quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Serra critica aproximação do governo brasileiro com Irã

Agência Estado

Marcelo Portela

A aproximação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o regime do Irã, comandado por Mahmud Ahmadinejad, que condenou à morte por apedrejamento uma mulher acusada de adultério, foi o principal alvo do candidato do PSDB à Presidência, José Serra. Em encontro com lideranças femininas de seu partido e de legendas aliadas hoje na capital mineira, o tucano classificou como "irônica" a posição do Brasil em relação à política de Teerã e acusou o governo brasileiro de ter "carinho" por um ditador que não respeita os direitos humanos, principalmente das mulheres.

No fim do mês passado, Lula ofereceu asilo a Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada a morrer apedrejada pela acusação de ter mantido relações com dois homens, incluindo o assassino de seu marido. O governo iraniano recusou a proposta e disse que o presidente brasileiro é "emotivo" mas está "mal informado" sobre a questão.

Em discurso em um comitê do PSDB em Belo Horizonte, Serra aproveitou o tema para criticar a política externa brasileira. "No Brasil se criou uma secretaria especial da mulher com status de ministro. Eu acho uma ironia o governo ter isso e considerar como amigo, ter carinho por um regime que enterra a mulher até a cintura e apedreja até a morte", disparou, referindo-se à Secretaria Especial de Políticas para Mulheres do governo federal.

Antes da polêmica em torno de Sakineh, Lula já havia se aproximado do regime de Ahmadinejad ao tentar, junto com a Turquia, intermediar negociações sobre enriquecimento de urânio pelo governo do Irã, que levanta suspeitas entre vários países de que Teerã desenvolve pesquisas para criação de armas nucleares.

Omissão

Sem citar diretamente o nome de Lula, Serra avaliou que o governo brasileiro é omisso em relação a notórias violações de direitos humanos no país do Oriente Médio. "Uma coisa é interesse econômico, outra é tratar carinhosamente, como se fosse um camarada, um regime que mata mulheres, que tortura porque, depois da viuvez, teve relação com dois homens. É a sentença de morte mais cruel que eu conheço. Não tem nada a ver trocar mercadoria, não se meter em conspirações em outros países, com deixar de defender e até justificar de maneira clara regime que viola os direitos humanos da maneira mais brutal. No meu governo nós vamos rejeitar isso. Vamos nos manifestar de todas as formas contra esse tipo de regime", observou.

Na opinião do presidenciável, só o fato de Lula oferecer asilo a Sakineh já significa que o governo brasileiro legitima a posição iraniana. "Essa oferta de asilo para ela aqui é como se ela fosse uma criminosa política. E não é. Não fez nada nesse sentido", ressaltou.

Pesquisa

Serra se recusou a comentar a pesquisa feita do Ibope que mostra Dilma à sua frente na corrida presidencial e afirmou que apenas a "crescente consciência" do eleitorado a respeito dos candidatos é decisiva na hora da definição do voto. "O Lula não será mais presidente a partir de 1º de janeiro. E nenhum presidente, em qualquer país do mundo, governa na garupa. Só se governa comandando. Portanto a população vai escolher aquele que vai dirigir o Brasil a partir de 1º de janeiro", ressaltou.


Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna


A tópica do nacional-popular, como se sabe, resultou de uma inovação conceitual e política concebida especialmente pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), em meados do século passado, após longo processo de discussão. Seus termos foram consagrados na famosa Declaração de Março de 1958, com que os comunistas abandonaram a ortodoxia das lutas de "classe contra classe", passando a adotar uma política de alianças amplas em torno do nacionalismo a fim de emancipar o país da dominação imperialista, especialmente americana, e de remover os entraves estruturais que estariam impedindo o livre desenvolvimento das forças produtivas nacionais, entre as quais as relações semifeudais no mundo agrário. Tal aliança deveria assumir uma configuração pluriclassista heterogênea, envolvendo o proletariado, seu componente mais consequente, os camponeses, a pequena burguesia urbana, a burguesia e até os setores latifundiários que possuíssem contradições com o imperialismo norte-americano.


(Luiz Werneck Vianna, no artigo, ‘O problema do inimigo e a questão nacional’ , no Valor Econômico, segunda-feira, 2/8/2010)

Direitos relegados:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A proposta oficial brasileira para que a ONU passe a tratar os países que violam os direitos humanos com mais condescendência, evitando críticas públicas aos regimes autoritários, revelada pelo O Estado de São Paulo, se por um lado dá um ar de coerência à posição do governo brasileiro desde que Lula chegou ao poder, em 2002, por outro revela que, muito mais que decisões pragmáticas, se abster em votações contra Cuba com relação à violação dos direitos humanos ou mesmo votar contra uma condenação do governo do Sudão sobre Darfur, onde um conflito étnico matou mais de 200 mil pessoas, faz parte de uma política de Estado que o governo Lula vem adotando sem que a mudança tenha sido debatida pela sociedade.

Coreia do Norte, Irã, Sri Lanka são outras ditaduras que obtiveram do Brasil ultimamente posições conciliatórias quando foram acusados de abusos dos direitos humanos nos organismos internacionais.

A ONG Conectas Direitos Humanos já havia denunciado alteração no padrão de votação do governo brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU, seguindo geralmente interesses políticos e comerciais.

Em relação à China, por exemplo, o Brasil mudou sua posição, votando a favor da no-action motion em 2004, ajudando a evitar assim a condenação daquele país por violações de direitos humanos.

Em situação similar em 2001, o governo brasileiro se abstivera de votar. Houve uma mudança também em relação à resolução que condenava a situação dos direitos humanos na Chechênia.

Da abstenção em 2001 e 2002, o governo brasileiro passou a votar explicitamente contra a condenação da Rússia em 2003 e 2004.

O padrão de votação parece seguir o interesse geopolítico e comercial do governo brasileiro, e não tem relação direta com o conceito de direitos humanos em si.

A denúncia pública da ONU, considerada pelas ONGs internacionais que lutam pelos direitos humanos como Anistia Internacional e Human Rights Watch, e pelos governos democráticos, especialmente da Europa, como a principal forma de pressão, é vista pelo governo brasileiro como detonadora de crises internas nesses países.

Além de criticar a conduta como sendo ineficaz, o governo brasileiro considera, embora informalmente, que o Conselho de Direitos Humanos da ONU está muito politizado, controlado pelos EUA, que têm influência para nunca terem sido advertido pelas transgressões aos direitos humanos ocorridas na prisão de Guantánamo, por exemplo.

Essa posição do governo brasileiro, que já havia sido explicitada nas negociações com o governo do Irã sobre a política de energia nuclear daquele país, agora ganha relevância com o caso da mulher iraniana condenada a morrer a pedrada por adultério.

Essa posição leniente do governo brasileiro com ditaduras que violam os direitos humanos, a pretexto de ampliar o diálogo, é o reflexo da dificuldade pessoal que o presidente Lula tem em criticar seu velho amigo Fidel Castro, ou seu mais recente amigo de infância Mahmoud Ahmadinejad, e tem como pano de fundo uma política externa que procura ser um contraponto à influência dos Estados Unidos.

Por isso Lula não deu uma palavra sobre a morte por greve de fome do preso político dissidente Orlando Zapata Tamayo, ocorrida no mesmo dia em que chegou a Cuba, e comparou os prisioneiros da ditadura cubana aos presos comuns brasileiros.

A mesma dificuldade ele revelou no caso de Sakineh Mohammadi Ashtiani, começando por afirmar que não poderia se intrometer nos assuntos internos do Irã, pois é preciso cuidado, porque as pessoas têm leis, as pessoas têm regras... Se começam a desobedecer às leis deles para atender ao pedido de presidentes, vira uma avacalhação.

Com a pressão da opinião pública, interna e externa, Lula sentiu que mais uma vez seu prestígio internacional afundaria mais ainda, sem contar o prejuízo eleitoral que poderia afetar sua candidata preferida Dilma Rousseff.

Deixando claro o apelo eleitoreiro que vê no tema, Lula se utilizou de um palanque para anunciar que ofereceria asilo à iraniana.

Mas o fez de maneira a não ferir a sensibilidade de seu amigo Ahmadinejad: Eu tenho que respeitar a lei de um país, mas, se vale minha amizade e o carinho que tenho pelo presidente do Irã e pelo povo iraniano, se esta mulher está causando incômodo, nós a receberíamos no Brasil afirmou.

A pobre mulher, portanto, seria recebida pelo governo brasileiro para deixar de causar incômodo ao ditador iraniano, não por que seja uma barbárie condenar uma mulher por adultério, e ainda mais à morte, e, além disso, a pedradas.

O governo iraniano, além de ter minimizado a interferência de Lula, classificando sua atitude como consequência de um espírito emocional, mas, sobretudo, de desinformação, ainda por cima disse que o mundo ocidental estava distorcendo os fatos com o propósito de prejudicar o Irã.

Esse é um argumento que toda ditadura, de direita ou de esquerda, utiliza para fugir de suas responsabilidades.

Mas já há uma generalizada posição a respeito.

O respeito aos direitos humanos como condição preliminar para o diálogo entre as culturas foi um das decisões centrais da mais recente reunião da Academia da Latinidade, no início do ano em Córdoba.

O tema já havia sido abordado em outras reuniões, e o consenso entre intelectuais e acadêmicos de várias partes do mundo sempre foi o de que os direitos humanos não podem ser encarados como instrumentos de dominação ocidental, e devem ter caráter universal, na definição do secretário-geral da Academia da Latinidade, o brasileiro, Candido Mendes.

A Constituição de 1988 define que o Brasil deve reger suas relações internacionais pela prevalência dos direitos humanos, e os tratados internacionais de que o país é signatário são incluídos como parte integrante dos direitos e garantias fundamentais.

Nem gregos nem troianos :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Definitivamente, o governo do presidente Luiz Inácio da Silva caminha para um final melancólico em matéria de política externa.

Foi chamado de ingênuo pelo governo dos Estados Unidos por cair na conversa de Mahmoud Ahmadinejad; admoestado pela oposição cubana por causa de suas ironias e indiferença em relação aos dissidentes da ditadura castrista; condenado pelo presidente da Colômbia que considerou "deplorável" sua posição sobre o conflito com a Venezuela; menosprezado pelo amigo iraniano para quem os apelos de Lula em favor da mulher condenada à morte por adultério são frutos de falta de informação.

Isso em pouquíssimo tempo, convenhamos, representa uma conjunção de repreensões públicas bastante significativas e contrastantes com a quase unanimidade de 80% de aprovação no âmbito interno.

Dirão os que se indignam com o fato haver no Brasil quem se manifeste em oposição a tão adorado presidente, que o mundo conspira, exercita o preconceito das elites, ou quem sabe, é tucano?

Não, o mundo apenas está tomando contato com o Lula real, em contraposição ao herói da resistência que nunca existiu a não ser na fantasia romântica alimentada por falta de informação e açodamento na expiação de culpas ancestrais.

Como o senso crítico mundo afora e os critérios para avaliação de governantes são mais rígidos que os vigentes no Brasil, Lula foi perdendo o charme na proporção que iam crescendo suas impropriedades em âmbito internacional.

Entrou errado numa seara delicada, a dos direitos humanos. Sem capacidade pessoal para avaliar conexões mais elaboradas e sem disciplina nem paciência de ouvir quem poderia lhe ensinar, achando que da mesma maneira que as coisas dão certo aqui podem dar certo de toda parte, o presidente pôs os pés pelas mãos.

Agora propõe à ONU que evite censurar países violadores dos direitos humanos, argumentando que a denúncia pública e dura de atrocidades não é eficaz.

Como se a política de boa vizinhança do Brasil com ditaduras tivesse rendido algum avanço ou benefício para as populações desses países.

Como se alguma ditadura entendesse a linguagem do diálogo e da negociação. Opressor que se preze - e os amigos do governo Lula são convictos no ramo - não dialoga, oprime.

Só afrouxa o torniquete quando é da conveniência do próprio regime opressor fazer alguma concessão.

Essa proposta encaminhada pelo Itamaraty à ONU pretende que o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas mude seus critérios de funcionamento e passe a adotar os parâmetros do governo Lula.

Se a ONU aceitasse, de uma hora para outra o governo brasileiro teria "lavado" seus procedimento que não seria mais condenado nem condenável. Passaria a ser o modelo de correção.

Se essa hipótese já soaria fora de cogitação em outros tempos, hoje que Lula perde o glamour e a credibilidade no exterior, soa absurda.

Revisão. José Serra não sossegou - fez de tudo e mais um pouco enquanto não conseguiu que Fernando Gabeira fosse candidato ao governo do Rio em aliança com a candidatura presidencial do PSDB.

Hoje o partido - com a concordância do próprio - avalia que foi um erro. A começar pela candidatura de Marina Silva a presidente até as rusgas internas provocadas pela resistência do PV à companhia do DEM, a coligação rendeu mais problemas que soluções.

Na interpretação dos tucanos paulistas, quem escolheu um candidato a vice no Rio em outro partido saberia escolher um candidato ao governo no PSDB.

Fundamento. O que é mais importante, o nome das coisas ou o que as coisas realmente são? Partindo do princípio de que a designação não altera o significado de nada, o sentido é o que importa.

Por tanto, não interessa se o nome é dossiê, banco de dados ou carta anônima. A boçalidade da intenção é a mesma: pressionar alguém a curvar-se à vontade de outrem mediante ameaça de exposição da intimidade seja ela lícita ou ilícita, falsa ou verdadeira, tanto faz.

Ministério da utopia :: Demétrio Magnoli

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Intelectuais tendem à utopia, pois ela precisa de uma descrição e eles são seus autores. Isaiah Berlin não está entre os filósofos mais célebres precisamente porque é um pensador antiutópico. "As utopias têm o seu valor - nada amplia de forma tão assombrosa os horizontes imaginativos das potencialidades humanas -, mas como guias da conduta elas podem se revelar literalmente fatais", anotou Berlin. As utopias almejam a completa realização de um conjunto de premissas, com a exclusão de todas as outras. É um caminho muito perigoso, "pois, se realmente acreditamos que tal solução é possível, então com certeza nenhum preço será alto demais para obtê-la".

A democracia constitui um sistema político avesso à utopia porque, por definição, rejeita atribuir estatuto de verdade incontestável a qualquer conjunto de premissas ideológicas. Os intelectuais utópicos têm um lugar na democracia - o de instigadores do debate público. Mas o sistema democrático de convivência de ideias contraditórias se estiola quando eles são alçados à posição de sábios oficiais e suas utopias são convertidas em verdades estatais.

Samuel Pinheiro Guimarães, até outro dia secretário-geral do Itamaraty, foi guindado à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). No novo cargo, elaborou um documento intitulado O Mundo em 2022, ainda em versão preliminar, que circula no governo e no Itamaraty. Trata-se de um delineamento das tendências do sistema internacional, com propostas de políticas estratégicas do Brasil. Dito de modo direto, é a plataforma de uma utopia ultranacionalista, a ser aplicada num hipotético governo de Dilma Rousseff, que colide com os valores e as tradições da democracia brasileira.

Num texto escrito em português claudicante, o intelectual utópico expõe uma doutrina antiamericana que solicita uma curiosa articulação estratégica entre Brasil, Rússia, Índia e China "para reformar o sistema internacional e torná-lo menos arbitrário". Os Brics, acrônimo cunhado no interior de um banco de investimentos, constituem um "bloco" apenas na acepção restrita de que seus integrantes passaram a influenciar a governança econômica global. Eles, porém, não compartilham interesses geopolíticos relevantes - uma evidência clamorosa que escapa por completo à percepção de Guimarães, moldada por um obsessivo antiamericanismo.

Os equívocos teóricos pouco significam, perto das prescrições políticas. Nostálgico do "Brasil-potência" dos tempos de Ernesto Geisel, Guimarães atribui ao Estado os papéis de "estimular o fortalecimento de megaempresas brasileiras (...) para que possam atuar no cenário mundial globalizado" e de conduzir um programa de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de amplas implicações militares. Os significados desta última proposição podem ser entrevistos na passagem em que o autor define o Tratado de Não-Proliferação Nuclear como o "centro" de um processo ameaçador de "concentração de poder militar". A leitura do documento oferece indícios sugestivos para a compreensão da lógica subjacente à aproximação entre Brasil e Irã e à operação diplomática brasileira de cobertura do programa nuclear iraniano.

No programa ultranacionalista, ausências falam tanto quanto presenças. Ao longo de 54 itens, não há nenhuma menção aos direitos humanos. Não é surpreendente: um livro de Samuel Pinheiro Guimarães, publicado em 2006, qualificou a defesa dos "direitos humanos ocidentais" como uma forma de dissimular "com sua linguagem humanitária e altruísta as ações táticas das Grandes Potências em defesa de seus próprios interesses estratégicos". A militância do governo Lula contra a política internacional de direitos humanos - expressa na ONU, em Cuba, no Irã, no Sudão, na China e em tantos outros lugares - não é um fenômeno episódico, mas reflete uma visão de mundo bem sedimentada. Lastimavelmente, as ONGs brasileiras de direitos humanos financiadas pela Fundação Ford trocaram a denúncia de tal militância pela aliança com o governo na difusão da doutrina dos "direitos raciais".

A utopia regressiva de Samuel Pinheiro Guimarães colide com a Constituição, que veta a busca de armas nucleares e situa a promoção dos direitos humanos no alto das prioridades de política externa do Brasil. Se a sua plataforma política aparecesse na forma de artigo, isso não seria um problema - e, talvez, nem mesmo uma fonte de debates interessantes. As coisas mudam de figura quando ela emerge como documento de Estado, produzido num Ministério encarregado de formular as diretrizes estratégicas do País.

O governo Lula exibe, sistematicamente, inclinação a partidarizar o Estado. A contaminação ideológica da política externa é uma dimensão notória dessa inclinação. Há, contudo, um antídoto contra a doença, que é a supervisão parlamentar das diretrizes estratégicas de política externa. Nos EUA, uma nação presidencialista como a nossa, as prioridades e os orçamentos do Departamento de Estado são submetidos ao crivo do poderoso Comitê de Relações Exteriores do Senado, expressão do controle social, bipartidário, sobre uma política de Estado. O Senado brasileiro tem uma Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Entretanto, sua gritante ineficácia, que exprime uma carência quase absoluta de poder real, proporciona ao governo as condições para a continuidade da folia ideológica em curso.

A SAE foi concebida como uma jaula dourada para acomodar (e ridicularizar) Roberto Mangabeira Unger, quando ele aderia ao governo que definira como "o mais corrupto da história". Agora, sob Guimarães, a jaula transforma-se em linha de montagem de uma utopia ultranacionalista que funcionaria como a régua e o compasso da inserção internacional do Brasil. A Nação tem o direito inalienável de se proteger contra o Ministério da Utopia, sujeitando a política externa ao escrutínio democrático dos parlamentares.


Sociólogo, é doutor em Geografia Humana pela USP.

Debater é preciso, mas... :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Hoje é um dia nervoso para os candidatos à Presidência. Debates ao vivo pela TV não elegem ninguém, mas bem podem derrotar alguém. Quem está na frente vai pronto para simplesmente não errar. Quem está atrás tem que "criar fatos novos" -expressão muito comum em política- na dose suficiente para avançar, mas sem extrapolar.

Consta que José Serra, pelo passado de prefeito, governador, deputado e senador, tem mais cancha e conteúdo, enquanto Dilma Rousseff, neófita nesse tipo de embate, entra em desvantagem.

Mas Dilma tem maior número de aliados, mais tempo na propaganda eleitoral gratuita, pilhas e pilhas de informações e dicas que os ministros lhe passam. E Serra vai entrar no estúdio num momento em que tudo parece dar errado na sua campanha: desânimo, desmobilização, dúvidas quanto a Aécio, deserção de prefeitos no Nordeste, risco de perda do palanque no DF.

Isso pode dar mais moral a Dilma e mais insegurança a Serra. O que conta -e muito. Em TV, a forma supera o conteúdo.

A última contra Serra foi a informação de que sua campanha foi a que menos arrecadou até julho: R$ 3,7 milhões, contra R$ 11,6 milhões para a de Dilma e de R$ 4,6 milhões para a de Marina.

Pode ser por desorganização, mas cria uma dúvida interessante: o PT vive dizendo que Serra é "de direita" e "candidato das elites", mas os financiadores estão despejando mais dinheiro em Dilma?

A questão "direita" versus "esquerda" deve permear o debate de hoje, mas subliminarmente.

A grande massa de eleitores não tem a menor ideia do que se trata -se é que se interessa por debates políticos. E o financiador de campanhas não está nem aí. O que interessa não é ideologia; é quem tem mais chance de ganhar e garantir seus lucros. Banqueiros, empresários e PMDB, tudo a ver.

Debates. Ou a última chance :: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - A série de debates que começa hoje é, talvez, a única chance de José Serra reverter um quadro eleitoral que é claramente favorável a Dilma Rousseff.

Favorável menos pelo que dizem as pesquisas e mais pela lógica. Pode-se até argumentar que lógica e eleições nem sempre se casam, mas é o único instrumento para análise, já que, por definição, não dá para trabalhar com o imponderável.

Qual é a lógica? Repito: há uma sensação bastante disseminada de bem-estar no país, o tal "feel good factor". É natural que, nessas circunstâncias, o eleitorado prefira o continuísmo à mudança.

Para alterar essa lógica, os candidatos oposicionistas teriam que pôr no cenário alguma emoção, alguma utopia, alguma ilusão convincente. Nada disso está à vista, e resta demasiado pouco tempo para que possa aparecer.

A alternativa para a oposição é desmontar Dilma, o que só pode acontecer nos debates. No horário gratuito, ela será devidamente embalada para presente, como de resto todos os demais, exceto Plínio de Arruda Sampaio (PSOL). Plínio prefere a autenticidade ao embrulho, ainda que não lhe dê votos.

O debate fica sendo, portanto, a única chance de, eventualmente, fazer a candidata governista escorregar, mostrar-se indecisa, atrapalhada, insegura, sei lá. Algo enfim que leve o público a acreditar que ela não é a garantia de que o "feel good" vai continuar.

No caso de Serra, o debate terá um elemento adicional para ajudá-lo na difícil tarefa de desconstruir Dilma. Chama-se exatamente Plínio de Arruda Sampaio, o único com coragem suficiente para dizer que o imensamente popular governo Lula é "nefasto", como o fez em entrevista à Folha.

Claro que o candidato do PSOL tampouco vai poupar Serra. Mas o tucano está habituado a levar bordoadas da esquerda, muito ao contrário de Dilma.

Partidos à beira de um ataque de nervos :: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

No momento em que o pensamento neoliberal entra em decadência, depois de reinar por quase duas décadas, é preciso retomar questões que foram enterradas no período anterior sob o argumento da inutilidade ou do desuso. Uma delas é a crise dos partidos políticos.

No período anterior, o esvaziamento ideológico das instâncias partidárias pela mesmice liberal era dado como uma fatalidade - os partidos não poderiam se contrapor ao consenso e à racionalidade do liberalismo; seria normal, numa realidade em que a ideologia supostamente perde o sentido em favor da "verdade" única, que a política fosse a expressão de jogos de interesse pessoais, não raro sujeita a rapinagens e banditismo.

A desarticulação dos partidos políticos, a crise de representatividade, o afugentamento de bons quadros, a corrupção, enfim, todos os problemas decorrentes do afrouxamento ideológico das agremiações, que resultaram no descolamento delas e daquelas que seriam suas bases sociais, eram apontados como intrínsecos à democracia, menos perfeita que os mercados para regular a vida social. À democracia imperfeita se contrapunha a perfeição mercado.

No Brasil, a histeria neoliberal chegou praticamente junto com a rearticulação partidária pós-ditadura. O PSDB e o DEM já começaram a se confundir nesse período, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) cumpria uma agenda em conformidade com a ideologia mundialmente hegemônica, ambos recém-criados - o PSDB, como racha do antigo MDB da ditadura; o PFL, como dissidência da antiga Arena. Até então, eram as duas legendas que tinham condições de se fixar no quadro partidário como representações de fato de setores da social-democracia, o primeiro, e de setores conservadores de outro, com alguma substância ideológica. O PMDB, sucedâneo do MDB, havia perdido densidade com a saída de importantes quadros políticos para outros partidos e o PSDB foi o que mais incorporou do velho partido intelectuais e formuladores. O PDS, que sucedeu a Arena, levou um golpe de morte com a derrota de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. O PFL levou boa parte dos líderes da Arena, mas foi legitimado pelo apoio ao candidato de oposição no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves.

À esquerda, emergiu o PT como a novidade no quadro partidário. Foi o único partido de massas da história do país, produto de uma engenhosa e histórica aliança entre uma vanguarda política, formada pelos grupos que emergiam da clandestinidade e pelas lideranças forjadas no novo sindicalismo, e nas bases sustentado por uma militância não só incorporada pelos grupos de esquerda, mas pela organização capilar da igreja progressista. Por mais que se tenha atribuído aos grupos mais radicais do partido sucessivas derrotas eleitorais, não se pode negar que eles serviram como um contrapeso aos setores que defendiam uma completa guinada à direita. O PT conseguiu não passar do centro, mesmo depois da crise do socialismo real, porque suas decisões expressavam a luta interna em que a esquerda era minoritária, mas continuava existindo.

O pós-governos Lula colocam questões urgentes a serem resolvidas na área política. A crise partidária é a pior. O quadro criado no período de redemocratização foi afrouxado pela homogeneização do pensamento político e econômico, no período neoliberal, e pela falta de perspectivas a que foram jogados os socialistas depois da queda do Muro de Berlim. Além disso, o PT, depois da crise do Mensalão, em 2005, foi engolido pelo sucesso do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente, hoje, é maior que o seu partido.

A oposição, por sua vez, sem firmeza ideológica e identidade política e sem ter conseguido se libertar da tradição política brasileira de partidos de quadros, tem grandes chances de sucumbir a um fracasso eleitoral. São modelos de partidos que não sobrevivem a não ser como porta-vozes de pensamentos hegemônicos, e desde que com a ajuda de quadros políticos tradicionais que não chegam a acrescentar massa orgânica e não florescem a não ser sob o guarda-chuva do Estado.

A situação dos partidos oposicionistas torna-se mais crítica, quanto mais agressivo for o discurso eleitoral. A agressividade atrai setores de direita, mas tende a afastar militância - no caso do PSDB, comprometida anteriormente com a social-democracia; no caso do ex-PFL, setores que têm forte dependência do Estado.

Nesse quadro, e passadas as eleições, os partidos têm que olhar para dentro. Não existe reforma política que os obrigue a isso - é apenas uma questão de sobrevivência. Os partidos estão numa nova realidade, onde a diversidade deixou de ser uma expressão de "atraso" e voltou a ser uma condição para a democracia. A mudança qualitativa das legendas depende da reincorporação da divergência ideológica como motor da política. É a mudança de qualidade das agremiações que terá o poder de melhorar a qualidade da política. Se os atores políticos não entenderem isso, derrotas eleitorais serão fatais para os partidos que hoje existem.

O PT, talvez premido pelas dificuldades do seu governo no Legislativo, é o que mais se aproxima de entender esse fenômeno. A decisão de centrar seus esforços eleitorais na candidatura à Presidência e aos legislativos, em detrimento de campanhas para os governos de Estado, reforçará o partido no cenário político. Numa democracia, afinal, são nas casas legislativas que os partidos se movem. A lealdade partidária é outro importante elemento, e esse ainda é um ponto forte do partido de Lula.

Falta a alguns observadores da realidade entender que o PT não vai crescer porque Lula agradou a todos os setores - isso está longe de ser verdade, dada a forte oposição oferecida ao governo por setores sociais importantes. Pode crescer, sim, na esteira da popularidade de Lula, mas principalmente porque os atuais maiores partidos brasileiros mantiveram uma ligação extremamente tênue com os setores que representavam. Continuaram acreditando que a verdade é única e que aqueles que a ela se opõem são irracionais.


Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Fim da História? :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Se você quer que seja mantido o equilíbrio fiscal, controle da inflação e o câmbio flutuante é simples: basta votar em um dos três candidatos mais competitivos nas eleições presidenciais de outubro.

Os três prometem que não vão mexer no tripé: as três políticas implantadas pelo governo Fernando Henrique e mantidas pelo governo Lula.

Há sinceridade no que dizem?

Se há, não há mais diferenças entre os candidatos.

Estamos portanto numa espécie de fim da História: não há mais divergência ou dúvida sobre política econômica no Brasil. Seria bom se fosse simples assim até porque há vários outros temas exigindo atenção , mas neste, como em vários outros assuntos desta difícil campanha, há pouca verdade no que os candidatos dizem e muito truque de marqueteiro.

É o tripé que está dando certo e em time que está ganhando não se mexe, resumiu numa declaração originalíssima o presidente do PT, José Eduardo Dutra. Vamos pular aquela parte em que o mesmo PT dizia que tinha recebido uma herança maldita e que essa eram políticas neoliberais.

Nesta reta final do governo Lula, políticas têm sido adotadas diariamente que quebram a longo prazo um pé do tripé. Os aumentos de gastos públicos, a criação de despesas permanentes, a construção de atalhos fiscais para o endividamento público, a ressurreição da política industrial do governo militar, as exceções criadas na Lei de Responsabilidade Fiscal, tudo isso está, na prática, minando as bases do equilíbrio fiscal.

A política de metas de inflação que vigora há 11 anos pressupõe a não interferência nas decisões do Banco Central. O BC sozinho não resolve o problema, tem que ser ajudado pelo primeiro pé do tripé, mas é condição essencial a autonomia do Banco. Todos os candidatos disseram que respeitarão a autonomia do Banco Central. Há dúvidas razoáveis sobre a real intenção de pelo menos os dois com maiores intenções de voto. O ex-governador José Serra já mostrou em várias entrevistas que esse é um assunto que não está pacificado em suas convicções.

Ele acha que o BC errou nos últimos anos, já deu declarações contraditórias o suficiente para se duvidar da sua convicção quando diz que, se eleito, manterá a política atual. Sobre a ex-ministra Dilma Rousseff repousa a mesma dúvida. Sua formação econômica incipiente e seu entorno fomentam a certeza de que algo de diferente ela vai tentar. Por enquanto, ela está repetindo as frases e palavras que o ex-ministro Antonio Palocci a ensinou.

A sua formação leva a crer que o que ela tem dito não passa de mais um truque de marketing.

A candidata do PV, Marina da Silva, é a menos conhecida dos três por vários motivos. Nunca falou muito desses assuntos econômicos e a imprensa tem obsessivamente perguntado a ela sobre outro tripé: célula tronco-criacionismocasamento gay. Quando consegue fugir dessa pauta pobre, Marina tem admitido que votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e contra o Plano Real, mas que mudou de ideia, se convenceu de que estava errada, por isso defende a consolidação dos ganhos dos últimos 16 anos dessa política.

Os pés do tripé estão relacionados. Dilma acredita no expansionismo do gasto público, tem demonstrado que sustenta os mesmos ideais do governo militar no que se refere à ampliação da estatização.

Para fazer frente a uma política fiscal frouxa decorrente dessas convicções, a política monetária teria que ser mais e mais apertada. Alguém realmente acredita que Dilma toleraria altas das taxas de juros sequenciais sem interferir? Lula compensou seu parco conhecimento do tema com uma visão profundamente pragmática e sua capacidade de aprender com os dados da realidade. Visto que a inflação sob controle era garantia de popularidade, ele jogou fora a velha cartilha do PT e manteve o que prometeu que mudaria.

O terceiro pé é o câmbio flutuante. Está relacionado aos outros dois. Altas taxas de juros atraem capital especulativo, principalmente em momentos de boom internacional, e isso aprecia a moeda nacional. Os exportadores reclamam. Tanto o entorno de Dilma Rousseff, quanto o candidato da oposição, José Serra, já demonstraram que são sensíveis ao lobby exportador.

A única forma de manter o tripé é fazer um aperto fiscal forte, uma política de austeridade que significaria fazer escolhas difíceis, rever a excessiva estatização e os subsídios extravagantes dados às grandes obras iniciadas neste fim de governo Lula, ser capaz de cortar gastos correntes, abandonar a política dos anos 70 que voltou a vigorar no BNDES.

Uma verdadeira política de austeridade criaria um círculo virtuoso: reduziria a necessidade de elevação das taxas de juros, o que reduziria a apreciação cambial. Se o eleito ou a eleita continuar mantendo um discurso de ambiguidade em relação ao Banco Central, a instituição terá que, de novo, conquistar reputação, o que significa manter juros altos por mais tempo.

Por tudo o que os candidatos têm escondido do que realmente pensam sobre a política fiscal, monetária e cambial; por tudo o que já disseram; por suas ambiguidades; pelo que dizem em assuntos que estão relacionados com esses, a verdade é que mesmo hoje, 16 anos depois da maior vitória que o Brasil teve na luta contra a inflação, não há garantias. Ao contrário do que se poderia esperar, alguns candidatos mais que outros estão prontos para cometer erros velhos. Profissões de fé no chamado tripé convencem pouco quem tem mente treinada.

Os cenários, bem distintos, das campanhas à frente : : Jarbas de Holanda


A propaganda eleitoral “gratuita” começará no dia 17 como projetara o candidato presidencial oposicionista José Serra, se ele chegar até lá empatado com a adversária Dilma Rousseff. O que se configurará, ou não, em novas pesquisas nesta e na próxima semana (que levarão em conta, também, o debate de amanhã na TV Bandeirantes e as entrevistas, dos dois e de Marina Silva, de segunda-feira em diante no Jornal Nacional da Globo, este de grande audiência). Com um empate, Serra avalia ou avaliava partir em condições favoráveis para um confronto de propostas e de biografias. Se, porém, tais pesquisas confirmarem a superioridade e, mais do que isso, a tendência de crescimento da candidata governista, constatadas no último levantamento do Ibope, será ela que iniciará em vantagem a nova e decisiva etapa da disputa. Condições favoráveis dele ou vantagem dela que, obviamente, poderão alterar-se ou até inverter-se em face dos desempenhos de cada um ao longo do horário eleitoral e do conjunto de suas campanhas, bem como de fatos políticos e/ou econômicos capazes de impactos sociais de peso.

Eis alguns traços bem significativos dessa disputa, a dois meses do primeiro turno. A prioridade conferida pelas candidaturas de Serra e Dilma à busca de maioria no eleitorado de Minas Gerais. O empenho de ambos para redução da inferioridade que têm, respectivamente no Nordeste e no Sul. Os fortes ataques que a campanha de Serra passou a desferir contra posturas e relações mais questionáveis do governo Lula e de sua candidata: o radicalismo da política externa, incluídos o relacionamento do PT com o grupo narcoguerrilheiro das Farc, a omissão diante de atos antidemocráticos da ditadura cubana e do governo chavista da Venezuela, a cobertura e o financiamento às violências do MST, o aparelhamento partidário da máquina federal, os dossiês atribuídos a petistas. As respostas a tais ataques e os passos de Dilma Rousseff a fim de ganhar espaço na opinião pública e junto ao empresariado: distanciamento de propostas radicais do PT (como as de controle da mídia e restritivas do direito de propriedade), condenação a invasões do MST, já também crítica a prisões políticas em Cuba e provável influência exercida para o gesto de Lula em favor da iraniana, Sakineh Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento ou na forca, tudo isso de par com a defesa da política macroeconômica pró-mercado, inclusive a autonomia do Banco Central.

Quanto ao presidente Lula, ao objetivo primeiro da eleição de Dilma (que avalia como já praticamente certa) ele junta com ênfase outro que considera relevante: que o governo dela possa contar com sólida e confiável maioria no Congresso, especialmente no Senado através de grande bancada do PT. Essa ênfase deverá traduzir-se em participação pessoal dele, seletiva mas decidida, em várias campanhas estaduais para ampliação das bancadas de deputados federais e sobretudo de senadores petistas.

Jarbas de Holanda é jornalista

Roberta Sá e Trio Madeira Brasil no CCC

Serra afirma que vai reduzir ministérios

DEU EM O GLOBO

Tucano diz que criará o da Segunça e de Deficientes, mas que outras pastas vão ser extintas, se for eleito

Silvia Amorim
Enviada Especial


POÇOS DE CALDAS (MG). O candidato a presidente pelo PSDB, José Serra, afirmou ontem, em visita a Poços de Caldas, em Minas Gerais, que, se eleito, fará uma reforma ministerial e prometeu reduzir o número de pastas existentes hoje.

O tucano citou, como as que seriam passíveis de corte, a de Assuntos Estratégicos.

Chegando lá (Brasília), nós vamos fazer uma revisão geral e não vai ter mais ministérios do que havia disse o presidenciável, após participar de um encontro com lideranças da Associação de Pais e Amigos do Excepcional (Apae).

O tucano voltou a dizer que criará o Ministério da Segurança e o dos Deficientes Físicos.

Serra disse que o Ministério dos Assuntos Estratégicos, criado pelo presidente Lula em 2007, não tem razão de ser.

Pode ser um departamento do Ipea afirmou, referindose ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

Em tom de crítica ao governo Lula, Serra disse que a criação dos dois ministérios não causará mais inchaço à administração federal.

Não vamos fazer nenhuma estrutura de empreguismo para empregar companheiros explicou.

Dilma e Serra terão seu primeiro confronto direto em debate na TV

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os principais adversários na disputa presidencial passaram os últimos dias treinando estratégias para que hoje à noite, durante o debate da Rede Bandeirantes, as suas próprias biografias não acabem se transformando em armadilhas

Malu Delgado, Julia Duailibi

Na preparação para o primeiro confronto direto da campanha presidencial, os principais adversários, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), passaram os últimos dias treinando estratégias para que hoje, no debate da Rede Bandeirantes, as suas próprias biografias não se transformem em armadilhas.

No caso de Dilma, a ordem é dosar sua associação com o presidente Lula para que ela não endosse a tese do rival, de que é "fruto de marqueteiro" e não tem ideias próprias. Com o intuito de não ficar à sombra do governo Lula, a petista foi orientada a enfatizar propostas para um próximo mandato.

Dilma vai também explorar o que sua equipe define como "pontos fracos" do tucano quando governou São Paulo: educação e segurança pública. Uma das estratégias será lembrar graves problemas de segurança no Estado e citar dados da Organização Mundial da Saúde indicando que a taxa de homicídios virou "epidemia".

Para Serra, o fundamental no confronto é evitar que sua atuação no governo Fernando Henrique Cardoso se transforme em fato negativo quando indicadores da administração tucana sejam confrontados com os do governo Lula.

A orientação da campanha de Serra é evitar o confronto e buscar o debate de propostas. A estratégia é mostrar que o tucano tem mais ideias e mais experiência para governar e um clima de enfrentamento não seria favorável ao candidato.

No sábado e no domingo, Serra se reuniu à noite em seu escritório para discutir o debate com os marqueteiros Luiz Gonzalez e Woile Guimarães, o estrategista Felipe Soutello, a coordenadora da campanha na internet, Soninha Francine, e o sociólogo Eduardo Graeff.

Também estavam no grupo colaboradores da época do Palácio dos Bandeirantes, que levaram dados da gestão.

A tática de Marina Silva (PV) também será evitar acusações e confrontos pessoais. Sua estratégia é mostrar que as propostas de política econômica de Serra e Dilma estão ultrapassadas, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável. A candidata do PV chama os concorrentes de "crescimentistas", que ignoram as possibilidades de uma nova economia, com fontes de energia alternativa.

Já Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) participa do programa na confortável posição de franco atirador.

A hora em que o bom é fazer o oponente ir mal

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Gabriel Manzano

No primeiro e histórico debate presidencial pela TV, em 1960, o americano John Kennedy abriu caminho para a Casa Branca ao vencer Richard Nixon - por ser mais simpático, mais seguro, mais fino. Nos 50 anos passados desde então, a receita não mudou. Mais do que falar com seus rivais na sala, o candidato precisa mesmo é seduzir o eleitorado que o está vendo. O importante é sair do programa com mais votos do que entrou.

Desde que Franco Montoro e Reynaldo de Barros se enfrentaram na TVS (hoje SBT) em 1982, no primeiro debate político na TV brasileira, os caminhos dessa sedução foram muitos e variados. É bom sair-se bem, mas induzir o adversário a sair-se mal é ótimo.

Que o diga o hoje ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, primeira vítima desse jogo, que naufragou quando Bóris Casoy lhe perguntou em 1985, diante de um Jânio Quadros silente, se acreditava em Deus. FHC hesitou, gaguejou e perdeu votos por admitir, no susto, que era ateu.

Muitas histórias ficaram, também, do primeiro debate presidencial do País, que a Band organizou em 1989. A começar pela mesa interminável, de nove competidores. "Parecia uma assembleia", recorda-se Fernando Mitre, diretor de Jornalismo da emissora, que desde então organizou cerca de 40 outros debates.

Naquela noite, Leonel Brizola (PDT) e Ronaldo Caiado (PSD) quase se pegaram, quando este acusou o rival de ter muito gado no Uruguai. "É preciso dar nome aos bois!", bradava Caiado, da bancada ruralista. E Brizola ciscava: "Ih, o homem caiu do cavalo!" Em outro momento, Marília Gabriela deu a vez a Aureliano Chaves (PDS), que dormitava e reagiu assustado: "É pra responder ou pra perguntar?" O fato marcante de 1989, no entanto, foi o jogo pesado de Collor contra Lula, no segundo turno: ele divulgou dias antes que o petista tinha uma filha fora do casamento e que pressionou a mãe, Miriam Cordeiro, para que abortasse. Depois, no debate da TV Globo, jurou que Lula iria confiscar a poupança de todos. Coisa que ele próprio acabou fazendo.

Mas sedução não é um jogo simples e o vencedor nem sempre é quem venceu, como se viu em 1998. Em São Paulo, Mário Covas nocauteou Paulo Maluf em 1998, em debate da Band, e virou o jogo, ganhando a eleição. Mas em Brasília aconteceu o contrário: Cristovam Buarque triturou Joaquim Roriz, mas o eleitorado tomou-se de zelos pelo derrotado e o levou ao poder.

Geraldo Alckmin também atacou Lula no segundo turno, em 2006, mas avançou o sinal... e teve menos votos que no primeiro. Ou seja, nesse incerto campeonato de simpatia, às vezes o eleitor prefere, simplesmente, alguém que não invente nem complique.

As armas que os candidatos vão levar

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dilma deve associar Serra a "passivos" da era FHC; tucano pretende se mostrar com mais ideias e preparo, e Marina quer ser a alternativa

Dilma usará dados de SP para irritar tucano

À frente nas pesquisas de intenção de votos, Dilma Rousseff (PT), deverá ser o alvo preferencial dos adversários no debate de hoje. A avaliação é do próprio comando político da campanha. Diante da constatação, a ex-ministra passou os últimos três dias em reuniões com coordenadores políticos e de marketing discutindo estratégias.

Além de fixar sua biografia ao presidente Lula e ao atual governo - o que já é linha mestra da campanha -, a petista apresentará propostas concretas para um próximo mandato.

Há um receio entre os coordenadores da campanha de que repetir à exaustão dados do atual governo possa passar a impressão de que Dilma está à sombra de Lula, sem ter ideias próprias. Essa é, aliás, a tese que seu principal adversário, José Serra (PSDB), sustenta. "A Dilma se mostrará como uma pessoa propositiva", disse o presidente do PT e coordenador da campanha, José Eduardo Dutra.

Disposta a tirar o tucano do sério, Dilma vai explorar o que sua equipe define como "pontos fracos" do tucano quando governou São Paulo: educação e segurança pública. Uma das estratégias será lembrar graves problemas de segurança no Estado e citar dados da Organização Mundial da Saúde indicando que a taxa de homicídios virou "epidemia". No quesito educação, a candidata baterá na tecla de que Serra, quando governador, não valorizou os professores.

Para os aliados da candidata, o debate terá o propósito de desmistificar a imagem de que a petista estaria fugindo de confrontos diretos com Serra. Com esse propósito, Dilma selecionou e memorizou perguntas para os três adversários, além de ter treinado respostas rápidas, diretas e concisas. "Só quem não conhece a Dilma acha que ela não está preparada. Ela tem todos os dados do governo e os desafios do futuro na ponta da língua", reagiu o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

Ontem, a petista almoçou com o ministro Guido Mantega (Fazenda), com quem repassou dados econômicos para comparar os governos Lula e Fernando Henrique Cardoso.

A candidata foi orientada a esperar dois tipos de abordagem de Serra: uma mais agressiva e outra mais amena, porém muito experiente. Se necessário, ela vinculará a imagem de Serra ao governo FHC. Nos bastidores, porém, os petistas não apostam que o tucano manterá o tom agressivo. Recordam o debate de 2006, na Globo, entre Lula e Geraldo Alckmin, quando o tucano optou por uma linha raivosa e agressiva.

O marqueteiro João Santana e a jornalista e consultora de imagem Olga Curado foram presenças constantes no treinamento de Dilma. / MALU DELGADO, VERA ROSA e JOÃO DOMINGOS

Serra vai rebater ataques a FHC

O candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, foi preparado por uma equipe de oito pessoas para responder a ataques da adversária Dilma Rousseff (PT), a respeito de sua participação no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Na avaliação dos tucanos, a petista vai criticar a gestão FHC e compará-la aos números positivos do governo Luiz Inácio Lula da Silva. A armadilha, segundo integrantes da campanha, será associar Serra a "passivos" do governo anterior.

Os estrategistas da campanha também querem que Serra não seja agressivo. Avaliam que o ideal é que o candidato seja "light", aproveitando a experiência que adquiriu nas eleições anteriores para esbanjar segurança e clareza.

Serra se reuniu nas noites de sábado e de domingo, em seu escritório em Pinheiros, na capital paulista, com os marqueteiros Luiz Gonzalez e Woile Guimarães, o estrategista Felipe Soutello, a coordenadora da campanha na internet, Soninha Francine, e o sociólogo Eduardo Graeff para discutir o debate.

Também estavam no grupo integrantes da equipe do tucano no Palácio dos Bandeirantes e na Prefeitura de São Paulo. Levaram dados da gestão de Serra na capital e no Estado - avalia-se que grande parte das críticas da adversária será dirigida à administração Serra em São Paulo.

Na noite de ontem, estava previsto outro encontro para definir pontos do debate, como as perguntas que o tucano fará à petista.

Os tucanos querem explorar temas polêmicos para o PT, como a relação do partido com o Movimento dos Sem-Terra. Mas a avaliação dos tucanos é que as perguntas desse assunto não devem ser feitas diretamente por Serra para não soar provocação. A tese é de que esses temas surgirão naturalmente, colocados pelos outros candidatos ou pelos jornalistas presentes no encontro. Serra, avaliam, deveria aproveitar os momentos de tréplica para lançar assuntos sobre os quais Dilma não poderá dar a palavra final.

A orientação é evitar confronto e ganhar espaço, em um debate ameno, para ser propositivo. Segundo assessores, Serra tem de mostrar que "tem mais ideias, que as ideias são concretas e que tem mais experiência para governar melhor". Para isso, dizem, o ambiente de confronto não ajudaria o candidato.

Os próprios tucanos, no entanto, fazem uma ponderação. Um debate, por mais calculado que seja, nem sempre transcorre do modo esperado. E, às vezes, a troca de acusações foge do controle. De qualquer maneira, serão feitas pesquisas qualitativas no decorrer do programa. A reação dos grupos servirá para balizar o comportamento de Serra no debate. / JULIA DUAILIBI e CHRISTIANE SAMARCO

Marina dirá que ideias rivais estão superadas

No comitê de Marina Silva o clima nos últimos dias foi de euforia. Para seus assessores, o debate será a primeira oportunidade de grande alcance para a candidata mostrar ao eleitorado que suas propostas constituem, de fato, uma alternativa ao modelo de desenvolvimento em curso no País.

Marina vai tentar uma operação delicada. Sem acusações nem confrontos pessoais, procurará mostrar que as ideias de Serra e Dilma estão ultrapassadas, do ponto de vista do desenvolvimento sustentável. O crescimento a qualquer custo é coisa do século 19, segundo Marina. Ela chama os concorrentes de crescimentistas e sugere que ignoram as possibilidades de uma nova economia, com fontes de energia alternativa.

Um dos focos das intervenções da candidata verde será a questão da educação. Vai enfatizar que o Brasil vive um bom momento, grande oportunidade histórica de desenvolvimento, que pode ser perdida se não forem feitos investimentos pesados em educação, ciência e tecnologia.

A senadora também insistirá na tecla dos investimentos em infraestrutura. É nessa hora que se dirigirá mais diretamente à candidata petista, afirmando que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não passa de um programa de gerenciamento de obras, sem nenhuma visão estratégica./ ROLDÃO ARRUDA

Plínio vai se apresentar como único alternativo

Com menos de 1% das intenções de voto, segundo a última pesquisa Ibope, o candidato do PSOL, Plínio de Arruda Sampaio, é o que tem menos a perder no debate. Sem medo da popularidade do presidente Lula, vai criticar abertamente a política econômica que ele adotou, seguindo os passos de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Segundo Plínio, essa política não promove a inclusão social, como se alardeia.

A verdade, assegura o candidato do PSOL, é que as desigualdades aumentaram e vão continuar aumentando no caso de vitória de Dilma Rousseff, José Serra e até de Marina Silva - cujas propostas de política econômica não diferem essencialmente das dos outros dois candidatos. Sob esse viés, ele vai procurar se apresentar ao eleitorado como a única candidatura de fato alternativa, com um viés socialista.

Segundo Plínio, que já foi militante do PT e amigo de Lula, a política econômica atual provocou melhora superficial, com inclusão de mais pessoas no mercado de consumo. Mas não trouxe melhoras básicas, nas áreas de educação, saúde, segurança, reforma agrária. Se tiver oportunidade, deve criticar a gestão de Serra à frente do governo do Estado, apontando problemas nas áreas de educação e saúde. Sobre Marina, vai dizer que defende um modelo ecocapitalista. / R.A.

'É só mais um elemento de formação da opinião'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Rubens Figueiredo. Cientista político

Moacir Assunção

O debate da TV Bandeirantes, para o cientista político e diretor-geral do Centro de Pesquisas e Análises da Comunicação (Cepac), Rubens Figueiredo, marcará o encontro da candidata mais bem colocada nas pesquisas, Dilma Rousseff (PT), com o grande público. Figueiredo considera que muita gente que diz que votará na petista nunca a viu, apenas pretende apoiá-la porque ela é a candidata de um governo bem avaliado. "Ela vai ser apresentada, de fato, à população e sair dos nichos mais próximos da classe média. Esta é a primeira vez de que me lembro de um candidato que é líder nas pesquisas, mas quase desconhecido do grande público", diz. Para ele, entretanto, ainda há muitas dúvidas sobre como se sairá a candidata, acuada pela primeira vez por adversários calejados como José Serra (PSDB), Marina Silva (PV) e Plínio Arruda Sampaio (PSOL).

Os debates como este de hoje ajudam a formar o voto?

O voto é formado por um conjunto de informações que chegam ao eleitor, o que inclui as aparições de TV, rádios, jornais, comícios e atividades típicas de campanha. O debate é somente mais um elemento de formação da opinião, interligado com os demais. No entanto, no de hoje haverá alguns problemas, entre os quais a concorrência com o futebol, já que haverá o jogo entre São Paulo e Internacional (RS), mas haverá um interesse especial de parte do público que é a curiosidade por ver como se saem os candidatos sem a proteção do horário eleitoral. Nesse sentido, será a primeira vez que Dilma será acuada de verdade. Serra leva vantagem porque tem uma experiência bem maior.

Mas um debate poderia, por exemplo, mudar os rumos de uma campanha?

Não acredito nisso. O público que assiste a um debate dificilmente chega a 10% do número de eleitores. Quase sempre vence o debate quem já está na frente das pesquisas. O eleitor que já declara o voto naquele candidato tende a achar que ele se saiu melhor no embate. Lembro-me de dois debates que mudaram a eleição, como aquele entre Kennedy e Nixon, nos EUA, em 1960, e entre Collor e Lula no Brasil, em 1989, mas são casos raríssimos. Em geral, nenhum candidato esmaga o outro neste tipo de disputa. Há um vencedor, mas sempre por pequeno porcentual, embora os candidatos sempre digam que foram os vitoriosos, naturalmente puxando a brasa para sua sardinha.

Qual a força real da TV?

A TV é fundamental em qualquer análise, porque está presente em 97% dos lares brasileiros e é o nosso grande veículo de massa. Basta ver o que houve depois do último programa partidário do PT, exibido na TV em junho. Depois da exibição, Dilma cresceu sete pontos e Serra caiu uns cinco. Não temos a que creditar a mudança nos porcentuais a não ser à exposição na TV, embora não tenha sido ainda o suficiente para fazer com que o grosso da população a conheça. Os níveis de conhecimento da candidata do governo são extremamente baixos. Ela não é uma personagem do mundo político como os demais, mas egressa do setor administrativo do Estado.

CCJ chama analista do caso Eduardo Jorge

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Servidora é investigada pela Receita como suspeita da quebra do sigilo do tucano, supostamente para abastecer dossiê da campanha de Dilma

Rosa Costa / Brasília

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou convite à analista Antonia Aparecida Rodrigues Santos, da Receita Federal, para que ela explique "as graves denúncias apresentadas sobre a quebra do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira". O requerimento foi apresentado pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

O depoimento foi marcado para quarta-feira. Mas cabe à servidora dizer se concorda ou não em comparecer nessa data.

A servidora está sendo investigada pela Receita como principal suspeita da quebra do sigilo fiscal do tucano, supostamente para abastecer dossiê produzido por assessores do comitê de Dilma Rousseff. Dias lembra que dados da corregedoria do Fisco indicam que Antonia Aparecida, lotada em Santo André, teria sido a única a acessar dados de Eduardo Jorge sem motivo de trabalho.

Em julho, quando depôs na CCJ, o secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, já tinha informações sobre os responsáveis pelo vazamento. "O depoimento da referida servidora é indispensável para elucidação dos graves fatos apresentados a esta comissão", afirmou o senador.

Senadores aliados do governo estavam presentes na CCJ quando da votação do requerimento de Dias. Nenhum deles, porém, reagiu contra a aprovação do convite, em votação simbólica.

TRE usa Ficha Limpa e barra Joaquim Roriz

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Notificado no dia do aniversário, candidato do PSC ao governo do Distrito Federal poderá continuar em campanha até a decisão definitiva do recurso

Carol Pires / Brasília

No dia em que completou 74 anos, Joaquim Roriz (PSC) teve a candidatura ao governo do Distrito Federal barrada pelo Tribunal Regional Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa. A defesa contestará a decisão no TSE, que tem até o dia 19 para julgar o recurso. Até a decisão em definitivo, Roriz pode continuar em campanha.

Roriz foi governador da capital por quatro vezes e, em 2007, renunciou ao mandato de senador para escapar de processo disciplinar que poderia culminar com sua cassação - ato que, segundo a lei, torna o político inelegível. Se não conseguir reverter a decisão, Roriz estaria fora das urnas até 2022, quando terá 86 anos.

"Não há dúvidas de que a Lei Ficha Limpa trás novas causas de inelegibilidade e considera a vida pregressa do candidato. Essa é a oportunidade da Justiça brasileira passar o Brasil a limpo. A capital federal tem de dar o exemplo", defendeu o procurador eleitoral Renato Brill de Góes.

Durante o julgamento, o advogado de Roriz, Pedro Gordilho, defendeu a tese de que a lei não poderia retroagir para prejudicar o candidato. "A renúncia em 2007 era um ato lícito e não teria sido praticada se o autor tivesse a percepção extrassensorial de que três anos depois seria ilícita."

Góes disse que a defesa do ex-governador estava tentando "confundir a clareza da discussão". "Não se discute a validade da renúncia ou como era vista moralmente. A renúncia é um ato unilateral, outra coisa são suas consequências jurídicas, que afasta a capacidade eleitoral."

Confiança. Ao fim do julgamento, Pedro Gordilho disse que o histórico político de Roriz é cheio de "decisões adversas" nas instâncias inferiores, mas com muitas "vitórias" nas instâncias superiores. Caso perca no TSE, ele informou que irá ao Supremo Tribunal Federal (STF). "O recurso será apresentado no prazo idôneo e esperamos obter a vitória definitiva", disse.

O ex-governador não cumpriu evento de campanha e passou o dia de ontem em casa, recebendo amigos. Foi representado no tribunal por um grupo de partidários armados com pandeiros e megafones. "Roriz, de novo, governador do povo", gritavam os manifestantes. Mas quem saiu cantando vitória foi outro grupo, de militantes do PSOL, que comemorou a decisão do TRE com outra versão da mesma música: "Roriz, de novo, roubando dinheiro do povo."

Jader Barbalho e Jackson Lago conseguem aval para candidatura

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Carlos Mendes e Wilson Lima

O TRE do Pará manteve ontem por 4 votos a 2 a candidatura ao Senado dos deputados Jader Barbalho (PMDB) e Paulo Rocha (PT) ao julgar pedido de impugnação feito pelo Ministério Público Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa. Jader renunciou ao mandato de senador em 2001 e Rocha ao de deputado, em 2005, para evitar processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. O procurador eleitoral Daniel Azeredo Avelino anunciou que recorrerá ao TSE.

No Maranhão, o Ministério Público Eleitoral também vai recorrer da decisão do TRE que deferiu o registro de candidatura do ex-governador Jackson Lago (PDT). Lago teve o mandato cassado no ano passado por crime de corrupção eleitoral.

A governadora Roseana Sarney também teve o registro de candidatura ratificado pelo TRE, apesar de alvo de duas ações populares no Tribunal de Justiça.

Serra lidera na terra de Marina

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Até a semana passada não parecia que Rio Branco tinha uma candidata a presidente saída dos seringais do Acre. Não se via adesivos de carro com o "Marina 23". Um sintoma do desempenho sofrível nas pesquisas de opinião da candidata do PV, Marina Silva, que está com 32% das intenções de voto dos acrianos, seis pontos atrás de José Serra (PSDB), líder da disputa no Estado. Dilma Rousseff (PT) patina nos 16%.


Acre pobre e rural resiste a Marina

Caio Junqueira, de Rio Branco

Ainda que as referências à "professora da Ufac", "filha de Pedro Augusto" e estrela maior dos "meninos do PT" continuem no Acre a conferir à candidata do PV a presidente o ar de eterna filha da terra, Maria Osmarina Marina Silva de Lima não larga na condição de favorita no Estado que a projetou na política nacional e internacional. A mais recente pesquisa eleitoral a coloca com 32% das intenções de voto dos eleitores acreanos, seis pontos atrás do paulista José Serra (PSDB), líder da disputa no Estado. A candidata oficial, Dilma Rousseff (PT), patina nos 16%, a despeito de o governo no qual comandou a Casa Civil ter drenado milhões de reais para o Estado governado pelo PT há 12 anos.

Por esses motivos, o levantamento surpreendeu as lideranças políticas em Rio Branco e Brasília. Do Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contatou a principal liderança política local, Jorge Viana (PT), governador do Estado entre 1998 e 2006 e atual candidato ao Senado com 64% das intenções de voto. "A Marina pode até terminar a eleição na frente, mas o Serra será inaceitável", disse o presidente. Viana transmitiu o recado aos petistas, em especial ao seu irmão, o senador Tião Viana, franco favorito à sucessão de Binho Marques (PT), com 63% das intenções de voto. Apreensiva, a candidata do PV ligou para os seus coordenadores políticos já na véspera da publicação dos números. "É preciso pôr a campanha na rua logo", afirmou.

Até a semana passada ainda não parecia que Rio Branco tinha uma candidata a presidente saída de seus seringais. Não se vê nem sequer um adesivo de carro com o "Marina 23". O único cartaz com seu rosto está no comitê central da Frente Popular do Acre, o grupo político que ajudou a compor e que hoje desfruta, em nível estadual, da mais longeva hegemonia petista do país. Mesmo assim, seu cartaz fica de lado, ofuscado pelos de maior dimensão que apresentam os rostos de Lula e Dilma "para o Brasil continuar mudando".

Os "verdes" do Estado, uma mistura de seguidores de Marina egressos do petismo local e de ambientalistas quando esses ainda atendiam por ecologistas, aguardam o material de campanha chegar. Avaliam que com isso poderão melhor explorar a identidade da candidata com seus conterrâneos. Querem ligar a população à imagem de "ousadia" com que a menina doente superou os obstáculos para se tornar um ícone mundial defendendo a conservação da floresta em que vivem.

O plano pode tanto sensibilizar quanto não funcionar, já que a barreira para a ascensão de Marina no Acre se encontra nas classes média e baixa da zona rural do Estado, a maior parte do eleitorado e justamente de onde Marina saiu para fazer política. Sua intenção de voto cai conforme a escolaridade do eleitor diminui e a distância da capital aumenta. Vai de 42% entre os eleitores com nível superior para 26% dos que têm até a 4ª série do ensino fundamental. Nos dois principais vales acreanos, o do rio Juruá, no extremo oeste do Estado, e no do rio Acre, no extremo leste, Marina tem, respectivamente, 23% e 22% das intenções de voto, em contraposição aos 42% que Rio Branco lhe dá.

O principal motivo desse cenário é atribuído à gestão de Marina à frente do Ministério do Meio Ambiente, considerada rigorosa por alguns setores. Nos anos em que ficou no ministério, dados do Imazon mostram que a fiscalização na Amazônia saltou de 32 operações realizadas em 2003 para 134 em 2007. As multas aplicadas passaram, no mesmo período, de cerca de R$ 200 milhões para quase R$ 2 bilhões.

Ocorre que, no Acre, essa política pegou muitos pequenos e médios agricultores, que são maioria no Estado. Segundo o Censo Agropecuário do IBGE, mais de 85% dos estabelecimentos são ocupados pela chamada agricultura familiar (a que, segundo a lei, utiliza predominantemente mão de obra da própria família) e mais de 65% dos estabelecimentos possui menos de 100 hectares.

O simbolismo dessa situação é bem expressado no rol de reivindicações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, de onde Chico Mendes travou sua luta pela preservação da floresta. Um dos pleitos é a anistia às multas dadas pelo Ibama aos seus pequenos agricultores. "No meio rural, é generalizada a rejeição a ela. Foram muitas multas, prisões e apreensões de produtos. Ela obteve resultado, mas atingiu muita gente de boa fé", afirma Assuero Veranez, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Acre (Fetacre).

De acordo com ele, 75 mil famílias dependem diretamente da agricultura para sobreviver, das quais 25 mil são empregadoras e 50 mil são empregados rurais. Com esse universo já se chega a quase metade de toda a população acreana. O número é, inclusive, superior ao de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família, na casa de 60 mil.

Outra razão para a rejeição a Marina pelos eleitores de seu Estado é a postura da senadora em relação a duas obras de infraestrutura com impacto imediato na região. Uma é a pavimentação da rodovia BR-364, que integra os dois vales do Estado, no trecho entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul, que Marina sempre defendeu o embargo para que fosse feito o estudo de impacto ambiental. As outras são as hidrelétricas do rio Madeira, no Estado vizinho de Rondônia, cuja expectativa é melhorar o falho sistema energético acreano, no qual não raro a população fica às escuras.

Por esse motivo, muitos acreanos colocam o meio ambiente como um problema secundário no Acre. Segundo o Ibope, apenas 2% da população o mencionam quando questionados sobre as duas áreas em que o Estado tem mais problemas. Trata-se de menos da metade que temas que, dependendo, podem servir como seu contraponto direto, como "apoio a agricultura" (5%) e "geração de energia elétrica" (10%). Saúde (49%) e segurança (41%) são as mais citadas.

Procurada, a candidata do PV não respondeu ao pedido de entrevista.

TSE pune Dilma pela oitava vez, e Lula pela sétima

DEU EM O GLOBO

MP é favorável a outra multa, que pode chegar a R$ 250 mil

Roberto Maltchik

BRASÍLIA. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) multou ontem o presidente Lula e a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, em R$ 5 mil cada um, por antecipação de campanha em inserção de propaganda partidária transmitida em 12 de março. O Diretório Estadual de São Paulo do PT também foi punido e terá que pagar multa de R$ 7,5 mil. É a oitava multa de Dilma e a sétima de Lula desde o início da campanha eleitoral.

A decisão foi do ministro Henrique Neves da Silva, relator do processo, e ainda precisa ser confirmada pelo plenário do TSE. Lula, Dilma e o PT terão 30 dias para recolher os valores determinados pelo tribunal a partir da confirmação da multa pelo plenário. A representação foi do Ministério Público Eleitoral (MPE).

Em outro processo, a viceprocuradorageral eleitoral, Sandra Cureau, enviou ontem ao TSE parecer concordando com um pedido do PSDB para que o presidente Lula e Dilma sejam novamente multados por propaganda antecipada. O documento não faz referência ao valor da multa. Mas, se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aceitar o pleito dos tucanos, a cifra pode chegar a R$ 250 mil.

Ontem à noite, Sandra Cureau esclareceu que seu parecer se limita a concordar com os argumentos apresentados pelos autores da representação.

Mas caberia à Corte arbitrar o valor da multa.

Considerei procedente a representação, mas não me pronunciei sobre o pedido da multa, ou o valor da multa, que poderá ser atribuído pelo tribunal ao PT disse Sandra.

Para procuradora, o PT antecipou a campanha O PSDB alega que o Partido dos Trabalhadores usou as propagandas partidárias de 13 de maio para exaltar a imagem de Dilma, o que a legislação proíbe. Os tucanos querem a aplicação da multa máxima (de R$ 25 mil) combinada com um artigo do Código Eleitoral que prevê a multiplicação do valor em dez vezes, se o tribunal considerar que, em virtude da situação econômica do infrator, a punição é ineficaz, embora aplicada no máximo.

Sandra Cureau afirma que o PT utilizou o horário gratuito reservado ao partido não para exposição da propaganda partidária, mas para realizar propaganda negativa do adversários, com antecipação da campanha eleitoral.

O presidente Lula ocupou metade do espaço gratuito para traçar a trajetória da ex-ministra Dilma Rousseff, sua capacidade, ideias e opiniões. No esforço para exaltar seu nome, valeu até a comparação com o líder sul-africano Nelson Mandela, afirma a procuradora em seu parecer.

A decisão final será do TSE, que também terá que estabelecer o valor da multa.

Cabral se recusa a divulgar doadores

DEU EM O GLOBO

Gabeira diz que o fato de o adversário ter arrecadado mais do que Serra e Marina num estado como o Rio é "absurdo"

Cássio Bruno e Rafael Galdo

Candidato à reeleição, o governador Sérgio Cabral (PMDB) disse ontem, ao justificar os R$ 4,7 milhões arrecadados no primeiro mês de campanha, que a população do Rio sabe quanto custa a disputa eleitoral. Ele se recusou, porém, a revelar os nomes dos doadores. O valor é 47 vezes maior do que declarado pelo adversário Fernando Gabeira (PV): R$ 100 mil. O verde considerou um absurdo a quantia arrecadada e gasta por Cabral e cobrou a divulgação da lista de doares.

Acho um absurdo, num país como o nosso, gastar R$ 4,7 milhões numa pré-campanha só no Rio, um estado com 92 municípios.

Ele gastou mais do que os candidatos José Serra e Marina Silva (que disputam a Presidência e viajam pelo país todo).

O que mostra que o Rio, do ponto de vista da política, vive uma riqueza extraordinária, em contrapartida com o estado da nossa população disse Gabeira.

Cabral argumentou que os recursos são para cobrir despesas de sua estrutura de campanha, que é enorme em comparação com a do verde: Os cidadãos sabem que uma campanha eleitoral, ainda mais para o governo do estado, necessita de estrutura de comunicação, como televisão, rádio ou visual. Evidentemente que isso reflete também no desempenho do candidato numa série de questões. Nossa estrutura de campanha demandou essa captação de recursos. Vamos fazer tudo dentro da lei disse ele, que se recusou a divulgar a lista dos doadores alegando que a lei não o obriga a isso agora.

Cabral, que estima gastar R$ 25 milhões até outubro, ressaltou que só revelará a origem do dinheiro no prazo fixado pela lei eleitoral. A prestação de contas ocorre em 2 de novembro e, em caso de segundo turno, no dia 30 do mesmo mês. A primeira parcial de Cabral é maior do que o arrecadado por Serra (PSDB), com R$ 3,6 milhões, e Marina (PV), R$ 4,65 milhões. Perguntado se considera os R$ 4,7 milhões um valor elevado, ele atacou Gabeira: É bastante relativo quando se avalia. O candidato adversário, por exemplo, está dizendo que está atrás do dinheiro do PSDB. Isso está nos jornais de hoje (ontem).

Um indicador da diferença entre a campanha de Gabeira e Cabral ficou claro na visita do verde ontem ao bairro Jardim Catarina, com 250 mil habitantes, em São Gonçalo. Ele andou por ruas sem placas de sua candidatura, mas com dezenas de Cabral e dos aliados do governador.

As placas não dão voto. O que dá voto é o olho no olho disse Gabeira, que também criticou Cabral ao dizer que moradores do Jardim Catarina denunciaram obras eleitoreiras feitas por estado e governo federal, com verbas do PAC.

Mas o verde afirmou sentir falta de mais recursos, que, segundo ele, poderiam ser usados em seu programa de TV. Ele confirmou que esperava ajuda não concretizada do PSDB: Mas compreendemos que as circunstâncias políticas são muito dinâmicas, e que todos tiveram dificuldades de arrecadação, exceto o Cabral, é claro.

A campanha de Marina Silva vai contribuir com recursos para Gabeira. O valor será definido hoje.

Nós vamos ajudar. A campanha do Gabeira é importantíssima afirmou, ontem, João Paulo Capobianco, coordenador da campanha de Marina.

Gabeira participou de uma atividade de campanha de Serra, em São Paulo, na terça-feira, mas Capobianco negou que a decisão de repassar recursos tenha relação com o episódio. Já Marina afirmou que a participação de Gabeira numa atividade de Serra é natural.

Oposição critica carta do Brasil à ONU

DEU EM O GLOBO

Documento pede que entidade evite censura a países que violam direitos humanos

BRASÍLIA.Parlamentares criticaram ontem a iniciativa do governo brasileiro de enviar uma carta a países da ONU pedindo que a entidade evite censura pública a nações que violam direitos humanos.

A existência do documento foi divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo. No documento, o Brasil defende o diálogo com esses países.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) afirmou que o Itamaraty tem uma linha de diálogo geral, mas disse que essa iniciativa do governo brasileiro é inócua. Para o parlamentar, a posição do Brasil é incoerente. Ele citou como exemplo Honduras, onde o governo brasileiro, corretamente, segundo o deputado, recebeu Manoel Zelaya, presidente deposto, em sua embaixada e condenou o golpe de Estado no país.

Na comunidade internacional é natural que os governos possam, em nome da defesa dos direitos humanos, questionar quem quer que seja. Não tem cabimento considerar que uma crítica da ONU a esses países seja intervencionista disse Alencar.

O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) divulgou nota na qual afirma que o Brasil está dando uma grande mão aos ditadores e aos violadores de direitos humanos de todo o mundo. O Brasil está propondo que quem mata, tortura, violenta, sequestra e mutila não seja censurado. É um retrocesso que não tem paralelo. A minha pergunta é: há diálogo com quem comete o mais vil dos crimes, que é torturar outro ser humano? Pode haver diálogo com que estupra crianças e jovens? Pode haver outro tipo de comportamento que não seja a censura?, diz Jungmann.

O Itamaraty, que produziu o texto, nega que se trata de uma posição para desconsiderar ações de ditadores. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, a intenção é criar uma instância de diálogo e convencer, aos poucos, esses países a abandonarem práticas totalitárias.

Na sua política externa, Lula tem se relacionado com países acusados de violarem direitos humanos.

No início de julho, o presidente esteve com o ditador Obian Nguema, da Guiné Equatorial.

O chanceler Celso Amorim justificou o encontro assim: negócios são negócios.

Lula é um dos líderes mundiais mais próximos ao presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad e mantém estreito laço com Cuba, evitando condenar a existência de presos políticos.

O Itamaraty disse que não se trata de uma carta, mas de um documento para apreciação de 15 países, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Segundo o ministério, trata-se de uma contribuição do Brasil para ser avaliada por esse grupo.

O coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Gilson Cardoso, afirmou que toda violação deve ser denunciada.

Qualquer violação de direitos humanos precisa ser denunciada disse Cardoso.

Corrida contra o tempo para salvar Sakineh

DEU EM O GLOBO

Justiça nega rever o caso e iraniana seria executada na semana que vem. Lula não fará comentários, diz assessor

Graça Magalhães-Ruether e Chico de Gois
* Correspondente


BERLIM e BRASÍLIA. Em mais uma manobra que leva o caso da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani a uma corrida contra o tempo, a Justiça do Irã rejeitou ontem a reabertura do processo da mulher acusada de adultério , e informou que está analisando o pedido de execução de Sakineh feito pelo promotor de Tabriz, Hossain Nobacht. O caso foi transferido agora para o viceprocuradorgeral, Saeed Mortazavi, que deverá anunciar a pena na semana que vem. Segundo Mina Ahadi, líder da Comissão Internacional contra a Pena de Morte e o Apedrejamento, a sentença pode ser aplicada 24 horas após o seu anúncio.

O regime islâmico mandou uma mensagem política. Apesar de muitos protestos e da preocupação internacional com (Sakineh) Ashtiani, o regime islâmico continua a aterrorizar as pessoas e, especialmente, as mulheres.

Colocar o futuro de Ashtiani nas mãos de Saeed Mortazavi é um sinal muito ruim. Eles estão preparando a execução de Ashtiani.

Esse é um sinal muito claro de que a justiça no Irã não tem nada a ver com ser justo, mas em ser uma ferramenta política para opressão e autopreservação do regime islâmico, disse Mina Ahadi, em nota.

Rejeição do Irã não afeta elo com Brasil, diz Garcia Em entrevista ao GLOBO, Mina apelou outra vez à comunidade internacional e ao presidente Lula pela vida da iraniana.

Os iranianos veem de forma crítica o que o presidente tem feito até agora. Lula apertou as mãos de um regime de terror.

Ignorou os crimes bárbaros do regime contra dissidentes. Mas agora, tem a chance de ajudar para evitar que uma inocente seja executada. O Brasil deve usar suas relações econômicas com o Irã para exercer pressão contra o regime de Ahmadinejad.

Ontem, o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, afirmou que Lula não voltará a falar publicamente sobre o assunto sem, no entanto, detalhar se há nos bastidores uma negociação pela libertação de Sakineh. Segundo ele, o fato de o Irã se negar a atender ao pedido do presidente não afeta as relações entre os dois países.

Uma coisa é importante: não queremos agora dar a esse episódio um tratamento tão público que possa prejudicar a eficácia maior, que é resolver o problema dela. Nós não vamos...

Um dia o porta-voz diz uma coisa, o embaixador diz outra, fica uma guerra de declarações pela imprensa concluiu Garcia.

Em Brasília, a Câmara aprovou, em votação simbólica, uma moção que exorta o governo do Irã a libertar Sakineh.

Autoridades e agências de notícias iranianas noticiaram ontem que a sentença de morte contra Sakineh seria não apenas por adultério, mas também por ter participado do assassinato do próprio marido, há cinco anos. Mina, no entanto, nega. Ela afirma que tem toda a documentação do processo, garantindo que a versão de assassinato tem em vista apenas confundir a opinião pública internacional.

Sakineh foi presa e condenada à morte por sexo, e não por homicídio.

Desaparecido desde o mês passado, Mohammad Mostafaei, um dos dois advogados da condenada, foi preso segunda-feira na Turquia. Segundo a imprensa local, o governo turco deteve Mostafei sob a acusação de imigração ilegal. O advogado, que pediu asilo político a Ancara, disse que fugiu de seu país depois de ser ameaçado de morte.

Organizações de direitos humanos mostraram preocupação sobre a segurança do homem e a possibilidade de a Turquia, grande aliada do Irã, deportar Mostafei para Teerã. As ONGs agora lutam para que ele consiga asilo politico em um outro país.

'Imposição pessoal de Lula'

DEU EM O GLOBO

SÃO PAULO. O cientista político e historiador Samuel Feldberg, da USP, confessa que ainda não entendeu o pragmatismo da política externa brasileira quando a diplomacia do Itamaraty e as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva despreza a defesa de princípios de direitos humanos e de liberdade de expressão nas relações com regimes tirânicos como o Irã, Cuba e até mesmo a China.

Gilberto Scofield Jr.

O GLOBO: Que interesse nacional o Brasil defende ao tratar com tanto descaso princípios de direitos humanos nas relações com o Irã, Cuba e outros regimes controversos?

SAMUEL FELDBERG: Ainda estou tentando entender isso porque mesmo uma abordagem de política internacional pragmática não precisa abrir mão da defesa de princípios de direitos humanos.Veja o caso dos EUA e a China. Apesar dos interesses profundos, o então presidente George W. Bush, em visita ao país, não deixou de assistir a uma missa numa igreja pentecostal de Pequim, reafirmando o princípio da liberdade religiosa. Ele pode não ter visitado o Tibete, mas o recado de reconhecimento da minoria protestante foi dado.

Ser mais duro com o Irã não poderia atrapalhar os interesses brasileiros?

FELDBERG: As declarações do presidente Lula são uma palhaçada, assim como a comparação feita por ele dos presos políticos cubanos com criminosos comuns.Que interesses comerciais ou geopolíticos temos com o Irã ou com Cuba para não nos alinharmos às grandes democracias ocidentais? Qual a vantagem de passarmos a figurar ao lado de países de perfil autoritário, como Rússia ou China? Não temos uma corrente de comércio tão grande com o Irã e nossa autossuficiência nos tirou da dependência do petróleo do país. Não vejo isso como política externa deliberada, mas como uma imposição pessoal do presidente Lula, que pretende passar uma imagem de líder com influência internacional.

E tem conseguido?

FELDBERG: A não ser que o objetivo seja o confronto aberto com os EUA e outros aliados ocidentais. Ou que o Itamaraty tenha algum receio do que uma postura de maior cobrança dos direitos humanos possa trazer como contrapartida desses países, na linha: Não vou falar nada porque isso pode virar contra mim. O Brasil não é exatamente o paraíso dos direitos humanos, mas estamos longe de nos comportar como países autoritários.

Corte ignora apelos, muda acusação e iraniana será executada

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A Corte Suprema do Irã ignorou apelos do mundo inteiro, inclusive do presidente Lula, e atendeu a pedido do Ministério Público para que Sakinehrt Ashtiani seja executada. O teor da principal acusação foi modificado de adultério para assassinato - ela é acusada de ter matado o marido. A Corte adiou a decisão para a próxima semana, mas não concordou em reconsiderar o caso. Na prática, não há possibilidade de recurso. Ontem, uma bomba caseira foi lançada contra o comboio que transportava o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, disseram testemunhas. Para a agência oficial de notícias, foi apenas um rojão soltado por simpatizante de Ahmadinejad.


Teerã diz que iraniana é homicida, além de adúltera, e confirma execução

Corte Suprema ignora apelos e define na próxima semana se Sakineh Mohammadi Ashtiani será enforcada ou apedrejada até a morte; filho de condenada recebe notícia por telefone, já que a defesa não esteve presente à audiência que manteve a pena capital

Jamil Chade correspondente / Genebra

A Corte Suprema do Irã ignorou ontem apelos de defensores dos direitos humanos e atendeu ao pedido do Ministério Público para que a iraniana Sakineh Ashtiani seja executada. Em uma aparente tentativa de aplacar as críticas internacionais, Teerã mudou o teor da principal acusação contra Sakineh - de adultério para assassinato. O tribunal definirá na próxima semana se ela será enforcada ou apedrejada. Não cabe recurso.

Em entrevista ao Estado, Gholan Dehghani, diretor de Assuntos Políticos Internacionais da chancelaria iraniana, deixou clara a posição de Teerã: "Ela (Sakineh) é uma criminosa. E esse caso não é político, é criminoso", disse. "A história foi apresentado como sendo de adultério. Mas isso é uma forma de enganar a opinião pública mundial. Essa mulher é acusada de assassinato e muitas coisas mais terríveis que eu não tenho nem coragem de descrever."

Na terça-feira, o Irã disse que o presidente Lula só se ofereceu para receber Sakineh no Brasil porque não tinha informações sobre o caso. Segundo o assessor de Assuntos Internacionais do Planalto, Marco Aurélio Garcia, o chanceler Celso Amorim havia conversado três semanas antes com autoridades iranianas. Na ocasião, manifestou a preocupação do governo brasileiro com a situação de Sakineh. Aparentemente, a acusação de assassinato não foi mencionada. Garcia disse ontem que o desfecho do caso não altera as relações entre Brasil e Irã. "Obviamente, não vai mudar de jeito nenhum. Não tem razão para mudar."

Grupos de direitos humanos alegam que a acusação de assassinato foi retomada para amenizar as críticas internacionais, uma vez que países como os EUA também preveem a pena capital para homicidas. "Há dois dias, voltaram a usar esse argumento para justificar sua execução", disse ao Estado Mina Ahadi, ativista que vive refugiada na Alemanha e trabalha no apoio a Sakineh.

Execução. Ontem, a audiência final na Corte Suprema de Teerã foi marcada pelo pedido oficial do promotor Hossein Nobacht para executar Sakineh. A Corte, segundo Ahani, rejeitou o pedido dos advogados de defesa para reabrir o caso. A informação foi repassada a um filho de Sakineh por telefone, pois os advogados não acompanharam a audiência. O principal defensor de Sakineh pediu asilo na Turquia (mais informações nesta página). "A confirmação da ordem de execução pode significar que ela pode ser morta muito em breve. Pedimos às organizações de direitos humanos, governos e indivíduos que continuem a pressionar o governo do Irã", disse Ahadi.

Direitos humanos e diplomacia nuclear devem andar juntos

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Shirin Ebadi
Especial para a Folha

O angustiante caso de Sakineh Mohammadi Ashtiani, mãe de dois filhos que um tribunal iraniano sentenciou à morte por apedrejamento em um caso de adultério, atraiu merecida atenção mundial ao draconiano código penal do Irã, que reserva suas mais cruéis punições às mulheres.

A prática do apedrejamento, especialmente, é tão repulsiva que até mesmo aliados políticos como o Brasil se sentiram compelidos a agir. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofereceu asilo a Ashtiani, no final de semana, por meio de um apelo direto ao presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. A intervenção brasileira envia uma mensagem poderosa à república islâmica: seu histórico de direitos humanos não poderá ser separado de sua diplomacia nuclear.

Antes da Revolução Islâmica de 1979, nos anos em que eu trabalhava como juíza no Irã, relações sexuais consensuais entre adultos não constavam do código penal.

A revolução impôs uma versão da lei islâmica extraordinariamente rigorosa até mesmo pelos padrões dos países muçulmanos, tornando o sexo extraconjugal crime passível de punição legal. Sob o código penal revolucionário, a punição para homem ou mulher solteiros que pratiquem sexo extraconjugal passou a ser de cem chibatadas; e o artigo 86 dispõe que uma pessoa casada culpada de adultério seja morta por apedrejamento.

Como a lei iraniana permite a poligamia, na prática dá aos homens uma rota de fuga: podem alegar que sua relação adúltera constituía um casamento temporário. Mas as mulheres casadas acusadas de adultério não têm direito a essa exceção.

Os códigos leais do Irã estão repletos de incoerências e indefinições que tornam impossível respeitar os princípios do direito. O processo criminal por adultério e a promulgação da sentença de morte por apedrejamento não requerem nem mesmo um queixoso pessoal; se for possível provar que um homem ou mulher cometeu adultério, mesmo que o cônjuge o perdoe, o transgressor deve ser executado por apedrejamento. O artigo 105 permite que um juiz sentencie uma adúltera com base apenas na queixa de seu marido.

BOCA A BOCA

O apedrejamento vem sendo criticado por diversos juristas islâmicos, sobretudo pelo aiatolá Yousef Saanei. Acreditam que uma punição dessa ordem era aplicada nos dias iniciais do advento do islamismo, no século 7, segundo os costumes então vigentes. Apontam que o Corão não menciona apedrejamento e acreditam que punições mais amenas, como multas ou prisão, podem ser consideradas.

Para evitar os protestos internacionais, o governo se abstém de anunciar publicamente os veredictos de execução por apedrejamento. É só por meio de informações passadas de boca em boca por familiares e advogados que os casos chegam ao conhecimento da mídia. Por isso, nem mesmo sabemos exatamente quantos iranianos receberam essa punição nas três últimas décadas.

Shirin Ebadi é ativista de direitos humanos e foi a primeira mulher muçulmana a receber o Nobel da Paz.