolvendo empréstimos do Tesouro para o BNDES e, agora, o recursos da capitalização da Petrobrás. Mas especialistas são unânimes ao dizer que o próximo presidente terá um enorme abacaxi fiscal em mãos, que compromete sua capacidade de fazer investimentos necessários para a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016.

Para resolvê-lo, não será suficiente eliminar desperdício ou reduzir gasto de custeio, terá de ser revista a política de reajustes reais do salário mínimo. Mas esse assunto é radioativo na campanha eleitoral. Um bom exemplo é José Serra, candidato do PSDB, que prometeu 13o para o Bolsa Família, aumento do salário mínimo para R$ 600 e reajuste de 10% na aposentadoria.

Desde 1998, último ano para o qual o Tesouro fornece dados comparáveis, os gastos do governo não pararam de crescer, com exceção dos anos atípicos de 2003, que teve arrocho, e de 1999, após acordo com o FMI. Entre 1997 e 2010, os gastos terão crescido, em termos reais, 135,6%, e o PIB real, 49,3%, quase três vezes mais que o PIB.

"Este ano, a não ser que criem alguma solução mágica para encaixar os resultados na meta, ela não vai ser cumprida, o que abala a credibilidade fiscal", diz Velloso. Para cumprir a meta de superávit primário de 3,3% do PIB este ano, o governo terá de dobrar seu atual superávit de 1,3% do PIB, considerando-se os últimos doze meses, pois desde o final do ano passado que o superávit total vem "rodando" ao redor de 2% do PIB. Para isso, o governo vai contar com uma contribuição de US$ 30 bilhões do processo de capitalização da Petrobrás para o superávit primário, manobra que vem sendo criticada.

Segundo Mansueto Almeida, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que fez um estudo recente com Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, não há crise fiscal iminente. "Mas para conseguir investir o que será necessário, principalmente diante dos grandes eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas, o governo terá de ou aumentar a carga tributária, que já é sufocante em cerca de 36% do PIB, ou reduzir o superávit primário e elevar endividamento, ou aumentar ainda mais o que usa de poupança externa."

Hoje em dia, como os gastos públicos não param de crescer, o governo "despoupa", ou seja, contribui negativamente para a poupança do País. Dos cerca de 14% do PIB de poupança global do Brasil, a média do governo foi de -1%, e o resto vem do setor privado. Entre 70 e 74, a poupança pública era de 5,8% do PIB.

Como a poupança interna não é suficiente, o País recorre à poupança de outros países para financiar seu crescimento, o que aparece no déficit em conta-corrente, que deve chegar a 2,5% do PIB este ano.

O grande problema é que não vai ser fácil cortar gastos. O candidato do PSDB, José Serra, fala em reduzir ineficiências e combater desperdícios para cortar os gastos do governo. "Muita gente acha que se pode economizar muito cortando gasto de custeio, mas essas despesas vêm até caindo em relação ao PIB", diz Mansueto. "O que vem crescendo de forma muito forte é a Previdência e os gastos sociais, mais sensíveis ao salário mínimo." Segundo estudo de Mansueto e Pessoa, mais de 70% do crescimento do gasto público de 1999 a 2009 vêm do INSS (ligado à valorização do salário mínimo) e expansão dos gastos sociais (incluindo a Bolsa Família).

Portanto, quem for lidar com o problema fiscal terá de mexer em temas explosivos - como a política de valorização real do salário mínimo. "Se fosse gasto de custeio, era mais fácil, todo mundo é a favor de cortar", diz o economista. "Mas cortar gasto social e Previdência é muito impopular."

Segundo o economista, o governo deveria cortar gastos com pessoal para abrir espaço no orçamento para investimentos. Senão, vai acabar fazendo mais investimentos com maior endividamento - é o que está fazendo ao emprestar dinheiro para o BNDES repassar com juros baixos a empresas e infraestrutura.

O Tesouro faz emissões de dívida pública, empresta os recursos para o BNDES, que empresta para obras de infraestrutura. Isso não aumenta a dívida pública líquida no curto prazo, só a bruta. Mas, no longo prazo, terá de se refletir a diferença do custo - Tesouro capta à taxa Selic, atualmente em 10,75% ao ano, e o BNDES empresta a taxas muito mais baixas. Essa diferença é um custo para o governo que será refletido em algum momento. E há também subsídios orçamentários - o Tesouro cobre a diferença de juros em empréstimos preferenciais. Quatro anos atrás, o Tesouro não emprestava para os bancos públicos. Agora, tem R$ 250 bilhões em empréstimos.

A Fazenda diz que o aumento da formalização dos trabalhadores vai naturalmente aumentar a arrecadação, sem necessidade de aumentar a tributação, e com isso manterá a relação dívida-PIB em queda, apesar do aumento contínuo dos gastos públicos. "Mas não há garantia disso", diz Mansueto. Para ele, a prioridade do governo é crescer a qualquer custo, com ou sem poupança. "A estratégia de menor risco seria aumentar a poupança pública para investir."

Sem Marina, PV deve anunciar apoio a Serra

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Verdes indicam uma aliança com PSDB em caso de segundo turno, mas candidata sinaliza que ficará neutra

O PV é aliado do PSDB de Serra na maioria dos Estados, incluindo SP, MG e RJ; a ala próxima ao PT é minoritária

Bernardo Mello Franco
Enviado especial ao Rio

Enquanto a presidenciável Marina Silva (PV) dá sinais de que ficará neutra num eventual segundo turno entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), seu partido se inclina a apoiar o tucano.

O presidente da legenda, José Luiz Penna, disse à Folha que descarta a neutralidade no segundo turno, caso Marina não esteja nele.

O PV é aliado do PSDB de Serra nos principais Estados, incluindo os três maiores colégios eleitorais: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A ala ligada ao PT é minoritária na sigla.

Outros dirigentes ouvidos pela reportagem dizem que a tese de apoio a Serra venceria com folga na executiva nacional, que deve discutir o assunto no início da semana.

Penna argumenta que o desempenho de Marina fará o partido sair mais forte das urnas, mesmo que ela não vá ao segundo turno. Optar pela neutralidade seria desperdiçar este capital político.

"O que está em jogo é a nossa capacidade de influenciar o próximo governo. O PV não ficará neutro. A neutralidade seria uma forma de dar as costas ao processo democrático."

Ele não quis manifestar preferência por Serra ou Dilma, embora apoie o prefeito Gilberto Kassab (DEM), aliado do tucano, na Câmara de Vereadores paulistana.Em São Paulo e Minas, o PV participa de governos estaduais do PSDB, e no Rio os tucanos apoiam Fernando Gabeira (PV) ao governo.

O candidato verde ao governo paulista, Fábio Feldmann, é fundador do PSDB e fez tabela com o tucano Geraldo Alckmin nos debates. Ricardo Young (PV) e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB) fecharam aliança de última hora na corrida ao Senado.

Marina neutra

Nos últimos dias, Marina subiu o tom contra Serra, o que foi interpretado por aliados como sinal de que ela não pretende apoiá-lo num confronto com Dilma.

Após o debate da Globo, ela disse que o tucano desconstruiu a própria imagem na campanha e será derrotado.

A senadora tem repetido que não vê diferenças entre os dois oponentes, e passou a mirar em Serra nos debates.

Aliados descartam o apoio a Dilma pelo histórico de brigas entre as duas no governo Lula. Assessores próximos têm aversão à petista.

Para os verdes, a neutralidade favoreceria a candidata num novo projeto presidencial para 2014.

Marina sairá das urnas com mais força no PV, mas controla apenas 10 dos 50 votos da executiva. Se o partido fechar apoio a Serra, diretórios pró-PT podem ser liberados a apoiar Dilma em Estados como Maranhão e Bahia.

De acordo com o Datafolha, 51% dos eleitores de Marina votariam hoje no tucano, e 31%, na petista.

Petista perde voto entre eleitores evangélicos, segundo o Ibope

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Uirá Machado

DE SÃO PAULO - Dilma Rousseff (PT) perdeu votos particularmente entre os eleitores evangélicos durante o mês de setembro e, no mesmo período, sua rejeição nessa parcela do eleitorado aumentou mais de 50%.

Segundo pesquisas do Ibope, Dilma tinha 49% entre os eleitores evangélicos no final de agosto. No dia 23 de setembro, caiu para 42%, abaixo dos 50% que o instituto registrou para ela no total da população. E sua rejeição nesse segmento, que era de 17%, subiu para 28%.

José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) se beneficiaram com esse deslocamento.A intenção de voto do tucano entre os evangélicos saltou de 21%, no dia 26 de agosto, para 31% em 23 de setembro (tinha 28% no total da população, segundo o Ibope). Marina, por sua vez, passou de 13% para 18%, contra 12% no total.

De acordo com o levantamento do Ibope, os evangélicos representam 20% do eleitorado brasileiro. Isso significa que os sete pontos perdidos por Dilma nesse segmento representam 1,4 ponto no total da população (margem de erro de dois pontos).

Em uma eleição como a deste ano, pequenas oscilações podem definir se haverá ou não segundo turno. Por essa razão, Dilma convocou reunião de emergência com líderes religiosos para tentar estancar a sangria eleitoral.

Segundo o sociólogo Antônio Flávio Pierucci, da USP, é preciso cuidado ao afirmar que se trata de um "voto evangélico". Ele, assim como outros especialistas ouvidos pela Folha, dizem que a religião nunca foi uma variável importante para o eleitor.Pierucci conduz pesquisa em igrejas evangélicas e afirma que há uma campanha radical contra Dilma. Mas ele diz que as razões espirituais não são tão importantes.

"Existe um discurso quase mitológico que procura demonizar Dilma. Há um medo, a meu ver infundado, de que seu governo venha a restringir os meios de comunicação, que são o oxigênio do crescimento dessas igrejas."

Segundo Pierucci, é essa "suposta ameaça à existência física das igrejas evangélicas" que explica a movimentação dos pastores.

"A radicalização não pode ser compreendida como se fosse apenas a discussão de ideias religiosas contra o aborto e o casamento gay. Existe a fantasia de uma ameaça concreta."

Servidor da Anac se nega a falar à PF sobre acusações

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DE BRASÍLIA - A dois dias da eleição, o ex-assessor da Casa Civil Stevam Knezevic se recusou a prestar depoimento ontem à Polícia Federal sobre tráfico de influência envolvendo familiares da ex-ministra Erenice Guerra no órgão.

Stevam é servidor concursado da Anac, onde conheceu o filho de Erenice, Israel Guerra. Foi Israel quem levou amigos para trabalhar na Casa Civil quando a pasta era comandada pela candidata à presidência Dilma Rousseff (PT).

Segundo o consultor da empresa EDRB Rubinei Quícoli, Stevam seria o responsável por viabilizar financiamentos no BNDES, mediante o pagamento de "taxa de sucesso".

Segundo o advogado de Stevam, Emiliano Aguiar, ele preferiu ficar em silêncio agora: "Nós vamos esperar as investigações avançarem para decidir se vamos apresentar a verdade dos fatos no inquérito ou apenas em juízo".

Diretor de estatal pede votos para Dilma

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dirigente da Imprensa Nacional distribui carta durante expediente, mas alega que a enviou apenas a seus amigos

Fernando Tolentino pede que funcionários votem no candidato do PT a governador; lei proíbe essas práticas

Simone Iglesias
DE BRASÍLIA - O diretor-geral da Imprensa Nacional, Fernando Tolentino, distribuiu a funcionários, na sede da estatal e em horário de expediente, uma carta pedindo votos aos candidatos do PT à Presidência, Dilma Rousseff, ao governo do DF, Agnelo Queiroz.

A Imprensa Nacional, órgão da Presidência ligado diretamente à Casa Civil, é responsável pela publicação do "Diário Oficial" da União.

A legislação veda esse tipo de atitude e a tipifica como abuso de poder. A lei 8.112, que dispõe sobre servidores públicos federais, diz no art. 117 que é proibido promover manifestação de apreço ou desapreço no trabalho; valer-se do cargo para ter proveito pessoal ou para outros; e exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo e com o horário de trabalho.

A Lei Eleitoral proíbe ainda a conduta do diretor-geral, vedando a atuação de servidor por partidos ou coligações durante horário de expediente, a não ser que esteja de férias ou licenciado, o que não é o caso do dirigente.

Na carta, Tolentino, que é filiado ao PT, elogia o presidente Lula e critica a oposição "raivosa" e "inconformada". O dirigente confirma a autoria da carta e que a distribuiu na sede da estatal, mas somente "para amigos". Ele nega que o texto tenha sido entregue indiscriminadamente a todos os servidores.

Ao elencar o que considera avanços do governo Lula, diz se sentir recompensado "porque, ao dar um basta na política do Estado mínimo, o governo estancou o processo de desmonte da Imprensa Nacional." Em seguida, Tolentino afirma ter ajudado no processo de fortalecimento do órgão e que eleger Dilma é a garantia de "dar continuidade a esse processo".

"Para aprofundar as mudanças em nível nacional, é preciso eleger Dilma Rousseff, a principal auxiliar de Lula e nossa ex-ministra chefe da Casa Civil", afirma em um trecho da carta.

Além de pedir votos para a candidata petista, Tolentino sugere que os funcionários votem em Agnelo e dá dicas para votar em candidatos a deputado federal e distrital da coligação do PT.

"Para deputado distrital [dá para confiar] somente nos que começam com 13 (PT), 10 (PRB), 12 (PDT), 40 (PSB), 44 (PRP) e 65 (PC do B). Cuidado porque há outros partidos que apoiam Agnelo, mas alguns de seus candidatos bandearam-se para a turma de [Joaquim] Roriz: 14 (PTB), 15 (PMDB) e 36 (PTC)", explica o diretor-geral.

Um funcionário que pediu para não ser identificado disse que recebeu a carta quinta à tarde de uma funcionária ligada diretamente a Tolentino. Segundo ele, a servidora chegou ao seu departamento com uma pilha considerável de cartas e as distribuiu para todos. Tolentino disse que não pediu a ninguém para que distribuísse as cartas.

O servidor da estatal disse que não se julga amigo do diretor, mas que mesmo assim a carta lhe foi entregue.

Correa pretende desviar atenção, diz ex-presidente

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tadeu Breda
Apontado pelo presidente Rafael Correa como mentor dos distúrbios no Equador, o ex-presidente Lucio Gutiérrez (2003-05) nega envolvimento."Ninguém quer derrubar Rafael Correa. Queremos que ele termine seu mandato, vá para casa e deixe os equatorianos em paz", disse à Folha por telefone de um hotel em Brasília, onde está, afirma, para "observar as eleições" de amanhã.Há cinco anos ele foi retirado do país com ajuda do Brasil após ser derrubado por manifestantes. Leia trechos de sua entrevista:

Folha - O sr. está por trás dos distúrbios?

Lucio Gutiérrez - As acusações de Rafael Correa são falsas e temerárias. Está sempre me culpando de tudo. O grande culpado por este episódio é ele. Seu governo é abusivo, corrupto e totalitário. É um governo intolerante, que não respeita os direitos dos cidadãos.

A suposta tentativa de golpe é justa?

Ninguém no Equador quer golpe de Estado. Correa quer desviar a atenção da opinião pública sobre o desemprego, a pobreza e as denúncias de corrupção. O único golpista é Correa.

As imagens de TV mostraram os policiais rebeldes gritando seu nome.

Eu ganhei a presidência com 3 milhões de votos, e todas essas pessoas certamente são contrárias às atitudes ditatoriais do presidente. Estou no Brasil há dois dias. Tudo isso é fruto da irresponsabilidade dele, que abusa do poder e não permite a liberdade.

Por que a rebelião surgiu na Polícia Nacional?

Porque os policiais foram prejudicados em seus direitos. Rafael Correa aprovou uma lei para acabar com os benefícios da carreira. O presidente destruiu um órgão da Polícia Nacional chamado Unidade de Investigações Especiais, que descobriu funcionários do governo vinculados ao narcotráfico. Foi também a polícia que denunciou a presença de ex-guerrilheiros trabalhando na administração pública e que detém informação sobre os vínculos de Rafael Correa com as Farc [guerrilha colombiana].

Mas por que a violência?

Porque vêm sendo permanentemente agredidos. Assim também reagiram os indígenas e os estudantes, mas, como não têm armas, foram reprimidos de maneira brutal pelo governo.

País duvida de tentativa de golpe

DEU EM O GLOBO

Um dia após caos que deixou 5 mortos, equatorianos rejeitam acusações do presidente

Janaína Figueiredo

Apesar de o presidente Rafael Correa ter denunciado ao mundo uma tentativa de derrubá-lo por parte de oposição, um dia após o Equador ter sido mergulhado no caos por uma revolta policial, importantes analistas do país e grande parte da população que ontem voltou a circular normalmente pelas ruas não acreditam na teoria do suposto golpe de Estado. Embora estejam acostumados a conviver com uma instabilidade política crônica (nos últimos 13 anos o país teve 8 presidentes), muitos equatorianos opinam que a sublevação de anteontem, que deixou cinco mortos e 193 feridos, foi um claro protesto dos policiais do país e não um golpe contra Correa, contrariando as afirmações do presidente e também da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

- O que tivemos aqui foi uma revolta policial que o governo não conseguiu controlar - disse o analista político Felipe Burbano, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).

Para ele, "a denúncia de golpe de Estado foi uma manobra de Correa para fortalecer-se internamente e, ao mesmo tempo, adotar um papel de vítima perante a comunidade internacional para obter gestos de solidariedade".

Correa foi amplamente respaldado por organizações e países estrangeiros, fato considerado incompreensível por jornalistas equatorianos.

- Não dá para entender o que está acontecendo fora do Equador, aqui não houve golpe - disse Jorge Ortiz, que até pouco era um dos apresentadores-estrela do canal de TV Teleamazonas, mas foi obrigado a renunciar por pressão do Palácio Carondelet (sede do Executivo do país).

Governo anuncia punição a envolvidos

Para Ortiz, que estava numa consulta médica em frente ao quartel ocupado no momento da revolta, Correa chegou ao lugar com "seu estilo provocador e acabou transformando um protesto dos policiais em revolta nacional".

- Eu vi como o presidente agrediu os policiais, os irritou até ser atacado e levado para o hospital - contou o jornalista equatoriano.

Segundo Ortiz, "o objetivo de Correa é usar este episódio para radicalizar seu governo e pressionar o Parlamento para que sejam aprovadas projetos polêmicos, como a lei da mordaça contra a imprensa e a lei de terras".

- No fundo, todos sabemos que por trás desta denúncia de golpe está o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que tem grande influência no governo do Equador - frisou o jornalista. Para ele, "tanto Correa como Chávez querem usar este episódio para se fortalecer e continuar atacando os supostos setores golpistas, que são apenas setores críticos de seus governos".

O editor do jornal "El Comércio", Martín Pallares, criou ontem um blog intitulado "Houve golpe de Estado?". "Na verdade, o governo está tentando esconder por trás da figura do golpe as consequências de uma forma muito particular de administrar o poder", opinou Pallares.

Ontem, o clima nas ruas de cidades como Guaiaquil e Quito era de calma. Na capital, alguns militares ainda controlavam o centro da cidade. O governo acusou o ex-presidente Lúcio Gutiérrez de estar por trás da suposta tentativa de golpe e anunciou uma caça às bruxas contra os setores que se rebelaram.

- Não haverá perdão nem esquecimento - declarou Correa.

O chanceler Ricardo Patiño disse que, apesar de a situação estar controlada por enquanto, o governo ainda não pode cantar vitória ainda.

- A tentativa golpista possivelmente tem raízes por aí. Temos que buscá-las e extrai-las.

Classificando os protestos como um desrespeito ao presidente, o chefe da Polícia nacional, general Freddy Martinez, renunciou ao cargo. Em entrevista coletiva, ele atribuiu a manifestação que espalhou o caos pelo país à possível presença de agentes infiltrados na corporação.

Para muitos equatorianos ouvidos pelo GLOBO, o golpe foi "uma invenção do presidente".

- Os policiais tentaram defender seus direitos, nada mais - comentou o administrador de empresas José Rodríguez, de 58 anos.

Para a estudante de direito Catherine Rivas, de 30, assegurou que "o presidente tem um estilo autoritário e não suporta qualquer tipo de oposição ou crítica e ficou furioso com a revolta dos policiais. Aqui não houve golpe, houve um setor que decidiu dizer basta".