quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Enfim, a oposição :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A campanha presidencial entrou em nova fase, menos por gosto e mais por precisão do candidato tucano José Serra, que não tem mais tempo a perder com tentativas de fingir que não é oposição ao governo Lula.

Enquanto deu para se equilibrar em um discurso dúbio, em que atacava o governo, mas preservava a imagem de Lula, até elogiando-o em excesso para alguns partidários, Serra foi conseguindo se manter na casa dos 40% de preferência do eleitorado, que o conhecia melhor do que a Dilma.

À medida que o eleitorado foi ligando o nome de Lula à sua pessoa eleitoral, Dilma cresceu de maneira firme, mesmo que não se apresentasse tão firme assim na pré-campanha eleitoral, e cresceu em cima dos números de Serra.

Os primeiros tropeços graves, no início da campanha, foram sendo superados à custa de muito treinamento, e hoje a candidata oficial já consegue enfrentar momentos de estresse político relativamente bem, como aconteceu ontem no primeiro debate na internet promovido pela "Folha de S. Paulo" e pelo UOL.

Tão bem que é capaz de sustentar versões fantasiosas sobre o PT ter apoiado o Plano Real "e o executado", quando na verdade, depois de atacá-lo em todas as suas ações congressuais, teve que segui-lo quando assumiu o governo para garantir a estabilidade da economia.

Ou simplesmente dar versões distorcidas, como quando acusou o DEM de ser contra o ProUni, por o partido questionar na Justiça critérios como raça para a escolha dos bolsistas.

Não se trata de uma grande oradora, muito ao contrário. Dilma parece sempre a ponto de esquecer o script, de falhar na ligação entre as frases, demonstra muito esforço para uma tarefa que parece mais simples tanto para Marina Silva quanto para José Serra.

Com a vantagem que a principal adversária abriu em todas as pesquisas de opinião, já não há mais escolha para Serra senão atacá-la de frente, tentando demonstrar que ela não tem condições de suceder a Lula.

E também tem sido inevitável comparar os dois governos, o atual petista e o anterior, tucano, o que não tem se mostrado necessariamente ruim para Serra.

À medida que ele perde o receio da confrontação entre os governos de Lula e o de Fernando Henrique Cardoso, fica cada vez mais claro que há um processo em marcha, e que a gênese desse processo de desenvolvimento não é o governo Lula, como quer a propaganda oficial.

Mesmo que os números sejam favoráveis ao governo Lula, a campanha da petista já foi obrigada a reconhecer que foi um erro não apoiar o Plano Real.

O próprio presidente Lula, para comentar a dificuldade em que se encontra o candidato oposicionista, usou a eleição de 1994, que perdeu no primeiro turno para Fernando Henrique, para explicar: "Já vivi isso. Quando tinha de fazer campanha contra o Plano Real, o povo votava no Real, e eu me lasquei."

Não se pode nem dizer da candidata Dilma que ela bate como homem, mas quer ser tratada como mulher nos debates políticos, já que sua verdadeira personalidade está maquiada pelo marketing político que a transformou de executiva fria e quase rude, que já fez muito homem chorar, em uma doce senhora.

E essa doce senhora sentiu-se ofendida ontem com a pergunta de um jornalista do UOL sobre sua saúde. Ora, em que mundo vivemos? Um candidato à Presidência da República deveria ser obrigado a prestar contas sobre sua saúde à população e não pode considerar esse um assunto "privado".

Nos Estados Unidos, o republicano John McCain, aos 72 anos, com uma saúde frágil em consequência das torturas sofridas quando prisioneiro de guerra no Vietnã, e já tendo tido um melanoma, seria o mais velho presidente a assumir o cargo num primeiro mandato se vencesse a eleição contra o democrata Barack Obama em 2008.

No meio da campanha, apareceu certa manhã com um curativo no rosto, e foi o que bastou para especulações sobre a volta do melanoma.

Ele teve que não só explicar que retirara uma pinta do rosto como mostrar o laudo médico que garantia que não havia ali qualquer tumor maligno.

Depois do primeiro programa de televisão, em que o de Dilma Rousseff foi mais "presidencial" do que o de Serra, provavelmente teremos mudanças.

A favela cenográfica mostrada pelo programa do PSDB, que mais parecia um cenário de chanchada da Atlântida com aqueles barracões de zinco romanceados e sambistas estereotipados, deve desaparecer, assim como a figura popular do Zé, para dar lugar a um candidato mais assertivo em busca de confrontação para se impor ao eleitorado como o mais preparado.

Embora Dilma tenha 46% mais de tempo de propaganda no rádio e na TV, os 7 minutos e 18 segundos que o tucano tem por bloco do horário eleitoral obrigatório são mais que suficientes para ele dar o seu recado.

Tanto ele quanto a candidata oficial vão em busca de eleitores que, embora aprovem o governo Lula, não votam automaticamente no candidato apoiado por ele.

Eles são cerca de 20% do eleitorado e estão principalmente entre os mais pobres, com renda de até um salário mínimo.

A campanha de Dilma tem outro nicho onde buscar os poucos pontos que a separam de uma vitória no primeiro turno: cerca de 7% dos eleitores ainda não identificam Dilma como a candidata do presidente Lula.

O contraditório que caracteriza a parte final da campanha, que é a mais decisiva pelo alcance do programa de propaganda de rádio e televisão, deve permitir que o eleitor se posicione com clareza, e os petistas jogam com a certeza de que, à medida que Serra se apresente como o candidato da oposição, mais será visto pelo eleitor como o anti-Lula.

Na cadeira presidencial :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

À primeira referência explícita da oposição no horário eleitoral ao fim do governo Luiz Inácio da Silva - "quando o Lula da Silva sair é o Zé que eu quero lá" - o presidente tratou de reagir.

Mudou completamente a afirmação que vinha defendendo desde a reeleição, em 2006, de que uma vez terminado o segundo mandato iria "assar uns coelhinhos" em São Bernardo do Campo. Há menos de um mês ainda dizia que iria ensinar a Fernando Henrique Cardoso como deve se comportar um ex-presidente: "sem dar palpite" na vida de quem está governando.

Ontem Lula passou a dizer que vai percorrer o País dando palpites para Dilma Rousseff quando vir "alguma coisa errada". Assegurou que terá "papel ativo" no governo dela viajando o País inteiro para verificar como andam as coisas.

Dando a entender que nem ao menos guardará a liturgia do cargo. Qualquer coisa pega o telefone e diz: "Olha, minha filha, tem coisa errada. Pode fazer o que eu não fiz." Pelo dito, vai inaugurar uma modalidade de Presidência itinerante e a distância.

Quis informar ao público que votar em Dilma significa votar nele, que a única diferença entre um governo e outro será o nome do titular do cargo. E ainda assim de direito porque de fato o presidente será ele, Lula.

Quis aplicar um antídoto à ideia da retirada de cena, da descida de Lula do pódio da política e da substituição de mandatário explicitada no refrão da trilha sonora do programa de televisão de José Serra.

Para Dilma, Lula, o PT e o plano de uma continuidade por unção quase divina é fundamental que o público não tome consciência da interrupção, não consolide a noção de separação, de diferença. É crucial que o entendimento seja o de que haverá apenas uma troca de nomes por exigência legal, algo próximo de uma formalidade.

No programa eleitoral do PT no horário noturno esse imperativo ficou evidente: em ritmo de Brasil grande, formato de superprodução e tom institucional sem resquício de política, não houve referência ao ato eleitoral.

Ninguém pediu votos ou considerou a existência de uma disputa e de concorrentes ao cargo.

Passa por cima do eleitor, transpõe o obstáculo das urnas como se no ano que vem fosse haver uma mera mudança de governante por vontade e sob a bênção de Lula.

A campanha simplesmente desconhece a circunstância eleitoral: não pede que Dilma seja eleita por isso ou por aquilo, não a compara com os concorrentes de maneira a informar ao eleitor que se trata de alguém mais bem qualificado que qualquer dos outros, nada.

Simplesmente põe Dilma Rousseff sentada na cadeira presidencial. No encerramento a música corrobora o fato consumado: "Agora as mãos de uma mulher vão nos conduzir/ eu sigo com saudade, mas feliz a sorrir/ pois sei, o meu povo ganhou uma mãe/ que tem um coração do Oiapoque ao Chuí."

O sujeito da oração, evidentemente é Lula, que os autores João Santana e João Andrade transformam numa representação de Jesus Cristo - "deixo em tuas mãos o meu povo" - com vocação autoritária - "mas só deixo porque sei que vais continuar o que fiz".

E se não soubesse não deixaria? Não gostaria é a leitura subjacente.

Na realidade não poderia. Deixa porque a lei assim determina e a derrota do governo na votação da CPMF no Senado em 2007 deu a Lula a exata noção da impossibilidade de mudar a Constituição para obter a chance de disputar um terceiro mandato.

Senado do qual não para de reclamar, dizendo que foi "injusto e ofensivo" com o governo, e onde agora se esforça para formar maioria servil ao projeto de hegemonia e eliminação paulatina do contraditório no Brasil.

Nenhuma diferença em relação a oligarquias que dominam há décadas territórios País afora e toda semelhança com coronéis do porte de José Sarney, cujo empenho em inspirado dizer do senador Jarbas Vasconcelos sempre foi transformar o Senado em um "grande Maranhão".

Nada que já não se soubesse, embora não de maneira tão explícita e didática conforme foi mostrado no horário eleitoral.

Na era digital :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

No tempo das mídias sociais, a sua audiência tem audiência, e isso pode ir ao infinito, explicou o especialista e escritor Brian Solis no Congresso Digital Age 2.0. Ou seja, os que te seguem no Twitter são seguidos por outros. "Quem está tuitando agora?", perguntou Brian e recebeu respostas majoritárias do plenário. Ao fim da palestra dele, me isolei para ver na web o debate dos presidenciáveis.

No meio do debate da Folha Uol, o jornalista Fernando Rodrigues informou que aquele era o assunto mais falado na internet no mundo, naquele instante. Ou seja, o hashtag #debatefolhauol era o primeiro na lista mundial. Entre as pessoas que sigo, uma jornalista portuguesa informou que o Brasil está usando a internet no seu Censo 2010. Enquanto ouvia o debate, expliquei para ela como funcionava o censo brasileiro.

Há quem considere que todo esse mundo é para um grupo pequeno de histéricos dependentes de novidades tecnológicas e há quem veja nisso o presente do futuro. Sou do segundo grupo. Quanto um bom debate virtual influencia uma eleição? Isso será respondido depois, mas a ideia de Solis ajuda a alargar a visão. Não são apenas tuiteiros mandando informações para seus seguidores, mas para pessoas que seguem e são seguidas, que conversam com você, seu público e o público deles. Que depois vão trocar impressões com quem nem se dá ao trabalho de acessar alguém ou algum site. A tribo digital e a tribo analógica vão trocar impressões, com uma influenciando a outra, na mesa do jantar, nos bares, nas conversas cotidianas. A jornalista Cora Ronai disse, numa entrevista recente, que Twitter é todo mundo numa praça gritando. Imaginei uma enorme Ágora do século XXI, em que todos podem ter direito a palavra.

Mundo novo. Velhas questões em debate: investimento público, falta de saneamento, os votos do PT contra tudo e todos, o ensino profissionalizante, alianças com políticos obsoletos e reformas não feitas. A pergunta que sempre fica no ar: quem ganhou o debate? A resposta será sempre subjetiva, cada um deve ficar com a sua avaliação. Acho mais estimulante ressaltar o que houve de novo no debate.

Os candidatos estavam mais à vontade do que na televisão. Foram mais parecidos com eles mesmos, e disseram algumas verdades. Dado o controle asfixiante dos marqueteiros sobre a fala dos candidatos, momentos breves de sinceridade devem ser comemorados.

José Serra e Dilma Rousseff trocaram mais farpas do que nunca. Serra acusou o PT de ser o campeão do "quanto pior, melhor", e lembrou os votos do PT: votou contra Tancredo Neves, expulsou quem votou a favor, votou contra a Constituinte, o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o saneamento dos bancos, o Fundef, as OS. Dilma respondeu:

- Reconhecemos que votamos errado.

Pois é. Isso até seria mérito, se não fosse o fato de que votaram errado durante quase duas décadas.

Serra atacou os vazamentos de informações do Enem. Dilma respondeu que até nos Estados Unidos, na guerra do Afeganistão, houve vazamentos.

- Esses dados cadastrais, 31 instituições têm acesso - disse Dilma reagindo à acusação de que o fato tenha desmoralizado o Enem.

Nesse ataque inicial, Dilma foi vingada por Marina, que atacou Serra em dois pontos difíceis de responder:

- Ontem, estive numa favela em São Paulo onde há esgoto a céu aberto e vivem 10 mil pessoas - disse.

Antes, Marina havia criticado dados educacionais de São Paulo, perguntando se aquilo era o melhor que o PSDB podia apresentar depois de governar o estado por 16 anos.

Dilma perguntou a Marina sua opinião sobre a ampliação da internet. Ela deu resposta genérica e Dilma aproveitou para elogiar o governo no Programa Nacional de Banda Larga (PNBL). Marina poderia ter perguntado por que oito anos não foram suficientes para usar o dinheiro, que foi deixado no cofre pelo governo anterior, para um programa de universalização dos serviços de telecomunicações. Marina acusou Serra e Dilma de serem iguais, nas qualidades e nos defeitos.

Qualidades: bons gerentes; defeitos: pensamento econômico desatualizado. Uma grande tacada dela: "Estão querendo infantilizar os brasileiros com essa história de mãe e pai." Esse é o tipo de frase que se estivesse no Twitter, eu retuitaria.

Dilma disse de forma dura, e não foi respondida, que havia no governo Fernando Henrique na área de saneamento o que ela chamou de "fila burra". Uma empresa que estivesse sem documentação necessária para um projeto de financiamento não era substituída pela segunda da fila. Tudo ficava paralisado.

Marta Suplicy, entrevistada no intervalo, disse que ficou ruim para Serra o tom duro contra Dilma: "ela é mulher, não deve ser atacada assim." Para uma feminista, essa explicação é meio ridícula. Aquele era um debate de iguais.

Mauro Paulino, do Datafolha, entrevistado no intervalo, disse que a maior probabilidade continua sendo de vitória de Dilma Rousseff, mas lembrou que a campanha está começando. Se Brian Solis, com todo o seu conhecimento de mundo digital, tiver razão, o que foi dito lá foi além dos que acompanhavam tudo pela web, porque hoje a audiência de cada jornalista, blogueiro, tuiteiro, internauta tem sua própria audiência. A informação se espalha de forma viral.

De noite, Serra e Marina foram para um debate com diretores de recursos humanos de empresas de todo o Brasil. Três mil inscritos no congresso da ABRH. Dilma não foi. Foi um encontro do mundo físico.

Libertem os candidatos :: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Se você é assinante do UOL, talvez já saiba que eu estou lançando uma campanha para libertar os candidatos da camisa de força determinada pelas regras que imperam nos debates eleitorais.

Regras, é bom ter claro, impostas por seus próprios assessores, que parecem temer que os assessorados sejam incapazes de saírem ilesos de um debate, embora estejam supostamente preparados para algo bem mais difícil, que é encarar os problemas do país, de um Estado ou de uma cidade.

Debate, para merecer realmente o nome, deveria ser como papo de botequim, com uma única diferença: um mediador qualificado -e é bom registrar que Fernando Rodrigues saiu-se brilhantemente ontem, no papel de, digamos, âncora do debate Folha /UOL.

A maneira amarrada como se dão os debates impede que cada candidato realmente se mostre por inteiro e diga, também por inteiro, qual é a sua posição sobre cada um dos temas que vão pipocando. Se eu dependesse dos dois debates já havidos para decidir meu voto, continuaria indeciso.

Enquanto não se produz a libertação dos candidatos, resta comentar o que existe. E aí ficou claro, ontem, que José Serra liberou algo da agressividade que não exibiu no debate da Band. Nem poderia ser diferente: ficar parecendo, a campanha toda, aqueles vendedores de laboratórios que visitam consultórios médicos e só falam de remédios não leva a lugar nenhum.

Serra precisa ganhar. Já para Dilma Rousseff, o empate está de muito bom tamanho. Marina Silva faz o que pode para parecer diferente de tudo o que esteve aí (no poder) nos últimos 16 anos.

Para ganhar, Serra precisa desconstruir Dilma, porque, como o próprio tucano disse, todo mundo sabe como ele é. Logo, ganha poucos votos mesmo que brilhe. Pelo menos para mim, não foi ontem que houve a desconstrução.

Debate com debate :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO -
O debate Folha/UOL foi o mais importante da eleição, com perguntas incisivas dos internautas e dos jornalistas, tempo suficiente para as respostas e confronto direto entre os candidatos. Serra demonstrou consistência, Dilma estava bem produzida, Marina apelou para o emocional.

O melhor momento de Serra foi quando acusou o PT de torcer pelo "quanto pior, melhor", negando apoio a Tancredo, à Constituinte, ao Fundef, ao Plano Real e ao Proer. Dilma titubeou na réplica.

O melhor momento de Dilma foi na resposta à correta e adequada pergunta sobre o câncer. É um tema delicado, e ela se saiu muito bem, demonstrando energia, defendendo saúde para todos e ajudando a espantar o estigma que persegue a doença e fragiliza os doentes. Cria empatia com o eleitor.

Quanto a Marina, foi mal no conteúdo (pela obviedade), mas bem na forma (contundente).

Fechou o encontro com uma fala concatenada e emocional, criticando os dois adversários "gerentes" e ganhando a plateia com uma frase de efeito: "Eu sou um milagre da educação".

A principal marca do debate, aliás, foi a guinada de Marina. Antes, ela fazia uma dobradinha explícita com Serra. Agora, voltou-se contra ele. O mais provável é que esteja se protegendo contra uma migração dos seus votos para o tucano na reta final. Mas não se pode descartar que seja uma indicação de rumo para o segundo turno.

Mais uma vez, a posição de Dilma foi mais confortável, porque ela assumiu a dianteira, está em ascensão e pôde se preparar para o empate. Já Serra tinha de forçar o confronto para fazer gol, e Marina precisa se distanciar dos dois para se manter em campo.

É improvável que o debate de ontem provoque alguma reviravolta, mas aproveitou bem as possibilidades da internet, ampliou o interesse pelo debate político e obrigou os candidatos a se exporem mais. A democracia brasileira agradece.

Do multiculturalismo à deportação:: Demetrio Magnoli

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"O crápula da República", estampou na capa a revista francesa Marianne de 7/8, sobre uma foto do presidente Nicolas Sarkozy. Dias antes, em Grenoble, Sarkozy pronunciara um discurso odiento: "A nacionalidade francesa deve poder ser retirada de todas as pessoas de origem estrangeira que deliberadamente atentaram contra a vida de um policial, de um militar ou de qualquer outro agente da autoridade pública. (...) Eu sustento ainda que a aquisição da nacionalidade francesa por um menor delinquente no momento da maioridade não seja mais automática."

A pretexto de combater a violência, Sarkozy pressiona pela introdução de uma fronteira de sangue entre os cidadãos. Os "franceses de casta" acusados de delitos contra as autoridades conservariam seus direitos nacionais. Os franceses "de origem estrangeira" - isto é, os cidadãos de outra "etnia" - perderiam tais direitos, sujeitando-se à deportação. A mudança não pressupõe que alguém seja acusado de um ato de delinquência. Antes disso todas as pessoas de origem estrangeira teriam sido rebaixadas a cidadãos de segunda classe, pois teriam apenas uma nacionalidade precária, condicional.

Grenoble representou a conclusão coerente de uma trajetória, não um raio no céu limpo. O ponto de partida foi o multiculturalismo. O ponto de chegada é a deportação. Se há um paradoxo nisso, ele é apenas aparente.

Há três anos Sarkozy criou um Ministério da Imigração e da Identidade Nacional. No nome há uma tese: a imigração constituiria ameaça à identidade nacional, definida segundo critérios étnicos. A tese condensa uma reação contra a história republicana francesa. Desde a Constituição de 1793 a cidadania é definida como um contrato entre iguais, que são os habitantes da França. No lugar disso, o "crápula da República" recupera o mito monarquista da "França de mil anos", portadora de uma essência étnica e religiosa.

A Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen tenta restaurar o mito anacrônico pela celebração romântica do passado, que assoma na imagem de Joana D"Arc. Sarkozy almeja um fim idêntico, mas pelo recurso ao multiculturalismo contemporâneo. Em 2008 o "crápula da República" encomendou um plano de ação em favor da "diversidade" e da "igualdade" entre as etnias. Tudo começaria com a reformulação do censo e a produção de estatísticas étnicas da população.

Na França, em nome do contrato republicano da igualdade, os censos não indagam sobre origem ou religião. Mas o projeto multiculturalista não pode viver sem isso, pois precisa colar rótulos étnicos em cada pessoa.

Evidentemente, tais rótulos também são indispensáveis para identificar cidadãos de segunda classe e promover a deportação dos "indesejáveis".

Tanto quanto no Brasil, o governo francês ganhou aplausos entusiasmados da rede de ONGs sustentadas pela Fundação Ford para a política de classificação racial dos cidadãos. Contudo uma onda de resistência partiu de defensores de direitos humanos e de movimentos antirracistas. A escritora Caroline Fourest observou que "as estatísticas étnicas reforçarão o racismo". Samuel Thomas, da organização SOS Racismo, conectou o discurso multiculturalista aos "nostálgicos da época colonial". A feminista Fadela Amara qualificou as "estatísticas étnicas, a discriminação positiva, as cotas" como "uma caricatura".

E foi ao ponto: "Nossa república não deve tornar-se um mosaico de comunidades. Nenhuma pessoa deve, uma vez mais, portar a estrela amarela."

O "mosaico de comunidades" é o ideal do multiculturalismo. Na França, o recurso à "estrela amarela" propiciaria o delineamento de uma "nação gaulesa" circundada por uma miríade de "etnias minoritárias". No Brasil, propicia a fabricação de um Estado binacional composto por uma "nação branca" (ou "eurodescedente") e uma "nação negra" (ou "afrodescendente"). Lá as minorias ganham a pecha de "estrangeiros"; aqui todos seriam "estrangeiros" numa terra de exílio. Há mais uma diferença. A esquerda francesa, que acredita na democracia, rejeita a rotulagem étnica. A esquerda brasileira, que cultua tiranias, alinha-se quase inteira aos arautos da política de raças.

Todos devem portar a estrela amarela - eis o programa do multiculturalismo.

Também é a plataforma de Charles Wilson, líder de um partido neonazista americano que almeja enviar os negros e latinos "de volta a seus países". Ele emprega uma linguagem paralela à dos nossos racialistas e reivindica o que enxerga como seus direitos raciais: "Eu tenho orgulho de ser branco. Estou falando de minha herança, e consideram isso um crime de ódio. Podemos dizer poder negro, poder latino, mas se você disser poder branco cai todo mundo em cima."

Nos idos de 2006, o chefe da Frente Nacional reclamou do "excesso de negros" na seleção francesa de futebol. O zagueiro Thuram, nascido em Guadalupe, replicou oferecendo-lhe uma aula de História: "Não sou negro, sou francês. Le Pen deveria saber que, assim como existem negros franceses, existem loiros e morenos. Viva a França! Mas não a França que Le Pen quer, e sim a França verdadeira." É a "França verdadeira" que está em perigo quando o "crápula da República" tenta dividi-la segundo linhas oficiais de cor.

"Como os militantes antirracistas poderiam apoiar o estabelecimento de categorias etnorraciais?", pergunta, indignado, Samuel Thomas. Eis uma boa questão para os racialistas brasileiros, que se travestem como militantes antirracistas.

Nota. Em carta publicada em 11/8, referente a meu artigo Falanges da moralidade (Aliás, 8/8), Oded Grajew afirma que seu Instituto Ethos não se beneficia de recursos públicos. Não é verdade. Além da isenção de Imposto de Renda e das parcerias com o governo federal, o Ethos recebeu recursos diretos do BID. No Balanço Patrimonial de 2007, o último disponível no site do instituto, está registrado o valor de R$ 488.559,30.




Sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.

Marisa Monte e Julieta Venegas - Ilusion

EJ depõe à Receita e diz que PT o persegue

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, atribuiu ontem a adversários políticos" a quebra de seu sigilo fiscal. Segundo ele, o PT o persegue. Há 10 anos sou abjeto de perseguição desse pessoal, querem encontrar alga errado em minha vida, disse, após depor à Corregedoria da Receita, em São Paulo, que investiga suposto envolvimento de funcionários na violação dos dados fiscais do tucano de 2004 a 2009.

EJ suspeita que os rivais possam ter tido acesso a outros dados. "Não foi só um documento. Foram cinco anos e mais sigilo bancário e mais informações de outro nível, o que demonstra que, realmente, houve uma investigação e a formação de um dossiê."

Afirmou ter certeza de que "o governo não tem nenhum interesse em descobrir essa história antes das eleições" e que duvida muito que apareçam os responsáveis." O acesso às informações de EJ teria ocorrido por meio do uso da senha de uma analista tributária que chefiava a agência do Fisco em Mauá (SP). Ela nega./ Fausto Macedo

Tucano eleva o tom contra Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidenciável José Serra subiu o tom contra a petista Dilma Rousseff durante debate ontem em São Paulo. O tucano acusou a concorrente de "ingrata" e de "fingir" que não ouve as críticas. Segundo ele, o PT sempre apostou no "quanto pior melhor".

Candidatos sobem tom em debate

Em confronto pela web, Serra parte para ataque a Dilma e Marina mira em tucano

Roldão Arruda

No caso da propaganda eleitoral gratuita da TV, transmitida para todo o País, o presidenciável José Serra, do PSDB, ainda não definiu o momento certo para iniciar o ataque pesado contra Dilma Rousseff, candidata do PT e líder nas pesquisas eleitorais. Sabe-se apenas que virá. Para plateias mais restritas, porém, o tucano acredita que chegou a hora.

Foi isso o que se viu ontem no encontro promovido pela Folha/UOL, com transmissão ao vivo pela internet, com a presença de Serra, Dilma e Marina Silva, do PV. Entre as várias investidas que fez contra a petista, referiu-se a ela como "ingrata" e "mentirosa" e disse que a rival só olha para o passado, para fazer comparações entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio da Silva. "Seu espelho retrovisor é maior que seu para-brisa", afirmou,

Ele também insistiu em ligar Dilma à corrupção. "Eu não passo a mão na cabeça de quem faz atrocidades, como o dossiê dos aloprados contra mim. Ninguém foi punido dentro do PT", afirmou, referindo-se a episódio ocorrido nas eleições de 2006.

Serra ainda procurou mostrar a petista como candidata sem conteúdo. Num certo momento disse que o assunto sobre o qual Dilma fazia perguntas, em torno do ProUni, não era uma preocupação real dela. "Algum assessor te passou isso", ironizou.

Favela. O tucano era o que se mostrava mais agitado entre os três. Não foi só ele, porém, que resolveu endurecer. Marina, estacionada na marca de 8% das intenções de voto, fez críticas à administração tucana em São Paulo e ao uso de uma favela cenográfica na propaganda de Serra.

Contou que no dia anterior visitara uma favela real, no município de Diadema, com 10 mil moradores. "Todos abandonados pelas autoridades", disse.

Na primeira fase do encontro, Marina parecia pender para uma aliança com Dilma, contra Serra. Em seguida, porém, mostrou que deseja se distanciar dos dois.

Além de criticar o "pugilato" entre eles, atacou a propaganda da petista transmitida na terça-feira, que terminava com uma canção sugerindo que Lula vai transferir para ela os cuidados com o povo. "Estão querendo infantilizar os eleitores", acusou.

Dilma pareceu bem mais à vontade e afiada do que no debate da TV Bandeirantes, no início do mês. Procurou se controlar, para não aceitar as provocações de Serra, mais experiente em debates, mas não deixou de responder às críticas. Quando o tucano acusou o atual governo de ter aumentado impostos na área de saneamento, ela retrucou que seria melhor o concorrente não adentrar o assunto, por ter telhado de vidro: "Vocês não fizeram nada nessa área."

A petista foi cuidadosa no esforço para colar sua figura à de Lula. Falou várias vezes em "nosso governo" e "nós". Chegou até a dizer "meu governo".

Os três candidatos foram favorecidos por um formato de debate menos engessado que o da Bandeirantes. O assunto mais debatido por eles foi educação. Ninguém falou do Bolsa-Família. Provavelmente porque levavam em conta o tipo de audiência da internet.

Presidenciáveis elevam tom de ataques em novo debate

DEU EM O GLOBO

Marina e Dilma miram em Serra, que acusa petista de conivência com corrupção
Leila Suwwan e Silvia Amorim

SÃO PAULO. Ataques duros marcaram o segundo debate de candidatos a presidente, promovido ontem pelo "Portal UOL" e o jornal "Folha de S. Paulo". José Serra (PSDB) foi alvo de Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV). Mas reagiu, dizendo que a petista tinha cumplicidade com corrupção e vazamentos de dados sigilosos. Dilma disse que o DEM, aliado de Serra, é contra o ProUni, e acusou o governo Fernando Henrique Cardoso de não ter investido em saneamento. Marina ironizou o programa eleitoral de Serra por usar um cenário imitando uma favela.

Dilma questionou Serra sobre a ação direta de inconstitucionalidade que o DEM move contra o ProUni, programa de bolsa para estudantes carentes em universidades privadas, questionando o sistema de cotas para afrodescendentes. O tucano minimizou o tema para responder que Dilma é ingrata com o governo de Fernando Henrique Cardoso:

- O PT ganha nesse torneio do quanto pior melhor, inclusive em matéria de ingratidão. Você tem fixação no passado. É muito ingrata com o Fernando Henrique, porque ele fez Plano Real e o Fundef, que é dinheiro para a educação no Nordeste.

Em seguida, o tucano ligou o vazamento da prova do Enem em 2009 ao vazamento de dados sigilosos da Receita Federal de um dos vice-presidentes do PSDB, Eduardo Jorge:

- Vocês quebraram o sigilo bancário de um vice-presidente do PSDB e passaram esse resultado para a "Folha".

Dilma disse que a acusação era uma calúnia. E protagonizou uma saia justa ao responsabilizar a gráfica que imprimiu as provas do Enem pelo vazamento do exame - para elogiá-la em seguida, pois os cadernos foram furtados no parque gráfico do Grupo Folha. Também disse que é preciso olhar para o passado:

- Essa história de que não dá para olhar para o retrovisor é um perigo enorme para um país que tem a história que nós temos. Temos uma história de ditadura e temos de olhar para ela para valorizar a democracia.

Outro momento de desconforto foi quando Dilma foi perguntada sobre o câncer que enfrentou no ano passado.

- É preciso acabar com o preconceito que cerca o câncer, uma doença curável, ainda mais se detectada no início, como foi meu caso - respondeu.

Em resposta à críticas de Serra sobre o aumento de impostos no setor de saneamento, a petista disse o governo Fernando Henrique Cardoso "não fez nada" no setor. Ela também atacou a atuação do adversário, quando governador de São Paulo, na crise financeira de 2009:

- Você supôs que a crise ia ser mais profunda do que foi. Até seria, se tivéssemos adotado os padrões vigentes no governo de vocês.

Marina a Serra: "Não entendi uma favela virtual"

Dilma não conseguiu direito de resposta para as acusações de Serra de que o governo Lula de compactua com o fisiologismo, feito em resposta a uma pergunta de um internauta.

- O loteamento chegou em todas as esferas. Veja agora o que aconteceu com os Correios: tudo loteado entre partidos e setores e grupos de deputados - disse o tucano. - O José Dirceu, que é considerado o chefe, pelo Ministério Público, da quadrilha do mensalão, hoje tem um papel muito importante dentro do PT e da própria campanha da Dilma. Eu não passo a mão na cabeça de quem transgrediu.

Marina foi aplaudida em dois momentos, e teve José Serra (PSDB) como alvo preferencial. A crítica mais contundente ao tucano veio quando indagou sobre o uso de uma favela cenográfica no programa de estreia de Serra no horário eleitoral:

- Sinceramente, não entendi por que no seu programa teve uma favela virtual, quando nós temos uma favela tão real como a que eu visitei em São Paulo.

Marina também criticou o ex-governador paulista com críticas na área da educação.

- No estado de São Paulo, Serra, infelizmente, mesmo com 20 anos de governo do PSDB, temos graves problemas.

Dilma também foi alvo de Marina. Questionada sobre seu eventual apoio à petista num segundo turno entre PT e PSDB, a verde criticou ambos e acusou Dilma de promover uma "infantilização da política":

- Não encontro muita diferença entre o governador Serra e ministra Dilma. Ambos são bons gerentes e muito bons na esgrima. Mas não foram capazes de atualizar seus pensamentos. A infraestrutura não tem planejamento, mesmo com toda essa história de PAC, de mãe, de tio e de avó. O Brasil amadureceu e não precisa ser uma sociedade infantilizada. Estão querendo infantilizar com essa história de pai e de mãe - disse.

Na internet Serra e Dilma: O pau comeu

Dilma até que veio quente, logo no início do debate dos presidenciáveis promovido pela FOLHA/UOL. Mas acontece que Serra estava fervendo. Resultado: o pau comeu entre os dois. A candidata petista teve de ouvir poucas e boas, depois de ter provocado o tucano.

Há uma explicação para tanta belicosidade. Ao contrário da TV, o público de um debate na Internet é restrito e formado por iniciados políticos, que podem ficar em frente ao computador por mais de duas horas em pleno horário de expediente de trabalho.

Este tipo de público é mais afeito ao confronto de idéias e de propostas. Sua expectativa é o debate duro. É pule de dez que o mesmo clima não se reproduzirá em outros debates televisivos, particularmente no da TV Globo, onde a audiência se medirá na casa de dezenas milhões de expectadores.

Bateu, levou

Serra bateu não apenas em Dilma, mas também no PT e no governo Lula. Na verdade, aproveitou-se de uma besteira da petista, quando ela insinuou que o tucano era contra o PROUNI porque o “Democratas” é autor, no STF de uma ADIN contra este programa. Foi a deixa para Serra dizer: “em matéria do quanto pior, melhor, o PT é campeão. Vocês foram contra o Plano Real, ingressaram na Justiça contra o Fundef, e a Lei da Responsabilidade Fiscal e foram contra o PROER que depois você elogiou. Não votaram em Tancredo e não assinaram a Constituinte”.

De forma inédita, um candidato do PT - no caso, Dilma - teve que admitir publicamente ter sido um erro o Partido dos Trabalhadores de feito oposição ao Plano Real.

A partir daí foram três blocos de confronto entre os dois candidatos. Marina Silva fez o papel, em alguns momentos, de linha auxiliar da petista. Depois de um intervalo, voltou ao seu leito normal de equidistância entre as duas candidaturas, provavelmente aconselhada por assessores. É isto que explica sua crítica, quase ao final do debate, a Dilma e a Lula por quererem “infantilizar o Brasil com essa história do Pai e da Mãe dos brasileiros".

Não se pode dizer que Dilma fugiu da raia ou que perdeu o rumo. No entanto, o confronto não foi bom para ela. Toda vez que focava no governo FHC, recebia uma dura resposta de Serra. Sem papas na língua, o tucano responsabilizou Dilma e o governo pela elevação da tarifa energética, porque elevou brutalmente o imposto cobrado da energia.

Mentira

Faltou experiência à petista, pois deveria ter pedido um direito de resposta quando foi chamada de mentirosa por Serra, em virtude de ter insistido na cantilena de que Fernando Henrique ter criado uma lei que impedia o governo federal de criar escolas técnicas. Serra foi irretocável ao dizer que “Dilma fica tão focada no passado, que o retrovisor do seu carro é maior do que o para-brisa”.

Macaco velho, escolado em matéria de confronto, cobrou da candidata do PT o aumento de impostos por parte do governo Lula e por duas vezes ligou Zé Dirceu à candidatura petista, lembrando que o Ministério Público o acusou como chefe da quadrilha do “mensalão”. Dilma ficou caladinha da silva.

Prudentemente, Serra manteve o controle dos nervos e não partiu para cima de Marina, apesar de ela ter feito o jogo da Dilma nos dois primeiros blocos, particularmente quando falou da “favela virtual” do programa de Serra. Claro que nesta hora, Dilma abriu um amplo sorriso, como se estivesse agradecendo à mãozinha dada pela candidata do Partido Verde.

Em palpos de aranha

O pior para Dilma estava por vir.

Ela ficou em palpos de aranha quando perguntou o internauta Romeu:

"Dilma, há tempo atrás você falou que o vice do Serra foi improvisado, e eu concordo com você, eu acho que ele foi improvisado mesmo. Agora, você também não foi improvisada? Quer dizer, você é uma neopetista, com carreira política transparente, de bastidores, você nunca participou de nenhuma eleição. Você não foi quem sobrou? Ou você acha que se o Lula não tivesse tido que cortar a cabeça do Genoíno, do Zé Dirceu, do Palocci, por conta dos escândalos que eles se meteram. Você acha que ainda assim você teria alguma chance de ser candidata à presidência da República pelo PT?".

Visivelmente incomodada, respondeu com aquela história de foi a primeira mulher a ser isso, a primeira mulher a ser aquilo, desfiando todos os cargos que ocupou, até concluir: “sou uma política não tradicional, pois não tive uma atuação parlamentar.”

Ou seja, voto, que é bom, nunca disputou.

E para completar, ainda veio outro internauta com outra pergunta incômoda sobre a posição de Dilma sobre o aborto, lembrando que em 2007 a então Ministra deu declarações favoráveis à sua legalização. A hoje candidata não reafirmou esta posição, fez um discurso sobre a correção da lei atual, que trata o aborto como caso de saúde pública. Mas sua resposta deve ter deixado muitos religiosos de orelha em pé, pois faltou convicção em suas palavras.

Vencedor e vencidos

Está certo que é duro ficar duas horas e meia em frente do computador. Mas valeu o sacrifício. Afinal de contas o debate não foi tão modorrento como o são os debates televisivos, onde há uma camisa de força que impede qualquer confronto.

Neste debate, importa pouco titular o vencedor. Ele aconteceu num público majoritariamente “viciado”. A menos que algum dos candidatos derrapasse para além do esperado.

Se Pitacos fosse colocado contra a parede, obrigado a fornecer o IP (Índice Pitacos de avalição de candidatos em entrevistas e sabatinas), não teria dúvidas.
Serra obteria a maior pontuação. Foi consistente nas críticas e proposições, sem explodir seus nervos.

Dilma melhoraria, em relação às notas anteriores, na comparação de Dilma com ela mesma. No público não definido, talvez tenha perdido espaço, por ter fugido de algumas questões espinhosas, fazendo-se de surda. Ao fazer críticas baseada em dados infundados, num público qualificado, nada acrescenta à credibilidade que busca.

Marina Silva não foi bem. Oscilou entre descer o pau ora em Serra, ora em Dilma.

Nessa direção, não acumula. Confunde e divide suas fileiras. Saiu pouco menor do que entrou. E ainda terá de se explicar no seu círculo mais fechado.

O debate da Folha/Uol apontou uma direção. Em ambientes restritos, a luta será aberta. No amplo público, a moderação prevalecerá.

Espera-se.

"Serei a voz de Minas no Senado"

DEU NO ESTADO DE MINAS

Entrevista/AÉCIO NEVES

Ex-governador diz que é preciso existir no país um compromisso em torno das reformas

Bertha Maakaroun

Na era pós-Lula, o ex-governador Aécio Neves (PSDB), candidato ao Senado, pretende, se eleito, fazer o que mais gosta: política. Articular a maioria no Senado, para viabilizar reformas estruturais no país, é um dos principais objetivos do tucano, que reclama do Congresso Nacional uma atuação mais transparente e uma pauta de temas de interesse da nação. Acho que o Brasil está maduro o suficiente para que a oposição e a base governista se entendam em torno de reformas que permitirão ao Brasil superar gargalos enormes e que possibilitarão crescimento muito maior, muito mais vigoroso do que tem ocorrido, afirma. Ele defende as reformas tributária, política e da Previdência e acha necessária a revisão da Lei Kandir, que desonera as exportações, e a revisão da Lei dos Royalties para o setor da mineração. O candidato fala ainda sobre a falta de generosidade do PT para reconhecer avanços nos governos que antecederam Lula, de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Quando em campanha dentro do PSDB pela indicação do partido para concorrer à Presidência da República, o senhor lançou a expressão pós-lulismo. Por quê?

Apresentei uma proposta alternativa ao partido, discuti o quanto pude, viajamos em vários estados levando a proposta de uma candidatura pós-lulismo, olhando para o futuro, que reconhecesse os avanços que vêm ocorrendo no Brasil após esses últimos anos a partir principalmente do governo Itamar Franco, passando pelo governo Fernando Henrique Cardoso e pelo governo Lula. Sinto-me incomodado que o PT não tenha essa generosidade de considerar o que os outros fizeram. O presidente Itamar Franco, quando assumiu o governo no momento de crise, do impeachment de um presidente, o PT negou-se a dar a ele apoio porque tinha um candidato à Presidência da República que aparecia como favorito: o próprio Lula. Quando veio o governo do presidente FHC, apresentamos o Plano Real. O PT se colocou contra porque achava que isso poderia, como acabou acontecendo, fortalecer a candidatura do FHC. Prevaleceu o interesse do partido e não do país. O PT tem essa incapacidade de reconhecer que não teria havido o governo Lula se não tivesse havido o governo FHC e Itamar, a estabilidade econômica. Então propunha algo que reconhecesse em todos os governos um papel muito importante, de apontar para o país uma nova agenda de convergências, de reforma, independentemente de quem fosse governo ou oposição.

Se eleito, como será a sua atuação no Senado na era pós-Lula: na condição de situação ou de oposição?

Eu tive já uma experiência importante no Congresso. Fui parlamentar por 16 anos, fui líder do PSDB no governo FHC por quatro anos, fui presidente da Câmara dos Deputados e consigo distinguir de forma muito clara aquelas que são questões de Estado, que interessam ao país, e aquelas que são questões de governo. É muito importante que haja um compromisso de governo e da oposição, independentemente de quem seja governo e oposição, em torno das questões de Estado. E eu esclareço o que é isso: a reforma política, a reforma tributária, a própria reforma do Estado brasileiro, a reforma da Previdência são questões que precisam acontecer independentemente de quem seja o próximo presidente da República. O que acho que poderá ser o meu papel, se vier a ser eleito, é construir uma maioria da qual participem setores ligados ao eventual futuro governo e da oposição para viabilizar essa agenda. Eu gosto da atividade parlamentar, gosto da discussão. Acho que o Congresso está devendo ao país e o Senado em especial uma atuação mais transparente, com uma pauta mais diretamente ligada ao interesse do país. Somos todos caudatários das decisões do Executivo. O Congresso anda curvado, subjugado pela força do Poder Executivo. Pretendo fazer articulação muito além de Minas. Quero que Minas tenha uma bancada de pelo menos 30 senadores ligados a nós, de vários partidos, nos ajudando a defender nossos interesses. O meu papel é ser a voz de Minas no Senado.

As reformas retornam à pauta em toda campanha política, mas, ao final, não se concretizam. Por quê?

A agenda de reformas ou ocorre nos primeiros seis meses de governo, quando todo o Executivo recém-eleito e o parlamento foram hidratados, oxigenados pelas urnas, ou elas não acontecem mais. Então, de todas as prioridades, a primeira delas é construirmos nos primeiros seis meses um consenso, independentemente de quem seja o próximo presidente da República. Nós, ao longo dos últimos 16 anos, assistimos a uma oposição que não fez bem ao país. Tanto o PT em relação ao governo Fernando Henrique, que encontrava vício de origem em tudo o que vinha do Executivo, se colocava contra como fez com o Plano Real e com a Lei de Responsabilidade Fiscal, para citar apenas dois marcos , nós mesmos do PSDB, em determinados momentos, fomos por esse mesmo caminho. Acho que o Brasil está maduro o suficiente para que a oposição e a base governista se entendam, repito, em torno de reformas que permitirão ao Brasil superar gargalos enormes e que possibilitarão crescimento muito maior, muito mais vigoroso do que tem ocorrido. O Brasil avançou muito ao longo de todos esses últimos governos. Mas do ponto de vista congressual, estrutural, nós não avançamos. Porque quem estava na oposição, o PT e depois nós, não trabalhávamos no sentido de viabilizar. E não houve vontade política suficiente, do atual governo em especial, porque teve maior tranquilidade diferentemente do governo FHC, que teve quatro crises econômicas sucessivas. O presidente Lula não demonstrou vontade política de enfrentar contenciosos em torno dessas reformas.

O que faltou ao governo federal para impulsionar as reformas?

O atual governo tem muitas dificuldades de enfrentar contenciosos. Eu me lembro que na disputa pela reeleição o tema central da campanha do presidente no segundo turno era a reforma política. No momento em que ela começa a incomodar alguns partidos aliados, que temem desaparecer ou fazer fusão, ela sai da pauta.

O senhor vai trabalhar por um novo pacto federativo?

O Brasil caminha infelizmente para formar um estado unitário. A federação está em frangalhos. Essa é outra questão que temos de trazer para a discussão congressual. A raiz dos grandes problemas que o Brasil vive hoje está na concentração absurda de receitas tributárias nas mãos da União com fragilização da federação: 70% de tudo o que se arrecada no Brasil está concentrado nas mãos da União. Então, refundar a federação é prioridade minha. Tenho ideias objetivas de como começar. Por exemplo, a figura estradas federais. É uma figura esdrúxula, só existe no Brasil. As estradas devem ser de responsabilidade dos estados com a transferência integral dos recursos da Cide (imposto dos combustíveis). Esse já seria um primeiro passo nessa direção. Vou além. O Fundo Nacional de Segurança e o Fundo Penitenciário, que ainda têm valores irrisórios e devem ser fortalecidos, são contingenciados sucessivamente pelo governo. Deveríamos determinar que a liberação do Fundo Nacional de Segurança e Fundo Penitenciário seja feita automaticamente por duodécimo para cada estado da federação proporcionalmente à sua população. Medidas como essa têm de ser discutidas no Senado.

O problema dos royalties da exploração do minério e a revisão da Lei Kandir, que desonera as exportações, são pontos que estão na agenda política desta eleição. Como viabilizá-los?

É fundamental que haja posição firme do governo federal. Trabalhamos no novo marco regulador do setor mineral, junto com o ministro Edson Lobão, a proposta de reclassificação e aumento dos percentuais dos royalties foi incluída na proposta entregue ao governo por nós. Essa proposta foi apresentada, mas não houve articulação política para que fosse votada. Nós sabemos o que precisa ser feito, mas o que falta é vontade política do governo federal de encaminhar a questão e bancar essa questão no Congresso Nacional. Eu pretendo, sendo do governo ou não, ter uma posição muito ativa na negociação com o governo. Olha, sinto que falta arte na política brasileira, falta articulação e construção de maiorias negociadas. Essa é uma questão plenamente negociável no Congresso Nacional e é das que mais me estimulam, pois é absolutamente injusta a atual repartição.

Dentro do PSDB, o senhor está agora na primeira posição da fila para ter a indicação de candidato à Presidência da República em 2014?

Não posso disputar uma eleição agora pensando no que vai acontecer comigo lá adiante. O que garanto é o seguinte: quando estiver vou estar articulando em favor de Minas, brigando pelos interesses de Minas, e vamos ver o que acontece lá na frente. Eu gosto de fazer política. Faço com prazer e não preciso estar em determinado cargo para ter toda a minha satisfação atendida. Estou muito bem. E me faz muito bem, me completa em minha atuação política a possibilidade de representar Minas no Senado. A Presidência é muito mais destino e é mesmo. Estou vivendo algo nas últimas semanas, que é ser recebido como estou em todas as regiões do estado, com respeito e carinho das pessoas. Isso me basta. A minha candidatura ao Senado é a nova etapa do mesmo projeto, que passa pela eleição do Anastasia aqui.

Gestão na saúde opõe Cabral e Gabeira

DEU EM O GLOBO

No primeiro programa com candidatos ao governo do Rio, peemedebista exalta UPAs e verde critica corrupção no setor

Maiá Menezes e Paulo Marqueiro

No primeiro dia de propaganda eleitoral gratuita para os candidatos ao governo do estado, o governador Sérgio Cabral (PMDB), que concorre à reeleição, e seu principal adversário, Fernando Gabeira (PV), apresentaram ontem, na TV, visões completamente distintas sobre a área de saúde, dando a impressão aos eleitores de que estavam falando de estados diferentes. O candidato verde partiu para o ataque e prometeu combater a corrupção, revendo contratos suspeitos na saúde. Cabral, por sua vez, exaltou as UPAs e hospitais de referência.

Uma das cenas do programa de Gabeira mostrava valões de esgoto no Jardim Catarina, em São Gonçalo. E a legenda informava que 250 mil moradores do local não tinham saneamento, enquanto "milhões de reais eram desperdiçados pela Secretaria de Saúde".

- Quero reorganizar o sistema de saúde e combater a corrupção, porque corrupção mata - disse Gabeira, que estimulou os eleitores a enviarem pela internet vídeos com denúncias.

Cabral diz que, ao assumir, "saúde estava arruinada"

O programa do candidato verde - que resgatou o jingle "o Rio de Gabeira", usado na campanha para prefeito, mostrou uma entrevista em que a presidente da Associação dos Funcionários do Iaserj (Afiaserj), Mariléa Ormond, critica a demolição do instituto, depois de o governo do estado ter prometido recuperar a unidade. Em outro trecho, José Romano, diretor do Sindicato dos Médicos, diz que o atual governo havia fechado hospitais e reduzido o número de leitos, fazendo com que 10 mil profissionais de saúde deixassem a rede estadual.

Já o programa de Cabral mostrou imagens das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) - uma das vitrines de sua administração - e de equipamentos médicos sofisticados, informando que o atual governo construiu 37 UPAs e realizou seis vezes mais atendimentos do que o governo anterior (de Rosinha Garotinho). A propaganda dizia ainda que, quando Cabral assumiu, "a saúde estava arruinada" e que hoje o estado dispõe de mais dois hospitais de referência (o Heloneida Studart, em São João de Meriti, e o Dona Lindu, em Paraíba do Sul) e da maior UTI pública do país (Hospital Alberto Torres, em São Gonçalo, com 75 leitos).

As 12 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) implantadas em favelas do Rio pelo atual governo também foram destaque no programa de Cabral.

- Muita gente dizia que era impossível pacificar as favelas, mas os resultados começam a aparecer com as UPPs - disse Cabral, que prometeu que até 2014 "todas as comunidades que vivem sob domínio do poder paralelo serão pacificadas".

Ao longo do programa, Cabral exaltou a parceria com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo depoimento foi apresentado logo no início:

- Estou convencido de que eu e você (referindo-se a Cabral) podemos construir juntos a maior aliança política que um presidente da República já fez com o Rio de Janeiro.

A propaganda de Cabral destacou ainda o bilhete único, as obras do PAC nas favelas e a conquista do direito de sediar as Olimpíadas de 2016. A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, apoiada por Cabral, não foi citada.

Governador recebe alta e fica de repouso até segunda

Cabral recebeu alta ontem de manhã depois de ficar dois dias no Hospital Copa D"Or, em Copacabana, onde fez uma operação de emergência no menisco direito. Segundo seu médico, o ortopedista Luis Antônio Vieira, o governador ficará de repouso em casa até segunda-feira.
- Ele reagiu muito bem. Vai ficar de repouso até segunda-feira em casa, com a perna para cima, fazendo algum exercício, começando a reabilitação em casa. Ele está podendo andar de muletas, e semana que vem, aos poucos, vai voltar às atividades. É claro que terá algumas restrições, mas vai dar para trabalhar - disse o ortopedista.


Uma nova fase :: Fernando Gabeira

Começou uma nova fase da campanha caracterizada pela presença da TV, não só pelos debates mas também pela propaganda eleitoral gratuita. Esse é o momento onde um número muito maior de pessoas toma conhecimento das campanhas e dos candidatos. E é nesse momento onde podemos iniciar nossa arrancada, ir para o segundo turno e vencer as eleições. Mas isso vai depender da observação de cada um, do esforço que cada um faça, no sentido de avançar a nossa proposta.

Temos pouco tempo, não é uma eleição comum, ela é baseada numa propaganda anterior do governo que custou 430 milhões. Portanto nós temos que, simultaneamente, desmontar essa imagem falsificada pela propaganda oficial e apresentar nossas propostas. Uma tarefa dupla, típica da tarefa de oposição, que pretendemos levar com dignidade e com muita clareza.

Governo dá anistia a Betinho 13 anos após morte do sociólogo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Viúva receberá indenização em dobro; casal foi perseguido durante a ditadura militar

Larissa Guimarães

DE BRASÍLIA - Treze anos após a morte do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, o governo concedeu a ele a condição de anistiado político. Sua família terá direito a uma indenização em prestações mensais de R$ 2.294, além de R$ 207,7 mil como valor retroativo. O montante será recebido pela viúva Maria Nakano.

Betinho foi um dos coordenadores do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas) e levantou a campanha Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, a partir de 1993.

Após o golpe militar, foi perseguido pela ditadura. Em 1970, partiu para o exílio e só voltou ao Brasil em 1979.

Ontem, o advogado da família de Betinho pediu para que a Comissão de Anistia reavaliasse o valor retroativo, de R$ 207,7 mil. Ele alegou que há documentos que comprovam a existência de um pedido mais antigo, de 1983. A comissão concordou em fazer nova análise, mas ainda não há data definida.

A viúva do sociólogo também foi anistiada e receberá indenização em prestações de R$ 1.205, além de R$ 109 mil retroativo. Ela deixou de assumir o cargo de professora porque, na época, vivia na clandestinidade.

Dobra número de empresas vendidas para estrangeiros

DEU EM O GLOBO

No segundo trimestre deste ano, o total de operações de empresas estrangeiras comprando companhias brasileiras chegou a 56. Esse número é mais do que o dobro das 21 transações do mesmo tipo realizadas de janeiro a março, segundo a consultoria KPMG do Brasil. Também é o maior número desde 1994. O levantamento não leva em conta negócios bilionários fechados nas últimas semanas, como a compra de parte da Oi pela Portugal Telecom, o avanço da espanhola Telefónica na Vivo e a união da TAM com a chilena LAN, que pode ampliar ainda mais sua fatia no mercado brasileiro se a legislação mudar. "As empresas brasileiras estão se internacionalizando também. É a outra face do mesmo processo. É um jogo de mão dupla", avalia Antônio Corrêa de Lacerda, um especialista no tema.

Investida estrangeira no Brasil

Compra de empresas brasileiras por capital externo dobra no 2º trimestre

Ronaldo D"Ercole

O bom momento da economia brasileira despertou de vez o apetite de grupos estrangeiros por empresas nacionais. Pesquisa da KPMG do Brasil mostra que o número de aquisições de empresas brasileiras por estrangeiros mais do que dobrou no segundo trimestre, passando de 21 transações entre janeiro e março para 56 operações entre abril e junho - o maior número já registrado num segundo trimestre desde 1994, quando o levantamento começou a ser feito. Em todo o primeiro semestre, foram 77 negócios ao todo, um incremento de 64% em relação à 47 aquisições dos primeiros seis meses de 2009.

Transações como a entrada da Portugal Telecom na Oi, com a benção do BNDES e dos fundos de pensão, no final de julho, e a fusão da TAM com a LAN, anunciada semana passada e que resultará numa companhia de controle majoritário chileno, comprovam o ostensivo interesse pelo país.

- Fusões e aquisições são operações que precisam de cenários de certa estabilidade, pois exigem investimentos de longo prazo. Com a crise, a partir de 2008, houve um represamento de projeto. Agora, com a perspectiva muito boa para o Brasil, isso muda - diz Luís Motta, sócio da KPMG especialista em fusões e aquisições.

Americanos e chineses lideram

Em 2008, quando a crise se fazia sentir mais forte no hemisfério Norte, o executivo lembra que das 663 operações de fusão e aquisição registradas pela KPMG no país, 72% tinham compradores brasileiros. Depois os negócios encolheram. O segundo trimestre, segundo Motta, marca a volta dos estrangeiros ao país, com predomínio de americanos(27) e chineses (10) nas aquisições no primeiro semestre.

- Não existe uma desnacionalização e, relativamente, as coisas estão equilibradas, porque as empresas brasileiras estão também num ritmo forte de internacionalização - observa Motta, referindo-se às 38 aquisições feitas por brasileiros no exterior no período.

Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), concorda e diz que o que há é um processo de internacionalização da economia brasileira. A maior concentração de estrangeiros, observa, se dá em setores em que a competição cada vez mais se dá em nível global:

- A competição internacional, em setores como o das telecomunicações, por exemplo, contempla e demanda por consolidação de empresas devido aos altos investimentos em tecnologia exigidos e à necessidade de escala.

Ex-presidente da Sobeet e professor da PUC de São Paulo, o economista Antônio Corrêa de Lacerda ressalta justamente a importância de o país definir estratégias para que a internacionalização de sua economia se dê de forma saudável. Corrêa cita o fato de que ter sócio estrangeiro implica na remessa de dólares para fora, que afeta as contas do país. Mas o principal desafio consiste em garantir que a operação brasileira participe dos projetos de desenvolvimento e inovação definidos pelas matrizes que aqui se instalam com as aquisições de empresas locais.

- A internacionalização traz desafios e o risco que corremos é ficar à margem das inovações, como meros fabricantes de produtos - diz Lacerda, que também rechaça a visão de um processo de desnacionalização no país.

- As empresas brasileiras estão se internacionalizando também. É a mesma face do mesmo processo. É um jogo de mão dupla.

Violência, só fora dos jornais

DEU EM O GLOBO

A um mês de eleição, Justiça da Venezuela proíbe publicação de fotos e textos agressivos

CARACAS – Em reação ao que alegaram ser a instituição da censura e uma manipulação governamental a um mês das eleições legislativas na Venezuela, setores da imprensa e organizações de defesa à liberdade de expressão protestaram ontem contra a decisão de um tribunal de proibir todos os veículos da mídia impressa do país de difundir imagens de teor violento. Apesar de o governo de Hugo Chávez não fornecer dados sobre a insegurança no país, números extraoficiais indicam que a Venezuela é um dos lugares mais violentos da América Latina, e a questão é o tema que mais preocupa os venezuelanos, segundo pesquisas.

A decisão judicial, que segundo a Defensoria Pública foi tomada a fim de proteger menores de idade e a coletividade em geral, afeta a imprensa de formas diferentes. Os principais atingidos são o "El Nacional" e o "Tal Cual", que publicaram a fotografia pivô da ação, feita num necrotério municipal, mostrando corpos de vítimas de violência nus e empilhados. Os dois diários, críticos ao governo, estão sendo processados pela publicação da foto e, enquanto não há uma decisão oficial, eles também ficam proibidos de veicular "informações e publicidade contendo sangue, armas e mensagens de terror, que afetem a integridade psíquica e moral de crianças e adolescentes". O desrespeito da ordem é punido com multa.

Para todos os outros, fica vetada a publicação de imagens de cunho violento pelo período de um mês - o que, como observam alguns críticos, casa quase exatamente com a data das eleições legislativas: 26 de setembro, e nas quais Chávez encontra-se ameaçado de perder a hegemonia na Assembléia Nacional.

- Que casualidade que seja durante o mês crucial para a campanha eleitoral - ironizou Marcelino Bisbal, da Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas. - O tema precisa ser colocado no debate público.

A medida, no entanto, leva a questão para o lado oposto. Ontem, o "El Nacional" circulou com algumas páginas em branco, e, na capa, exibia a palavra "censurado". Miguel Henrique Otero, presidente e dono do diário, disse ao GLOBO que, pela primeira vez durante 11 anos de governo Chávez, a imprensa escrita se encontra sob censura prévia.

- Chávez já havia perseguido rádio e emissoras de TV, usando a justificativa de estar cumprindo outras leis. Mas os jornais não tinham sido afetados - diz, revelando que a edição de ontem vendeu 30% a mais.

Para presidente, fotos são complô

Segundo David Natera, presidente do Bloco da Imprensa - organização que agrupa os proprietários dos principais diários do país - a ação contra os jornais tem cunho político.

- A decisão do tribunal responde à vontade do chefe de Estado. A Justiça é controlada por Chávez - disse.

A organização Repórteres Sem Fronteiras e o sindicato venezuelano dos trabalhadores da imprensa também criticaram a decisão.

O cartunista do "Tal Cual" Roberto Weil, famoso pelas caricaturas que faz de Chávez, sempre com bota de militar cobrindo sua cabeça "para frisar seu autoritarismo", considera que a intenção do governo é clara: silenciar qualquer crítica à sua derrotada política de segurança pública.

- Ainda não sei se a caricatura se enquadrará nesta proibição. Já estou começando a pensar em substituir o desenho de um revólver. Será que pistola de água pode? E no lugar de sangue? Ketchup? - questiona.

O presidente venezuelano, por sua vez, rebateu as críticas, qualificando de complô a reação internacional gerada pela decisão judicial. Para Chávez, a exibição da fotografia do necrotério pelos dois jornais demonstra o desespero da oposição, que planejaria sabotar a revolução.
Colaborou: Mariana Timóteo da Costa

O que pensa a mídia

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Bach - Goldberg Variations: Aria (Glenn Gould)

Ouvindo apenas :: Ferreira Gullar

e gato e passarinho
e gato
e passarinho (na manhã
veloz
e azul
de ventania e ar
vores
voando)
e cão
latindo e gato e passarinho (só
rumores
de cão
de gato
e passarinho
ouço
deitado
no quarto
às dez da manhã
de um novembro
no Brasil)