quarta-feira, 9 de junho de 2010

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna


Como que postos de acordo quanto ao principal, os candidatos divergem em questões tópicas, a exemplo, entre outras, do quantum de autonomia que deveria gozar o Banco Central, de como encaminhar uma reforma tributária - exigiria ela uma emenda constitucional? -, todos alinhados a uma perspectiva pós-Lula, que não deixa de ser, querendo ou não, também pós-FHC, com os temas da estabilidade financeira e da responsabilidade fiscal.

Enfim, a se tomar pelas aparências, já teríamos atingido um ponto ótimo na história da evolução do país, restando agora cuidar - por que podemos mais - do seu aperfeiçoamento. E, assim, essa hora da sucessão, longe de impor um debate sobre os caminhos já percorridos e sobre a marcação dos objetivos estratégicos a serem atingidos, se apequena na rotina e na reiteração de práticas, algumas delas tidas como tão consagradas que ninguém se atreve a discuti-las. Tudo se passa como se não estivéssemos no fim de um governo, mas no seu recomeço. Para que, então, uma sucessão?

Dessa forma, uma política orientada para intervir em caráter emergencial, legítima enquanto tal, como o assistencialismo do programa Bolsa Família, ameaça se tornar permanente sem que se discutam os seus aspectos perversos, como na criação de uma gigantesca clientela a que não se fornecem os meios para escapar dessa condição. Mais que isso, apresenta-se o que deveria ser apenas um paliativo como instrumento idôneo de correção da nossa desigualdade social.
Nessa circunstância, em que o que vale é o resultado imediato, redescobrem-se, no baú da nossa história, velhas ferramentas a que se pretende dar uso novo, como o sindicalismo controlado por seus vértices, agora representados por centrais sindicais dependentes do imposto sindical.


(Luiz Werneck Vianna, no artigo, “A sucessão e o banho de lua”, no Valor Econômico, 7/6/2010)

Novas derrotas:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A política externa brasileira sofreu ontem duas novas derrotas no seu confronto com os Estados Unidos. O Conselho de Segurança da ONU se reúne hoje para definir as sanções contra o Irã devido ao seu programa nuclear, e a Organização dos Estados Americanos (OEA), por pressão da secretária de Estado Hillary Clinton, formou uma comissão especial para preparar o retorno de Honduras ao órgão.

Nos dois casos, o Brasil está em posição oposta à dos Estados Unidos e tentou, sem sucesso, inviabilizar a solução defendida pelos americanos.

No caso de Honduras, o Brasil insiste na tecla de que a situação só se normalizará com o retorno do ex-presidente Manuel Zelaya ao país sem ter que responder pelos crimes de que é acusado - tentativa de golpe e corrupção.

O presidente eleito Porfírio Lobo, não reconhecido pelo governo brasileiro, mas considerado pelos Estados Unidos eleito normalmente e democrático, não aceita essa "anistia" defendida pelo Brasil e alguns outros países da região, com o apoio do secretário-geral da OEA Manuel Insulza.

O fato de que uma comissão analisará a situação democrática em Honduras para definir seu regresso à OEA deixa a questão um passo adiante da picuinha dos aliados do ex-presidente, que condicionam o retorno a uma espécie de satisfação a Zelaya.

O Brasil participou de uma manobra chavista para criar um fato consumado, abrigando o presidente deposto na nossa embaixada em Tegucigalpa, de onde atuava politicamente para recuperar o poder.

Com a eleição realizada normalmente, Zelaya teve que sair da embaixada com um salvo-conduto do novo governo eleito democraticamente, sem condições políticas de permanecer no país.

Agora, tenta regressar com o apoio dos mesmos países na OEA, mas tudo indica que o retorno de Honduras ao organismo regional está sendo analisado com prioridade sobre uma eventual anistia.
Já o Conselho de Segurança da ONU chegou a um consenso sobre as sanções contra o Irã, apesar das tentativas de Brasil e Turquia de convencer seus membros de que o acordo nuclear que intermediaram seria uma solução mais adequada.

Como as sanções tendem a ser mais duras do que estava previsto, a derrota da diplomacia brasileira será proporcionalmente maior, numa demonstração de que os países que controlam as decisões do Conselho de Segurança da ONU, inclusive China e Rússia, rejeitam o ponto de vista brasileiro.

Na resolução do Conselho há uma referência aos esforços de Brasil e Turquia, afirmando que o acordo que patrocinaram poderia ser o início de um diálogo se o Irã demonstrasse estar de boa-fé, mas nas sugestões para a retomada do diálogo, que encerram a resolução, não há nenhuma referência ao acordo.

A lista negra de cerca de 40 empresas que ficarão impedidas de fazer negócios no exterior, para estrangular o financiamento do programa nuclear iraniano, deve abranger a empreiteira Khatam Al-Anbiya, que já foi banida dos negócios internacionais em 2007 pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e em 2008 pela União Europeia, por suas ligações com programa nuclear clandestino do Irã.

Várias de suas subsidiárias também devem estar na lista. Essas empresas são ligadas à Guarda Revolucionária Islâmica e servem para financiar o programa nuclear. Empreiteiras brasileiras que porventura tenham acordos com elas sofrerão as consequências das sanções.

Como era de se esperar, e é natural que assim fosse, o presidente Lula soltou rojões verbais para comemorar o crescimento do PIB brasileiro no primeiro trimestre.

Mas, como sempre faz, exagerou na dose e extrapolou nos comentários, afirmando que este crescimento "extraordinário" é uma resposta àqueles que o "esculhambaram" quando disse que a crise internacional seria uma marolinha por aqui.

Ora, não apenas a crise não foi realmente uma "marolinha", pois o crescimento do país foi negativo em 2009, como foi a comparação com esse resultado muito ruim que permitiu que o PIB crescesse a ritmo chinês nesse primeiro trimestre. Crescimento, aliás, insustentável nas atuais condições do país, sem reformas e sem infraestrutura.

Os senadores das bancadas dos estados produtores de petróleo, especialmente os do Rio de Janeiro, estão passando por momentos dramáticos para tentar impedir que a nova legislação da distribuição dos royalties seja votada.

O problema é que a Confederação dos Municípios fez cálculos baseados na emenda Ibsen Pinheiro aprovada pela Câmara sobre quanto cada município ganha com a nova legislação dos royalties, como se já estivessem ganhando, e os senadores estão sendo pressionados para aprovar logo as mudanças.

O senador Pedro Simon, por sua vez, apresentou uma emenda dizendo que a União ressarcirá os estados produtores do que eles perderem com os novos critérios.

Os senadores dos estados produtores estão em uma queda de braço para ver se não votam a lei dos royalties agora, para evitar o clima emocional em época de eleição.

O líder do governo Romero Jucá fez uma emenda unindo o Fundo Social com a partilha, sem os royalties. Os senadores que são contra a mudança do sistema de concessão para partilha temem que, se derrotarem essa emenda, o governo tente retornar com a emenda original para uma espécie de segunda época da partilha, mas aí ela viria a debate juntamente com os royalties.

Tudo caminha para um acordo que aprovará a partilha e o Fundo Social, e deixará para novembro a discussão dos royalties.

Mas a pressão dos municípios está grande, e a emenda de Pedro Simon parece ser uma falsa solução, perigosa para os estados produtores, que dificilmente receberiam essa diferença da União.

Roteiro adaptado:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ao presidente Luiz Inácio da Silva já não basta infringir a lei de maneira explícita nem debochar dos tribunais de forma desabrida. Para tentar ganhar a eleição não hesita e agora simplesmente inventa que é um exemplar cumpridor da lei cercado por adversários infratores.

É bem verdade que o presidente nestes dois mandatos nunca deu um só exemplo de bom comportamento no campo da moral e da ética. Sempre que teve uma chance firmou ao lado do mau combate.

Defendeu o uso do caixa 2, amenizou responsabilidades de todos os notórios em revista, deu cheque branco a quem não deveria, beijou a mão de quem não merecia, afagou quem teve o mandato interrompido condenado por toda a sociedade, contemporiza com todos os ditadores do planeta, seguramente nunca antes neste País um presidente da República cometeu tantas e tão reiteradas infrações à legislação eleitoral.

Ao ponto de ser multado cinco vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral. Colegiado este que não nutre especial gosto por punições rigorosas a autoridades de altíssima patente. Tanto é que deixou que o presidente Lula pintasse e bordasse bastante antes de começar a puni-lo.

Assim mesmo foi preciso que Lula praticamente implorasse pelas multas, solapando a autoridade da Justiça com suas zombarias de auditório.

É certo que todos já estamos bastante acostumados com a ausência de modos da parte do presidente, fato visto como positivo por gente que acha que quanto mais sem educação o jeito, quanto mais chulas as expressões, quanto maior o menosprezo às normas de civilidade para alcançar os objetivos pretendidos, tanto mais parecido com o "povo brasileiro" o presidente será.

Qual o ganho que isso rende mesmo à sociedade, qual o avanço concreto que isso traz ao Brasil não ficou esclarecido até hoje. Popularidade? Sim, serve a Lula, ao PT, ao PMDB e aos tantos partidos penduricalhos para ganhar eleição.

Mas o que a nação perde em termos de valores tendo a impostura como prática de um presidente da República não interessa como tema de discussão. Em país democrático com instituições e sociedade saudáveis é uma distorção.

É como se o que se vê e o que acontece não valesse nada, tudo perdesse o efeito só porque o presidente diz ao contrário.

Note-se a declaração de ontem por inteiro: "Cabe ao presidente da República ser o exemplo no cumprimento das leis. Agora, é importante que a gente fique atento (sic), porque estou cheio de adversários que, com a preocupação de querer me enfrentar na campanha, começam a querer ganhar o jogo no tapetão, e este país vai exercitar a democracia até o fim."

E acrescentou: "Acho que todos nós temos que cumprir a lei, todos nós temos um ritual de campanha permitido e proibido pela legislação. Acho que ninguém quer transgredir a lei. Se houver excesso, claro que cada um de nós tem que ser punido, mas tenho ouvido gente falando demais, fazendo insinuações demais e interpretações demais."

Começando pelo fim:

1. Ninguém fala mais que o próprio presidente Lula.

2. Se as "insinuações" são os avisos da Justiça e do Ministério Público sobre possíveis consequências futuras dos ilícitos cometidos agora, o presidente já parece orientado por advogados a tentar amenizar os seus efeitos.

3. Não é verdade que a transgressão tenha sido involuntária. Foi proposital como demonstram as repetidas reincidências. 4. Não há ameaças à democracia. 5. O fato de os adversários recorrerem à Justiça é instrumento de defesa e não recurso para "ganhar no tapetão". Inclusive porque ação judicial em si não rende voto.

A menos que Lula esteja preparando o terreno para se fazer de vítima caso a Justiça Eleitoral venha a tomar atitude mais rigorosa em relação à candidatura de Dilma Rousseff. Caso isso aconteça será para a oposição o pior dos mundos.

Mas que fique bem claro: terá sido em função do golpe baixo de primeiro antecipar a campanha e depois imaginar que a Justiça Eleitoral aceitaria o fato consumado na marra, pois não teria coragem de enfrentar a popularidade de Lula para fazer cumprir lei.

Enfim, sem o "pré" :: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A preferência de Serra por protelar a escolha do vice para após a convenção se revela taticamente perfeita

Será o fim de semana das convenções partidárias: as do PSDB e do PMDB no sábado, a do PT no domingo e, como introdução, a do PV amanhã. Com isso, já na noite de domingo José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva afinal serão candidatos oficiais, despidos do farsante "pré".

Desde que Aécio Neves deu um basta nas especulações sobre sua candidatura na vice do PSDB, muitos afirmaram ser indispensável que Serra chegasse à convenção já com outro vice confirmado. A menos que até sábado se dê o improvável, até agora não admitido nem pelo comando do PSDB, Serra chegará sozinho. E assim provará que a presença e a falta de um vice não têm relação alguma com sua assegurada e apenas formal sagração no PSBD.O problema do vice de Serra é outro. Ou são outros. A começar da falta do que chamam de um nome natural, ou de uma figura relevante em condições de assumir o papel.

Mas, se antes houve dificuldades decorrentes de critérios pessoais ou partidários, as pesquisas recentes agravaram a incógnita. Não propriamente pelo empate de Serra com Dilma, porque há muita campanha pela frente. É que, até há pouco, eram nítidas as áreas de fragilidade a sugerirem a conveniência de reforço, se possível, por intermédio de um vice.

As pesquisas recentes enevoaram o que era nítido, com a indicação de abalos distribuídos também pelas áreas que faziam a anterior liderança de Serra. E agora, reforço de um vice para recuperar o perdido ou para conquistar o refratário?

Diante dessa interrogação, a preferência de José Serra por protelar a escolha do vice para depois da convenção revela-se taticamente perfeita. Se por sabedoria, dificuldade ou por sorte, tanto faz.

DIREITO E DEVER

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado deve apreciar, hoje, o projeto que desobriga os eleitores de votar. Parte da ideia de que o voto obrigatório é imposição antidemocrática e contrária à liberdade do cidadão.

Até poderia ser, caso a Constituição determinasse o voto obrigatório. Esta expressão apenas significa, porém, de forma imprecisa, a obrigação do dever cívico de integrar a escolha dos governantes. O que é feito pelo comparecimento à respectiva seção eleitoral. Onde o cidadão exerce o seu pleno direito de votar em alguém ou de preferir não fazê-lo.

O comparecimento à seção eleitoral é obrigatório como tantos outros deveres o são: a intimidatória declaração de renda que raramente é renda e não salário; a inscrição masculina nas Forças Armadas mais de uma vez, a ida aos postos de identificação para os documentos pessoais, inclusive com periodicidade para o passaporte, e daí por diante.

O comparecimento não é o voto e o voto não é obrigatório.

Deixar o comparecimento à vontade do eleitor é para países com alguma educação política, mesmo os que suponham tê-la mais do que a têm. Grande parte da instabilidade política pré-ditadura no Brasil deveu-se a decisões eleitorais feitas com quantidades pouco expressivas de votos, muito dispersos entre vários candidatos. Caso da instabilidade no governo Juscelino, eleito com pouco mais de um terço dos votos. A criação do segundo turno veio atenuar esse problema.

A tendência previsível é que, dispensado o comparecimento, a abstenção seja muito alta. Ao segundo turno iriam candidatos representativos de uma parcela mínima do eleitorado. Logo, assim seriam também os eleitos. Por si só, a falta de representatividade já seria muito negativa. E ainda daria margem a fermentações políticas e administrativas que deságuam em instabilidade. A qual nunca se sabe em que resulta.

Transgressões premiadas :: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Desde a campanha presidencial de 89, quando o candidato Fernando Collor foi elevado aos píncaros das pesquisas de intenção de voto depois de dois programas partidários de insignificantes legendas que o abrigaram na disputa, esses ficaram marcados como os mais eficientes instrumentos para alavancar candidaturas. A Justiça Eleitoral sabe do efeito desses programas tanto quanto todos os políticos e profissionais de campanhas que os analisam. Sabe, mais do que ninguém, de sua incompatibilidade com a legislação que normatiza o pleito. Mas, se faz vista grossa para uns, que usufruem dos resultados do mal feito consumado, vira sócia do mau exemplo e é de se imaginá-la consciente do desequilibrio que ajudou a criar nas disputas.

Esta é uma questão a ser discutida lá mesmo, na Justiça, que deve estar ciente dos impasses que virão por aí, em momentos nos quais as definições se tornam dramáticas dado o estágio do processo eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral julgou a ação contra o programa eleitoral do PT de dezembro passado, considerando-o irregular, no exato momento em que ia ao ar o programa deste ano, com transgressões ainda mais abrangentes e diretas, mas de efeitos mais efetivos. A punição de suspensão do programa seguinte, portanto o do ano não eleitoral, não tem qualquer efeito sobre os resultados obtidos com o descumprimento da lei este ano, bem como estão na faixa de nada a punição com multas irrisórias.

Tendo um usufruído dos efeitos benéficos da irregularidade, o que devem fazer seus adversários? Antes que a discussão se concretizasse, o DEM partiu para a ação e também levou ao ar programa que seus contendores consideram ilegal. Estão vindo aí outros programas, de outros partidos, e o impasse deve se recolocar. Depois do que foi dito no primeiro julgamento, o risco não é mais zero.

O ministro Marco Aurélio Melo, do Tribunal Superior Eleitoral, fez um alerta no julgamento do programa do PT do ano passado que impediu a exibição do programa que lhe deu vantagem eleitoral este ano. "Eu disse, até para os candidatos colocarem as barbas de molho, que fatos pretéritos podem ser considerados posteriormente numa representação por abuso na utilização dos meios de comunicação".

O que o ministro está dizendo é que a suspensão de um programa futuro, ou pagamento de uma multa, como as que a justiça tem determinado, não esgota a pena. "O pagamento de uma multa não implica uma quitação definitiva".

Marco Aurélio até admite que decisões anteriores, um tanto flexíveis por não glosarem determinadas ações, permitiram que o problema tomasse volume maior. Mas acha que o que vale a pena ainda é cumprir a lei. "Acho uma temeridade se desrespeitar as regras estabelecidas, isso pode gerar consequências seríssimas. É que, infelizmente, no Brasil, o fato consumado tem uma força incrível para alguns, e sempre se pensa que mais à frente se vai dar um jeito". Em sua opinião, uma vantagem hoje, se obtida de forma ilegítima, pode ser uma grande e definitiva desvantagem amanhã.

"Eu já disse que, se com meu voto, o teto tiver que cair em cima da minha cabeça, vai cair, mas vou votar segundo meu convencimento", assegura. O alerta inclui a observação de que não se venha dizer, mais adiante, que o pagamento da multa quita a punição e não se pode ser duas vezes apenado. "Na caminhada para uma eleição não há setores estanques, há uma comunicação, senão se vai considerar que vale a pena transgredir e pagar a multa, simplesmente". Para o ministro, não se avança culturalmente sem observar a ordem jurídica. "Nós atravessamos uma fase de abandono de princípios, perda de parâmetros, inversão de valores, o certo passa por errado, o errado por certo, o dito pelo não dito, mas isso não é bom em termos de avanço cultural".

Adversários de quem lucrou eleitoralmente com a burla à lei não devem, portanto, pedir tratamento isonômico. "A paridade de armas é de armas legítimas. O antagonista não tem justificativa para não observar a legislação considerando o fato de o opositor não ter observado". Mas prefere o ministro crer que esta má fase vá passar. "Sou um homem otimista, acho que o período é alvissareiro para se avançar, desde que as instituições funcionem".

O presidente Lula prepara-se para entrar na definição das eleições do Ceará de uma forma que favoreça Dilma Rousseff, seu critério número um para formação de palanques estaduais, mas atinja, de passagem, um desafeto pessoal que está em um index de políticos que o presidente quer especialmente contrariar nessas eleições.

O governador aliado Cid Gomes (PSB) está, no momento, com três candidatos a senador na sua chapa de candidato à reeleição: Eunício Oliveira (PMDB), José Pimentel (PT), ambos da aliança lulista, e Tasso Jereissatti (PSDB), da oposição ao governo federal mas aliado histórico dos irmãos Gomes, Cid e Ciro. É por Tasso que Lula nutre especial desapreço.

Depois de afastar Ciro Gomes da eleição presidencial de 2010, pelo constrangimento à candidatura própria do PSB, a próxima investida será sobre Tasso Jereissatti (PSDB), via Cid Gomes. A intervenção deverá se dar no quadro de candidaturas.

Ontem, em Brasília, mais de uma roda política tratou da articulação da candidatura do ex-governador e ex-tucano Lúcio Alcântara (PT) novamente ao governo do Estado. Lúcio, à época no PSDB e dono de uma popularidade de mais de 60%, perdeu a reeleição para Cid, então apoiado pelo presidente do seu partido, Tasso Jereissatti. Agora prepara-se para uma candidatura a deputado federal mas, se houver um sinal de Dilma Rousseff, Lúcio vai disputar o governo com Cid, formalizando os dois palanques para Dilma no Ceará. Em nenhum haverá espaço para Tasso e, portanto, para o candidato José Serra.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Fundo de Quintal e Jorge Aragao- LUCIDEZ

Depois de Minas, PT enquadra PT do Maranhão

DEU EM O GLOBO

Petistas no estado ameaçam até com greve de fome contra apoio a Roseana Sarney, ordenado por Lula

Maria Lima

BRASÍLIA. Depois de ter enquadrado o diretório mineiro, forçando o apoio à candidatura do senador Hélio Costa (PMDB-MG), a cúpula nacional do PT se prepara para enquadrar, nesta sexta-feira, o diretório petista do Maranhão. Nos dois casos, é uma exigência do PMDB para confirmar, no sábado, a aliança do partido com o PT em torno da candidatura presidencial de Dilma Rousseff. Mas os petistas do Maranhão prometem muito barulho, e até greve de fome, contra o apoio à reeleição da governadora Roseana Sarney (PMDB), pretendido pelo PT nacional e pelo presidente Lula.

Em encontro no mês passado, o diretório maranhense do PT aprovou apoio à candidatura do deputado Flávio Dino (PCdoB), com uma vantagem de apenas dois votos. Se não conseguir reverter essa decisão em favor de Roseana, o diretório nacional do PT pode declarar que o partido ficará neutro no Maranhão, sem apoiar qualquer candidato ao governo.

- Sabe Deus como vamos resolver o problema do Maranhão - disse o presidente do PT, José Eduardo Dutra, que acredita que o caso lá pode ser mais complicado que o de Minas.

Certo de que será vencido, o maior inimigo da família Sarney e líder da ala que apoia Dino, o deputado Domingos Dutra (PT-MA), que não aceita a neutralidade, ameaça fazer greve de fome no plenário da Câmara dos Deputados contra a intervenção. Disse que já consultou até os médicos da Casa, que lhe orientaram a tomar água de coco e água mineral para não passar mal.

- Em vários estados tem palanque duplo, o que é bom para a Dilma. Só no Maranhão a prioridade é o Sarney? Não podemos ter palanque duplo só por causa do bigode do Sarney? E neutralidade aqui é o pior dos mundos! A chapa camarão sem cabeça pode eleger a Roseana, mas a intervenção vai arrebentar com a gente, não vamos eleger ninguém (para a Câmara). A greve de fome é a ultima tentativa de manter a democracia interna do PT - disse Domingos Dutra, ontem.

Denúncias contra emissários de Roseana

O secretário geral do PT, José Eduardo Cardozo, esteve no Maranhão para apurar denúncias de que delegados do PT na convenção teriam sido procurados por emissários de Roseana para mudar votos em troca de valores que variariam de R$20 mil a R$40 mil. O relatório, com o que ele ouviu lá, foi entregue a Dutra e será analisado na reunião do diretório nesta sexta-feira.

- Espero que ele relate à Executiva do partido tudo o que ouviu aqui nos depoimentos que tomou. Me disseram que ele saiu daqui de cabelo em pé com o que ouviu - disse Domingos Dutra.
Na última sexta-feira, o presidente Lula se encontrou com o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, e foi direto ao ponto: pediu para o partido retirar a candidatura do deputado Flávio Dino ao governo, porque já havia prometido o apoio do PT a Roseana. Rabelo se recusou e informou a Lula que o comunista tinha chances de ganhar dos Sarney com ou sem o apoio formal dos petistas.

Sobre a repercussão da intervenção branca em Minas, Dutra reclamou, no Twitter, dos mineiros que estão criticando a decisão de não investir numa candidatura própria para garantir o apoio do PMDB a Dilma. Com o PT mineiro ainda juntando os cacos, o ex-ministro do Desenvolvimento Social Patrus Ananias se negou a compor a chapa de Costa como vice.

"Entendo a insatisfação de alguns companheiros do PT-MG. Só não entendo como os ataques ao PMDB e Hélio Costa ajudam a campanha da Dilma", reclamou Dutra, no Twitter.

Serra convoca aliados para definir vice

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Pré-candidato pede avaliação até sexta de seus principais colaboradores sobre 9 nomes de PSDB, DEM e PP

Prazo é indício de que tucano só deve anunciar vice após convenção; Tasso, Dornelles e Dias estão entre os cotados

Catia Seabra

SÃO PAULO - A cinco dias da convenção que oficializará sua candidatura à Presidência, o tucano José Serra se debruçava ontem sobre nove currículos para a vice de sua chapa. Os nomes em análise são de DEM, PSDB e PP.

Segundo aliados, Serra nem sequer descarta a indicação do senador Tasso Jereissati (CE). Dono de temperamento forte, mas com votos no Nordeste, Tasso foge do padrão apontado como ideal pelo candidato.

Em conversas que invadiram a madrugada de ontem, Serra pediu a seus principais colaboradores uma avaliação do perfil dos cotados para a chapa até sexta-feira, véspera da convenção nacional do PSDB, no sábado.

O prazo foi encarado como um indício de que Serra só deverá anunciar seu vice logo após a convenção. Outro sinal está na disposição de manter o presidente do PP, Francisco Dornelles (RJ), entre os potenciais vices.

Com um pé no governo federal e prestes a optar pela neutralidade, o PP espera a evolução das pesquisas para decidir seu futuro na eleição.

Até lá, o PSDB investe no PP nos Estados, incluindo Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba, na tentativa de viabilizar uma aliança.

O comando da campanha também aposta na recuperação de Serra a partir da semana que vem, quando serão exibidas as inserções do PSDB, para atrair o PP.

A opção por Dornelles não é consenso entre os aliados. Há no PSDB forte defesa pela chapa puro-sangue, mesmo sem Aécio Neves.

Entre aliados de Serra, a torcida é pelo presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra (PE), pelo seu trânsito entre os aliados.

Apesar do temperamento inquieto, Alvaro Dias (PR) aparece como um nome que tem boa imagem pública.

O próprio Guerra, no entanto, tem alegado que a indicação de um democrata evitaria tremores na aliança. No DEM, são cotados o deputado José Carlos Aleluia (BA) e o líder do partido no Senado, Agripino Maia (RN).

Embora Agripino tenha um nome consolidado no cenário político, Aleluia é admirado por Serra do ponto de vista técnico.

Ainda no DEM, o nome de Valéria Pires Franco (PA) aparece como opção.

Sob pressão para anunciar seu vice ainda na convenção, Serra tem recomendado calma. A avaliação dele é que, esgotadas as investidas em Aécio Neves (MG), é possível amadurecer a escolha.

CIFRAS
Os cotados para a vaga de vice foram objeto de discussão num jantar na noite de anteontem entre os principais articuladores da campanha de Serra.

À mesa, Guerra, o deputado Jutahy Magalhães (BA), o coordenador administrativo da campanha, José Henrique Reis Lobo, e os tucanos Ronaldo Cezar Coelho e Márcio Fortes, ambos do Rio.

No jantar, realizado na casa do secretário estadual da Cultura, Andrea Matarazzo, o comando da campanha também fez uma análise sobre o potencial de arrecadação para a disputa.

Embora um grupo defenda a fixação de um teto de R$ 250 milhões, a conclusão é a de que não há capacidade para tanto. A previsão de receita, segundo tucanos, é inferior a R$ 200 milhões.

PMDB também aperta infiéis

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Um dia depois do DEM, direção peemedebista determina que filiados que aderirem ao palanque governista deixem a legenda

A exemplo do Democratas, de Mendonça Filho, o PMDB do senador e candidato ao governo Jarbas Vasconcelos também resolveu determinar que deputados, prefeitos, vereadores, lideranças e filiados se desfiliem do partido, caso desejem apoiar candidatos majoritários contrários à orientação partidária. O presidente estadual do PMDB, Dorany Sampaio, informou que a determinação “já era consenso na Executiva da legenda”, mas a decisão de repassá-la aos filiados foi tomada ontem, um dia após o comunicado do DEM aos seus filiados. Uma circular começará a ser distribuída hoje entre os peemedebistas. O “alerta” é dirigido, sobretudo, aos prefeitos que estão aderindo ao palanque do governador Eduardo Campos (PSB), adversário de Jarbas nesta eleição.

“O PMDB tem candidato próprio ao governo (Jarbas), então não faz sentido não apoiar um nome nosso. Vamos colocar isso, agora, como compromisso do filiado com o seu partido”, explicou Dorany.

O dirigente comparou a situação do partido em Pernambuco com a do PMDB nacional. Ele lembrou que não há candidato da legenda a presidente da República (embora a maioria peemedebista seja aliada do governo Lula). “O PMDB nacional resolveu não ter candidatura presidencial, então não temos obrigação de seguir. Mas aqui é diferente”, frisou, informando que Jarbas, pré-candidato das oposições contra o governador Eduardo Campos, apoiou a iniciativa da circular.

Presidente estadual do DEM e pré-candidato a deputado federal, Mendonça Filho avaliou como positiva a decisão do PMDB. “Lealdade é relevante na vida particular e na vida pública”, destacou. Na chapa majoritária que tem Jarbas na cabeça, o DEM ocupa a vice, com a deputada Miriam Lacerda, e uma das duas vagas ao Senado, com o senador Marco Maciel. O segundo nome seria o do senador Sérgio Guerra, que recuou da tentativa à reeleição e disputará mandato de deputado federal. O posto na chapa continua vago a espera de um nome. Jarbas, por sua vez, já expressou que “o mais natural” é o PSDB integrar sua chapa. “Mas se não for, vamos com o PPS (de Raul Jungmann)”. O peemedebista tem negado o descontentamento com a postura de Sérgio Guerra (ausente, segundo oposicionistas), nesta eleição, na tentativa de estancar o debate político-eleitoral da sua chapa pelos jornais.

SAIA JUSTA

A decisão do DEM e do PMDB “apertando” os filiados acabou deixando o PSDB de Sérgio Guerra em uma saia justa. É antiga a queixa da oposição de que o dirigente tucano deixou a “porteira aberta” para prefeitos do PSDB aderirem ao palanque de Eduardo. Presidente nacional do partido, Guerra costuma usar a justificativa de que esses prefeitos tucanos são originários do PSB, assim como ele. E que, portanto, respeita a posição de cada um.

Mendonça Filho e Dorany Sampaio preferiram não comentar a posição do PSDB. “Eu só posso falar pelo meu partido. Nós, do Democratas, tomamos uma decisão (com os filiados) pela coesão e fidelidade. O PMDB nos acompanhou. Acho que é coerência também que os eleitores esperam de nós”.

Em Pernambuco, o maior número de prefeitos da oposição é do DEM, com 19. O PSDB tem 17, o PMDB, 11 e o PPS, um. O JC não conseguiu contactar Sérgio Guerra, ontem.

Adversário agrada tucanos

DEU NO ESTADO DE MINAS

Cúpula do PSDB não admite, mas, nos bastidores, indicação de Hélio Costa para disputar o governo do estado é vista como facilitadora para a formação de alianças pró-Anastasia

Luiz Ribeiro

A escolha do ex-ministro das Comunicações Hélio Costa (PMDB) como candidato a governador da base aliada do presidente Lula em Minas foi festejada por parte do PSDB no estado, devido à interpretação de que a definição do nome do peemedebista vai facilitar o trabalho do ex-governador Aécio Neves na junção de forças em torno da candidatura à reeleição de Antonio Anastasia. Segundo fontes do partido, na segunda-feira, quando houve o anúncio de que Hélio Costa havia vencido a disputa contra o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel na indicação do candidato da coligação PT-PMDB, houve comemoração dos dirigentes tucanos que estavam em Montes Claros, no Norte de Minas, onde participavam de encontro com a presença do pré-candidato a presidente José Serra, do governador Antonio Anastasia e de Aécio Neves.

O comando do PSDB mineiro nega que tenha havido comemoração, mas um deputado estadual da base aliada do governo do estado explica que a escolha de Hélio Costa agradou muito aos tucanos, que temiam que, se o candidato a governador da oposição fosse Fernando Pimentel, ficaria mais difícil a atuação de Aécio na busca de apoio para Anastasia, tendo em vista a relação amistosa entre o ex-prefeito e o ex-governador. Eles estiveram juntos na eleição de 2008, na aliança que elegeu Márcio Lacerda (PSB) prefeito da capital..

Outro aspecto é que, se Pimentel fosse escolhido candidato, seria criado um embaraço também para o prefeito de Belo Horizonte, que tem como vice o petista Roberto Carvalho. “Agora o Márcio Lacerda está livre para apoiar a reeleição do governador Antonio Anastasia, pois, em 2008, Hélio Costa ficou contra sua candidatura e apoiou Leonardo Quintão (PMDB)”, afirmou uma fonte.

O presidente estadual do PSDB, deputado Nárcio Rodrigues, admite que, “em algum setor do partido, pode ter havido alguma comemoração”, mas não na cúpula. “Essa coisa não pode ser tratada assim, como se fosse uma vitória de um time de futebol. Houve apenas a definição de uma candidatura. Agora, sabemos qual é a candidatura adversária e vamos preparar nossa estratégia para enfrentá-la”, afirmou Nárcio.

Por outro lado, ele também recorreu ao futebol para negar que o ninho tucano tenha ficado satisfeito com os desacertos entre o PMDB e o PT, que somente escolheram Hélio Costa depois da interferência das cúpulas nacionais dos dois partidos, com o aval do presidente Lula, a fim de assegurar um palanque único para a presidenciável petista, Dilma Roussef, em Minas. “Ninguém arma seu time pensando no erro do adversário. Estamos preparando nosso time para jogar. Mas é claro que essa definição (do nome de Hélio Costa) permite outras definições”, disse. “Não podemos escolher quem será o melhor ou pior (adversário). A coisa não é colocada nesse patamar. Mas, a partir de agora, vamos articular nossa aliança”, acrescentou.

Na mesma linha, o secretário-geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro, disseque o partido “não tem que avaliar os adversários. Temos que verificar a nossa força e estamos conscientes de que temos condições de vencer”. Mesmo assim, ele faz considerações sobre o desfecho no campo adversário. “Primeiro, no domingo, anunciaram que o candidato a governador seria o Pimentel, tendo como vice Clésio Andrade (PR). Na segunda, comunicaram que o candidato (a governador) era Hélio Costa. Isso causou muita estranheza. Acho que os adversários celebraram o casamento numa capela mortuária”, declarou Castro.

Mais fácil

O Secretário de Estado de Governo, Danilo de Castro, disse ontem, durante a assinatura de convênios entre o governo de Minas e as prefeituras, que, com Hélio Costa encabeçando a chapa (PMDB/PT), será mais fácil trazer outros partidos para apoiar o candidato do PSDB, Antônio Anastasia. “Acredito que, se o candidato fosse do PT, logicamente haveria maior dificuldade para algumas alianças, inclusive o PSB”, afirmou. Ainda de acordo com o secretário, não há data nem definição para a vaga de vice de Anastasia. “Há algumas especulações, mas ainda não existem definições. Isso deverá ser resolvido pelo ex-governador Aécio Neves e pelo governador Antonio Anastásia”.

Cresce risco de debandada

DEU NO ESTADO DE MINAS

PSB, PRB e PDT estariam deixando o barco da base aliada do presidente Lula. O destino deverá ser a campanha do tucano Antonio Anastasia à reeleição ao Palácio da Liberdade

Leonardo Augusto

O acordo entre os dois principais partidos da base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, PMDB e PT, para o lançamento de Hélio Costa (PMDB) como candidato ao governo de Minas pode provocar uma debandada de legendas que, por também darem sustentação ao Palácio do Planalto, tenderiam a participar da aliança entre peemedebistas e petistas no estado.

No grupo dos que podem pular do barco, que começou a ser construído pelo PMDB e PT, para a disputa pelo Palácio da Liberdade, está o PSB. A principal liderança do partido em Minas, o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, afirmou ontem que existe a possibilidade de apoio à reeleição do governador Antonio Augusto Anastasia (PSDB). Ressaltou, no entanto, que a decisão caberá aos filiados. O partido realiza convenção no dia 19.

A cúpula da legenda, porém, se reúne hoje para começar a moldar a posição que adotará nas eleições de outubro. Lacerda mantém conversas com o ex-governador Aécio Neves (PSDB) e com o ex-prefeito Fernando Pimentel (PT), que disputava com Costa a indicação para a candidatura ao Palácio da Liberdade. Os dois apoiaram Lacerda nas eleições para a prefeitura, em 2008.

Dentro do partido, a avaliação é de que, como o escolhido não foi o aliado Pimentel, o caminho está aberto para abraçar a candidatura do outro amigo, Aécio, principal cabo eleitoral de Anastasia. Segundo o líder do PSB na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte, Alexandre Gomes, dificilmente o partido deixará de apoiar Anastasia depois que Costa, e não Pimentel, foi escolhido como o candidato da base de Lula em Minas ao Palácio da Liberdade. “O próprio prefeito já havia dito que, se fosse Pimentel, ficaria em posição difícil. Agora, o PSB fica à vontade para apoiar Anastasia, até porque é um candidato que tem um boa parceria com a prefeitura”, analisou.

O vereador disse ainda que o partido poderá negociar com o PSDB a indicação do ex-embaixador do Brasil em Cuba Tilden Santiago (PSB) como vice-governador. “Abre espaço importante de uma visão mais progressista, mais moderna”, avaliou o parlamentar.

O PRB, partido do vice-presidente da República, José Alencar, também pode migrar para o lado contrário ao dos partidos que dão sustentação a Lula. Pelo menos é o que afirma o presidente da legenda em Minas, Rogério Colombini. “Nós queremos participar da chapa proporcional. Caso isso não seja possível com PT e PMDB, nos aliaremos ao Anastasia já na semana que vem”, ameaçou o dirigente. Conforme Colombini, negociações nesse sentido estão em andamento entre PRB e PSDB. Sobre a aliança nacional com a base de Lula, o presidente estadual do PRB disse haver muito “ranço” na base, o que facilitaria a união aos tucanos em Minas. “Por que não apoiaram o Crivella (senador Marcelo Crivella) para a disputa ao governo do Rio de Janeiro?”, reclamou.

Enquanto PSB e PRB ainda decidem se vão ou se ficam, o PDT , que comanda o Ministério do Trabalho, já deixou claro que o destino em Minas é a campanha de Anastasia. “Este é o espírito interno no partido. Estamos no governo (de Aécio Neves e agora de Anastasia) desde o início. Não vai ser agora, de repente, por uma questão ou outra, que vamos mudar”, afirma o secretário de estado de Reforma Agrária, Manoel Costa, vice-presidente do PDT em Minas.

Conforme o secretário, o fato de o partido ter o Ministério do Trabalho, que tem o presidente nacional do partido, Carlos Luppi, no comando, não vai influenciar no caminho que o PDT pretende tomar em Minas. “Mesmo com o presidente nacional com motivação para apoiar o candidato do PMDB e PT, por ser ministro de Lula, isso não vai predominar em Minas. É o que sinto, principalmente, em relação a prefeitos e parlamentares do PDT no estado”, argumenta o secretário.

Especialistas descreem de reforma política

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para Moisés e Fornazieri, mudanças só virão se sociedade pressionar futuro presidente

Moacir Assunção

Os cientistas políticos estão descrentes da possibilidade de o futuro presidente da República, seja quem for, colocar a reforma política como prioridade. O assunto foi tema do debate promovido ontem pela TV Estadão.

Para o professor de Ciência Política da USP José Álvaro Moisés e o diretor acadêmico da Fundação de Escola e Sociologia, Aldo Fornazieri, a reforma só ocorrerá se a sociedade pressionar os próximos dirigentes do Executivo.

"A reforma política é uma prioridade desde sempre, no entanto, não houve até hoje um presidente que a levasse adiante. Acho que ela sairá a conta-gotas porque não há consenso sobre qual será, enfim, a reforma política", disse Fornazieri. Moisés disse concordar com ele nesse sentido. "Há enormes resistências à reforma."

Na opinião de Moisés, a pressão popular permitiria fazer avançar uma proposta concreta de reforma. "Poderíamos sair desse beco sem saída, em que todo mundo diz ser a favor das mudanças, mas elas nunca acontecem." Fornazieri considera que já se tem produzido, nos últimos anos, um avanço na participação popular na política. "O Ficha Limpa, que é um projeto de iniciativa popular, e a Lei 9.840, que pune a compra de votos, são exemplos de uma participação mais ativa da sociedade", afirmou.

Os dois cientistas políticos divergem, entretanto, na formulação de uma reforma. Moisés é favorável ao financiamento público das campanhas, com participação privada somente até certo ponto. "Quando uma empresa doa recursos muito altos a um candidato tem a expectativa de obter retorno."

Fornazieri teme que o financiamento público traga efeitos colaterais indesejáveis. "Meu temor é que os partidos sejam praticamente estatizados."

Ambos defenderam menor preponderância do Executivo sobre o Legislativo. Fornazieri se disse favorável à votação em lista fechada e ao voto distrital misto. Moisés também defendeu o voto distrital. "Tornará os partidos mais fortes", disse.

Lula adia decisão de demitir cúpula dos Correios para garantir PMDB na aliança

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

João Domingos / BRASÍLIA

Foco. Em Fortaleza, Lula alfinetou adversários: "A maioria dos políticos brasileiros só gosta de pobre em época de eleição

O medo de prejudicar a aliança com o PMDB e a campanha da petista Dilma Rousseff fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adiar a decisão de demitir o presidente dos Correios, Carlos Henrique Custódio, e parte da diretoria da estatal apadrinhada por peemedebistas de Minas e do Rio.

Custódio é protegido do senador Hélio Costa (PMDB), ex-ministro das Comunicações e candidato da base aliada ao governo de Minas, e do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Assim como Custódio, foram bancados pelo PMDB, agora do Rio e de Minas, os diretores Marco Antonio Marques de Oliveira (Operações), Décio Braga de Oliveira (Econômico-Financeira) e Pedro Magalhães Bifano (Gestão de Pessoas).

Como o PMDB indicará o vice na chapa de Dilma, Lula avalia se vale a pena arrumar uma confusão com o partido neste momento, especialmente com Costa. O ex-ministro conseguiu a duras penas o apoio da cúpula do PT à sua candidatura ao governo de Minas, mas ainda não tem a certeza de que o partido local vai engajar-se em sua campanha.

Na Presidência, a informação é de que a briga dos quatro apadrinhados do PMDB com outros três diretores - estes defendidos pelo PT - está inviabilizando os Correios do ponto de vista de gerência e confiabilidade. Foram identificados problemas até na entrega de correspondência pelo Sedex, um serviço que se apresenta na publicidade dos meios de comunicação como infalível.

Mensalão. Os três diretores defendidos pelo PT são Roberto dos Santos Souza (Administração), Ronaldo Takahashi de Araújo (Comercial) e José Osvaldo Fontoura de Carvalho (Tecnologia). A atual diretoria dos Correios assumiu depois do escândalo do mensalão, ocorrido em 2005.

Esse episódio, o maior escândalo no primeiro governo de Lula, teve início na estatal, quando foi divulgada uma fita de vídeo em que o funcionário Maurício Marinho aparecia recebendo um pacote de dinheiro, cujo destino final seria o PTB. Revoltado com o que considerou uma manobra do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, para derrubá-lo da direção do partido, o presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), contra-atacou denunciando o mensalão.

Na semana passada, a ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, fez chegar a Costa e Jucá a informação do descontentamento do governo com a diretoria dos Correios. De acordo com informação de senadores do PMDB, Erenice afirmou que não haverá salvação para a diretoria da empresa.

A conversa entre ela e os senadores teria sido assim, de acordo com relato de um deles: "Não se trata de uma briga entre partidos na disputa por uma estatal. Trata-se da substituição de pessoas que não têm condição de ficar à frente dos Correios. Indiquem outros nomes."

Engenharia. Como o assunto envolve uma engenharia política complexa num momento em que a Lula não interessa arrumar confusão com o PMDB, a Casa Civil informou ontem que a ministra aguarda a hora certa para conversar com o chefe. E relatar ao presidente tudo o que disse aos senadores que apadrinharam a indicação da diretoria dos Correios.

Procurado, Custódio disse, por intermédio de sua assessoria, que não faria nenhum comentário a respeito da possibilidade de ser demitido. Já o Ministério das Comunicações informou que houve ontem uma reunião entre a diretoria dos Correios e o ministro José Artur Filardi, mas não para tratar de demissão e sim de um assunto também espinhoso, os contratos das empresas franqueadas.

James Bond a serviço do satânico dr. No, já pensou? :: José Nêumanne

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O jornalista e publicitário Luiz Lanzetta jura que quer depor - no Congresso e em praça pública, se for o caso - para esclarecer qual foi o assunto de seu encontro de 21 de abril no restaurante Fritz, em Brasília, com o delegado federal aposentado Onézimo de Souza e o ex-agente secreto da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo, o "sargento Dadá", que ajudou o delegado Protógenes Queiroz na Operação Satiagraha. O objetivo da reunião seria a produção de um dossiê com fatos que desabonem a conduta de Verônica, filha do pré-candidato tucano à Presidência da República, José Serra.

Do teor de uma conversa que, em teoria, teria de ser mantida sob sigilo total, já vieram a público duas versões. A revista Veja publicou entrevista com o policial, que confirmou os contatos feitos com interlocutores tidos como membros da cúpula da campanha da adversária de Serra, Dilma Rousseff, do PT. O objetivo desse encontro seria armar uma estratégia de ação para investigar e, depois, divulgar informações negativas, "inclusive pessoais", a respeito não apenas de Serra e seus familiares, mas também de seu ex-colega na Polícia Federal (PF) e agora deputado federal Marcelo Itagiba (PSDB-RJ). Ele se teria recusado a participar por divergir "cabalmente quanto à metodologia e ao direcionamento dos trabalhos a ser ali executados".

É claro que, na guerra que é e será cada vez mais renhida (e suja) numa campanha eleitoral da importância da disputa da sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um tiro desse calibre não ficaria sem resposta. E, enquanto exemplares da revista circulavam, computadores do País inteiro recebiam a contrainformação de que o federal aposentado não passava de um pau-mandado de Itagiba, a quem teria prestado serviços quando o pré-candidato tucano era ministro da Saúde, no governo Fernando Henrique. Se as duas versões forem corretas, o que não parece de todo improvável, uma vez que não são excludentes, ficou inteiramente justificada a demissão do responsável pela lambança, o jornalista e publicitário Luiz Lanzetta, acusado de ter tentado aliciar James Bond, notoriamente súdito leal de Sua Majestade, para espionar a serviço do inimigo e satânico dr. No.

A demissão de Lanzetta, tida e havida como um xeque-mate do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci contra seu desafeto e rival na briga pelo controle da estratégia da pré-candidata governista, Fernando Pimentel, justificaria, por sua vez, o anunciado afastamento do ex-prefeito de Belo Horizonte da cúpula dessa campanha. Afinal, não foi ele o responsável pela presença no quartel-general de uma guerra em que não se podem cometer erros de vulto do trapalhão que forneceu diretamente "ouro ao bandido"? Pois, mesmo se sabendo que a lealdade não é moeda forte em negociações de arapongas, não é lá muito sensato contratar o espião do inimigo para xeretar a vida do próprio.

É óbvio que as mancadas de Lanzetta, ao incluir Onézimo na conspiração, e de Pimentel, ao entregar a delicada estratégia de marketing a um profissional incapaz de distinguir um tucano de um araponga, não influirão de forma decisiva no desempenho da candidata do peito de Lula à própria sucessão. Às histórias de espionagem desses agentes secretos de comédia de pastelão que tornam o inspetor Clouseau, de A Pantera Cor-de-Rosa, um modelo de habilidade e discrição, o eleitor vai preferir sempre acompanhar as aventuras de detetives mais discretos e eficientes criados por ficcionistas como Dashiell Hammett e Agatha Christie ou o Charlie Chan dos seriados de cinema.

Há, contudo, uma questão mais deletéria, que é o emprego de uma estrutura de espionagem "informal", capaz de enrubescer um tonton macoute (bicho-papão, no dialeto crioulo haitiano) do tirano Papa Doc, seja para assessorar a Polícia Federal em investigações oficiais, como ocorreu no caso Satiagraha, atualmente sub judice, seja para manipular, de forma vergonhosa, a boa-fé do eleitor. Dossiês são uma excrescência que já deveria ter sido abolida há muito tempo da prática eleitoral brasileira. Não o sendo, só testemunham o conceito depravado que os profissionais da politicagem têm da política republicana e da gestão pública. O alto comando da campanha presidencial petista e seu marqueteiro Lanzetta acusaram Itagiba de já ter preparado cem dossiês contra a base aliada. Itagiba atirou de volta, exigindo que se investigue a empresa do atrapalhado Lanzetta. Todos sabem, porém, que nunca nada será investigado pelo Estado policialesco malvado e incapaz: nem os alvos nem os autores desses dossiês, usados apenas como arma de propaganda.

A arma é ineficaz e impune: nunca ninguém apurou até o fim se a ex-assessora de Dilma e atual chefe da Casa Civil de Lula, Erenice Guerra, mandou mesmo fazer um dossiê caluniando a professora Ruth Cardoso. A mulher do ex-presidente Fernando Henrique não teve sua imagem impecável maculada pelas eventuais acusações contidas no documento, cuja existência não foi provada. Nem a acusada de prepará-lo teve sua muitíssimo bem-sucedida carreira funcional interrompida pela suspeita dessa infâmia. O presidente Lula em pessoa chamou de "aloprados" os acusados de terem produzido um dossiê tido como encomendado pela cúpula da campanha do petista Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo, em 2006. Serra, seu alvo, ganhou a eleição no primeiro turno. E, mesmo identificados, os autores gozam de impunidade, em alguns casos, próspera. Como o acusado pela PF de ter carregado a mala com o dinheiro do pagamento do dossiê falso: Hamilton Lacerda, que ganhava R$ 5 mil por mês e, segundo a Folha de S.Paulo, hoje administra um negócio rural de R$ 1,5 milhão no interior da Bahia.

Ilustres democratas já poderiam ter incinerado esse fétido lixo da ditadura, seja em inquéritos oficiais, seja em dossiês clandestinos. Só não o fizeram para poderem fazer sórdido uso dele.


Jornalista e escritor, é editorialista do "JORNAL DA TARDE"

A ofensiva teórica do anti-humanismo:: Ruy Fausto

DEU NA REVISTA FEVEREIRO Nº 01

Em torno das teses de Alain Badiou e Slavoj Zizek

Aproximadamente, a partir da última década do século passado, assiste-se à emergência de um discurso teórico, cujas proposições giram em torno da crítica dos “direitos do homem“. Trata-se de uma filosofia e de uma política, cujo centro é a recusa da “democracia parlamentar“ e, num plano mais especificamente filosófico, a defesa do que se se costuma chamar de “anti-humanismo“. Crítica da democracia, crítica dos direitos do homem, anti-humanismo, é o tríptico dessa tendência que pretende renovar, a seu modo, a tradição filosófica e política da esquerda. Seria possivel construir uma genealogia desse pensamento. Em termos das grandes filosofias, as referências principais são Heidegger e Nietzsche. Mas, frquentemente, ele remete também à filosofia política de Carl Schmitt; a um texto “soreliano“ de Walter Benjamim (“Para a Crítica da Violência“); um pouco paradoxalmente, a Hannah Arendt (mas só lá onde ela parece fazer uma crítica dos direitos do homem), e a Marx (em particular a “A Questão Judaica“). A acrescentar, not least, o anti-humanismo althusseriano, o primeiro Foucault (o tema da morte do homem), mais Lacan. Nem toda essa genealogia, entretanto, corresponde precisamente aos autores de que eu vou me ocupar (ela envolve uma galaxia mais ampla).

Ocupo-me aqui só de dois autores dessa galaxia, Alain Badiou e Zlavoj Zizek. Por que Badiou e Zizek ? Meu interesse por esses dois autores não vem do reconhecimento de uma suposta “importância“ dos seus trabalhos, mas quase do contrário. Ambos vão ocupando uma posição de destaque não só nos meios de uma certa extrema-esquerda, mas também no interior do establishment universítário da Europa e dos Estados Unidos, sem falar do espaço crescente que ocupam na mídia. A acrescentar a circunstância de que, progressivamente, vão sendo promovidos, no Brasil, como grandes representantes do pensamento teórico-político atual “da esquerda“. Ora, o que é perturbador nessa nova onda, que, sob vários aspectos, com roupa mudada, é um retorno ao anti-humanismo dos anos 60 e 70, é por um lado o teor das teses políticas que ela carreia (as quais abrem a porta à violência e ao terror, quando não os promovem pura e simplesmente), e por outro, suas insuficiências propriamente teóricas (insuficiências que, de resto, são relativamente distintas, conforme se considere um ou outrodos dois autores) . A acrescentar que, não só para a França e a Europa, mas também para o Brasil, esse discurso é regressivo : vários trabalhos universitários, aos quais não se poderia negar pelo menos a seriedade, empenharam-se, aqui, dos anos 70 a 90, em desmontar o anti-humanismo althusseriano (essa atividade critica – observo desde já – se fez não em nome do humanismo, mas, de um modo que só aparentemente é paradoxal, no interior de um movimento teórico que recusava tanto o anti-humanismo como o humanismo).

Badiou e Zizek reivindicam, assim, o anti-humanismo, ou uma forma de anti-humanismo. Zizek, principalmente, volta a cada momento ao “inumano“ como a uma pedra de toque. Que significa isto ? Vou considerar as respostas de apenas um livro de cada um dos dois autores. A Ética de Badiou (Éthique, essai sur la conscience du mal, Paris, Nous, 2003 [1993] (E), e o livro de Zizek, Em Defesa de causas perdidas (In Defense of lost Causes, Londres, N. York, Verso, 2008). O que apresentarei aqui é apenas o primeiro de uma série de trabalhos em elaboração[1].

A tese central é formulada com clareza por Badiou. “Não faremos aqui nenhuma concessão à opinião segundo a qual haveria uma espécie de “direito natural“ (...). Posto em relação com a sua simples natureza, o animal humano deve ser situado sob a mesma etiqueta (“enseigne“) que os seus companheiros biológicos. Esse massacrador sistemático busca, nos formigueiros gigantes que ele edificou, interesses de sobrevivência e de satisfação nem mais nem menos estimaveis do que os das toupeiras ou das cicindelas [besouros de mau cheiro que se alimentam de insetos, RF].


Ele se revelou o mais astuto (“retors“) dos animais, o mais paciente, o mais obstinadamente submetido aos desejos cruéis da sua própria potência . (...) (...) Assim pensado (e é o que sabemos dele), é claro que o animal humano não remete “em si“ a nenhum juízo de valor“ (E, pp. 87 e 88, grifos de RF). Quanto a Zizek – sou obrigado a resumir muito – um romance serve de ilustração para a sua antropologia. O romance é The Shining, de Stephen King, que conta a história de um escritor mal sucedido que se transforma gradativamente em assassino, e mata toda a família. Para Zizek, o anti-humanismo é a única filosofia capaz de dar conta desses “fenômenos traumáticos“, e escapar do que ele chama de “gesto de denegação fetichista“, em que incorreriam as éticas não anti-humanistas. (In Defense..., p. 15-16).

Que pensar desses argumentos ? A meu ver, uma resposta humanista ao anti-humanismo – que por exemplo negasse a presença desses elementos destrutivos no homem, ou pregasse o amor universal, ou recusasse de uma forma absoluta todo tipo de violência (inclusive a contra-violência) em qualquer situação – não se sustenta. Não por acaso, a argumentação de Zizek (que não posso desenvolver aqui) é em parte construida em torno da refutação do humanismo, como se, da refutação deste, pudéssemos, sem mais, concluir a legitimidade do anti-humanismo. Minha perspectiva – já sugeri – é a da crítica tanto do anti-humanismo como do humanismo, embora deva reconhecer que, tudo somado, este último tem consequências bem menos funestas do que o primeiro. A meu ver, a dificuldade da tese de Badiou e Zizek não está em ter constatado a presença de um “inhumano“ no homem. Isto é incontestável. O problema é definir a modalidade desta presença. Ninguém duvida de que o homem, individual ou coletivamente, é capaz dos piores horrores, nem de que, no interior de cada um de nós haja (ou possa haver) algum impulso desta ordem. Mas esses impulsos constituem o “núcleo“ do ser humano, como pretende Zizek ? O que me autorizaria a fazer essa afirmação ? Eu diria duas coisas a esse respeito. Em primeiro lugar, a possibilidade de se transformar em “serial killer“ – que, admitamos, existe em qualquer ser humano –, não exclui, parece, outras possibilidades : a de condutas pacíficas, mesmo generosas, de piedade, o que for. Em segundo lugar, trata-se precisamente de possibilidades.

Todo indivíduo pode se transformar no personagem do livro em questão, mas muitos, a enorme maioria, não se transformam, e há boas razões para supor que essa possibilidade é em muitos casos, na maioria sem dúvida, muito pequena. Ora, entre o possivel e o efetivo, a diferença é enorme. Uma característica do que poderíamos chamar de pensamento anti-dialético – a noção de “dialética“ foi “desvalorizada“, mas ela é perfeitamente rigorosa, e essa desvalorização explica, de resto, que se possa escrever impunemente essas coisas – é, entre outras, precisamente a subestimação da diferença entre potência e ato, ou a confusão entre os dois. É absurdo definir o homem simplesmente pelo “humano“, como é absurdo, também, defini-lo apenas, pelo “anti-humano“. Resumidamente, se deve dizer que os dois elementos existem como potencialidades. Dessas duas potencialidades, há razões para preferir o lado “humano“ ao lado “anti-humano“. O lado “anti-humano“ é o do assassinato, da violência, de uma cultura de morte (uma cultura da “jungle“) ; o outro lado permite a coexistência dos indivíduos, a cooperação, a sobrevivência, a vida em suma. Dir-se-á que a violência em certos casos é necessária, o que é verdade. Esta é, de resto, uma das razões pelas quais o humanismo não é defensavel. Mas, de uma forma geral, a violência só pode ser justificada como contra-violência, e – o mais dificil – deve-se discutir aí, de que forma, em que medida, e em que circunstâncias esta é legítima, pois é essencial o exame de cada caso. Se, ao pensar assim, saimos a rigor do humanismo, não caimos por isso, de forma alguma, numa ética anti-humanista[2].

Vejamos agora como se desenvolve a argumentação de Badiou. Como vimos, para ele, não haveria por que supor a legitimidade de quaisquer “direitos do homem“. O homem só entra na esfera dos valores em circunstâncias especiais, quando ocorre um Acontecimento ( « Événement », a distinguir de um simples evento), ocasião em que emerge um Sujeito (um processo subjetivo) de que ele, homem, é um suporte. Quais seriam esses Acontecimentos ? “ (...) a Revolução francesa de 1792, o encontro de Heloisa e Abelardo, a criação da física por Galileu, a invenção por Haydn do estilo musical clássico (...) Mas ainda : a Revolução cultural na China (1965-1967), uma paixão amorosa pessoal, a criação da teoria dos Topos pelo matemático Grothendieck...“ (E, p. 68). Em todos esses casos, mudar-se-ia de registro, haveria uma “subjetivização“ (nasceria um Sujeito), e o animal humano se investiria de uma espécie de transcendentalidade ou infinidade.

Vejamos em que implicam essas teses, quais as suas dificuldades, e que caminho alternativo seria possivel propor. Em primeiro lugar, é preciso observar que Badiou põe no mesmo plano grandes rupturas artísticas ou científicas, e alguma coisa tão contestável como a chamada Revolução Cultural Chinesa (mesmo se ele a considera só no primeiro período), que foi na realidade uma grande mobilização opressiva e um massacre (ver a respeito, além da biografia de Mao por Philip Short[3], que não é a biografia mais critica que existe sobre Mao, o importante livro de Roderick MacFarquhar, e Michael Schoenhals Mao's Last Revolution)[4]. Observe-se, quanto à Revolução Francesa, que Badiou exclui o período 89 a 91, o que deixa fora, entre outras coisas, a primeira declaração dos direitos do homem. Mas façamo-nos de advogados do diabo e, por ora, ponhamos entre parênteses os seus piores exemplos. Perguntêmo-nos : teses como esta não permtiriam legitimar qualquer forma de violência ? Ora, é interessante observar que Badiou se manifesta da maneira mais enérgica, quando trata da questão da Shoah : “(...) a exterminação nazista, (...) exemplifica o Mal radical, indicando aquilo cuja imitação ou repetição deve ser impedida a qualquer preço (...) (E., p. 92). Mas, como justificar essa atitude à luz das passagens anteriores ?

Páginas antes, num texto que termina com uma referência a Chalamov, Badiou se refere às figuras do algoz e da vítima, à situação nos campos, e também à tortura. Ele escreve o seguinte a respeito : “Enquanto algoz, o homem é uma abjeção animal, mas é preciso ter a coragem de dizer que enquanto vítima, em geral ele não vale mais. Todas os relatos de torturados e de sobreviventes indicam com força : se os algozes e burocratas das masmorras e dos campos podem tratar suas vítimas como animais destinados ao abatedouro, e com os quais, eles, os criminosos bem nutridos, não têm nada em comum, é porque as vítimas se tornaram mesmo (“bel et bien“) animais como esses (“de tels animaux“). Fez-se o que tinha de ser feito (“ce qu’il fallait“) para isso.“ (E, p. 31-32, grifo de RF). Bem, os judeus liquidados nos campos hitlerianos não entrariam nesse quadro conceitual? Se eles foram tratados como animais “é porque eles tinham se tornado animais“: os judeus mortos nos campos de concentração não valeriam, assim, “mais (mieux)“ do que os seus algozes“[5].

De qualquer modo, “neles mesmos“, eles não teriam “nenhum direito à vida“ (à menos – talvez – que eles tivessem sido elevados à infinidade, pela revolta ou por alguma forma qualquer de resistência). Em termos dos fundamentos da sua ética, a resposta de Badiou só poderia ser esta. Entretanto, já disse, Badiou condena a Shoah. Como ? O seu argumento – de uma rara e estranha artificialidade – é o de que o nazismo é um simulacro da revolução, um processo que imita a “subjetivação“[6]. E na medida em que o nazismo é simulacro de um Acontecimento, ele participa, mesmo se negativamente, do registro infinito dos valores. Isto é: só se pode condenar o nazismo como Mal, porque se trata do inverso do Bem. Se não se tratasse disse (digamos, se se tratasse não dos massacres nazistas, mas do massacre de alguns milhões de camponeses, como ocorreu, na Rússia e na Ukrania, nos anos trinta), não haveria como protestar: o evento remeteria ao simples animal humano, e quando se trata disso, a legitimidade do protesto não seria maior, parece, do que o que se fizesse em favor de um outro representante qualquer do reino animal[7]. O que obriga Badiou a seguir de perto – ele o admite – a tese dos historiadores revisionistas alemães : a “revolução“ nazista é essencialmente a contrapartida histórica, e no caso também lógica , da revolução comunista[8].

Em resumo, deveriamos dizer, segundo Badiou : a Shoah é passivel de julgamento ético porque é um simulacro da revolução ; se não fosse, estariamos “simplesmente“ diante de seis milhões de animais humanos cuja sobrevivência ou liquidação seria, a rigor, em si mesma, indiferente.

Mas voltemos aos fundamentos. Retomo os argumentos críticos que utilizei a propósito de Zizek, mas numa vertente um pouco diferente, para explicitá-los melhor e tentar esboçar uma resposta alternativa. Se é verdade que o homem se revelou predador e cruel, é indiscutivel que ele desenvolveu, ao mesmo tempo, uma característica que não deve ser estranha a todo o mundo animal, mas que no caso do homem toma um lugar muito particular – o de ser capaz de respeitar, ou pelo menos de poupar, o outro homem, e a vida em geral. De fato, se a tendência à predação existe, em maior ou menor grau, nos representantes da espécie, é inútil negar que para muitos homens pelo menos – milhões deles certamente – a idéia de destruir um outro homemparece repugnante (embora eles possam legitimá-la em circunstâncias especiais), como parece repugnante também a própria idéia de destruir a vida (ou uma vida suficientemente articulada e desenvolvida, e não nociva, ou então em situação de ataque). Pensemos, num plano fenomenológico, na atitude que temos diante de uma grande árvore. Há os que, diante dela, se dispõem a destrui-la, afim de utilizá-la para tais ou tais fins ou simplesmente pelo prazer de destruir. Mas há aqueles – também muitos – a quem repugna a idéia da destruição, e que condenariam ações desta ordem. Dir-se-á que a árvore é um mau exemplo porque ela não ataca ninguém. Ponhamos no lugar da árvore, digamos, um animal doméstico, que já é um vivente menos pacífico. A atitude do homem diante deste último é, de novo, dupla, e mais ou menos a mesma : ou atacar e matar o animal; ou então protegê-lo e acariciá-lo, ou pelo menos condenar toda violência contra ele (essa dualidade separa alguns homens de outros, mas dentro de certos limites, ainda que com polos de intensidade variável, ela deve existir em cada indivíduo). Não vou discutir de onde vem essa dupla reação, e em particular a reação postiva. Identificamos o objeto vivo com nós mesmos ? Ou é outra a razão ? Não importa. O que importa é, em primeiro lugar, que ela existe. Ora, se esse impulso provavelmente não está ausente do mundo animal não-humano – lá, quando não há agressividade, há em geral indiferença, mas existe também, aparentemente, certo tipo de afeto, e não só dentro da mesma espécie –, o fenômeno toma, no homem, embora coexista com o seu contrário, uma importância e uma intensidade particulares.

Nessas condições, poder-se-ia dizer que essa sociabilidade positiva é um traço que distingue o homem da animalidade tout court. Mas é preciso dizer também que certas formas de violência gratuitas distinguem o homem do animal não-humano. O animal humano é, digamos, ao mesmo tempo muito pior e muito melhor do que o animal não-humano (o humanismo esquece o primeiro termo, o anti-humanismo, o segundo).

Historicamente, se o lado negativo não deixou de se desenvolver – ele atinge, até aqui, um climax no século XX –, o lado positivo também foi se afirmando e como uma espécie de transcendental. De um modo que só aparentemente é paradoxal, dir-se-ia que houve um processo, ele mesmo histórico, de passagem do histórico ao transcendental (ou preferindo, a algo que remete de certo modo ao transcendental). Os direitos do homem só se fundam na “natureza do homem“ neste sentido e dentro desses limites, isto é, eles nascem de uma determinação humana (que é, na realidade, uma potencialidade ou virtualidade) – a de recusar a violência contra o outro. Esta potencialidade foi se cristalizando como idéia[9] no curso da história, coexistindo com um prática que a contradiz em geral, mas nem sempre, no plano coletivo, e que pode contradizê-la ou não, no plano individual.

Passos importantes nesse sentido positivo foram acontecimentos históricos como a Revolução Francesa, em especial as declarações dos direitos do homem, e antes delas a Revolução Americana, como também a moral kantiana e, em parte pelo menos, a filosofia clássica. Assim, se não se pode mostrar que “existe“ num plano puramente transcendental um “direito do homem“, é possivel mostrar que houve algo como uma constituição histórica de um transcendental (por estranha que pareça a formulação) ou a emergência de um quase [como se ] transcendental. Isto nos dá os fundamentos, digamos, não do grau zero, mas do grau mínimo de respeito que merece o outro homem e, em medida diversa, também o vivente em geral[10].

Porém, é preciso ir mais longe. E aqui entra o problema da elevação do homem senão até o “infinito“, pelo menos para além da finitude do cotidiano. Como vimos, Badiou introduz a esse propósito o exemplo das grandes rupturas (ou do que ele considera como grandes rupturas) na arte, na ciência, na política, e também no amor. Mas não faltaria nada nesse quadro ? Não seria necessário incluir aí mais um caso (caso, que não é un outro, simplesmente, mas introduz uma mudança essencial)? Refiro-me precisamente – e isto representa um passo a mais em relação à argumentação crítica anterior – à elevação efetiva à postura ética, à capacidade que têm certos homens – não a simples capacidade de proceder de forma ética, porque, em princípio, é de supor que todos a têm – mas a capacidade de efetuar essa capacidade (dizendo de um modo rebarbativo), a capacidade de efetivação. De fato, se a potencialidade do respeito parece ser universal, a efetivação dessa potencialidade não é. Há os que chegam a isso, há os que não. Por trás dessa banalidade, há algo que, a meu ver, é muito sério e profundo. Os indivíduos são éticamente desiguais. Se não há vontade santa, há individuos melhores e indivíduos piores. Pois bem. A capacidade efetiva do respeito deve ser incluida entre as passagens do finito ao infinito que estão abertas ao homem. Deve-se dizer ( não se trata de um problema de “reciprocidade“, nem o argumento é circular): a efetuação da capacidade de respeitar merece respeito. Isso não elimina o respeito “no primeiro nível“, mas se acrescenta a ele. Se todo homem pode (e deve) ser respeitado enquanto homem (com as precisões e ressalvas necessárias), o homem que respeita deve ser respeitado num nivel superior.

Esse, a meu ver, o caminho (um esboço de caminho) para fundar uma ética, ao mesmo tempo transcendental e histórica, ou histórico-transcendental.

Assim, voltando aos nossos autores, Badiou e Zizek erram duplamente.

Primeiro, deve-se dizer que aquém do nível mínimo por eles fixado para a possibilidade de uma ética, já existe um registro de valores e de universalidade.

E, segundo, no nivel mesmo em que, neles, a ética desponta (em Badiou, pelo menos), há um vazio que, em si mesmo, reflete a primeira insuficiência. De fato, o preenchimento desse vazio remete à efetivação daquilo que eles não viram como potência, e potência já carregada de valor num primeiro nivel.

Termino – antes de uma pergunta final – com algumas considerações sobre certas diferenças que se manifestam entre os dois autores. Nas páginas finais da sua Ética, e de um modo um pouco surpreendente, Badiou introduz um elemento de “moderação“ no seu discurso – se podemos dizer assim – ao falar da exigência do que ele chama de “reserva“ (E, p. 126). Trata-se, na sua linguagem, de criticar “a língua“ que “a partir de seus próprios axiomas“ pretende “nomear a totalidade do real“ (id., p. 118), e assim “transformar o mundo“. Ele dá o exemplo de guardas vemelhos que fizeram “imensas destruições“ (id, p. 120), isto é, praticaram certos excessos, e sem dúvida pensa também no stalinismo[11]. Enfim, ele introduz aqui uma espécie de correção ao seu argumento. (Também nesse caso, ou se toma a precisão como uma observação en passant, ou, levada a sério, , ela obrigaria, aparentemente, a recomeçar tudo). De qualquer forma, ela foi suficiente para provocar uma crítica de Zizek. Este não tolera “reservas“.

Assim, ele recusa essa passagem de Badiou, advertindo que a verdade é sempre “uma imposição (“enforcement“) excessiva“, ela “é sempre imposta“.

Quando não funciona, não é porque foi excessiva, mas porque “em si mesma não era uma Verdade“ (In Defense..., p. 306-307). Essas observações de Zizek interessam por mais de uma razão. Por um lado, mostram que Zizek se dá conta de que a passagem ameaça o conjunto da “máquina“. E, observemos, no que se refere ao exemplo dado por Badiou, é verdade que o problema não está no “excesso“, mas na própria idéia ou, preferindo, que o excesso é aqui excesso da própria ideia, excesso inerente à ideia em questão. Mas ao mesmo tempo, a reserva diante da reserva, por parte de Zizek, mostra como a sua filosofia está comprometida com os “excessos“ (ele não critica Badiou, porque este recusa os excessos de uma ideia que, nela mesma, já é excessiva – isto é, ele não se limita a mostrar que há aí uma incompreensão, digamos, num plano formal, a propósito do como funciona o “excesso“ – ele o critica, também e sobretudo, por tomar alguma distância em relação ao próprio excesso: para Zizek, uma ideia, em si mesma excessiva é, por isso mesmo, eminentemente positiva). Zizek não suporta “reservas“; sua fiosofia é sempre fiel ao “excesso“ (ressalvada a sobrevivência da espécie)[12]. As consequências práticas desse radicalismo aparecem num exemplo, um caso bem sintomático, referido por um de seus críticos. Trata-se da posição que Zizek assumiu no que concerne a certos fatos ocorridos na guerra do Vietnã. Tendo ocupado uma cidade, os americanos, provavelmente por razões de propaganda, tomaram a iniciativa de vacinar (no braço) um certo número de crianças. A cidade veio a ser reconquistada pelos vietcongs. Para eliminar definitivamente a possibilidade de iniciativas como aquelas, que poderiam melhorar a imagem dos americanos perante as populações, os vietcongs simplesmente cortavam o braço das crianças vacinadas. Zizek comenta essa medida: “ (...) ainda que seja dificil sustentar como modelo literal a seguir, esta plena rejeição do Inimigo precisamente no seu aspecto de ajuda “humanitária“ (“in its helping “humanitarian“ aspect“) qualquer que seja o seu custo, deve ser apoiada na sua intenção básica“[13]. Apesar da concessiva “mole“ no seu início, como se dizia antigamente não se sabe o que mais admirar nesse texto: se a ignomínia moral do apoio a um ato cruel e brutal contra uma criança, ou se a cegueira teórica e prática, de quem supõe – mas supõe mesmo, ou aprecia a violência pelo amor da violência ? – que meios como este podem ajudar numa luta que, em principio, seria um combate por uma sociedade emancipada. A anfibolia é, de novo, de tipo antidialético : não se entende que, a partir de certo limite, determinados meios entram em contradição com seus fins e os intervertem.

Diante de tudo isto, cabe a pergunta final : que grau de confusão, no interior da esquerda – o que não significa, deixo claro, que as luzes da direita sejam mais brilhantes – explica esse fenômeno estranho da aceitação de um discurso como esse por parte de muita gente (e nem sempre medíocre), enquanto modelo teórico “interessante“ ou rigoroso de uma política para a esquerda ?


abril 2009, março de 2010

[1] Renunciei a preparar um livro crítico mais ou menos volumoso e relativamente sistemático sobre os dois, como projetara inicialmente. Entre outras razões, porque seria prestar-lhes uma espécie de homenagem teórica, mesmo se sob forma crítica, o que quero evitar, por razões que, espero, ficarão claras ao leitor.
[2] Como, há mais de três décadas, escrevi um texto de crítica do humanismo e do anti-humanismo (“Dialética marxista, humanismo, anti-humanismo“, texto do final dos anos 70, incluido no meu Marx: Lógica e Política, investigações para uma reconstituição da dialética, vol. I, São Paulo, Brasiliense, 1983) advirto o leitor de que a posição que defendo aqui é diferente da do artigo em questão, embora ela possa ser considerada como um desenvolvimento, mas muito crítico, das idéias daquele texto. Para a diferença entre minha posição atual e a expressa naquele artigo, remeto à entrevista que dei ao jornal Valor Econômico (São Paulo, 20/1/10). A entrevista foi prejudicada por um introito, que contém imprecisões, e pelo qual não tenho nenhuma responsabilidade; mas o texto propriamente dito – no que se refere à parte teórica, pelo menos –, é perfeitamente fiel.
[3] Mao: a life, N. York, H. Holt, 2000, MaoTsé-Toung, tradução francêsa de Colette Lahary-Gautié, Paris, Fayard, 2005.
[4] Cambridge, Massachussets, e Londres, The Belknap Press of Harvard University Press, 2006. Quem quer que tenha lido com atenção esse livro rigoroso não poderá deixar de constatar com espanto o fato de que Badiou não só considera como “positivo“ o que se passou então na China, mas o compara com as grandes realizações humanas em matéria de arte e de cultura, e o toma como modelo de experiência política. É verdade que alguns dos participantes da revolução cultural evoluiram para uma posição democrática, e talvez seja verdade que ela tenha reforçado, a longo prazo, uma tendência ao protesto. Mas isso não define a sua essência. Diferentemente de outros eventos históricos só aparentemente análogos, como a Revolução Francesa, a revolução cultural chinesa, mobilização que nasce de um impulso de cima por parte de Mao, visando neutralizar os seus adversários, e se prolonga numa violência não menos arbitrária de baixo, foi essencialmente uma sequência de episódios sangrentos – e quase só com significação negativa em termos das lutas pelo progresso social – marcados por matanças, torturas, humilhações de inocentes, rituais de submissão ao lider, e devastação do país (parece bem estabelecido que houve até canibalismo). Tudo isso em meio a um discurso dogmático-delirante em nome do “proletariado“ e da “luta de classes“, e cujo fundamento era a palavra do grande lider. Que isso tudo apareça como modelo de política (e aparentemente também de uma certa ética) mostra bem que Badiou está do outro lado, que ele patrocina a causa de uma certa barbárie. O que não parecem ter entendido nem certos universitários, que estão prontos a abraçar o “badiouismo“ como a última flor do pensamento de esquerda, nem certas revistas (estas talvez tenham entendido muito bem) que se apressam em “faturar“ pesado com a promoção dessas pretensas grandes figuras. Não esqueçamos que Stálin, um dos maiores assassinos que a história conheceu, foi, de certo modo, um homem de esquerda. Dir-se-á: então, a idéia de esquerda se perdeu, não haveria mais diferença entre esquerda e direita? Há diferença sim, mas o problema é que, pelo menos a partir do século XX, não basta ser “de esquerda“. É preciso ser ao mesmo tempo de esquerda e anti-totalitário.
[5] Uma das dificuldades desse texto, seja dito de imediato, é o fato de que “se ter tornado animal“ (ou, antes, de ter sido reduzido à animalidade) – mesmo se Badiou explica que “se havia feito o necessário para [que] isso [ocorresse]“ – vale afinal como equivalente de “ser um animal“. Ele reduz o “ter sido transformado“ ao “ser“. De fato, se não fosse assim, como justificar a tese de que as vítimas valem tão pouco como os algozes? Por outras palavras, no momento de tirar as consequéncias, Badiou oblitera o movimento que, entretanto, ele mesmo assinala, de redução da vítima à animalidade pelo trabalho do algoz. E já que ele fala em Chalamov (com o qual, diga-se de passagem – o que fica claro para qualquer leitor atento do escritor russo – Badiou não tem nada em comum), valeria a pena lembrar que Chalamov observa muitas vezes a diferença entre o que são os homens quando chegam ao campo, e aquilo que eles serão, após algum tempo (de fato, curto) de vida no campo. Seja dito em passant, se a experiência dos campos é essencial para pensar o homem (e Badiou entendeu pouco do que diz Chalamov sobre os campos e sobre o homem), a situação dos campos, que é uma situação limite, não define por si só o homem. De fato, reduzido à condição animal (ou a pior do que isto: na situação de fome crônica em que ele se encontra, a sobrevivência passa a ser o objetivo quase exclusivo da existência) só com muito esforço (ou só quando se trata de figuras superiores da individualidade) o indivíduo humano pode reagir segundo as possibilidades mais altas da espécie.
[6] No prefácio à edição inglesa de 2000 da sua Ética, Badiou diz que, com o nazismo, emerge um “sujeito obscuro“, o que representa uma mudança em relação à versão original. Mas isso é um detalhe “técnico“ da construção pseudo-especulativa de Badiou, e não muda nada de essencial, para efeito da nossa discussão.
[7] Observe-se que, se esse massacre escapa do “caso especial“ de Badiou, ele também fica fora do limite definido por Zizek. Em Zizek, o limite é a ameaça à sobrevivência da espécie. Por isso aliás, ao contrário do seu comparsa, Zizek desconfia do maoismo que andou brandindo a ameaça da arma atômica com excessiva desenvoltura (ver In Defense..., pp. 187 e 219). Digamos, juntando os dois comparsas, que, para eles, se não se tratar nem de nazismo nem de ameaça à espécie, tudo é permitido.
[8] Diga-se de passagem, não é isto que é grave. Mesmo se a tese dos revisionistas é falsa (segundo eles, o nazismo teria sido essencialmente uma reação ao comunismo), há, aparentemente, no interior desse argumento, um elemento de verdade: a repercussão negativa, junto às classes médias principalmente, dos horrores do regime leninista e depois stalinista deve ter de algum modo sobredeterminado os avanços do nazismo nos anos 20 e 30.
[9] “Idéia“ não tem aqui o sentido técnico kantiano de simplesmente “regulador“. Remete pelo contrário a um dever-ser que enquanto dever-ser se torna constitutivo, mesmo se ele coexiste com seu oposto.
[10] Evidentemente não estou afirmando que “provei“, de algum modo, que se deve ter respeito pelo outro. Em forma muito geral e abstrata (mas somente nessa forma), o velho argumento que afirma a impossibilidade de passar de um juízo de realidade a um juízo de valor é verdadeiro. O que se pode mostrar (até aqui) é: 1) que, se o homem tem disposições negativas, ele tem também disposições positivas, as quais se manifestam inclusive na história; 2) Que há boas razões (a vida, a coexistência entre os indivíduos etc) para preferir essas últimas às primeiras.
[11] Há também uma passagem em que Badiou distingue a atitude que se poderia ter em relação, digamos, aos simples inimigos do “sujeito“, e a atitude a tomar em relação a esses inimigos especiais que são os agentes do “simulacro“ (o nazismo). Ele observa que no primeiro caso “podemos (...) combater os juizos e opiniões que ele troca com outros para corromper toda fidelidade, mas não sua pessoa, que na circunstância é indiferente, e à qual em última análise toda verdade se dirige também“ (id, p. 110, grifado no original), pois “por inimigo que seja de uma verdade, um “qualquer um“ é sempre representado na ética das verdades, como capaz de se tornar o Imortal que ele é“ (id.). É de se perguntar, se um texto como este não introduz uma espécie de respeito pelo outro (ou menos, exigência do não emprego da violência para com ele, e portanto uma sorte de direito a não sofrer a violência por parte do outro), pela via da presença virtual do Infinito, em cada animal-humano. Parece-me que, ou se toma uma passagem como esta como reflexão não substantiva, ou ela ameaça arruinar toda a construção. Aparentemente, a coerência poderia ser salva insistindo no fato de que se diz que a pessoa do inimigo é “indiferente“, o que pareceria remeter a uma consideração mínima, de teor pré-ético. Mas : 1) diz-se que “não podemos“ (“podemos (...) mas não“) combatér o inimigo como pessoa ; e 2) a razão dessa recusa não é de ordem puramente pragmática, mas envolve a idéia da capacidade ( ele é “capaz de...“) que tem o outro, inimigo embora, de “se tornar o Imortal que ele é“ (grifo de RF).
[12] Entretanto, não se deve opor, a partir daí, um Badiou moderado a um Zizek radical. Ainda desenvolverei o problema da relação entre os dois. Digamos por ora o seguinte. Eles tem muita coisa em comum: ambos são anti-democratas (o inimigo seria bem mais a democracia do que o capitalismo!), os dois são leninistas (um com tonalidade néo-maoista, o outro é um quase-stalinista), os dois são anti-humanistas. Badiou é o fundador de toda essa construção funesta, e, dos seus fundamentos, se tira imediatamente a legitimação de massacres; o outro pratica um estilo mais extremista principalmente nas consequências.

[13] “Zizek live“, entrevista, em Rex Butler, Slavoj Zizek : Live Theory, N. York, London, Continuum, 2005, p. 147, citado parcialmente por Ian Parker, “The truth of over-identification“, in The Truth of Zizek, ed. por Paul Bowman e Richard Stamp, Londres, N. York, Continuum, 2007, pp. 157–158, grifos de RF). No mesmo contexto, pode-se econtrar uma outra pérola. O apoio dado ao sinistro Sendeiro Luminoso peruano, no assassinato de consultores agrícolas representando os Estados Unidos ou a ONU.

Crescimento 'chinês'? :: Fernando de Holanda Barbosa Filho

DEU EM O GLOBO

O "crescimento chinês" do PIB brasileiro no primeiro trimestre de 2010 era um resultado esperado. A crise americana afetou a economia brasileira no último trimestre de 2008 e seus efeitos continuaram no primeiro trimestre de 2009, com uma breve recessão que gerou grande aumento na capacidade ociosa na economia brasileira: o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (NUCI) atingiu 77,9 em Fevereiro de 2009, contra 86,7 em Junho de 2008. Neste cenário, a recuperação da economia brasileira foi ocorrendo de forma progressiva com sinais de recuperação a partir do 2º trimestre de 2009 quando o PIB apresentou crescimento de 1,5% em relação ao trimestre anterior e com uma aceleração gradativa da taxa de crescimento até atingir os 2,7% do primeiro trimestre de 2010.

Entretanto, esta elevada taxa de crescimento de 2,7% em relação ao trimestre anterior (crescimento anualizado de 11,2%) ou de 9% sobre o primeiro trimestre de 2009 não significa que a economia brasileira tenha entrado em um regime de "crescimento chinês". Infelizmente, este elevado crescimento não é sustentável e é fruto de uma combinação de eventos, quais sejam: 1 - Elevada capacidade ociosa da economia brasileira em virtude do impacto da crise mundial; 2 - Política monetária expansionista com a redução dos compulsórios e da taxa de juros pelo Banco Central; 3 ? Política fiscal expansionista de 2009 com elevação dos gastos de 1,8% do PIB, e redução do superávit primário; 4 ? Antecipação de consumo em virtude de incentivos fiscais como a redução do IPI.

O nível de utilização da capacidade instalada já atingiu 84,9 em abril de 2010, próximo ao valor de agosto de 2008, 86,1. A expansão fiscal do governo encontra-se em patamar inferior ao observado em 2009 e o consumo de bens duráveis não vai atingir os elevados níveis incentivados pela redução do IPI que estimulou a antecipação do consumo. Logo, o crescimento do PIB entre o primeiro trimestre de 2009 e o de 2010 é explicado por fatores conjunturais e não por mudanças estruturais que estimulassem o crescimento do produto potencial brasileiro.

O crescimento da economia em ritmo superior ao do produto potencial gera pressões inflacionárias. Com isso, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve continuar o seu ciclo de elevação da taxa de juros reduzindo a taxa de crescimento da economia brasileira no ano de 2010 para baixo da taxa apresentada em seu primeiro trimestre.

Logo, o aperto da política monetária e a ausência dos fatores conjunturais acima reportados sinalizam que o "crescimento chinês" deste primeiro trimestre de 2010 não é sustentável e o país deve fechar o ano com um crescimento mais baixo. Para o Brasil entrar em um regime de "crescimento chinês" seriam necessárias diversas medidas, dentre as quais uma elevação da taxa de investimento (18% ao ano no 1º trimestre de 2010) e adoção de políticas que possibilitem elevar a produtividade da economia.


Fernando de Holanda Barbosa Filho é professor da Fundação Getulio Vargas e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV

Um crescimento chinês? :: Affonso Celso Pastore

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com uma taxa de investimentos de 20% do PIB, chega-se a um crescimento sustentável um pouco superior a 4,5% ao ano

No último trimestre o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu 2,7% em relação ao trimestre anterior. É uma taxa anualizada de 11.4% ao ano. Este é o quarto trimestre consecutivo de aceleração do crescimento. Há apenas um ano amargávamos uma recessão, mas a recuperação foi rápida e intensa, e com este resultado o PIB brasileiro já está 3,7% acima do pico prévio atingido no último trimestre de 2008.

As recessões nos Estados Unidos, Europa e Reino Unido foram bem mais longas, em torno de um ano ou mais, mas em todos eles o PIB ainda é inferior aos valores de antes de iniciada a recessão.

Temos que festejar este resultado. É a primeira vez na história recente que é possível administrar à economia uma dosagem adequada dos instrumentos fiscal e monetário, sem criar novos desequilíbrios e expor o País a uma nova crise.

Tudo isso é fruto de termos abandonado aventuras heterodoxas na execução da política econômica, comprometendo-nos com o câmbio flutuante e com as metas de inflação e de superávit primário.

A fonte propulsora desse crescimento tem sido a expansão da demanda doméstica. O consumo das famílias ampliou-se, porém vem se desacelerando, com a sua taxa anualizada situando-se em 6% ao ano. Já a formação bruta de capital fixo cresceu pelo terceiro trimestre consecutivo a uma taxa anualizada superior a 30% ao ano.

As expansões do consumo e dos investimentos estão por trás da reação vigorosa da indústria, que neste trimestre se expandiu à taxa anualizada de 18,1% ao ano, bem acima do crescimento dos setores de serviços e agropecuário.

Os crescimentos da indústria e da formação bruta de capital acarretaram a expansão das importações, que superou o crescimento das exportações, fazendo com que a demanda externa contribuísse negativamente para o crescimento.

Mas esses números não se repetirão. Somente é possível manter taxas de crescimento acima dos níveis sustentáveis sem que a inflação se acelere enquanto o País estiver recuperando a capacidade ociosa gerada na recessão. Neste momento, contudo, a taxa de desemprego já atingiu seu nível histórico mínimo, e os índices de utilização de capacidade instalada na indústria já atingiram seus níveis históricos máximos.

Para induzir a expansão da demanda que tiraria o Brasil da recessão, o governo usou estímulos fiscais e monetários, levando a uma recuperação cíclica com o PIB crescendo acima das taxas sustentáveis. Com o fim da recuperação cíclica e o aparecimento de riscos de inflação, os estímulos fiscais e monetários têm que ser removidos.

É isso que levará à desaceleração do crescimento. O peso do controle da demanda suportado pela política monetária será tanto mais elevado quanto maior for a relutância do governo em cortar os gastos, que continuam se expandindo em proporção ao PIB.

A que taxa poderemos crescer daqui para frente? A taxa de investimentos está se recuperando, e até o fim do ano deverá atingir 20% do PIB. Com essa taxa, chega-se a um crescimento sustentável do PIB um pouco superior a 4,5% ao ano. É para essa taxa que convergiremos nos próximos trimestres.

Mas por que não poderíamos atingir taxas de investimento mais elevadas? A resposta está no fato de que a elevação da taxa de investimentos em proporção ao PIB, no Brasil, não é acompanhada de uma elevação paralela das poupanças totais domésticas, requerendo a contribuição também muito elevada das poupanças externas, realizada através de déficits nas contas correntes.

Se por um passe de mágica o governo conseguisse elevar a taxa de investimentos a 25% do PIB, seria possível crescer em torno de 5,5% ao ano ou talvez um pouco mais, mas os déficits gerados nas contas correntes não encontrariam a contrapartida e fluxos de capitais para garantir a sua ocorrência.

A aceleração do crescimento, preservando a estabilidade macroeconômica, requer uma segunda geração de reformas, dentre as quais estão os estímulos fiscais ao aumento das poupanças domésticas, do setor público e do setor privado.


Affonso Celso Pastore é economista e ex-Presidente do Banco Central