quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna


“ Contudo, é do próprio processo dessa sucessão presidencial que vem os avisos de desvios de rota, mesmo que se possa desconfiar de que eles sejam meramente parte de uma estratégia eleitoral de setores, que no interior do governo, patrocinam a candidatura situacionista. Pois é deles que têm partido a sinalização para uma forma de capitalismo de Estado orientada para objetivos grão-burgueses de grandeza nacional, associando o empresariado, por meio do financiamento estatal, aos seus propósitos. Trata-se da situação clássica de "exasperar, por meio de recursos políticos, a conquista de fins econômicos", tendente, também classicamente, a realizar uma fusão entre essas duas dimensões “



(Luiz Werneck Vianna, no artigo, ‘Ventos do sudoeste’, Valor Econômico, segunda-feira, 9/8/2010)

Em nome dos fatos :: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Inflação fora de controle quem enfrentou foi o Plano Real. O acumulado em 12 meses estava em 5.000% em julho de 1994. Quando a inflação subiu em 2002, no último ano do governo Fernando Henrique, pela incerteza eleitoral criada pelo velho discurso radical do PT, ficou em 12%.

Ela foi reduzida pelo instrumental que o PT havia renegado. Isso é a História. O resto é propaganda e manipulação.

O PT e o governo Lula têm dito que receberam o país com descontrole inflacionário e a candidata Dilma Rousseff repetiu isso na entrevista do Jornal Nacional. O interesse é mexer com o imaginário popular que lembra do tormento da inflação.

A grande vitória contra a inflação foi conquistada no governo Itamar Franco, no plano elaborado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, como todos sabem. Nos primeiros anos do governo FH houve várias crises decorrentes, em parte, do sucesso no combate à inflação, como a crise bancária.

Foi necessário enfrentar todas essas ondas para garantir a estabilização. Nada daquela luta foi fácil. A inflação havia derrotado outros cinco planos, e feito o país perder duas décadas.

Todos sabem disso. Se por acaso a candidata Dilma Rousseff andava distraída nesta época, o seu principal assessor Antonio Palocci sabe muito bem o que foi que houve. Ele ajudou a convencer os integrantes do partido a ter uma atitude mais madura e séria no combate à inflação.

O PT votou contra o Plano Real e fez oposição a cada medida necessária para consolidar a nova ordem. As ideias que o partido tinha sobre como derrotar a alta dos preços eram rudimentares.

Em 2002, a inflação subiu principalmente nos dois últimos meses, após a eleição. A taxa, que havia ficado abaixo de 6% em 2000, subiu um pouco em 2001 e ficou quase todo o ano de 2002 em torno de 7%. Em outubro daquele ano, o acumulado em 12 meses foi para 8,5%. Em novembro, com Lula eleito, subiu para 10,9% e em dezembro fechou em 12,5%.

É tão falso culpar o governo Fernando Henrique por aquela alta da inflação — de 12,5% repita-se, e não os 5.000% que ele enfrentou — quanto culpar o governo Lula pela queda do PIB do ano passado, que foi provocada pela crise internacional.

Recentemente, conversei com um integrante do governo Lula que, longe dos holofotes e da campanha, admitiu que essa aceleração final foi decorrente do fato de que a maioria dos empresários não acreditava que o governo Lula fosse pagar o preço de manter a estabilização.

Esse foi o mérito do PT. Foi ter contrariado seu próprio discurso, abandonado suas próprias propostas, por ter percebido o valor da estabilização.

Esse esforço foi liderado por Palocci e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. A inflação entraria numa rota de descontrole que poderia até ter destruído o esforço feito durante os oito anos anteriores se o governo Lula tivesse persistido nas suas propostas.

A História foi essa e não a que a candidata Dilma Rousseff apresentou.

No caso da dívida, também a versão apresentada em palanque é diferente dos fatos. Por medo do governo Lula houve fuga de capitais e dificuldades de renovação de empréstimos a empresas brasileiras. Na negociação com o FMI, o Brasil acertou um empréstimos em que quase todas as parcelas seriam liberadas no governo Lula. Era para garantir um começo mais fácil para a nova administração. A conquista da confiança na condução econômica pela dupla Palocci-Meirelles fez com que a maior parte do dinheiro do Fundo nem fosse sacada porque os financiamentos voltaram. No final de 2008, houve de novo uma drástica suspensão do crédito externo para empresas brasileiras, mas não se pode culpar o governo Lula por isso. Como se sabe, foi a crise bancária americana e europeia. Com alguns números se pode construir versões fantasiosas, ou se ter a coragem de dizer a verdade, mesmo em época eleitoral, para não negar o mérito do passado, e mostrar o que se avançou.

Há virtudes na política econômica do começo do governo Lula. Nos últimos tempos há muitos defeitos também. Mas o importante agora é constatar que não é verdade que o país tenha crescido abaixo da média dos outros durante o governo Lula por culpa do governo anterior. O Brasil cresceu 1% em 2003. Depois cresceu forte em 2004. Nos anos de 2005 e 2006 o PIB variou 3,16% e 3,9% e o mundo crescia bem mais. Não é possível responsabilizar o governo anterior por isso, evidentemente. Depois de crescer 6% e 5% em 2007 e 2008, o Brasil teve uma pequena queda do PIB, 0,19%, no ano passado, por causa da crise externa e não de qualquer erro do governo Lula. Um número melhor do que o da Rússia, e abaixo dos outros Brics.

Enfim, a História é o que a História é. Essas distorções da realidade de época de campanha são tentativa de manipulação da opinião pública. Ofendem a memória e a inteligência das pessoas. Seria preferível que a candidata governista falasse da boa notícia de que em 2010 o país cresce forte, com inflação baixa, e criando emprego. E não que menosprezasse as vitorias de países menores ou que falsiificasse tão grosseiramente os fatos recentes da História do Brasil.

Quem é quem ? :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O fenômeno da transubstanciação de Dilma em Lula é o maior desafio que o candidato oposicionista José Serra enfrenta, sem estar preparado para tal. Aliás, taxá-lo de oposicionista em ambientes populares o preocupa, e sua veia crítica só é utilizada em determinados ambientes e para determinados públicos. O que torna muito difícil a sua vida de candidato.

A capacidade de transferência de votos de Lula era menosprezada pelos tucanos, especialmente pela fragilidade da candidata tirada do bolso do colete, Dilma Rousseff, que era comparada nos bastidores da campanha de Serra ao marechal Teixeira Lott, pela inabilidade política.

Na eleição presidencial de 1960, Lott foi lançado candidato pela coligação governista PTB/PSD que elegera JK e dera sustentação ao seu governo.

Juscelino, interessado em voltar ao poder para um segundo mandato em 1965, (não havia reeleição na época) apoiou Lott, que foi derrotado por Jânio Quadros.

Tudo indica que os tempos são outros e, sobretudo, que Lula é mais popular no momento do que Juscelino jamais foi em sua época, e não há nada parecido com Jânio na postura política de Serra.

A começar pelo receio que o candidato do PSDB tem de atacar Lula, de ser visto como anti-Lula, coisa que não afetou a campanha de Jânio que, ao contrário, centrou seus ataques na corrupção, empunhou a vassoura saneadora e teve êxito.

Serra está à procura de temas que sirvam para atacar o governo Lula sem atacar o próprio, enquanto Dilma a cada dia valoriza mais o papel de laranja eleitoral de Lula, recusando-se a aprofundar o debate de políticas governamentais, passando apenas a única mensagem que interessa, a da continuidade do governo Lula.

No primeiro debate, realizado pela TV Bandeirantes, Serra mostrou o que deve ser o tema central de sua campanha eleitoral na televisão: críticas a temas específicos que são os que aparecem nas pesquisas como os mais mal avaliados do governo Lula: saúde, educação e segurança pública.

Na verdade, o governo Lula tem uma alta avaliação devido quase que exclusivamente à sensação de bem-estar experimentada pela população de maneira geral, e dentro desse clima é impossível querer tratar de temas polêmicos como as reformas da Previdência e da legislação trabalhista, por exemplo.

O próprio Lula, depois de ter iniciado o governo com ânimo reformista, tendo aprovado algumas mudanças importantes na área previdenciária, recuou desse ímpeto e nem mesmo regulamentou os avanços alcançados, anulando-os na prática para não entrar em atrito com os sindicatos.

Ao contrário, o governo Lula deu mais poder às centrais sindicais, reconhecendoas formalmente e negociando com elas a política salarial do país.

Com a economia mundial de vento em popa, pode aumentar o alcance do Bolsa Família e aprofundar a política de dar aumentos reais ao salário mínimo, que vinha do governo anterior.

Nesse quadro de bondades sucessivas, não havia espaço para reformas estruturais do Estado, sem as quais o país não estará realmente preparado para um crescimento sustentável.

Mas como não é possível aos candidatos oposicionistas competitivos na suposição de que Marina Silva do PV seja oposição entrarem nessas discussões de fundo, seria de esperar que pelo menos contestassem o governo nas políticas setoriais que são frágeis.

A candidata Marina, por exemplo, poderia, com conhecimento de causa, denunciar que o interesse do governo Lula e, especificamente, o da ex-ministra Dilma Rousseff pelo meio ambiente não passa de jogada eleitoral.

Ela sabe disso, pois passou quase sete anos no governo tendo divergências internas sérias, e acabou saindo por não conseguir que o meio ambiente fosse um tema central do governo Lula.

Mas Marina se sente mais à vontade em brigar com o PSOL do que com o PT, onde permaneceu por mais de 30 anos.

Da mesma maneira, Serra pisa em ovos quando vai criticar o governo Lula, e parece paralisado em suas ações.

A divulgação, ontem, do novo Índice de Valores Humanos (IVH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) lhe dá dados para uma crítica no setor de saúde, em que ele é muito bem avaliado.

O novo Índice de Valores Humanos é composto pelos setores de trabalho, saúde e educação. Ele mostra o setor de saúde em pior condição do que os outros dois, que também não se encontram bem.

Em uma escala de zero a 1, sendo 1 o melhor resultado, o Brasil tem um IVH de 0,59, sendo que na educação o índice ficou em 0,54, e na saúde, em 0,45.

Esses dados fazem parte de um outro levantamento, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), também do Pnud.

O índice anunciado em outubro do ano passado mostra o Brasil em 75° lugar, tendo caído dez posições no governo Lula, embora continue na faixa de Alto Desenvolvimento Humano.

Mas, na comparação com nossos competidores diretos, continuamos perdendo terreno. Na comparação com o último ranking, cinco países se destacaram por terem subido três ou mais posições: China, Colômbia, França, Peru e Venezuela.

Com exceção da França, que voltou ao grupo dos dez primeiros, China, Colômbia e Venezuela melhoraram na educação.

No nosso caso, é ao contrário.

O Índice de Desenvolvimento Educacional, anunciado pela Unesco em janeiro deste ano, ficamos em 88 olugar, caindo 12 posições no governo Lula em face do baixo nível do ensino fundamental no país.

Há outras listas em que o Brasil vai mal, como o da Transparência Internacional sobre combate à corrupção, onde aparecemos em 80olugar, ou o da violência, onde o Brasil é o 83ocolocado entre 121 países do relatório do Economist Intelligence Unit da revista inglesa The Economist.

Mas quem quer falar de problemas, quando tudo vai indo tão bem?

Mil e uma dificuldades :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O problema já havia surgido de maneira tênue no debate da Band, mas na entrevista do Jornal Nacional ficou explícito: de agora em diante caberá a Dilma Rousseff dar explicações sobre as contradições do PT e do governo Luiz Inácio da Silva.

As cobranças serão feitas a ela e não a Lula, pois é a candidata e não o presidente quem estará presente às entrevistas e aos debates que daqui até a eleição dividirão a cena com o horário eleitoral de televisão e com as pesquisas de intenções de voto.

Do horário cuidam os marqueteiros, das pesquisas tratam os institutos, mas das respostas às perguntas feitas sem combinação prévia só os candidatos propriamente ditos podem se encarregar.

A tarefa não é fácil para nenhum deles; nem para o experiente José Serra, que sempre pode escorregar (como, aliás, já escorregou) diante de um questionamento mais incisivo ou desconfortável. Muito mais difícil é para Dilma. Por escassez de traquejo e abundância de passivos.

Na Band a candidata saiu pela tangente das cobranças de desempenho feitas pelo adversário tucano. Na Globo procurou se equilibrar, mas não conseguiu responder satisfatoriamente. Cobrada sobre resultados pífios no crescimento econômico face ao desenvolvimento de vizinhos e de companheiros na categoria emergentes, socorreu-se na herança maldita, culpando o governo Fernando Henrique e mentiu ao se referir a inexistente descontrole inflacionário em 2003.

Ouviu seu preparo profissional ser posto em questão pelo entrevistador – “a senhora está preparada?” –, que a indagou ainda sobre uma possível tutela por parte do presidente Lula. Não pôde confirmar nem renegar, mas em algum momento daqui em diante terá de responder.

Bem como precisará ser mais clara a respeito do dedo posto por Willian Bonner em cima da ferida: o PT errou quando insultava Sarney, Collor e Renan ou errou depois ao se aliar a eles?

“Antes o PT não tinha experiência, amadureceu no governo”, respondeu Dilma. Quer dizer, é “maduro”, inevitável e indispensável juntar-se ao que há de pior – pelo critério do próprio PT – e, portanto, concluiu-se que, a depender dela, não há o menor risco de o nível melhorar. Se não foi isso, o que então a candidata quis dizer? Nos próximos dois meses terá várias chances de explicar.

O fiador. Antonio Palocci tranquiliza o establishment a respeito de temas que provocam dúvida e suscitam receio. Sobre a preponderância do PT nas decisões de governo sem Lula em cena, tem dito: o partido não tem vocação para atuar na administração. Prefere ficar distante e continuar defendendo algumas ideias das quais não se desgruda desde a fundação. Em miúdos: será o partido de um lado e o governo de outro.

Sobre a presença do PMDB no governo e seus conflitos com o PT: mais objetiva e interessada do que Lula no conteúdo das questões, Dilma sabe melhor como lidar com as dificuldades. Isso facilitará a administração dos mais que prováveis atritos entre PT e PMDB.

Sobre guinada à esquerda: tem ainda menos margem de manobra que Lula para quaisquer concessões. Se Lula teve de se aliar ao atraso, Dilma por mais razão dependerá de alianças, digamos, tradicionais.

Caneta. O PSDB conta com a eleição de Geraldo Alckmin no primeiro turno da eleição em São Paulo para ajudar o desempenho de José Serra no segundo. Eleito governador, Alckmin teria muito mais facilidade para convencer os prefeitos do estado a ajudar o tucano a se eleger presidente.

Vacina. Pelo sim, pelo não, os tucanos mudaram os planos de começar o horário eleitoral com empate entre Dilma e Serra. Já dizem esperar que a pesquisa do Datafolha – para eles a única totalmente confiável – registre a dianteira da petista. Aguardam algo como cinco pontos porcentuais de frente.

Onde está a oposição? :: Marco Antonio Villa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lula lançou a pecha da herança maldita e não houve resposta; estavam assustados

A oposição perdeu a batalha ideológica. E não é de hoje. Quando Lula assumiu o governo, rapidamente construiu um discurso negador do passado -sua especialidade. Com uma diferença: agora estava na Presidência e com muito mais poder para impor a sua versão da história.

Lançando a pecha de que teria encontrado uma herança maldita, não recebeu uma resposta eficaz e convincente dos oposicionistas. Estes estavam assustados e desestimulados. Ser oposição é tudo o que não queriam ser.

Como disse Nícia, na comédia "A Mandrágora", de Maquiavel: "Para os que não têm poder, não existe nem mesmo um cachorro que lhes ladre na cara".

Sem combatividade, estavam prontos para aderir ao governo. Só não o fizeram porque surgiram escândalos envolvendo altas autoridades governamentais, devido às divergências regionais e por uma razão simples: não foram cooptados para fazer parte do governo.

Se os militares golpistas latino-americanos não resistiam a um "cañonazo" de milhares de dólares, os políticos brasileiros não resistem ao "Diário Oficial" e suas nomeações. Apesar da derrota de 2006, a oposição manteve o comportamento light. Nada de críticas. Era necessário pensar na governabilidade. O tempo foi passando e a eleição foi se aproximando.

A cada omissão, mais o discurso oficial se transformava em verdade absoluta, sobre o passado e o presente. Excetuando a batalha contra a prorrogação da CPMF, quando a oposição foi oposição e venceu, nos últimos quatro anos a eficiência governista foi exemplar.

A oposição poderia ter criticado o rumo da economia, a segurança pública, os milhões de analfabetos ou a péssima situação da saúde.
Mas silenciou. Abdicou do combate. Acreditou que o relativo crescimento da economia blindava o governo de críticas. Ledo engano.

No quinquênio juscelinista, o país cresceu a taxas superiores às atuais, realizou grandes obras (o que não ocorre agora) e JK não elegeu o sucessor. Por quê? Porque a oposição fez o seu papel, como em qualquer democracia que se preze. Com a proximidade das eleições, a oposição ficou sem saber o que fazer. Esqueceu uma lição básica (e óbvia): é preciso fazer política. Ao menos enquanto há tempo. A recusa ao debate pode abrir caminho para o autoritarismo.

Afinal, o filho de um oligarca calou o "Estadão", proibindo noticiar suas negociatas; enquanto um partido ocupou ao seu bel prazer as páginas de "Veja". E tudo com a chancela da "justiça". Deste jeito logo começaremos a achar que o México, sob domínio do PRI, era uma democracia.


Marco Antonio Villa é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar

Leandro e seu vídeo são o Juruna 2.0 :: Elio Gaspari

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lula e Cabral acharam que o garoto era mais um bípede de periferia, esqueceram-se da internet e do YouTube

Era uma vez um índio chamado Juruna. Ele escandalizou o país no fim dos anos 70 com um simples gravador. O xavante ia aos gabinetes de Brasília, apresentava seus pleitos, ouvia o blá-blá-blá dos burocratas e gravava. Quando Juruna tocou suas fitas, o Brasil percebeu que não era só ele quem estava sendo feito de bobo e tratado como um estorvo. Juruna transformou-se numa celebridade e, em 1982, tornou-se o primeiro índio a sentar na Câmara dos Deputados. Deu-se à bebida e morreu no anonimato em 2002.

Para felicidade geral, existem hoje internet e YouTube. O garoto Leandro dos Santos de Paula, que vive no conjunto Nelson Mandela, em Manguinhos, perto de uma área conhecida como "Faixa de Gaza", gravou em vídeo uma breve conversa com Lula e Sérgio Cabral durante uma visita dos dois ao bairro e tornou-se um Juruna 2.0.

Leandro queixou-se ao Nosso Guia de que na área esportiva da obra que os maganos visitavam não podia jogar tênis. Tomou a primeira, de Lula: "Isso é esporte da burguesia, porra". (Se Leandro tivesse o chassis de Serena Williams, ele não arriscava uma cortada dessas.) Na condição de pai dos pobres, aconselhou: "Por que você não faz natação?"

"Porque a gente não pode entrar na piscina." Por quê? "Porque não abre para a população."

Nosso Guia virou-se para o governador Sérgio Cabral e ensinou: "No dia em que a imprensa vier aqui e pegar um final de semana com essa porra fechada, o prejuízo político será infinitamente maior do que colocar dois guardas aqui".

Maravilha. A patuleia paga a piscina, não pode entrar, e Lula se preocupa com a possibilidade de a imprensa flagrar a cena. Sem imprensa, tudo bem. Ademais, o que ele teme é o "prejuízo político". O da Viúva é desprezível.

Leandro reclamou do barulho que o "Caveirão" (o blindado com que a PM demonstra sua força) faz à noite na sua rua. Entrou em cena o governador Sérgio Cabral, chamando Leandro de "otário" e "sacana". A intervenção de Cabral foi claramente intimidatória, mas o jovem não baixou a bola. Afinal, como no caso de Juruna, sua ação foi premeditada. Ele é freguês das comemorações triunfalistas do governador. À diferença do índio, ele faz o registro em vídeo.

Cabral sustenta que Leandro está sendo usado por interesses eleitorais. Engano. Foram ele e Nosso Guia que usaram a autoridade que a choldra lhes confere para desfilar vulgaridades, o resto é registro. Como diria o bandido Elias Maluco, "não esculacha". Em seu benefício, foi arrogante, mas não chamou Leandro para a briga, como fez Ciro Gomes em Tianguá, nem estapeou um eleitor em Campo Grande, como fez o governador André Puccinelli. (Nos dois casos, os doutores haviam sido chamados de "ladrão".)

Bem-aventurados os leandros desta vida, bem-aventurado o YouTube e glória eterna ao Juruna. O xavante, depois de eleito deputado, fez um discurso chamando todos os ministros do governo João Figueiredo de "ladrões". O general invocou os sentimentos do ministro do Exército e quis que o ministério o processasse: "Eu quero todos! Quem não fizer, eu demito!" Onze fizeram, e chegou-se a temer uma crise com o Congresso. Deu em nada. O Brasil tinha começado a melhorar.

Genoino e Freire fazem pacto pela reforma política

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Vandson Lima, de São Paulo

José Genoino (PT) e Roberto Freire (PPS), dois postulantes a uma vaga na Câmara dos Deputados nas próximas eleições e lados opostos na disputa entre PSDB e PT pela primazia no cenário político brasileiro, concordaram com a necessidade dos parlamentares eleitos firmarem um acordo para emplacar a reforma política, em seminário realizado pela Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), órgão vinculado à Secretaria Estadual de Gestão Pública de São Paulo.

Genoino propôs que se faça um pacto entre os deputados eleitos, que trabalhariam nos pontos nevrálgicos da reforma até fevereiro de 2011. Ele listou como prioridades o financiamento público, mecanismos que fortaleçam a fidelidade partidária e uma melhor definição na relação de poderes: "Aqui há bicameralismo sem Casa revisora, atribuição que deveria ser do Senado". Defendeu ainda que a reforma política seja feita pela classe política, não pelas instâncias judiciais: "A [classe] política deve comandar, não os tribunais. O Judiciário está virando alterego da sociedade".

Roberto Freire disse concordar com a reforma política, mas avaliou que esta não servirá de dispositivo para combater a corrupção: "É um erro acreditar que uma reforma vá dar jeito na corrupção, que independe do sistema eleitoral". Para o candidato, a reforma servirá para corrigir falhas na lei atual: "Por exemplo, é das coisas mais absurdas que já vi haver um período no qual você possa fazer campanha. Não existe isso de campanha antecipada. Como cidadão, tenho o direito de me expressar politicamente todos os dias."

A temperatura do evento subiu quando Genoino criticou o projeto Ficha Limpa: "Eu assino embaixo as declarações do [ex-ministro do Supremo Tribunal Federal] Eros Grau. Não se pode mudar as regras a todo momento, sem cuidado, sem estabelecer um prazo". O petista bateu também no fato da lei tornar inelegíveis políticos condenados antes da sanção presidencial: "Não existe retroatividade de lei para prejudicar a vítima".

O debate, que teve como moderador o cientista político Marco Aurélio Nogueira, contou ainda com as presenças de Márcio Rabat, membro da Consultoria Legislativa da Câmara, para quem o financiamento público ainda é tema pouco dotado de reflexões aprofundadas, o que torna a redação de um texto para a lei um trabalho árduo. O assessor da Consultoria Legislativa da Câmara Marcelo Barroso Lacombe comparou o sistema político brasileiro com modelos internacionais e mostrou que o financiamento público de campanha é praticado em 16 países da América Latina, além de ser prevalente na Europa.

Brasileirinho - Mika Kaurismaki

A bajulação corrompe :: Rodrigo Constantino

DEU EM O GLOBO

A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose; os admiradores corrompem. (Nelson Rodrigues)

Os principais observadores da natureza humana sempre tiveram receio do estrago que a vaidade excessiva pode causar. Gostamos de elogios, enquanto criamos mecanismos de defesa contra as críticas. O autoengano pode ser uma estratégia útil para a sobrevivência, como diz Eduardo Giannetti em seu livro sobre o tema: O enganador autoenganado, convencido sinceramente do seu próprio engano, é uma máquina de enganar mais habilidosa e competente em sua arte do que o enganador frio e calculista. O enganador embarca em suas próprias mentiras, e passa a acreditar nelas com veemência. Fica mais fácil convencer os demais assim.

Justamente por isso a adulação popular ajuda a criar monstros perigosos.

As piores tiranias foram aquelas com amplo apoio do povo, como Hitler e Mussolini atestam. Aqueles que passam a se cercar somente de bajuladores, enquanto concentram poder e conquistam as massas, acabam blindados contra todo tipo de crítica. Os conselheiros mais sábios ficam impotentes diante da reverência das massas e fazem alertas em vão. De tanto escutar que é uma espécie de messias salvador, o demagogo pode acabar acreditando. Aí reside o maior risco para a sociedade.

Em Teoria dos sentimentos morais, Adam Smith alertou que nas cortes de príncipes, onde sucesso e privilégios dependem não da estima de inteligentes e bem informados, mas do favor de superiores presunçosos e arrogantes, a adulação e a falsidade prevalecem sobre mérito e habilidades. Em tais círculos sociais, conclui ele, as habilidades em agradar são mais consideradas do que as habilidades em servir.

Quando o mais importante é agradar o poderoso governante, a primeira coisa a ser sacrificada será a sinceridade.

Infelizmente, esta é a realidade brasileira. A popularidade do presidente Lula está nas alturas. Boa parte da imprensa com honrosas exceções parece filtrar todas as notícias através de uma lente benigna em prol dele, os intelectuais o tratam com incrível condescendência, e até mesmo um filme foi feito para o filho do Brasil. Há uma espécie de salvo-conduto que lhe permite abusar das contradições e arroubos demagógicos.

O presidente adquiriu uma imunidade que nenhum cidadão teria em seu lugar. Qualquer outro seria julgado de forma severa por aquilo que o presidente Lula diz sorrindo. Um efeito Teflon protege o presidente, já que nenhuma sujeira gruda em sua pessoa.

O problema é que essa bajulação ajuda a despertar a megalomania do presidente, alimentando sua vaidade de forma incrível. O poder corrompe, e o excesso de poder concentrado em alguém vaidoso e sem escrúpulos corrompe ainda mais. Nunca antes na história deste país um presidente contou com tanta indulgência dos críticos.

Lula está perdoado por qualquer pecado antes mesmo de ele ocorrer.

Ele pode se aliar aos mais antigos caciques da política nacional, beijar a mão deles, e tudo é perdoado pelo povo. Ele pode aderir às piores práticas políticas, passar a mão na cabeça dos réus de formação de quadrilha do seu partido, que poucos terão coragem de subir o tom das críticas. Ele pode abraçar os piores ditadores, chamá-los de camaradas, que poucos ousarão atacá-lo com firmeza. Quando se trata do presidente Lula, então tudo faz parte do jogo democrático. Até Jesus Cristo teria que se aliar a Judas para governar o Brasil, não é mesmo? O mal de quase todos nós é que preferimos ser arruinados pelo elogio a ser salvos pela crítica, disse Norman Vincent. Quando um povo perde sua capacidade de indignação, o caminho da servidão está aberto. A postura mais crítica é fundamental para se evitar abusos do poder.

Quando as pessoas se deixam levar pelas emoções ou pelo bolso , a decadência moral da sociedade está iminente.

Se os brasileiros desejam construir uma nação mais próspera, justa e livre, então se faz necessário respeitar princípios éticos básicos. O país precisa de um governo de leis isonômicas, incompatível com a carta branca concedida aos governantes carismáticos. A má conduta deve ser punida, independentemente de seu autor. Ninguém está acima da lei, e os fins não justificam os meios. O cinismo não é uma virtude. A ética não pode ser jogada no lixo, em troca de migalhas.

Precisamos resgatar certos valores que parecem cada vez mais abandonados, antes que seja tarde demais. Devemos enaltecer o espírito crítico. Quem tem boca vaia Roma e Brasília também.

Serra quer mudar imagem do PSDB

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na TV e na campanha de rua, o candidato pretende combater a visão de que o partido é elitista e pouco preocupado com os pobres

Christiane Samarco / BRASÍLIA

Não é com a "cara do PSDB" que o candidato tucano a presidente, José Serra, vai se apresentar na entrevista desta noite ao Jornal Nacional da TV Globo e no programa eleitoral gratuito, na semana que vem. Serra quer que o PSDB tenha a cara dele na disputa presidencial - e não o contrário.

Em reuniões com a coordenação da campanha, Serra e seus conselheiros avaliaram que, no embate com o PT, a acusação de representar um partido que defende menor presença do Estado na economia não é o que mais pesa. O problema maior é a imagem supostamente elitista do partido que, na avaliação dos tucanos, não bate com o discurso nem com o perfil do candidato.

Diante disso, a ordem é reforçar a linguagem e a imagem de candidato distante da figura elitista. Seja no programa eleitoral ou na campanha de rua, o certo é que Serra vai bater bumbo naquilo que considera suas melhores marcas: os medicamentos genéricos, o seguro-desemprego, o perfil antifinancista, a defesa contundente da educação e da saúde públicas de qualidade e de empresas estatais postas a serviço da sociedade, e não de partidos políticos que se aboletam nos cargos os seus aliados.

Os tucanos entendem que Serra é "uma marca popular muito forte", forjada ao longo da própria trajetória política e administrativa dele, e querem reforçar isto no horário eleitoral. Os estrategistas da campanha trabalham para descolar o candidato dos pontos negativos que pesariam sobre a imagem do PSDB e, assim, fazer valer as marcas pessoais do próprio Serra.

Os tucanos acreditam que os adversários estão patrocinando uma ofensiva para convencer o eleitorado das camadas mais carentes de que, assim como o presidente Lula, Dilma Rousseff é a candidata do povo e Serra, da elite. Temem a estratégia porque acham que ela pode chegar às ruas com facilidade.

É precisamente por isso que o tucanato considera a acusação de governar para os ricos como "a mais grave entre todas as marcas distorcidas" que pesam negativamente sobre a imagem do PSDB. Bem pior e mais nociva do ponto de vista eleitoral do que a pecha de "neoliberal", "conservador" ou "privatista".

Comparações. As comparações entre a gestão Lula e o governo Fernando Henrique não preocupam. Dizer que o PSDB não sabe governar e que foi privatista não é considerado problema porque suscita um debate que não "encontra eco" na rua. É a discussão elite versus povo que alarma os tucanos porque tem potencial para gerar desconfiança no eleitorado mais pobre, que depende dos programa sociais do governo Lula e teme um sucessor que "governe para os ricos".

É por isso que Serra insiste no discurso de não dividir o Brasil entre ricos e pobres e em enfatizar os programas que fez em benefício dos mais carentes, tanto no governo como no Congresso. Os tucanos acreditam que os projetos que Serra apresentou quando foi deputado ou senador - como participação na criação do FAT - são importantes porque desmontam a imagem do constituinte competente que só trabalhou por São Paulo.

Os partidários de Serra não se assustam quando o PSDB é apontado como partido ligado aos bancos, que usou dinheiro do contribuinte para socorrer banqueiros, fazendo o Proer. Dizem que os banqueiros não "morrem de amor pelo Serra, ao contrário", e que, do ponto de vista da elite, o deputado Antonio Palocci (PT-SP), que coordena a campanha petista, representa mais esse segmento do que Serra.

Um dirigente tucano admite que vários integrantes da cúpula partidária, como o senador Tasso Jereissati (CE), o ex-deputado Márcio Fortes (RJ), e o ex-secretário municipal Andrea Matarazzo têm a cara do PSDB e são da elite, mas insiste que "Serra não é". E provoca: "Quem é popular no PT é o presidente Lula.O Aloizio Mercadante, a Marta Suplicy e o Eduardo Suplicy são a pura elite paulista".

Serra critica política antidrogas do governo

DEU EM O GLOBO

Tucano faz campanha casada com governador de São Paulo que, no mesmo dia, inaugura ambulatório médico

Silvia Amorim

SÃO PAULO. O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, acusou ontem o governo federal de recorrer a factoides ao anunciar programas de atendimento a dependentes de drogas em ano eleitoral. Durante visita a uma clínica do governo de São Paulo especializada no tratamento de usuários de crack, cocaína e álcool, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, Serra disse que a gestão do presidente Lula não consegue investir no setor os recursos reservados no Orçamento.

Sugiro uma visita aqui para ver o que é preciso fazer nessa matéria, e que o governo federal não está fazendo, porque não apoia essas clínicas. Não executou neste ano nem 20% do orçamento antidrogas. Ao longo dos anos, nem executa o orçamento afirmou Serra. Na verdade, o que foi levantado agora por eles para a candidatura é mais uma coisa de olhar pesquisa, ver que o problema é grave e vai criando factoides.

Gravação de cenas para o horário gratuito eleitoral Em maio, Lula apresentou um plano nacional de combate ao crack, com previsão de investimentos de R$ 410 milhões em um ano. O anúncio foi feito pouco após o tema ter sido explorado pela então pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. Houve então uma série de agendas casadas entre o governo e a campanha petista.

Ontem, horas antes de Serra visitar a unidade em São Bernardo do Campo, inaugurada por ele quando era governador, o seu sucessor, Alberto Goldman, entregou um ambulatório médico de especialidades (AME), na capital paulista, voltado ao atendimento de doentes mentais e dependentes de drogas.

Serra aproveitou a passagem pela clínica no ABC para gravar imagens e depoimentos para o horário eleitoral, que começa na próxima semana.

O tucano prometeu criar uma rede de clínicas especializadas na reabilitação de usuários de crack, cocaína e álcool e voltou a criticar o Ministério da Saúde por não custear internações pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nesse tipo de unidade: Vou criar uma rede nacional de atendimento aos dependentes do crack e da cocaína, como fiz com a Aids. E o Ministério da Saúde vai colocar recursos, coisa que hoje não acontece. O governo federal, hoje em dia, não dá recursos para tratamento dos dependentes químicos em clínicas como esta, que não tem nenhum centavo federal e é mantida pelo governo estadual disse.

Serra também prometeu repasse de recursos às entidades sociais que cuidam de dependentes químicos: Temos que multiplicar também o apoio às comunidades terapêuticas e que não recebem um centavo do Ministério da Saúde.

O candidato caminhou pelo comércio de São Bernardo. A passagem foi marcada por muito tumulto. Enquanto Serra tomava um café com leite num bar, um segurança da campanha e um cinegrafista brigaram. Houve empurra-empurra, mas outros seguranças conseguiram separá-los. A aglomeração de correligionários, candidatos, assessores e jornalistas causou destruição.

Duas estufas de salgados, copos e garrafas que estavam no balcão foram quebrados. Depois, em entrevista, Serra disse que o prejuízo, calculado pelo dono do estabelecimento em R$ 625, será pago pela campanha.

Perguntado sobre desentendimentos com aliados, Serra se irritou: Olha, tititi não acaba disse, encerrando a entrevista.

Em Minas, ausência de material de campanha Ontem o presidente do PTB, Roberto Jefferson, citou no Twitter a ausência de Serra no material de campanha do candidato tucano ao governo de Minas, Antônio Anastasia, distribuído em Uberlândia. Não havia uma praguinha, um santinho, um cartaz de José Serra. Anastasia está aliado a partidos que apoiam a petista Dilma Rousseff.

No Sertão, Jungmann inicia o Expresso 232

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O deputado federal Raul Jungmann (PPS) vai resgatar ações de quando foi ministro do Desenvolvimento Agrário do governo Fernando Henrique Cardoso, entre 1996 e 2002, na tentativa de alavancar sua candidatura a senador no interior. Esse será um dos motes do ato chamado Expresso 232 uma viagem de carro durante cinco dias que o deputado e sua equipe farão, a partir de hoje, de Petrolina (Sertão) ao Recife, passando por 21 municípios de todas as regiões do Estado. A primeira parada será Araripina.

Jungmann disse que vai listar as ações executadas em cada local visitado da época em que era ministro, com ênfase em assentamentos rurais, concessão do seguro-safra e apoio ao Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Vamos procurar reavivar minha relação com o interior. Fiz a maior reforma agrária do País, afirmou o deputado. Segundo Jungmann, o Sertão do São Francisco foi a região do País mais agraciada com recursos do Pronaf e do seguro-safra durante sua gestão no Ministério do Desenvolvimento Agrário. No Agreste e na Zona da Mata os focos são as desapropriações e os assentamentos.

Quarto colocado nas últimas pesquisas de opinião sobre a corrida ao Senado, com 12%, Jungmann reconheceu que sua candidatura tem pouca penetração fora da Região Metropolitana do Recife. E esse resgate seria sua única cartada para conseguir apoio numa área onde conta com pouco apoio, já que a coligação Pernambuco Pode Mais, que tem o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) como candidato a governador, dispõe de poucos prefeitos no interior.

Petistas disputam 274 cargos em conselhos

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Enfraquecimento da ala "bancária" do partido abriu guerra por postos em empresas em que a Previ tem participação

Acusação de que fundo de pensão do BB seria "central de produção de dossiês" aumentou a temperatura do conflito

Leonardo Souza e Dimmi Amora

DE BRASÍLIA - O enfraquecimento dos "petistas bancários" no governo ensejou uma luta por 274 cargos nos conselhos de 74 empresas nas quais a Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) tem participação.

Os mais cobiçados são na estrutura societária da Vale, onde Sérgio Rosa, que deixou o comando do fundo de pensão em maio, ainda ocupa a presidência do conselho de administração.

Segundo a Folha apurou, até o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, se candidatou para assumir uma cadeira do conselho da mineradora.

O Planalto, contudo, não vê com bons olhos a pretensão de Bendine.

Como a Vale é cliente do Banco do Brasil, instituição na qual a companhia tem várias linhas de crédito, analistas do mercado financeiro entendem que a presença do presidente do banco no conselho da mineradora poderia suscitar conflito de interesse.

Além disso, é o presidente da Previ quem historicamente preenche a vaga a que o fundo de pensão dos trabalhadores do banco tem direito. A Vale é a empresa na qual a Previ concentra seu maior investimento individual -cerca de R$ 35 bilhões.

MUDANÇA NA PREVI

A Previ é comandada hoje pelo ex-vice-presidente do BB Ricardo Flores, considerado de perfil "independente" e com bom trânsito no Palácio do Planalto.

Assim, a vaga deveria ser dele. Esse acerto valia até o final da semana passada. Sérgio Rosa tem mandato no conselho da Vale até abril do ano que vem.

Ele havia aceitado assumir a presidência da Brasilprev (coligada do BB) e abrir mão da cadeira na mineradora. No último final de semana, porém, houve uma reviravolta no acerto.

A revista "Veja" trouxe a denúncias de que, sob o comando de Rosa, funcionava na Previ uma "fábrica de dossiês" contra adversários políticos do PT. Assim, os sócios do BB na Brasilprev, o grupo americano Principal, levantaram dificuldades para aceitar o nome do ex-presidente do fundo de pensão.

Rosa pode não aceitar mais deixar o conselho da Vale se seu nome for vetado para a Brasilprev, uma vez que ficaria sem espaço.

A briga em torno do assento na mineradora não é isolada. Os bancários podem perder vagas em várias outras empresas nas quais a Previ tem participação.

SINDICALISTAS

Pelo menos 12 ex-dirigentes sindicais têm assento em conselhos de 11 empresas em que Previ tem sociedade. Entre as empresas estão o grupo Neoenergia, que controla várias distribuidoras de energia do país, e a Invepar, que tem empresas na área de transportes e logística.

Esse grupo, do qual Sérgio Rosa e o ex-presidente do PT Ricardo Berzoini são os maiores expoentes atualmente, perdeu espaço na administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos últimos meses.

Conforme a Folha revelou, um dos motivos recentes de mais desgaste foi o episódio de um dossiê contra o ministro Guido Mantega (Fazenda). O próprio governo atribui aos bancários a autoria do material.

Segundo a Folha apurou, Planalto, BB e Previ estudam promover uma grande troca nos conselhos dessas empresas caso a candidata petista Dilma Rousseff vença a eleição presidencial.

Lula reclama de como Dilma foi tratada no "JN" e critica tucanos

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Presidente diz que esperava mais gentileza com petista em entrevista

Ana Flor
Enviada especial a Belo Horizonte

Em comício ontem em Belo Horizonte ao lado de sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff (PT), o presidente Lula fez críticas à oposição, reclamou do tratamento dado à petista em entrevista no Jornal Nacional e afirmou que o Brasil precisa de uma "mãe" que "cuide" do país.

O presidente fez ataques diretos ao candidato tucano José Serra pelas críticas à saúde.

"Tinha que lembrar ele que foi o partido dele que tirou R$ 40 bilhões da saúde ao ano [...] para depois na campanha vir dizer "a saúde não tá boa, a saúde não tá boa"", disse Lula, citando debate na semana passada.

Criticou ainda o ex-governador mineiro Aécio Neves (PSDB) pela mesma razão.No início do discurso, Lula deu uma rosa para Dilma e disse que era pela "calma e tranquilidade que teve quando foi entrevistada pelo "Jornal Nacional"".

Sem citar William Bonner, apresentador do "JN", ele disse ter esperado que, "pelo fato de ser mulher e ser candidata, que o entrevistador tivesse um pouco mais de gentileza" com Dilma.

Durante o dia os petistas evitaram criticar a entrevista, considerada "dura".

Antes de Lula encerrar o ato político com seu discurso, Dilma falou sobre suas origens mineiras e comparou-se a dois outros mineiros eleitos presidentes: Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. "Eu aprendi com a tradição política dos mineiros."

Afirmou ainda que o Brasil tem que decidir qual projeto quer para o futuro, com a cabeça erguida ou aquele país que estava de joelhos".

Para comparar Dilma a uma "mãe", Lula disse que os homens têm de aprender a votar em mulheres. "O maior legado que posso deixar é não ter tido medo de indicar uma mulher para governar este país. A palavra correta é cuidar, não governar."

Lula foi ao evento após participar de agenda como presidente em Divinópolis.
COMENTÁRIO:
Lula mentiu. É muito cininismo. A oposição não tem maioria no Congresso Nacional.A maioria - base do Lula - é formada pelo PT/PTB/PP/PMDB/PSB/PDT, etc.

Pnud: brasileiro reprova serviço de saúde

DEU EM O GLOBO

Metade dos brasileiros reclama do tempo de espera para atendimento em hospitais

Patrícia Duarte

BRASÍLIA. Pelo menos metade dos brasileiros reclama que demora demais para conseguir atendimento nos postos e hospitais das redes pública e privada no país. A avaliação faz parte de pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que criou o novo Índice de Valores Humanos (IVH). O índice mediu a percepção que os brasileiros têm dos serviços de saúde, da educação e do trabalho.

A população acredita que deixa a desejar a situação dessas três áreas.

Segundo o Pnud, o IVH do país ficou em 0,59, numa escala que varia de zero a um. Só na saúde, por exemplo, 51% dos entrevistados consideram que o atendimento é muito demorado em postos e hospitais.

O IVH mostra que muito ainda precisa ser feito na área de valores que são importantes para o desenvolvimento humano. A população relata que a vivência dos seus valores ainda deixa a desejar disse Flávio Comim, economista sênior do Pnud.

O organismo entrevistou 2.002 pessoas em todo o país para uma pesquisa maior, o Relatório de Desenvolvimento Humano Brasileiro 2009/2010. O IVH mostra que nas regiões Norte e Nordeste as pessoas têm a pior avaliação: o índice ficou em 0,50 e 0,56, respectivamente.

Já as melhores percepções são as regiões Sul e Sudeste, com 0,62 cada. O Centro-Oeste registrou IVH de 0,58. Essas diferenças, explicou Comim, vêm do nível de desenvolvimento econômico e do grau de educação em cada região.

A pior área analisada pelo IVH é a da saúde, com uma avaliação de apenas 0,45 no país. A pesquisa interrogou a população sobre tempo de espera para atendimento médico ou hospitalar, sobre a facilidade ou não de compreensão da linguagem usada pelos profissionais de saúde e sobre o interesse da equipe médica percebido pelo paciente. Mais uma vez, as regiões Norte e Nordeste tiveram as piores percepções: 0,31 e 0,36, respectivamente.

O melhor índice foi na Região Sudeste: apenas 0,51.

Uma das piores reclamações é sobre o tempo de espera para atendimento: 66,9% da população da Região Norte apontam para essa falha.

Nem mesmo no Sudeste, onde a percepção sobre a saúde pública e privada foi melhor, a nota foi boa: 43,1% dos entrevistados disseram que demoram muito para ser atendidos.

Em resposta, o Ministério da Saúde divulgou nota argumentando que a pesquisa é reducionista e vazia por conta dos tipos de perguntas feitas.

As perguntas escolhidas para o IVH Saúde são reducionistas, dada a complexidade do setor.

As questões focam apenas em uma parte da atenção à saúde e não permitem um conhecimento sobre outros aspectos, como a relação entre o profissional de saúde e o indivíduo; a experiência dos profissionais; a solução dada ao indivíduo; o nível de satisfação com a atenção, entre outros valores. O Ministério disse que diminuir o tempo de espera é foco prioritário.

O IVH relacionado ao trabalho trouxe melhores percepções da população.

A média nacional ficou em 0,79, sendo que o Sul apresentou melhor avaliação: 0,84. Comim disse que os números mostram que o trabalhador brasileiro tem vivências prazerosas que são superiores ao sofrimento, mas destacou a desigualdade entre as regiões. No Centro-Oeste, por exemplo, o IVH foi de 0,68.

Já o IVH de educação, apesar de ter alcançado uma média nacional de 0,54, mostra que a população brasileira tem baixas aspirações quando o assunto é o aprendizado.

O poder de Collor dentro da Petrobras

DEU NA VEJA

Há cerca de um mês, Fernando Collor desembarcou no Rio de Janeiro com o usineiro João Lyra a tiracolo para uma missão muito especial. Dirigiu-se à sede da Petrobras Distribuidora e exigiu - repita-se, exigiu - que a diretoria da estatal assinasse um contrato de vinte anos para a compra de etanol das usinas de Lyra.

Alguém aí acha que Collor foi posto para fora? Nada disso. Não conseguiu um contrato de duas décadas, mas arranjou um de quatro anos, de cerca de 200 milhões de reais. As encrencas que levaram Collor a ser apeado da Presidência dezoito anos atrás começaram na Petrobras.

Àquela altura, seu intermediário na estatal era o notório PC Farias. Agora, Collor age no sistema Petrobras sem intermediários.

Dilma inflou dados ao mencionar investimento federal na Rocinha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Gastos com saneamento serão de R$ 80 milhões, mas candidata disse no "Jornal Nacional" que eles irão a R$ 270 milhões

Bruno Boghossian /RIO

O valor investido em projetos de saneamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Favela da Rocinha, zona sul do Rio, deve chegar a R$ 80 milhões - menos de 30% da quantia citada pela candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, em entrevista anteontem ao Jornal Nacional.

A ex-ministra citou a comunidade carente como exemplo dos investimentos federais e afirmou que teriam sido destinados ao setor "mais de R$ 270 milhões" - o que corresponde, na verdade, ao custo total das obras na região.

Segundo a Empresa de Obras Públicas do Rio (Emop), órgão do governo fluminense que acompanha as obras do PAC no Estado, o orçamento de todo o projeto chega a R$ 272 milhões. Com os recursos, foram construídos um complexo esportivo, um centro de saúde e uma creche. As obras de urbanização e a criação de redes de esgoto e de abastecimento de água ainda estão em andamento.

Horas antes da entrevista de segunda-feira, a candidata havia gravado imagens para sua propaganda eleitoral de TV dentro do complexo esportivo construído na favela.

Rocinha. Questionada pelos apresentadores do Jornal Nacional sobre os gastos do governo com saneamento, a candidata disse que havia se empenhado especialmente nesta área e citou os investimentos na Rocinha.

"O Brasil investia menos de R$ 300 milhões (em saneamento) no País inteiro. Hoje, aqui no Rio, numa favela, a da Rocinha, nós investimos mais de R$ 270 milhões", afirmou Dilma, sem especificar o destino dos recursos.

A Emop estima que, até o fim das obras do PAC na comunidade, o valor consumido com projetos de saneamento na Rocinha chegue a R$ 80 milhões, o equivalente a 29,4% do orçamento.

Parte desses gastos foi destinada à construção de infraestrutura de água e esgoto necessária para as novas construções, como o moderno complexo esportivo da favela, que tem duas piscinas.

Para a vereadora Andrea Gouvêa Vieira (PSDB), que integrou a comissão de acompanhamento do programa na Câmara Municipal do Rio, o impacto das obras só pode ser visto em cerca de 3% da comunidade, que tem 100 mil habitantes.

"Não é que o PAC não tenha sido bom. As obras que foram feitas são maravilhosas, mas a Rocinha continua sendo um esgoto a céu aberto e o saneamento continua sendo o maior problema", avaliou.

Siafi. Na entrevista à Globo, Dilma admitiu que os gastos do governo federal com saneamento no Brasil se intensificaram apenas a partir de 2007.

Entre 2005 e 2009, os investimentos do governo federal com obras do setor cresceram quase 20 vezes, passando de R$ 81,9 milhões para R$ 1,6 bilhão, de acordo com números do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) obtidos pela ONG Contas Abertas a pedido do Estado.

Analista da Receita diz que senha foi usada por terceiros

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A analista tributária Antônia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva, suspeita de ter violado o sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, recusou convite para depor em audiência pública no Senado e disse em carta que sua senha de computador foi usada por terceiros. Ela afirma não ser responsável pelos "acessos irregulares ou pelo "vazamento" das informações fiscais".

Analista da Receita afirma que sua senha foi usada indevidamente

Sucessão. Amparada no sigilo que lhe é assegurado por lei, Antônia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva enviou carta ao senador Demóstenes Torres (DEM-GO) afirmando desconhecer o responsável por violar os dados fiscais do vice-presidente do PSDB

Fausto Macedo

A analista tributária Antônia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva, que encontra-se sob suspeita de ter violado o sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, decidiu não atender ao convite para depor em audiência pública no Senado.

Em carta de 35 linhas endereçada ao senador Demóstenes Torres (DEM-GO), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ela informa que "declina" do convite - como convidada ela não é obrigada a acatar o chamado dos senadores.

Antônia usa como argumento para justificar sua ausência o sigilo que lhe é assegurado por lei (8.112/90, artigo 150) uma vez que os fatos sobre os quais deveria ser questionada já são objeto das investigações promovidas pelo Escritório de Corregedoria da Receita na 8.ª Região Fiscal.

A apuração da Corregedoria da Receita aponta Antônia, há 15 anos na carreira, como provável autora da quebra do sigilo de Eduardo Jorge. Os dados confidenciais do executivo tucano teriam sido incluídos em dossiê produzido por integrantes de um núcleo de inteligência supostamente ligado à campanha de Dilma Rousseff (PT) - o que o partido nega.

No ofício ao Senado, Antônia afirma que sua senha de computador foi usada por alguém, mas não indica nomes. Afirma que não é responsável "pelos acessos irregulares ou pelo "vazamento" das informações fiscais do contribuinte".

"Nunca tive filiação partidária", assegura a analista, que no início de julho foi afastada da chefia da agência da Receita em Mauá, na Grande São Paulo.

Ao final do texto, Antônia enfatiza: "Ressalto, categoricamente, que a minha senha foi utilizada indevidamente, razão pela qual tenho total interesse no deslinde do fato."

Hélio Bernardes, presidente do SindiReceita (Sindicato dos Analistas Tributários da Receita), diz que sua colega não está se esquivando. "Ela quer colaborar porque não tem nada a esconder, apenas prefere aguardar a conclusão do processo administrativo disciplinar".

Para Bernardes, que defende a participação da Polícia Federal na investigação, a analista "foi usada como bode expiatório". "Tudo indica que houve precipitação da Receita ao deixar vazar o nome (de Antônia) no início da apuração interna e execraram uma servidora exemplar".

Ao Senado, Antônia anota que o processo disciplinar é conduzido "com respeito à ampla defesa e garantia constitucional do servidor público estável". Ela se diz "muito fragilizada emocionalmente" e se queixa da exposição de seu nome na imprensa "junto com detalhes da vida familiar".

Cita a "divulgação dos nomes de seu marido e de seus filhos, acompanhada de informação acerca da renda familiar e do endereço de sua residência, bem como pelo acidente de carro que sofreu no dia 18 de julho, fatos que justificam sua ausência".

Antônia se colocou "à disposição" do Senado, "caso exista interesse", ao final do processo disciplinar.

"É uma pena ela não vir. O assunto é grave", diz senador

Autor do requerimento para que a analista tributária Antônia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva fosse ouvida no Congresso, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) lamentou ontem a decisão da funcionária de não atender ao convite para falar sobre o caso de violação do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge. "É uma pena ela não vir. O assunto é grave e tem de continuar em pauta." Dias defendeu, como alternativa, o convite para depor na Comissão de Constituição e Justiça o corregedor-geral da Receita, Antônio Carlos Costa d"Ávila Carvalho.

O CASO EDUARDO JORGE

PROBLEMA COMEÇOU COM SUPOSTO DOSSIÊ CONTRA JOSÉ SERRA

1 O caso
Reportagem revela que grupo ligado à campanha do PT produzia dossiê contra tucano

2Dossiê
Dados fiscais sigilosos de Eduardo Jorge teriam ido parar no suposto dossiê

3 Investigação
Receita Federal abre sindicância para apurar se houve vazamento dos dados do tucano

4 Acesso
"Estado" revela que declaração do tucano foi acessada por Antonia Aparecida dos Santos Neves

5 Depoimento
Em carta, servidora nega depor no Senado e diz que sua senha foi usada indevidamente

'Contrariado', Lula assina sanções da ONU contra Irã

DEU EM O GLOBO

Presidente é forçado à endossar punições que o Brasil rejeitou em junho

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou ontem o decreto que adota as sanções impostas pela ONU ao Irã, contra as quais o Brasil votou no Conselho de Segurança dois meses atrás. Ao fazer o anúncio, o chanceler Celso Amorim disse que Lula, embora contrariado, pôs sua assinatura no documento porque o Brasil tem tradição de respeitar as leis internacionais, mesmo quando não concorda com elas. A ONU impôs sanções por considerar que o Irã não deu garantias suficientes à comunidade internacional de que seu programa nuclear tem fins pacíficos, como Teerã assegura. Amorim afirmou, no entanto, que o Brasil não adotará as punições extras impostas pelos EUA e pela União Europeia. A medida brasileira terá poucos efeitos práticos porque o país não tem negócios com o Irã nas principais áreas afetadas: venda de armas e urânio, e atuação bancária.

Sanções ao amigo Ahmadinejad

Lula assina a contragosto decreto aplicando medidas determinadas pela ONU

Chico de Gois e Luiza Damé
BRASÍLIA - A contragosto, o Brasil vai adotar as sanções impostas pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) contra o Irã. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou ontem o decreto que determina a aplicação das medidas no país. Na prática, porém, pouca coisa ocorrerá, uma vez que o Brasil não fornece urânio para o Irã, nem vende armas, nem os bancos brasileiros, que se saiba, mantêm relações com empresas ou pessoas suspeitas de terrorismo ou com empresas iranianas que tenham atividades relacionadas ao programa nuclear.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que a decisão do governo brasileiro de ratificar as sanções se deu porque o país cumpre as leis internacionais, mesmo discordando delas. Amorim fez questão de afirmar que o Brasil não adotará, no entanto, as medidas extras impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia nos últimos meses, por exemplo, contra Teerã.

O presidente Lula fez isso, de certa maneira, contrariado, porque nós votamos contra essa resolução (no Conselho de Segurança da ONU). Não acreditamos que essa resolução que estabeleceu as sanções contribua para resolver o problema principal, que é o programa nuclear iraniano disse Amorim, em entrevista coletiva.

Sanções dos EUA não serão seguidas

As sanções foram aprovadas na ONU como forma de pressionar o Irã a deter o enriquecimento de urânio em níveis altos, uma vez que a comunidade internacional não considerou suficientes as garantias de Teerã de que seu programa nuclear tem fins pacíficos.

As sanções têm como alvos bancos e empresas que cooperam com o setor de energia nuclear iraniano. Pouco antes, o Brasil havia mediado, junto com a Turquia, um acordo com o governo iraniano para trocar o urânio levemente enriquecido por combustível para um reator nuclear. Mas o acordo não foi considerado suficiente pelas potências mundiais com assento permanente no Conselho de Segurança.

Ontem, Amorim fez questão de lembrar que o acordo firmado entre Brasil, Turquia e Irã, em maio, seguia as propostas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e também as recomendações contidas na carta enviada pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a Lula. Para marcar a diferença entre a visão brasileira e a americana, Amorim condenou, mais uma vez, as sanções unilaterais impostas pelos EUA ao Irã.

O Brasil está internalizando, embora sem concordar com elas, não só pelo conteúdo de cada uma, mas também com o método neste momento, quando o Irã fez, do nosso ponto de vista, uma abertura. O que estamos internalizando são as sanções adotadas pelo Conselho de Segurança. As sanções unilaterais, tanto dos Estados Unidos como da União Europeia, do ponto de vista legal, nosso, não nos concernem declarou.

O chanceler brasileiro acredita que a medida não vai afetar a relação entre os dois países. No entanto, disse que não poderia garantir que haja alguma empresa com negócios nos Estados Unidos que prefira se arriscar a ser alvo das sanções.

Isso é um problema da empresa.

Não será uma disposição legal brasileira disse Amorim. As sanções multilaterais, que são da ONU, nós internalizamos porque somos respeitadores da lei internacional, ao contrário de outros, que muitas vezes praticam ações unilaterais, ou que, frequentemente, criticam os direitos humanos de um lado e financiam governos que violam direitos humanos de outros.

Nós seguimos a lei internacional.

Todas as decisões tomadas pelo Conselho de Segurança da ONU precisam ser cumpridas pelos países-membros da ONU, mesmo aqueles que tenham votado contra, como o Brasil, no caso do Irã. Os países que integram o organismo devem adotar as resoluções em suas legislações nacionais.

Esse princípio está previsto nos artigos 25, 26 e 27 da Carta da ONU e o não cumprimento consiste em desrespeito ao Direito Internacional Público. Segundo o governo brasileiro, o Brasil é um defensor do multilateralismo e, por isso, não cogita em qualquer hipótese descumprir as decisões da ONU.

A saga do Mercosul :: Rubens Barbosa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A 29° Reunião do Conselho do Mercosul, realizada em San Juan, na Argentina, no início de agosto, ocorreu em um momento particularmente delicado para os países da América do Sul.

A temperatura entre a Colômbia e a Venezuela, em consequência das acusações do ex-presidente Alvaro Uribe sobre a presença das Farc em território venezuelano, subiu a um ponto crítico com mobilização de tropas na fronteira.

Enquanto os problemas institucionais do Mercosul persistem e a desintegração regional se amplia com a crise entre Colômbia e Venezuela, o governo brasileiro parece estar mais preocupado com o conflito no Oriente Médio e em como encontrar uma fórmula para resolver as divergências da comunidade internacional e o Irã, em virtude do controvertido programa nuclear de Teerã.

As críticas do candidato da oposição José Serra ao Mercosul e a suas deficiências institucionais ecoaram fortemente na reunião presidencial.

O ministro Celso Amorim, em entrevista ao jornal Clarín, de Buenos Aires, na semana passada, disse que as criticas ao Mercosul e a possibilidade de seu retorno a uma área de livre comércio significam um grande retrocesso e isso não vai ocorrer porque representa interesses de curto prazo.

Em resposta indireta a Serra, certamente por inspiração brasileira, os presidentes afirmaram que o Mercosul é um desafio histórico, que compromete a vontade dos seus povos e constitui uma aliança estratégica para enfrentar os desafios do atual contexto internacional.

Coincidência ou não, depois de mais de seis anos, foram finalmente aprovados o Código Aduaneiro do Mercosul e a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum e a distribuição da renda aduaneira. Embora com prazos dilatados para entrar em plena vigência, os acordos foram sinais positivos.

Os presidentes reconheceram também a necessidade de avanços institucionais, recomendando retoricamente esforços adicionais para fortalecer o Parlamento, o mecanismo de solução de controvérsias e o sistema normativo, a fim de produzir resultados concretos para a integração regional.

O presidente Lula não perdeu a oportunidade para intrigar Serra com os países do Mercosul. Afirmou que a elite, alguns empresários e políticos consideram perda de tempo a negociação com o Mercosul. Em vez de países pequenos, eles querem negociar com a Alca, em uma distorcida e equivocada simplificação, que esquece os entendimentos com a União Europeia, aliás sem avanços efetivos até aqui.

Em mais um exemplo da influência da política externa nas negociações comerciais, os países membros assinaram um acordo comercial com o Egito, de pouca relevância do ponto de vista econômico, mas politicamente correto, para fazer contraponto ao já assinado com Israel, e anunciaram a negociação de outros com a Jordânia, a Síria e a Autoridade Palestina.

Continuaram as pressões sobre o Paraguai para aprovar a entrada da Venezuela no Mercosul.

Foram igualmente aprovados nove projetos no valor de US$ 800 milhões para a construção de estrada no Paraguai e a implantação de linhas de transmissão elétrica na Argentina, no Paraguai e no Uruguai, financiados pelo Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul, em larga medida integralizado com recursos financeiros do Brasil.

Durante a última presidência do Mercosul no governo Lula, o Brasil quer discutir os próximos vinte anos do processo de integração, quem sabe acreditando que o PT nesse período estará a frente do governo no Brasil. Na impossibilidade de avanços concretos na área institucional, como evidenciado pelo desrespeito à tarifa externa comum, reconhecido pelo próprio titular do Itamaraty, o Brasil quer promover um esforço adicional para aumentar a visibilidade do Mercosul, para apoiar a participação social e para fazer um balanço sobre os rumos futuros da integração regional. A distância entre a retórica dos governos e a realidade dos fatos continuará aumentando.

Com a recuperação das economias dos países membros, o comércio intraMercosul vai crescer, independentemente da existência do grupo como uma união aduaneira.

(Publicado ontem, 10/8/2010)

País cresce menos que vizinhos com Lula

DEU EM O GLOBO

Economistas contestam Dilma, que culpou FH por avanço menor. Para Arminio, crise de 2002 foi causada por medo do PT

Henrique Gomes Batista

A afirmação da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff, sobre o crescimento econômico brasileiro nos últimos anos é contestada por economistas.

Os especialistas discordam de Dilma, que, em entrevista na segunda-feira ao Jornal Nacional, da Rede Globo, culpou o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pelas baixas taxas de crescimento nos já quase oito anos de governo Lula. Questionada sobre o avanço menor do Brasil em relação a nações vizinhas, Dilma disse que o atual governo teve de fazer um grande esforço para controlar as finanças, principalmente por causa da dívida pública externa elevada e a inflação sem controle.

Entre 2003 e 2009, primeiros sete anos do governo Lula, a expansão da economia brasileira, segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal, órgão da ONU) foi de 27,16%, bem abaixo dos 65,56% do Panamá, 65,05% da Argentina, 51,54% do Peru e 44,98% da Venezuela. O país, pela lista da Cepal, só avançou mais que Paraguai (26%), Nicarágua (23%), El Salvador (16%) e México (12%).

China e Índia, países que compõem o grupo dos Brics, também crescem, sistematicamente, mais que o Brasil. Em 2009, enquanto a economia brasileira se retraiu 0,2%, a China registrava expansão de 8,7%, e a Índia de 6,1%.

Arminio Fraga, presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso e atualmente na gestora de recursos Gávea Investimentos, afirma que a crise de 2002 que gerou um repique inflacionário por uma forte valorização do dólar não foi causada pelo governo que estava no fim do poder.

A crise em 2002 foi baseada no medo do que viria a partir de 2003, medo do projeto do PT, dos documentos do PT, do que diziam os petistas. A crise começou a acalmar quando o próprio presidente Lula disse que não faria nada daquilo, e a situação voltou aos eixos com Lula já no governo, ao nomear brilhantemente Antonio Palocci e Henrique Meirelles para a Fazenda e para o Banco Central disse.

Por causa dessa crise, a inflação, que em 2001 foi de 7%, segundo o IPCA (índice oficial), chegou a 12,53% em 2002. No JN, Dilma se referiu a este período, ao afirmar que o governo Lula encontrou a inflação fora de controle.

Já a dívida externa, outro dado citado por Dilma, somava US$ 210,7 bilhões no fim de 2002, e caiu a US$ 198,2 bilhões em 2009, recuo de apenas 6%. A diferença é que, naquela época, o país acumulava reservas de US$ 37,8 bilhões, e este colchão contra crises externas atingiu US$ 238,5 bilhões no ano passado.

Segundo pesquisa do professor Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, no governo Lula, o crescimento do país se intensificou: a média anual até 2009 foi de 3,55%, contra variação de 2,29% nos oito anos de seu antecessor.

Alguns economistas, no entanto, além de não enxergarem grandes diferenças econômicas entre os dois governos, afirmam que há algumas vantagens no baixo crescimento, em parte limitado por estabilidade econômica e controle da inflação.

Langoni: FH plantou, e Lula está colhendo Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Central, enxerga o Brasil em outro ciclo econômico, que teve origens no governo anterior: O governo de Fernando Henrique plantou, e o período de Lula foi de colheita, mas também com alguns acertos que melhoraram o momento disse, lembrando que a fase de expansão sustentada do país começou em 2004, após o governo Lula ter mostrado seriedade ao mercado financeiro e resolvido a vulnerabilidade externa, com aumento de forma consistente das reservas internacionais.

Para Langoni, este novo ciclo combina crescimento sustentável, com inflação controlada e baixa vulnerabilidade externa.

Em sua opinião, porém, o Brasil chegou no bom momento depois de outros emergentes.

Não podemos comparar nosso momento com ciclos longos de crescimento, como o da China ou Índia. Mesmo na região, Chile e Peru chegaram antes que nós disse.

Para ele, o país está reunindo agora condições para crescer de forma sustentada e, se fizer ajustes, poderá aumentar o potencial de crescimento dos atuais 4,5% para 6,5%, aproximando-se de patamares indianos: O desafio do próximo presidente será intensificar a trajetória de crescimento e, para isso, é necessário aumentar investimentos, a poupança interna e a produtividade do Brasil. Há alguns setores da iniciativa privada altamente competitivos, mas o setor público ainda é muito ineficiente.

Com algumas exceções, é obsoleto e burocrático.

Para Arminio Fraga, faltam investimentos Para Arminio Fraga, a solução para intensificar o crescimento do país é conhecida: O problema é a falta de investimentos, tanto em capital físico como em educação.

A especialista em economia internacional da FGV Lia Valls minimiza a comparação do Brasil com outras nações: O Brasil tem uma economia mais diversificada que alguns vizinhos.

Desdobramentos naturais da crise:: Yoshiaki Nakano

DEU NO VALOR ECONÔMICO

As crises financeiras não são processos imprevisíveis, fenômeno tipo "cisne negro", para usar expressão na moda. Ciclos econômicos e crises financeiras resultam da operação normal da moderna economia de mercado capitalista, como demonstraram Keynes e Minsky. Existe uma fragilidade financeira intrínseca ao sistema capitalista de forma que a própria estabilidade gera prosperidade, euforia e crise financeira. Os estudiosos da história mostram que cada crise financeira é produto de uma série de acidentes históricos específicos, mas a estrutura e as fases do processo, que culmina em crise, são sempre as mesmas e são conhecidas. Estas foram analisadas por Kindleberger na sua obra magistral: "Manias, Pânicos e Crashes".

Foi por isso que muitos estudiosos previram a atual crise. E em relação aos desdobramentos pós-crise? Existe uma sequência lógica e previsível de fases para sair da crise? A minha resposta é sim, mas a previsão é bem mais complexa porque as intervenções do governo são variadas e os desdobramentos dependem dessas medidas.

A rigor, a crise financeira, na sua última fase de pânico e crash, na visão de muitos, se não houver intervenção do governo, seria a sua própria cura. Nesta, ativos problemáticos seriam expurgados, pois todos correm para a liquidez (moeda) ou títulos do tesouro, desencadeando uma deflação nos preços dos ativos financeiros, e destruindo as dívidas excessivas geradas nas fases de euforia. De fato, uma fase logicamente necessária para sair da crise financeira é encontrar uma forma de reduzir as dívidas para recompor a confiança no sistema financeiro, e a economia voltar a operar normalmente.

A principal ação do governo nos Estados Unidos e na Europa foi de socorrer, em grande escala, o sistema financeiro, comprando dívidas podres ou ativos tóxicos, transferindo-os para o balanço do banco central e do tesouro nacional. As taxas de juros foram reduzidas para praticamente zero e liquidez à vontade, sob o argumento de evitar um colapso total do sistema financeiro e uma nova grande depressão. Isto daria tempo para os agentes privados endividados ajustarem os seus balanços, desalavancando, vendendo ativos com risco, e aumentando capital próprio etc. Mas, por outro lado, esta mesma política está mascarando os reais problemas, sustentando devedores e bancos que realmente são insolventes. Daí a grande incerteza que reina ainda no mercado.

A solução adotada pelos governos de comprar dívidas problemáticas do setor privado apenas deslocou a crise financeira para um novo estágio, criando o problema de endividamento excessivo dos governos. Em alguns países como Grécia, Portugal e Irlanda, já excessivamente endividados, com dificuldade de financiar os seus déficits públicos e de rolar as dívidas, demandaram novas operações de socorro de outros países na área do euro e FMI, transferindo estas dívidas, principalmente, para o BCE e tesouros nacionais de países com menores dificuldades como a Alemanha e França. Assim, o problema de redução das dívidas problemáticas está se convertendo gradualmente em como reduzir a dívida pública. De qualquer forma, a saída da crise exige destruição de dívidas, e existem quatro formas de fazê-la: 1) calote; 2) inflação; 3) tributação confiscatória de ativos financeiros; e 4) ajuste fiscal gradual com corte de despesas e aumento de impostos. Se afastarmos neste momento as alternativas 1 e 3, restam a inflação e o ajuste fiscal.

No horizonte de curto e médio prazos, a inflação está afastada. Com a taxa de desemprego muito elevada, redução no custo unitário de trabalho, capacidade ociosa elevada, além da forte competição dos países emergentes no mercado de manufaturados, existe, sim, um risco crescente de deflação. Isto já está no horizonte e nas expectativas de grande número de investidores do mercado financeiro.

Dessa forma, a redução lenta e gradual das dívidas parece ser a saída que será adotada tanto nos Estados Unidos, como na Europa, e esse processo poderá levar mais de uma década, a exemplo do que aconteceu no Japão. A probabilidade de um novo mergulho recessivo aumentou com as medidas de ajuste fiscal adotadas na Europa e a crescente movimentação política do "Tea Party" nos Estados Unidos, que dificultará a renovação do pacote de injeção fiscal de US$ 800 bilhões. Se não for renovado, uma nova crise não pode ser descartada no próximo ano. Os indicadores já apontam uma desaceleração da recuperação econômica neste segundo semestre. Por isso, o presidente do Federal Reserve (Fed) já fala em nova rodada de política monetária expansionista (seriam novas compras de dívidas problemáticas, empréstimos diretos, taxa negativa de juros) para estimular a economia americana. Mas não há razão, no momento, para acreditar que essa nova rodada venha a trazer recuperação econômica fazendo com que os consumidores, empresas ou bancos voltem a se endividar mais, pois ao contrário, estão ajustando seus balanços, desalavancando, desfazendo de ativos problemáticos e buscando aumentar seu capital; que os bancos queiram ampliar oferta de crédito, mas demanda de crédito do setor privado está em queda; ou que os preços dos ativos financeiros voltem a aumentar gerando efeito riqueza positivo também é pouco provável.


Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

(Publicado ontem, 10/8/2010)

Patrimônio e Nação:: Carlos Lessa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A Revolução Francesa, ao conceituar o território nacional apagando as conexões com linhas dinásticas e eventuais acordos familiares, definiu o contorno de uma pátria, propriedade eterna e indivisa do povo nacional através de gerações. A propriedade sob a forma imobiliária sempre havia sido o desejo do homem do campo. O imóvel rural é conhecido por seu proprietário-produtor em seus detalhes topográficos e aptidões e percebido como lugar que produz alimentos e itens vitais à sobrevivência. O habitante do burgo (o burguês) e o morador da vila (o vilão) tiveram transposta a afetividade pelo imóvel rural ao imóvel urbano, lar da família e repositório das memórias familiares, lugar de proteção, em princípio inviolável, e refúgio de seus moradores. O imóvel urbano era, para o artesão, o lugar de trabalho; o comerciante exercia sua atividade sob a vigilância doméstica. A Revolução, ao criar o território e o patrimônio nacional, fez uma ampla convergência de afetos e amantes. De certa forma, a geografia física informava ao povo nacional sobre sua "propriedade" territorial.

Como todos sabem, hoje, na pós-modernidade, persistem duas formas de propriedade: a imobiliária e a mobiliária. No principal, a imobiliária mantém os passados amores, mas a mobilidade espacial da força de trabalho faz com que muitos optem por alugar a moradia, sabendo que será transitória sua ocupação. A propriedade mobiliária, no passado restrita à moeda e primitivas formas acionárias, multiplicou-se em centenas de configurações e seu valor como estoque cresce sem parar em relação à riqueza imobiliária. As empresas emitem ações que são uma fração de seu patrimônio líquido.

O camponês sempre conhece seus vizinhos. O pequeno acionista, por vezes, não sabe sequer o nome dos diretores da empresa da qual possui ações; ou desconhece os ativos físicos produtivos e o patrimônio mobiliário da empresa. Porém, muito mais misteriosa e abstrata é a outra componente da riqueza mobiliária: os papéis financeiros. Como surgem? Se alguma família compra algo a prazo (moradia, objetos duráveis, cirurgia plástica etc) ou toma um empréstimo bancário, nesses momentos, a família é emissora primária de dívida; o dono de sua dívida adquire uma propriedade mobiliária. Se uma empresa quer ampliar ou aperfeiçoar sua produção, ou simplesmente aumentar seus estoques de material e produtos acabados, procura um financiador; nesse momento, emite dívida primária e o proprietário do seu contrato de dívida é o controlador dessa riqueza mobiliária.

O Estado, desde o tempo que emitia moedas com o rosto do soberano até o papel-moeda que continha a fórmula "se pagará ao portador desta nota a quantia de", sempre foi o grande emissor primário de dívida, sendo a sua dívida o item de riqueza mobiliária mais desejado, porque dá ao seu portador acesso a qualquer outro bem, serviço ou tipo de riqueza. É a partir dessa dívida primária, que remunera seus credores com juros, que a criativa engenharia financeira multiplicou outros tipos de ativos mobiliários.

Quando o banco registra um depósito, é um emissor de dívida secundária; quando transforma uma parte de seus ativos mobiliários em lastro de uma emissão de títulos bancários, já está construindo um terceiro andar sobre a dívida mobiliária primária. Alguém pode ter a ideia de fazer um fundo com estes papéis bancários, combiná-los com ações, buscar ativos mobiliários de muitos países; pode, em troca de um ganho, criar um seguro para fundos financeiros. Alguns lugares - os paraísos fiscais - permitem outras transformações.

Pensem um gigantesco castelo de cartas de baralho, editadas em centenas ou milhares de agentes, e haverá uma antevisão da riqueza mobiliária num mundo globalizado pelo sistema financeiro mundial pós-moderno. Não é como a propriedade rural, conhecida em sua intimidade, nem como a urbana, reconhecida por seu dono. Cada ativo mobiliário contém um mistério de combinações com itens ainda mais misteriosos. Se a ação transborda de mistérios ao pequeno proprietário, o ativo financeiro tipicamente mobiliário é, em seu conteúdo, quase que um segredo. Os juros pagos pelas famílias, pelas empresas e pelos governos vão perdendo expressão em relação aos ganhos fantásticos de quem compra barato um título mobiliário e o revende caro. Existem milhões de pessoas - físicas e jurídicas - que acham que conhecem o mercado no futuro muito melhor do que no presente e procuram comprar o que acham que vai se valorizar e vender o que acham que vai se depreciar.

Nesse clima de cassino, todas as ações e todos os ativos mobiliários podem ser objeto de transações e serão liquidados no futuro. As mercadorias padronizadas (commodities) são itens de riqueza mobiliária muitas vezes antes de existirem. O milho que será plantado nos próximos três meses pode ser negociado hoje para entrega nos próximos dez meses, por exemplo. A liquidez do ativo mobiliário permite saída rápida e eventual aplicação especulativa promissora. Isto faz de uma moeda o porta-aviões da liquidez; nessa moeda são precificados os ativos mobiliários (em tempos "normais"). O sonho do homem comum é ter um bom emprego, uma renda adequada; o sonho de um rico proprietário de ativos mobiliários é ganhar muito mais com a compra e venda de ativos mobiliários do que com os rendimentos oriundos dos juros pagos pelas famílias, empresas e Estado endividados.

O fascínio da riqueza mobiliária, o caráter de jogo e a componente lotérica vão desvinculando afetivamente proprietário mobiliário de sua nação. Se o Estado nacional não cresce nem prospera, seu povo tende a migrar para o exterior, em busca de emprego e renda. A empresa faz, na pós-modernidade, o que quiser e perfura as linhas territoriais com autorização institucional. Pode comprar e vender ativos aqui e acolá; pode, inclusive, por um paraíso fiscal, produzir uma metamorfose institucional, trocando de nacionalidade. Um dirigente da Fiesp afirmou que "quando um de nós vende o controle da empresa, abrimos uma garrafa de champanhe". Fernandinho Beira-Mar tinha contas bancárias nos principais bancos dos EUA e até no Paquistão.

É fácil fazer uma centimetragem entre "orientação" aos aplicadores em ativos mobiliários e a discussão dos problemas nacionais. Esse é um indicador do desinteresse crescente pela nação brasileira. A restauração do amor à nação exige reforma agrária, multiplicação da casa própria; exige que, na escola primária, sejam retomadas a entoação dos hinos e o hasteamento da bandeira. Mais do que nunca, precisamos afirmar que a nação é um patrimônio nosso e não vacilar quando se tratar da propriedade do Eldorado Verde e do Eldorado Azul. Um projeto nacional exige uma postura nacionalista.


Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES; escreve mensalmente às quartas-feiras.

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Bachianas Brasileiras n°4 - Preludio

POEMA :: Ferreira Gullar


Se morro
universo se apaga como se apagam
as coisas deste quarto
se apago a lâmpada:
os sapatos - da - ásia, as camisas
e guerras na cadeira, o paletó –
dos - andes,
bilhões de quatrilhões de seres
e de sóis
morrem comigo.

Ou não:
o sol voltará a marcar
este mesmo ponto do assoalho
onde esteve meu pé;
deste quarto
ouvirás o barulho dos ônibus na rua;
uma nova cidade
surgirá de dentro desta
como a árvore da árvore.

Só que ninguém poderá ler no esgarçar destas nuvens
a mesma história que eu leio, comovido.