domingo, 25 de abril de 2010

Sequência lógica:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O que diferencia o novo presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, do antecessor Gilmar Mendes - o temperamento - é o de menos. O essencial é o que os assemelha: a noção de que à corte suprema cabe um papel ativo na garantia da sustentação democrática, ainda que por vezes isso soe estranho aos olhos e ouvidos acostumados a um Judiciário apartado da sociedade.

Em português claro, omisso.

Esse STF que nem sempre agrada e, especialmente na gestão de Gilmar Mendes, muitas vezes perturbou pela ousadia com que o magistrado entrava em campo, pode até alterar sua forma de comando, mas não mudará na essência.

Em menos de dez anos ministros de feitios tão distintos quanto Ellen Gracie, Nelson Jobim e Marco Aurélio Mello já ocuparam presidência sem que se possa dizer que o STF tenha se amoldado ao perfil de nenhum deles.

A própria conformação do grupo, personalista no saber individual, não permite que isso aconteça.

Não obstante as divergências internas referidas no estilo de cada um dos integrantes da corte, a linha de atuação do colegiado vem se modernizando nos últimos anos - ou talvez, seria melhor dizer se adaptando aos tempos como vários outros setores do Brasil à exceção da política, feita em boa medida ao molde da República Velha.

Vejamos o destino como pode ser ladino. Justamente nesse período, por uma série de circunstâncias e coincidências de datas, pedido de aposentadoria antes do tempo, motivações que não vêm ao caso, o presidente Luiz Inácio da Silva provavelmente foi o chefe de Estado que teve mais direito a indicações. Nomeou sete dos onze ministros que compõem o Supremo, inclusive Cezar Peluso.

É preciso que se diga, tal poder fez circular uma sombra de suspeita e expectativa sobre a independência dos indicados.

Desconfiança que logo se revelaria uma enorme tolice. Mais, um completo desrespeito.

Nesses anos todos de tantas distorções institucionais, de Poder Executivo preponderante demais, Poder Legislativo independente de menos, emergiu um Poder Judiciário - na representação do Supremo - não só ativo. Plural, polêmico (por que não?), inovador, rigoroso, na medida do possível, aberto.

Erros e acertos, mas um Poder que indubitavelmente saiu do encastelamento absoluto e se propor a gradativamente se aproximar da sociedade.

Isso se expressa no interesse que desperta a troca de comando na corte. Há alguns anos, ato quase burocrático acompanhado por autoridades, funcionários e afins. Hoje, manchete de jornal.


O que dizem os presidentes do Supremo e do Superior Tribunal Eleitoral passou a ter peso. E se a Justiça conta, tanto melhor.

Uma semana antes de transmitir a presidência a Peluso, Gilmar Mendes respondia ao vivo na TV Justiça a perguntas feitas pela internet, várias questionando sentenças, notadamente o habeas corpus concedido ao ex-banqueiro Daniel Dantas.

Isso é ruim, é exposição demais, prejudica o andamento do Judiciário, provoca algum retrocesso institucional?

O tempo em que seria impensável um cidadão dirigir-se a um ministro do Supremo, muito menos ao presidente, menos ainda para questionar-lhe uma decisão, seria mais perfeito?

Difícil enxergar qual a razão. Não há evidentemente na corte um funcionamento ideal, transparente como água límpida, na celeridade e nas regras almejadas pelos especialistas.

Há quem para ressaltar-lhe os defeitos a compare à Suprema Corte dos Estados Unidos, mas aí seria de se imaginar que o Superior Tribunal Federal pudesse transitar aos saltos e não aos passos.

Seria preciso também esquecer o quanto o Supremo precisou se ocupar em remar na contracorrente de um ambiente de desídia moral, ora manifestando-se nos autos, ora fora deles, a fim de assegurar a firmeza dos limites constitucionais.

Há cerca de dois anos, o hoje presidente, então vice-presidente do STF, concedeu uma longa entrevista à revista Consultor Jurídico em que expressava a certeza de que o Judiciário ajudara, em 2008, o Estado brasileiro a "subir alguns degraus" em termos de cidadania e democracia.

Seria de se acrescentar que, na verdade, ajudou mesmo a não descer muitos.

Dilma ainda é refém de Lula::João Bosco Rabello

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Passados 15 dias do início efetivo da campanha (com todos os candidatos em campo), a avaliação consensual é a de que o PSDB conseguiu, até aqui, manter a candidata Dilma Rousseff em permanente atitude defensiva, explicando seus próprios erros e exibindo uma dependência quase física do presidente Lula. O rompimento de Ciro Gomes com Lula, acrescida de uma declaração de superioridade de José Serra, anteontem, levou o clima interno a seu ponto máximo de fervura.

Ciro desqualificou Dilma Rousseff e, ainda que seu estilo desbocado banalize a contundência, nesse caso há um ganho para José Serra que vai além do porcentual de votos que recebe do ex-candidato do PSB. O melhor atestado de legitimidade é aquele passado pelo adversário, porque vem impregnado de autenticidade.

Ao lado disso, constata-se que a estratégia do candidato tucano de reservar ao partido o papel do confronto com Lula, poupando-se para abordagens mais propositivas, tem dado certo. Lula tenta diariamente quebrar essa disciplina tucana, com provocações ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para impor caráter plebiscitário à campanha, mas até agora sem êxito.

O PT deposita na atuação de Lula, na fase pós-Copa do Mundo da campanha, as expectativas de reversão desse quadro, o que tem o efeito colateral de reforçar a imagem de fantoche que a oposição tenta colar em Dilma. Ainda é cedo para previsões, mas alguns governistas já temem que uma reação demorada crie uma tendência em favor de Serra.

Dilma e o MST

Por trás da súbita crítica da candidata Dilma Rousseff ao MST há pesquisas mostrando que parcela expressiva da população rejeita as invasões de terras. Uma dessas pesquisas, encomendada ao Ibope pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), indica que mais de 70% defendem a reforma agrária; 78% são contra as invasões; e 56% consideram que as invasões inviabilizam a reforma agrária. "Não é, portanto, uma profissão de fé na Lei, mas uma declaração técnica", diz a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (TO). "De qualquer forma, que seja bem-vinda ao clube da legalidade, ainda que tenha levado oito anos para se associar", ironiza.

Semeadores versus exterminadores

"A parábola do divino semeador", enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel, em 2011, é uma das armas da CNA para enfrentar a campanha "Exterminadores do Futuro", com a qual os ambientalistas demonizam o agronegócio. O enredo custou R$ 3,4 milhões - R$ 1 milhão de indústrias ligadas ao campo; R$1,4 via Lei Rouanet, e o último milhão em venda de camisetas da escola pela instituição.

UNE e Serra

O PSDB prepara uma reação contundente contra a iniciativa da UNE de aprovar moção de repúdio a José Serra. Os tucanos vão lembrar que Serra presidia a UNE quando a ditadura militar se instalou no País e que correu riscos pessoais dos quais os atuais dirigentes da instituição estão preservados. Vão questionar ainda a legitimidade dos recursos superiores a R$ 40 milhões que estão nos cofres da entidade, e que se somam à indenização pela perda da sede no regime militar, de R$ 15 milhões. Haverá também uma cobrança da contabilidade desse dinheiro, que a própria entidade reconhece precária.

Eliane Cantanhêde: O nosso Eyjafjallajoekull

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Lula deu aquele sorriso encantador de serpentes, e Ciro Gomes manteve a candidatura a presidente e trocou o domicílio eleitoral do Ceará, onde foi governador e prefeito da capital, para São Paulo, onde não é nada. O PSB blefou, estimulando seu sonho presidencial enquanto negociava suas boquinhas com Lula e o PT nos Estados. E o PT e o eleitor paulista não lhe deram legenda nem opção.

Mas o grande vilão do complô contra Ciro foi... Ciro. Política é a arte de somar, articular, manipular, e ele só divide, confronta, se isola.

Depois de anos inativo no Ministério da Integração e na Câmara, nosso vulcão Eyjafjallajoekull entrou em erupção. Era questão de tempo.

Sua coleção de lavas é espetacular. Não mais aquelas de 2002, contra mulheres, radialistas, repórteres, mas a atual. Ele passou anos xingando a suposta arrogância de São Paulo, mas transferiu o título para lá. Chamou Serra de "figura detestável", e agora diz que o tucano "é mais preparado, mais legítimo, mais capaz" do que Dilma. Foi fiel amiguinho de Lula todos esses anos, mas acha que o presidente "está navegando na maionese".

Sem disputar a Presidência nem o governo de São Paulo (o PT não deixou, e Mercadante vai hoje para o sacrifício), será que Ciro vai ter a pachorra de disputar a reeleição para a Câmara?!

Vejamos o que ele disse sobre seu mandato: "Nunca mais vou ser deputado na vida. Não tenho mais paciência de passar nove horas conversando fiado e não fazendo nada pela vida de ninguém". Se for para a reeleição, estará naturalmente se candidatando a não fazer nada.

O importante, porém, é avaliar o efeito Eyjafjallajoekull na eleição, como todos estão fazendo. O PSB fica mais livre para acordos estaduais. PT e o PSDB avaliam perdas e ganhos e como atrair os 10% de eleitores que estão soltos no ar. Quanto a Ciro? A erupção logo perde a graça e passa. Os voos de Serra e Dilma continuam normalíssimos.

Ciro e o rebuliço artificial :: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Só pode ser pela fraqueza até agora do debate eleitoral que causou "frisson" jornalístico a transformação de Ciro Gomes em maionese, conforme a perfeita análise de Vera Magalhães, editora de Brasil desta Folha.

O que quer que Ciro diga ou faça não pode ser tomado pelo seu valor de face. Primeiro, porque tem compulsão pela mentira tola.

Lembra-se da campanha de 2002, quando disse que havia estudado a vida toda em escolas públicas, e era mentira? Segundo, porque já vinha se transformando em maionese nas pesquisas, o que dá pouco peso ao que diga ou faça, ainda que seja verdade.

Lula se acha todo-poderoso?

Sim, se acha. Mas já se achava quando mandou Ciro transferir seu título eleitoral para São Paulo, na perspectiva de ser candidato ao governo, e Ciro obedeceu mansamente. Só agora se lembrou de avisar que a candidatura seria um desrespeito a São Paulo (nem acho que seria, mas ou já era antes ou não pode ser só agora).

Dilma é menos preparada que Serra? Talvez sim, talvez não. Só a prova da maionese, digo do pudim, é que o demonstrará (alusão, para quem não sabe, a um velho ditado inglês segundo o qual só pode se saber se o pudim é bom ou ruim depois de prová-lo).

Mas qual é a autoridade de Ciro para decretar quem é melhor que quem? Na campanha de 2002, Ciro dizia que um eventual governo Lula seria uma aventura. Lula ganhou, e Ciro embarcou na "aventura", transformando-se em ministro.

Nada impede, portanto, que, amanhã ou depois, Ciro Gomes aceite um convite para ser ministro de uma presidenta que ele considera menos preparada. Enfim, o impacto que a desistência de Ciro e o eventual uso na campanha de seu conhecido destempero terão a consistência e o prazo de validade de uma maionese.

Ou seja, um dia ou dois.

Ciro, de novo :: Alberto Dines

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Em inglês pareceria título de um épico, Ciro rides again, Ciro ataca novamente, mas para retratá-lo, só em francês: enfant terrible. Garoto terrível aos 53 anos, Ciro Gomes é uma das figuras mais surpreendentes da atual cena política. Rebelde, atrevido, petulante, temerário, espantoso: em setembro de 1994, então no PSDB, exibiu pela primeira vez a sua ilimitada carga de audácia ao trocar o governo do Ceará para substituir Rubens Ricupero no Ministério da Fazenda (governo Itamar Franco) num momento em que o Plano Real seria testado nas urnas através da candidatura de FHC.

Dois anos depois se filia ao PPS e torna-se feroz adversário dos tucanos, especialmente do então ministro do Planejamento, José Serra. Em 1998, candidata-se à sucessão de FHC, perde, no pleito seguinte tenta bater Lula, Serra e Garotinho ainda pelo PPS e, em 2003, já no PSB aceita o convite de Lula para assumir a pasta de Integração Nacional. Para evitar que o seu partido não alcançasse o número mínimo de votos previsto pela "cláusula de barreiras" candidata-se a deputado federal. Deu certo.

Na atual temporada começou como candidato a governador de São Paulo (onde nasceu), passou a pré-candidato à Presidência da República e pressentindo que o PSB preparava-se para "cristianizá-lo" em favor de Dilma Rousseff repetiu a proeza predileta - um gesto espetacular. No caso uma entrevista-bomba ao portal Ultimo Segundo onde ataca o presidente Lula, o PT, o PMDB, a candidata Dilma, escancara a possibilidade de uma crise fiscal ou cambial nos próximos anos e, nestas circunstâncias, declara que o seu arqui-inimigo José Serra é o mais capacitado para presidir o País.

Extratos: "Sabe os aloprados do PT que tentaram comprar um dossiê contra os tucanos em 2006? Veremos algo assim de novo. Vai ser uma m[expletivo deletado]... Minha presença nos debates e nos programas de televisão poderia provocar uma discussão...sobre o futuro do Brasil....[SERRA] é mais capaz inclusive de trair o conservadorismo e enfrentar a crise que conheceremos em um ou dois anos... Em 2011 ou 2012, o Brasil vai enfrentar uma crise fiscal, uma crise cambial. Como estamos numa fase econômica aparentemente boa, a discussão fica escondida... Como o PT, apoiado pelo PMDB, vai conseguir enfrentar esta crise? Dilma não aguenta. Serra tem mais chances de conseguir..."

Qual é a jogada, o que pretende Ciro Gomes ser vice de Marina Silva ou de José Serra? Apesar da ficha de intempestivo e imprevisível, Ciro Gomes não abriu mão da sua carreira política. Ao contrário, seu script parece claro, também a estratégia de apostar na imagem de rebelde, intransigente. Um xiita do idealismo, homem de princípios.

Seus rompantes agradam aos jovens, às mulheres. A coragem de denunciar o jogo pesado dos aloprados do PT, agrada aos liberais, conservadores, progressistas e à classe média. De repente, um carismático. Seu charme será a galhardia e a intransigência. Fidelidade a princípios.

Porventura pretende tirar Dilma do páreo e ocupar o seu lugar? O arrojado lance, talvez o mais arrojado desta temporada, ainda não pode ser integralmente avaliado. Um dado que não deve ser minimizado é a natureza do portal que veiculou a entrevista. O Ultimo Segundo pertence ao poderoso conglomerado Oi-BrT sustentado majoritariamente pelos fundos de pensão das estatais. Em outras palavras: governo. Ou um pedaço de governo que eventualmente não estaria apreciando o arrebatamento do presidente Lula e o declínio da sua candidata. Acresce que o entrevistador de Ciro foi o jornalista mais graduado do conglomerado, Eduardo Oinegue, que não brinca em serviço e não faz questão de ser paradigma de pluralismo. Não foi acidente, isso é certo. De qualquer forma, Ciro conseguiu o milagre de acabar com o chatíssimo plebiscito.

» Alberto Dines é jornalista

Núcleo de Samba Cupinzeiro - Despejo na Favela/Abrigo de Vagabundo (Adoniran Barbosa)

A lei da farsa:: Janio De Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A campanha está aí, à vista de todos, mas não é campanha; só ganha o ar da legalidade com o segundo semestre

Eleições no Brasil começam pela hipocrisia, por tapeação exigida pela lei. Os candidatos óbvios não podem dizer que são candidatos, sob risco de punição significativamente financeira, por este grandioso motivo: ainda não é a hora. A campanha está aí, à vista de todo o país, mas não é campanha. As denominações "campanha" e "candidato" só ganham o carimbo da legalidade com a chegada do segundo semestre.

A lei impinge ao eleitorado o papel de contraparte da falsificação de uma realidade que todos sabem qual é e, menos ou mais, vivem de um lado ou de outro. Como complemento, a lei facilita desigualdades de tratamento aos candidatos: leva a aplicação da própria lei a praticar diferentes maneiras de discriminação e injustiça, tanto de boa como de má-fé. Ou porque os incumbidos de aplicá-la não podem a tudo acompanhar pelo país todo, ou por desvio de conduta.

A representação da Procuradoria-Geral da República contra o sindicato de professores de São Paulo, para o qual pede a punição máxima, ilustra bem como a lei pode distribuir-se mal, mesmo que não por má-fé. O sindicato é acusado de "promover e financiar" manifestações que fizeram "propaganda eleitoral antecipada", ao pregarem a recusa de voto em José Serra. "O não voto em época pré-eleitoral viola (...) a Lei das Eleições tanto quanto o pedido de voto", argumenta a representação.

Quantas vezes, de um ano para cá, aglomerados de eleitores ouviram Lula discursar a ideia de que, para manter o Bolsa Família e outros programas, o povo precisa votar em quem dê continuidade ao seu governo? A seu lado, Dilma Rousseff, a quem, por inúmeras vezes, definiu como sua candidata. Lula pedia o quê, senão voto, para quem, senão Dilma?Em relação só às manifestações (havidas, sim) do sindicato, a representação expõe seus fundamentos: "A propaganda se caracteriza por levar ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, ou a ação política que se pretende desenvolver ou as razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da função pública".

Parece texto feito para aplicação a Lula e Dilma a cada dia dos últimos 12 meses, no mínimo. Mas não o foi em dia algum. As duas multinhas há pouco aplicadas a Lula (atenção: com possibilidade de recurso) decorreram de explicitude excessiva dos comícios, não de algum dos recursos que a representação da Procuradoria-Geral descreve já como propaganda eleitoral.

O atraso em relação à campanha antecipada de Dilma Rousseff não diferencia a conduta de José Serra, capaz de ser tão claro quanto em seu discurso para empresários do Rio Grande do Norte:

"O meu governo será o período da produção". É a fala, como deve ser, do que Serra é: candidato.

Como seus concorrentes atuais. Negar essa realidade é exigir a farsa.No caso das manifestações de professores de São Paulo há um brasileirismo a mais: diante do conflito entre a Lei Eleitoral e a realidade eleitoral, a punição não é pedida para candidato ou patrono, mas para meros eleitores. Muito coerente.

Mulheres vão decidir a eleição, aponta estudo

DEU EM O GLOBO

Eleitorado feminino supera o masculino em cinco milhões de votos; balzaquianas farão a diferença

Gilberto Scofield Jr.

SÃO PAULO. Está nas mãos de um grupo historicamente desprezado pelo universo político tradicional — mulheres, especialmente as de 35 anos ou mais e que constituem hoje 30,3% do eleitorado brasileiro, segundo o Tribunal Superior Eleitoral — o destino da campanha presidencial deste ano, segundo o professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, José Eustáquio Diniz Alves.

Num amplo estudo sobre o voto feminino, ele mostra que as mulheres superam os homens no eleitorado em praticamente cinco milhões de votos — universo essencial na definição do primeiro e segundo turnos das eleições para presidente. Curiosamente, ainda que as eleições deste ano incluam duas pré-candidatas mulheres — Dilma Rousseff, do PT, e Marina Silva, do PV — é o candidato José Serra, do PSDB, que tem maior apoio do eleitorado feminino.

Eustáquio explica que houve um processo de envelhecimento e feminização do eleitorado brasileiro, já que as mulheres possuem menores taxas de mortalidade e vivem mais que os homens.

Quem avalia as pirâmides etárias brasileiras em 1980 e 2010 percebe claramente que a base da pirâmide (os mais jovens) se estreitou bastante, enquanto o lado direito (o das mulheres) está ficando maior que o esquerdo (o dos homens).

— O eleitorado hoje é mais velho e mais feminino. Em 22 anos, as mulheres dobraram sua força eleitoral, passando de 37 milhões, em outubro de 1998, para 70 milhões, em fevereiro de 2010. Serão estas cinco milhões de mulheres, especialmente as balzaquianas, que vão decidir as eleições. Apesar disso, não se percebe nos partidos atenção especial para as mulheres. Na quinta-feira, o programa do PMDB , cujo presidente Michel Temer é candidato a vice numa chapa liderada por Dilma Rousseff, tinha apenas uma mulher: Roseana Sarney — diz ele.

A ideia de que as mulheres vão decidir esta eleição não é só uma evidência numérica, mas histórica, baseada numa pesquisa realizada por Eustáquio sobre as eleições presidenciais de 2002 e 2006. Tanto em uma quanto em outra, o eleitorado feminino foi decisivo para adiar o desfecho das eleições para o segundo turno.

Na última pesquisa Datafolha antes do primeiro turno das eleições de 2002, Lula tinha 53% de intenção de voto entre os homens e 43% entre as mulheres — diferença de dez pontos percentuais.

Serra tinha 23% de intenção de voto entre as mulheres e 18% entre os homens. Em 2006, o eleitorado feminino próLula aumentou. Na última pesquisa de intenção de voto, 51% do eleitorado era masculino e 47%, feminino, diferença de apenas quatro pontos percentuais, enquanto o candidato Geraldo Alckmin tinha 39% de intenção entre mulheres e 36% entre homens.

— Lula melhorou seu desempenho entre as mulheres, mas estes quatro pontos percentuais foram suficientes para levar a disputa para o segundo turno.

Tivesse ele mais apoio feminino, teria ganho as duas eleições no primeiro turno — diz Eustáquio.

— Lula sempre teve dificuldade na conquista do voto feminino, apesar de todo o movimento de base do PT entre as mulheres. O mesmo ocorre com Dilma.

Pelas pesquisas feitas até agora, Serra tem cerca de 35%, em média, das intenções de voto das mulheres, enquanto Dilma tem 25%. Segundo Eustáquio, não há só uma explicação para o pouco apelo de Dilma entre o eleitorado feminino. Parte da resposta pode ser o próprio histórico de votação da candidatura Lula, transferido para Dilma.

Parte está na maior taxa de indefinição do voto feminino.

— Assim como as mulheres são consumidoras mais exigentes que os homens, também levam tempo para escolher o candidato ideal, analisando com mais frieza programas e características de cada um.

“A mulher na política é vista com estranhamento” Mary Ferreira, professora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa da Mulher, Cidadania e Relações de Gênero da Universidade Federal do Maranhão, afirma que é impossível analisar o menor eleitorado feminino de Dilma sem levar em consideração a historicamente reduzida participação da mulher nas esferas do poder público.

Em 2008, o Brasil estava em penúltimo lugar no ranking da participação feminina nos parlamentos da América do Sul e só ganhava de Guatemala e Haiti em toda a América Latina.

— Brasileiros são eleitores conservadores e tendem a votar num candidato idealizado que privilegia homens brancos e ricos.

A mulher na política é vista com estranhamento, e aquelas que dela participam usam o mesmo linguajar e postura dos homens, como as de Dilma. Quando assumiu a Casa Civil, lembro que a chamavam de “José Dirceu de saias”. Marina Silva, mais suave, tem mais eleitorado entre as mulheres — diz Mary.

Dilma e Serra já refazem suas estratégias

DEU EM O GLOBO

Tucanos investem sobre políticos de partidos aliados ao PT; petistas tentam reforçar presença de Lula ao lado da candidata

Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti


BRASÍLIA. O afastamento de candidatos de cargos públicos no início do mês, por exigência da lei eleitoral, deu novo ritmo à disputa presidencial e, três semanas depois, já começa a alterar, por motivos distintos, as estratégias de campanha do PT e do PSDB. Sem os holofotes do governo e a companhia permanente do presidente Lula, a candidata do PT, Dilma Rousseff, acabou expondo sua falta de experiência política, trombou com aliados e estacionou nas pesquisas de opinião, interrompendo uma trajetória de crescimento.

Já o PSDB, depois de viver meses de indefinição, conseguiu reequilibrar o jogo da sucessão ao lançar oficialmente a candidatura de José Serra à Presidência.

Os tucanos planejam aproveitar a recuperação de Serra registrada nas últimas pesquisas de intenção de voto divulgadas por Datafolha e Ibope, que lhe garantem vantagem de até dez pontos percentuais, para investir nos aliados da candidata petista.

O PP, por exemplo, seria uma das legendas mais sensíveis às oscilações dos candidatos nas pesquisas. É sintomático o grande número de deputados da legenda que foi visto no gabinete do presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), nas últimas semanas.

Paralelamente a isso, crescem entre os tucanos aqueles que gostariam de ver o presidente do PP, senador Francisco Dornelles (RJ), como vice de Serra, diante da resistência do ex-governador Aécio Neves. O mineiro, aliás, poderá ter papel fundamental nesta composição, já que Dornelles é seu primo.

Mas o partido só vai decidir em sua convenção de junho. A avaliação entre os tucanos é de que, se o PP ficar neutro, já será uma derrota para Dilma, pois o PT conta com o apoio da legenda.

Petistas já acusaram o golpe.

— O PSDB soltou um balão de ensaio de que o PP iria apoiar Serra. Há problemas em alguns estados, o que diminui as chances de coligação formal com o PP. Também estamos tentando atrair o PTB. Mas está mais difícil.

E nunca tive a ilusão de levar o PMDB inteiro — diz o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

— Como temos um número muito maior de aliados, as dificuldades em palanques também são maiores. Serra só tem dois partidos: o PSDB e o DEM, além do PPS, que é um apêndice.

Mas a mudança de comportamento de alguns aliados já preocupa o PT. O ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ), que antes implorava apoio de Dilma na disputa ao governo do Rio, agora já fala em outro tom e dá até ultimato. Ele exige o mesmo tratamento dispensado ao governador Sérgio Cabral, candidato à reeleição pelo PMDB.

O PSDB pretende tirar proveito desses rachas, avançando inclusive sobre o PMDB, aliado preferencial do PT. A situação mais grave da aliança governista é mesmo em Minas, onde o exministro Hélio Costa, que lidera as pesquisas, aguarda o apoio dos petistas. Com dois pré-candidatos ao governo, o ex-ministro Patrus Ananias e o ex-prefeito Fernando Pimentel, o PT planeja fazer prévias antes de iniciar negociação com o PMDB.

Outro alvo dos tucanos é o PSB, que enfrenta uma crise interna diante da pressão do Palácio do Planalto pela saída do deputado Ciro Gomes da disputa.

Se os socialistas, como tudo indica, cederem à vontade de Lula, Ciro promete acatar a decisão do partido, mas as sequelas serão inevitáveis. Que ninguém espere do governador do Ceará, Cid Gomes, irmão de Ciro, o mesmo empenho por Dilma. Pelo contrário, a aposta do PSDB é que Cid fechará uma aliança informal para ajudar a reeleger o senador Tasso Jereissati (PSDB).

— Percebo um ataque especulativo sobre a candidatura de Dilma. O fato é que Dilma não é líder, não passa liderança e sua personalidade não ajuda — diz, otimista, Sérgio Guerra.

A coordenação de campanha de Dilma pensa em mudanças para evitar a estagnação nas pesquisas. Uma nova ofensiva pretende colar novamente a imagem da Dilma à de Lula. Os dois estarão juntos em 1ode Maio, Dia do Trabalho, em evento com sindicatos em São Paulo.

O partido também deve aproveitar o programa do PT, em maio, para lembrar ao eleitor que Dilma é a candidata de Lula.

— Quando começarem os eventos de fim de semana, Lula estará presente. Ele também estará na televisão ao lado de Dilma.

Temos um terço do eleitorado.

Agora, vamos buscar outro terço e boa parte está com os partidos aliados — diz Dutra.

O peso das palavras :: Sergio Fausto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

As palavras têm peso. Ditas por um presidente, maior ainda. Moldam percepções a respeito de quem as diz, influenciam opiniões acerca do que se diz, dão o tom do debate público e formam imagens do país no exterior. Enfim, produzem consequências relevantes. Importam tanto pelo conteúdo quanto pela forma da mensagem que constroem e transmitem.

Sarney era comedido; às vezes, literário; no geral, aborrecido. Assim como Itamar, parecia carregar o cargo como um fardo sobre os ombros. Entre os que exerceram a Presidência com entusiasmo, Collor se destacava por alterar expressões de tosca valentia masculina (como no espantoso "tenho aquilo roxo") com discursos de estadista "para inglês ver", sempre com os olhos estalados e a voz impostada. Fernando Henrique, cerebral e culto, com sólida formação acadêmica, explicava os propósitos e a lógica das políticas de seu governo. Ferino, porém, não poupou de adjetivos depreciativos os seus adversários, a exemplo do "neobobos", atribuído aos que lhe acusavam de "neoliberal". Chegou mesmo a dizer "vagabundos", em referência a servidores que se aposentavam cedo com salários altos, o que lhe custou explicações e votos entre funcionários públicos. Rara derrapada de um presidente atento às palavras.

De todos eles, Lula, outro que exerce a Presidência com gosto, é quem melhor domínio tem sobre o rico repertório da linguagem popular. Usa e abusa dessa vantagem para defender seu governo (não raro para escusar "companheiros"), mostrar-se indignado (com frequência contra atos e fatos sob a sua própria responsabilidade), atacar adversários e criar identidade entre si e o povo pelo fio da comunicação política.

Beira o pornográfico, como quando recorre à metáfora do "ponto G", mostrando-se desenvolto no hábito nacional de usar a malícia e o duplo sentido na linguagem. Não hesita em empregar palavrão para realçar a sua preocupação em "tirar o povo da merda em que se encontra", independente do partido do governador ou prefeito a ser apoiado com verbas federais. Ou em recorrer a uma contração chula para marcar a crítica aos que lhe acusavam de vender otimismo fácil diante da crise, em certeira metáfora médica: preferem o médico que chega para o paciente doente e diz "sifu, companheiro"?

Há quem não goste do estilo. Mas, até aí, é disto que se trata: questão de estilo. E, verdade seja dita, Lula roça, mas não atravessa o limite da grosseria. Assim como não cruza a fronteira que separa a confrontação política ("quero uma eleição tipo nós contra eles") da guerra aberta aos adversários, transformados em inimigos. Salvo na frase acidentalmente captada antes de comício eleitoral em Pelotas, ainda em 2002, quando o então candidato do PT disse ser a cidade "um polo de exportação de veados", o presidente Lula não se tem valido da linguagem rude para estigmatizar pessoas, grupos ou adversários. Lula não é Chávez.

Muito diferente é quando o presidente mobiliza seus dotes de comunicador popular para zombar da lei ou fazer pouco de outros chefes de Estado. Aí a questão deixa de ser de estilo e passa a dizer respeito à essência da conduta que se espera de um presidente num país democrático e respeitado no mundo. Falta que se agrava pela audiência interna e externa que Lula conquistou.

Dois episódios recentes servem para ilustrar o argumento. O primeiro é o da sua reação à multa que lhe foi aplicada pelo Tribunal Superior Eleitoral por desrespeitar a legislação que define os limites entre atos de governo e comícios eleitorais. Em novo ato-comício, dessa vez em Osasco, debochou da punição, com amplo e irrestrito uso da ironia, dizendo que da próxima vez traria a multa para os presentes pagarem. Na zombaria, transmitiu a mensagem de que a punição legal não passava de um capricho tolo, refletido no valor supostamente irrisório da multa aplicada.

Uma mixaria, incapaz de impedi-lo de seguir em campanha em favor de sua candidata. Afinal, a lei, ora a lei, diante da grandeza do personagem (ele próprio) e da causa histórica na qual está empenhado (a continuidade do governo do "nunca antes neste país"). Conduzido à sua consequência lógica, o raciocínio implícito na zombaria de Lula levaria a justificar eventual atropelo autoritário dos limites à vontade presidencial. Felizmente, os discursos de Lula não se articulam segundo a lógica.

Outro episódio revelador da inclinação presidencial ao autoengrandecimento e à minimização da importância alheia é a entrevista que Lula deu ao jornal espanhol El País, às vésperas da cúpula sobre segurança nuclear convocada pelo presidente Obama em Washington. Na entrevista, o presidente brasileiro recorre novamente ao deboche e à imagem de fácil apreensão para reiterar a posição brasileira cética em relação ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear e contrária a sanções contra o Irã. Lula comparou o compromisso firmado entre Estados Unidos e Rússia de destruir 30% dos seus respectivos arsenais atômicos, visto como conquista de Obama, ao ato de jogar fora remédios velhos, com prazo de validade vencida, "como eu faço lá em casa em São Bernardo".

Não que seja impertinente questionar o tamanho real do compromisso assumido entre Washington e Moscou, como o fez o editor da página de opinião do The Moscow Times, Michael Bohm, em artigo publicado na edição de 20 de abril deste jornal. De novo, o problema é o deboche. Nesse caso, o alvo não são as leis do País, mas o presidente da maior potência mundial. Em comum, a mesma dificuldade de deparar-se com algo ou alguém que ouse estar acima dele, Lula.

Em ambos os casos, tem-se o coloquialismo do homem comum a disfarçar uma arrogância que se imaginaria encontrar num aristocrata de gestos e palavras esnobes.

Embora fosse desejável menor vulgaridade, vê-se que os palavrões são o de menos na fala presidencial.

Diretor executivo do IFHC, é membro do grupo de acompanhamento da conjuntura internacional (GACINT) da USP.

"Não quero acabar com o Mercosul", diz Serra

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tucano afirma que sua intenção é "flexibilizar" bloco, mas que, se for eleito, decisão será "bem negociada com parceiros"

Proposta do pré-candidato é dar "funções executivas" à Câmara de Comércio Exterior, subordinando-a à Presidência da República

Claudia Antunes


O pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, disse que não quer acabar com o Mercosul, mas flexibilizá-lo de forma "negociada com nossos parceiros" e revelou que, se eleito, pretende dar funções "mais executivas" à Camex (Câmara de Comércio Exterior). Na semana que passou, o tucano foi criticado pela Argentina por suas declarações sobre o bloco comercial. Abaixo, trechos da entrevista, por e-mail.

FOLHA - O senhor tem falado numa política comercial mais agressiva. Por quê?

JOSÉ SERRA - Nossas exportações cresceram muito até 2008, consequência do aumento de preços e da demanda por nossas commodities. Conquistamos imensos superávits. Mas agora estamos em outra fase. Os superávits encolheram, e o déficit em conta corrente está crescendo, até porque as importações dispararam. Nosso déficit em produtos industriais tornou-se gigantesco: proporcionalmente, exportamos menos e importamos muito mais. Minha preocupação é livrar o Brasil de um estrangulamento externo futuro e sustentar o crescimento do emprego.

FOLHA - Se eleito, pretende mudar a estrutura do comércio externo?

SERRA - É indispensável fortalecer e agilizar a Camex, dando-lhe funções mais executivas e mais agilidade. O presidente da Camex, subordinado ao presidente da República, deve pilotar as delegações do comércio exterior. A Camex foi criada no governo FHC, em 1995, por sugestão minha, reunindo representantes de quatro ministérios, além do BC. Vem tendo papel positivo, mas aquém do que hoje se necessita.

FOLHA - Há outras mudanças a fazer, na sua opinião?

SERRA - A área de defesa comercial do Brasil ainda é pouco atuante e mal equipada -e isso não vem só do governo do Lula. A abertura comercial do início dos anos 90 exigia o fortalecimento dessa área, como acontece, por exemplo, nos EUA. Isso não foi feito na medida exigida. Há demora no exame dos pedidos em casos de defesa comercial e falhas no apoio às empresas. Os processos de antidumping contra a China demoram mais do que em países que não a reconhecem como economia de mercado. Há pouco tempo, verificou-se que a China registrava exportações têxteis ao Brasil de cerca do dobro das importações brasileiras de têxteis chineses. Entram sem registro, para não pagar impostos. E competem com a produção brasileira, que paga. Os produtores brasileiros, tão ou mais eficientes que os chineses, sofrem com o câmbio e com a insuficiente defesa comercial.

FOLHA - O senhor disse que o Mercosul atrapalha a busca brasileira por novos mercados. O que propõe mudar no bloco?

SERRA - O Mercosul deve ser flexibilizado, para que não seja um obstáculo para políticas mais agressivas de acordos internacionais. Não se trata de acabar com o Mercosul, pelo contrário. Há duas instâncias de integração econômica. A primeira é a zona de livre comércio, a ser gradualmente implantada. A segunda, alcançada só depois de décadas pela União Europeia, é a política comercial comum - os integrantes renunciam à soberania comercial e fixam tarifas comuns de importações. Além disso, só podem fazer acordos com terceiros se todos concordarem. Sempre achei irrealista fazer tudo isso em quatro anos, a partir de 1995 [quando começou a vigorar a Tarifa Externa Comum]. Defendia que, primeiro, o Mercosul se fortalecesse como zona de livre comércio. Mas o livre comércio não se consolidou e a união alfandegária não se materializou totalmente. O Mercosul acabou sendo obra inconclusa.

FOLHA - A reação argentina a sua declaração não foi positiva.

SERRA - O que defendo é a flexibilização do bloco, a fim de que nos concentremos no livre comércio. Claro que isso não seria uma decisão unilateral do Brasil. Teria de ser bem negociada com nossos parceiros.

FOLHA - Mas, mesmo negociando sozinho com outros, o Brasil terá que fazer concessões.

SERRA - Como já disse, nos últimos oito anos houve cem tratados de livre comércio. O Brasil fez apenas um, assinado pelo Mercosul com Israel. É óbvio que o maior acesso a determinados mercados envolve concessões recíprocas. Sempre é assim. Por isso, cada caso é um caso, e só devemos assinar tratados que nos tragam vantagens líquidas.Outra questão importante é a da infraestrutura, que aumenta os custos de nossas exportações. O transporte da soja de Mato Grosso ao porto de Paranaguá [PR] custa algo parecido ao transporte desse porto até a China.

Dilma potencializa antiga resistência de mulheres ao PT

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nas cinco oportunidades em que concorreu ao Planalto, Lula também teve um desempenho pior entre as eleitoras

Para Teresa Sacchet, da USP, o petismo está impregnado pelos movimentos sociais e pelo sindicalismo, nos quais domina a cultura masculina

Uirá Machado

Primeira mulher a ter chances reais de ser eleita presidente da República, Dilma Rousseff não consegue decolar entre as eleitoras e amplifica a tradicional resistência do público feminino ao candidato do PT.

A mais recente pesquisa Datafolha (dia 17) mostrou a petista em segundo lugar, com 30% das intenções de voto, contra 42% de José Serra (cenário sem Ciro Gomes, do PSB). Se consideradas só as mulheres, a diferença é bem maior: Dilma tem 25%, e o tucano, 43%.

Entre os homens, a distância cai: 35% a 41%, com vantagem para o ex-governador paulista.Mas a resistência das mulheres ao PT é histórica, e não uma particularidade de Dilma. Lula teve pior desempenho entre as eleitoras nas cinco vezes em que concorreu à Presidência.

Ao mesmo tempo, nas duas últimas eleições que disputou, Lula viu seus adversários fazerem mais sucesso entre as mulheres do que entre os homens, justamente quando elas eram a maior fatia do eleitorado (1998 foi a última eleição em que os homens eram maioria).

Em 2006, porém, Lula, então candidato à reeleição, parecia ter conquistado o público feminino. Ao final da campanha, o petista conseguiu reduzir para apenas quatro pontos a sua diferença de votação entre os homens e as mulheres -em 2002 eram dez pontos.

Como esperado, o desempenho eleitoral de Dilma até agora é inferior ao de Lula, mas é proporcionalmente pior entre as mulheres. Ou seja, ela reaviva -e potencializa- velhos fantasmas do PT.

De olho nisso, a campanha de Dilma prepara estratégias para conquistar as mulheres.
Explicações

Para Teresa Sacchet, professora de ciência política e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, não é surpresa que candidatos petistas tenham melhor desempenho entre os homens.

"A origem do PT está no sindicalismo e nos movimentos sociais de 30 anos atrás. São setores em que predomina a cultura masculina. Naquela época, ainda mais do que hoje, os espaços políticos eram ocupados sobretudo por homens. Assim, não me surpreende que Lula sempre tenha tido maior apelo no público masculino", diz.

Sacchet também aponta fator específico de Dilma: ela é pouco conhecida. "Como as mulheres são menos informadas e como Serra é mais conhecido, é razoável que menos mulheres declarem intenção de votar em Dilma", afirma.

André Singer, cientista político da USP e ex-porta voz da Presidência (2003-2007), diz que "a desinformação explica muito da diferença de votação", mas acrescenta outro aspecto: um possível conservadorismo das mulheres.

"Por razões de ordem socioeconômica, provavelmente o segmento feminino ainda é mais conservador que o masculino, o que é uma constatação clássica da sociologia", diz.

Segundo Marlise Matos, chefe do Departamento de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais, não é possível dizer que as mulheres são mais conservadoras. Para ela, no caso de Dilma, pesa a imagem da candidata.

"A figura da Dilma representa uma dureza, é agressiva. Esse tipo de traço é bem-visto nos homens, mas não nas mulheres. E o público masculino se identifica com essa imagem, mas não o feminino. As eleitoras parecem se identificar mais com traços ligados ao cuidado, à saúde", afirma.

Entrevista Massimo di Felice: Cidadãos 365 dias por ano

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO/ ALIÁS


Para sociólogo, a internet e as redes sociais online vêm criando uma nova opinião pública, que não engole mentira, não tolera promessas, não aceita líderes analógicos; faz acontecer

Christian Carvalho Cruz

A política como conhecemos hoje pode ser, muito em breve, um retrato embolorado na parede. E o político profissional, um desempregado irremediável, com saudade dos "bons tempos" pré-internet. Não, essa não é a última do admirável mundo novo. É a opinião de alguém que o acompanha com olhos de cientista: o sociólogo italiano Massimo di Felice. Doutor em Ciências da Comunicação, especialista em mídias digitais, ele leciona Teoria da Opinião Pública na Escola de Comunicação de Artes da USP. Acredita que a humanidade vivencie neste momento algo tão grandioso quanto o surgimento da prensa de Gutenberg no século XV: é o tempo em que a web vai levar ao desaparecimento do tipo de política e de político que existem hoje.

Para afirmar isso ele não leva em conta apenas a tecnologia em si, gelada em seus inesgotáveis twitters, orkuts e facebooks. Seu objeto de análise é a nova realidade que está nascendo daí, vertiginosa e quase silenciosamente. "A internet e as redes sociais online estão criando uma nova democracia e uma nova opinião pública." O que é particularmente interessante em temporadas como esta, de caça à tal opinião pública empreendida pelos institutos de pesquisa que tentam medir os humores e os pendores eleitorais dos brasileiros.

Mas alto lá com os antigos conceitos, previne Di Felice. "Essa opinião pública que está surgindo não quer ser chamada a opinar apenas de quatro em quatro anos. Ela participa, colabora, difunde ideias para mudar seu território cotidianamente. É cidadã 365 dias por ano. Está fazendo acontecer o que os políticos só prometem." O efeito imediato disso - para as eleições presidenciais de outubro - será mínimo, ele reconhece, dada a predominância, ainda, da opinião pública televisiva no País. Mas no futuro será algo decisivo.

Na entrevista a seguir, Di Felice empreende um passeio pela história e o desenvolvimento da opinião pública e, otimista, explica aonde, agora cada vez menos analógica, ela pode nos levar.

O que é opinião pública?

É um conceito que nasceu com a substituição da sociedade feudal pela sociedade a contrato social. Nasceu com a destruição do modelo baseado no rei que era rei por ter sido colocado no trono por Deus (e, por isso, emanava leis inquestionáveis) e com o surgimento dos primeiros mercadores que deram origem à burguesia. Foi uma passagem econômica, social, cultural e política. A sociedade que nasce daí não é mais assentada em valores divinos, "justos", e sim em códigos racionais, que tem mais a ver com a necessidade de organizar as coisas ao gosto da nova classe que ascende ao poder e vai fazer leis para defender seus interesses. Serão, portanto, leis "injustas". Mas, como elas podem ser questionadas, afinal não vieram do poder divino do rei, haverá a necessidade de lutar para mudar tais leis. Nessa imperfeição está uma das características da sociedade a contrato social, que cria pela primeira vez a separação clara entre sociedade civil e Estado.

Então a opinião pública é filha da democracia moderna?

Ela é o alicerce da democracia moderna. Não é apenas a expressão dela, um instrumento a mais. Não há democracia sem conflito, sem opinião. E o que resulta dessa passagem do feudalismo para o mercantilismo burguês é uma sociedade dada ao conflito, a tal sociedade civil - um conjunto de indivíduos, grupos, etc., que se reúnem contra o Estado. Então, é nessa imperfeição que se desenvolve o conceito de opinião pública, não só como lugar de divulgação, mas de elaboração contínua de ideias. É fácil compreender o porquê disso. Com seu dinamismo econômico, a sociedade a contrato social necessita de transformações constantes de valores. Isso muda completamente o comportamento das pessoas, elas passam a valorizar as mudanças, o progresso, contra a estagnação pré-definida por seu nascimento, como ocorria no modelo feudal.

Esse conceito de opinião pública se mantém até hoje?

Ao longo da história ele foi contestado por uma porção de teorias, principalmente depois do surgimento da mídia de massa e do uso que o nazismo, o fascismo e regimes autoritários em geral fizeram dela. Isso levou muitos autores a pensar que a opinião pública era só um doutrinamento da população. Ela teria tão somente a opinião que o status quo quisesse que ela tivesse e manipulava para conseguir. Para esses autores, opinião pública é alienação. Por aí caminhou Adorno (Theodor Adorno, filósofo alemão), chegando a Bourdieu (Pierre Bourdieu, sociólogo francês), para quem a opinião pública simplesmente não existe. Ele dizia isso, na verdade, como provocação. Na França da época, anos 60/70, ele queria questionar o uso demagógico que se fazia das pesquisas de opinião. Todas as ações dos entes públicos e privados eram justificadas por pesquisas de opinião. E Bourdieu vem dizer que essas pesquisas não davam necessariamente a opinião das pessoas, davam a opinião que as pessoas tinham formado a partir do doutrinamento. Portanto, a opinião pública não existia.

E nos dias de hoje, ela existe?

Existe, mas de um jeito totalmente diferente. Na minha avaliação, a opinião pública muda de caráter de acordo com a tecnologia informativa de uma época. No tempo da oralidade, tínhamos os filósofos, os sofistas. Com Gutenberg e a sua máquina de reproduzir grande quantidade de páginas, surge a opinião pública dos tempos modernos, mais ampla, instigada a debater pelo acesso mais fácil ao conhecimento. Depois, a mídia de massa - jornais, rádios e TV - dá origem às democracias nacionais, à esfera pública do tamanho de uma nação. Afinal, a mídia de massa consegue atingir toda a população ao mesmo tempo. Aí chegamos aos tempos atuais, à internet. E a coisa vira de cabeça para baixo. A internet cria uma arquitetura informativa absolutamente distinta das anteriores e, mais do que isso, cria um novo tipo de democracia e um novo tipo de opinião pública.

Pode explicar melhor?

Com a internet, passamos da democracia opinativa para a democracia colaborativa, na qual todo cidadão é chamado não a mudar o mundo, a fazer revolução, nada disso. Ele é chamado a ter um impacto na sua realidade próxima. Se olharmos para o teatro grego, os livros, os jornais, o rádio e a TV notamos que o modo de transmitir as informações se manteve constante. O ator de teatro fala, o público ouve em silêncio; no final aplaude ou vaia, ou seja, opina. Na TV é a mesma coisa. Quando assistimos a um debate eleitoral os candidatos falam e nós acompanhamos tudo passivamente e depois vamos votar - opinar - sobre propostas e programas de cuja elaboração não participamos. É a democracia baseada na opinião. O cidadão é cidadão na medida em que ele opina de quatro em quatro anos. A internet inaugura um tipo de democracia qualitativamente diferente.

Como ela funciona?

Primeiro, a comunicação em rede é uma tecnologia que pela primeira vez disponibiliza não só o acesso a todas as informações como também possibilita que cada indivíduo crie conteúdo e poste esse conteúdo com o mesmo poder comunicativo dos outros meios. Tecnologicamente, um blog tem o mesmo poder comunicativo que a CNN. Isso está educando o cidadão não apenas a opinar, mas a criar debate e a discutir ideias que se espalham velozmente pelo mundo. São as chamadas redes sociais, redes de cidadãos que se reúnem por terem determinadas afinidades e passam a trabalhar online para transformar a sociedade pela proposição, discussão e implementação de ideias. Primeiro no seu território, sua rua, seu bairro, sua cidade, depois no país e mundo. Chamamos isso de net-ativismo. Não se trata de uma questão ideológica, de fazer a revolução com a ajuda da internet. Não é isso.

E que tipo de opinião pública está sendo gestada nessa era de net-ativismo?

Uma opinião pública que não quer ser só opinativa. Não quer só opinar com base numa pauta estabelecida pela mídia e pelos políticos. A rede está criando, de fato, uma nova realidade em que as pessoas se afastam cada vez mais da política partidária, do debate político profissional, porque acham que isso não resolve nada. Meus alunos têm total desinteresse pelas questões políticas tradicionais, mas de maneira alguma podem ser chamados de alienados, porque estão em redes sociais, integram grupos que trabalham com reciclagem de lixo, inclusão digital, acesso à informação. Estão tentando modificar o seu território 365 dias por ano. Eles são cidadãos o ano inteiro, não só a cada quatro anos. Para esse pessoal o voto é a última coisa na qual eles estão pensando. A lógica da web não é piramidal, não prevê um líder. A palavra-chave é colaboração. Assim, se há alguém que eles enxergam como representante, é necessariamente alguém que esteja nessas redes sociais desde sempre, discutindo, propondo, ajudando a levantar verbas para projetos. O que eu estou tentando dizer é que a política analógica é obsoleta, porque unidirecional. Podemos chamar isso de fascismo se adotarmos a etimologia grega da palavra "fascio", que significa seta, algo que aponta, direciona. Estamos no caminho contrário. Pode levar 10, 20 anos, mas estamos indo claramente na direção de uma democracia totalmente colaborativa.

Essa nova ordem já deve influenciar as eleições deste ano?

Provavelmente não. Mas estou certo de que, nesta campanha presidencial, teremos surpresas vindas do mundo digital. A web será um lugar de desmascaramento. Esse movimento é maior do que imaginamos no Brasil. Um sinal claro disso é que já há no País mais gente usando a internet para acessar redes sociais do que para ver pornografia. Temos um curso de pós-graduação muito procurado por pessoas que vão trabalhar com marketing político. Os alunos perguntar a mesma coisa: "Como eu uso o Twitter para ajudar meu candidato a vencer a eleição?" Eu digo: "Você não pode. Se entrar com essa intenção a mesa vira sobre você".

Por quê?

Imagina só isso: o político utilizando a web como utiliza a TV - para mentir, basicamente. Essa é muito boa (risos). Na rede, uma mentira dura dois minutos. E, uma vez descoberta, centenas de pessoas vão ter o prazer de denunciá-la. Isso aconteceu com o Lula. Um dia ele resolveu que queria ser Barack Obama e fez um blog. Só que não permitiu comentários. Poos alguém duplicou o blog dele num espaço aberto para comentários. Uma lição de que não dá para se aproveitar da internet dessa maneira. Uma vez dentro da rede ele terá de se submeter às regras dela, que não têm nada a ver com as regras da TV. O problema é que os políticos, seus estrategistas e marqueteiros querem transferir o passado para o novo. Eles não têm a menor noção dessa nova democracia, dessa nova opinião pública que está nascendo. Querem entrar num contexto no qual o político é visto com maus olhos. A imagem dele é negativa, porque tradicionalmente ele representa o contrário do que se faz ali. Ele tem uma proposta pronta e, através da sedução, busca obter consenso da maioria da opinião pública para se eleger. A comunicação parte dele e volta para ele. A internet permite outro modelo: que ele apresente sua proposta, que vai ser continuamente debatida, modificada e aprimorada - e daí vai nascer o consenso.

Quer dizer que no futuro os candidatos a representantes do povo podem surgir das redes sociais da internet?

E é provável que eles sejam completos desconhecidos para quem estiver fora dessas redes. A função do político tradicional tende a desaparecer. Não vai ter mais aquela coisa de ele prometer fazer, porque a nova opinião pública formada por essas pessoas conectadas em redes sociais já está fazendo sem ele.

Mas qual o peso real dessa nova opinião pública em termos eleitorais no Brasil?

Por enquanto, pequeno. A opinião pública cobiçada pelos políticos é a televisiva. Aquela suscetível à propaganda e ao marketing político. O cenário está mudando rapidamente, mas quem vence eleição ainda são os marqueteiros. A TV tem regras precisas que são dominadas com perfeição por eles. Quanto mais o político se submete ao marqueteiro, maior a sua chance de vitória. Então, dizer que a Dilma não tem experiência em cargos executivos, por exemplo, pesa pouco para essa opinião pública televisiva. Já ela fazer plástica ou, do lado de lá, fotografar o Serra em pose de Obama, com a mão segurando o rosto, pedir para ele sorrir mais em público, isso sim tem impacto na opinião pública televisiva. O fato é que nem Serra nem Dilma são capazes de conquistá-la sozinhos. Ambos dependem dos seus marqueteiros.

Pesquisa eleitoral que ouve 3 mil pessoas capta o que pensa a opinião pública?

No contexto atual de política do espetáculo, política que associa aos conteúdos as imagens televisivas, deve-se reduzir a importância normalmente atribuída às pesquisas de intenção de voto. Uma vez que a política deixa de ser doutrina ideológica para se assumir como arte dramatúrgica, a disputa eleitoral se torna algo muito próximo de um reality show. E aí o que vale é o excesso e a surpresa, a presença midiática, o ataque ao adversário, a construção de uma imagem que se pretende vencedora.

As enquetes mostram que 60% dos eleitores não sabem dizer espontaneamente o nome de um pré-candidato à Presidência da República. O que isso significa?

Significa o afastamento da política do público. Não do público da política. A política partidária, feita por lobbies preocupados apenas em se manter no poder, não interessa, cansou. E não é por motivos ideológicos, já que no fundo as diferenças entre políticos e partidos são muito pequenas. É porque a humanidade se deu conta de que a classe política é um grande câncer, no mundo inteiro. A política tradicional é feita pelas pessoas menos qualificadas - reservadas as devidas exceções, obviamente. Só que do outro lado, na rede, há cidadãos ativos, conscientes, exercendo sua cidadania diariamente, que não entram nesse jogo antigo. Isso explica as altíssimas taxas de abstenção nas eleições na Europa, que beiram 50%. A população está cansada e, por meio da internet e das redes sociais, quer reformular isso. Me parece que temos agora a alienação dos políticos em relação a essa nova opinião pública, à política real, nas quais a sociedade cada vez mais organizada na web está construindo uma realidade melhor, independentemente das disputas eleitorais.

A opinião pública brasileira topa uma presidenta mulher?

Não. A sociedade brasileira é profundamente machista. Aceita no máximo uma mulher no comando do governo municipal. Mas para chefiar a nação acha que é demais. Já na nova opinião pública que está se fortalecendo na internet as regras são outras. A imagem, o gênero, são coisas que não têm a menor importância. O que faz a diferença é a participação ativa, as ideias postas em discussão, a disposição para o debate contínuo. E o melhor desse modelo é que pela primeira vez está se dando voz, de fato, aos excluídos, à massa das periferias. Estamos diante de algo tão grande quanto a prensa de Gutenberg.

Ilusões e autoenganos:: Rubens Ricupero

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Puxada pelo consumo, a economia brasileira consome mais do que produz e poupa, vivendo acima de seus meios

"É indispensável que, antes de meio século, quatro ou cinco pelo menos das maiores nações da América Latina (...) cheguem como a nossa (...) irmã do Norte a competir em recursos com os mais poderosos Estados do mundo."

O barão do Rio Branco fez essa afirmação em 1905. Meio século depois, em 1960, o PIB per capita do Brasil equivalia, em poder de compra, a 20,3% do americano; em 2006, cem anos após a meta do barão, alcançava 21,1%. As demais "maiores nações" do continente apresentavam cifras similares. Em compensação, em Hong Kong era de 90%, em Cingapura, de 81%, e na Coreia do Sul, de 51%.

Correspondendo a desempenho de mais de um século, o exemplo obriga a enfrentar a incômoda dúvida acerca da sustentabilidade do recente crescimento brasileiro e latino-americano. O livro do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) no qual colhi os dados comparativos fornece duas outras indicações pertinentes: os colapsos de produção têm sido mais frequentes na América Latina, enquanto os episódios de expansão são mais curtos e débeis.

Não faltam, ademais, retrocessos como os da Argentina e do Uruguai, desconhecidos em outras regiões.

O próprio Brasil se aproximou dos 32% do PIB per capita dos Estados Unidos em 1980, quando se inicia o ciclo de crescimento lento. Em contraste, os países asiáticos, únicos que de fato estreitaram a distância em relação aos desenvolvidos, caracterizam-se por crescimento acelerado e contínuo durante 20, 30, às vezes 40 anos seguidos.

Terão mudado as razões da constância asiática e da nossa errática trajetória? Não parece. Na corrente década, por exemplo, a taxa média de investimento do setor privado da Ásia (32% do PIB) representou mais do que o dobro da da América Latina (14%). Nossa taxa de poupança nem chegou a 18% no ano passado.

No Brasil, o consumo do governo e dos particulares aumenta duas vezes mais rápido do que a produção; na China, a porcentagem do consumo no PIB caiu de 55%, uma década atrás, para 36%. Já o investimento, responsável no ano passado pela quase totalidade do crescimento chinês, atingiu a cifra espantosa de 50% do PIB!

Puxada pelo consumo, a economia brasileira consome mais do que produz e poupa, vivendo acima de seus meios. Depende de crescente poupança externa, o que agrava seu deficit em conta-corrente. Como sustentar a expansão do consumo se a poupança e o investimento continuam raquíticos? Como financiar o deficit se o câmbio desestimula as exportações e faz explodir as importações? Serão acaso os investimentos estrangeiros, que em 2009 caíram no Brasil quase 50%, dez pontos a mais do que a média mundial (39%)? Como competir com chineses e com coreanos se os sindicatos querem reduzir a jornada semanal de trabalho?

Como elevar os investimentos em infraestrutura, hoje apenas um terço dos de 1970, e ao mesmo tempo manter a expansão de bolsas-família e de aposentadorias?O debate entre os candidatos a presidente deveria se ocupar não de quanto se vai crescer neste ano, mas das perguntas das quais depende a duração do crescimento nos anos e décadas futuros. Instituições de governo que leiloaram Belo Monte de modo precipitado e irracional não estão obviamente à altura do desafio. Se não se der atenção a essa grave advertência, estaremos confirmando nossa tendência à complacência e à autoilusão, geradoras de novos fiascos.

Rubens Ricupero, 73, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

Primeiro aninho:: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA

Viver em Brasília não era mole; nosso único divertimento era ver subir e descer os aviões
Brasília completa 50 anos de existência, mas pouca gente sabe que fui um dos organizadores da festa de seu primeiro aniversário. É que tinha sido convidado por Paulo de Tarso, o primeiro prefeito da cidade, a presidir a Fundação Cultural.

Aceitei o convite porque Brasília era uma coisa nova e instigante e também por ajudar-me a sair do impasse em que me encontrava: perdera o entusiasmo pelas experiências neoconcretas e não sabia que rumo tomar.

Tomei o avião que me levaria à nova capital e nele, por coincidência, ia o jornalista Raimundo Souza Dantas, convidado para ser oficial de gabinete do presidente Jânio Quadros. Soube, depois, como surgiu o convite. Jânio perguntara a José Aparecido de Oliveira, seu secretário particular, se conhecia um negro que pudesse trabalhar no gabinete presidencial. "Conheço", respondeu Aparecido. "Mas negro retinto?" "Sim, presidente, retinto." E Jânio: "Chame-o, quero-o ao meu lado".

Raimundo Souza Dantas não só era negro retinto como também distinto e terminaria embaixador em Gana. A notícia despertou tal entusiasmo que, quando ele voltou ao Rio de Janeiro, foi recebido no Galeão pela batucada de ritmistas das escolas de samba. Temendo que sua nomeação fosse rejeitada pelo Senado, pôs um revólver na sua mesa de cabeceira para fazer uso dele e livrar-se de um possível vexame. Não foi preciso.

Viver em Brasília, naquela época, não era mole não. O vento erguia nuvens de poeira -um talco vermelho que tisnava nosso rosto e nossas roupas. Não havia transporte coletivo. Eu me valia do carro da fundação. Nosso único divertimento era ir ao aeroporto ver subir e descer os aviões. Por isso, quando um grupo de teatro rebolado, do Rio, me telefonou propondo apresentar-se na cidade, topei sem hesitar.

O Teatro Nacional era, então, apenas uma casca de concreto, sem nada dentro. Como esperávamos apresentar, ali, em breve, um espetáculo de Jean-Louis Barrault, improvisáramos um palco e uma plateia para viabilizar a temporada. Antes de Barrault, chegou o grupo carioca, cujo espetáculo se chamava "O Cão Chupando Manga". Ao assistir a um de seus ensaios, assustei-me com a licenciosidade das falas e das cenas e mais ainda quando passei a receber pedidos de altas autoridades para reservar-lhes ingressos a elas e suas famílias.

No dia seguinte à estreia, tal foi a indignação dos convidados que o presidente Jânio Quadros enviou um bilhete ao prefeito mandando tirar o espetáculo de cartaz. Quando os jornalistas me procuraram, declarei que não o faria, já que não era censor. Isso gerou uma crise que foi superada por um fato inesperado: o grupo fugira da cidade sem pagar-nos o aluguel do teatro.

Dias depois, o prefeito me chamava ao seu gabinete para tratar da comemoração do primeiro aniversário de Brasília. Na parte cultural, que a mim cabia, programei uma exposição do acervo do Museu de Arte de São Paulo, uma temporada do Teatro de Arena e um desfile da escola de samba Estação Primeira de Mangueira.

Os dois primeiros eventos não implicavam maiores problemas, mas o desfile da Mangueira, sim, a começar pelo número de sambistas que teríamos que transportar até Brasília. Felizmente, a Aeronáutica se dispôs a colaborar, pondo à nossa disposição um avião onde caberiam umas cem pessoas. Não era o ideal, mas dava para animar a festa, sobretudo porque, ao contrário dos outros eventos, este seria na rua, com participação dos funcionários todos e dos candangos que trabalhavam na construção da cidade.

Mal saiu na imprensa a notícia do desfile, meu gabinete se encheu de funcionários dos mais diversos órgãos públicos: eram mangueirenses que haviam sido transferidos para lá e queriam desfilar na sua escola. Desfilaram. Foi o grande acontecimento do aniversário da cidade. Era tanta gente que o prefeito quase não conseguiu chegar ao palanque.

Mas preparar as comemorações não foi fácil porque, naquela época, para conseguir um prego era preciso atravessar a cidade inteira. Um major do exército, para nos ajudar, definiu a situação: "O problema, doutor Gullar, é viatura e gasolina".

Passado o sufoco, fiz uma "embolada" que cantei numa festa na casa do prefeito:

"Não adianta, seu prefeito, abrir estrada
Não adianta carnaval na Esplanada
Não adianta superquadra sem esquina,
Catedral de perna fina/ Rebolado de menina
Que o problema é/ Viatura e gasolina."

Meses depois, Jânio Quadros renunciava e eu voltava ao Rio já com outra cabeça: trocara a vanguarda artística pelo engajamento político.

25 de abril, Revolução dos Cravos

Foi o movimento que derrubou o regime salazarista em Portugal, em 1974, de forma a estabelecer as liberdades democráticas promovendo transformações sociais no país. Após o golpe militar de 1926, foi estabelecida uma ditadura no país. No ano de 1932, Antônio de Oliveira Salazar tornou-se primeiro-ministro das finanças e virtual ditador. Salazar instalou um regime inspirado no fascismo italiano. As liberdades de reunião, de organização e de expressão foram suprimidas com a Constituição de 1933.

Portugal manteve-se neutro durante a Segunda Guerra Mundial. A recusa em conceder independência às colônias africanas estimulou movimentos guerrilheiros de libertação em Moçambique, Guiné-Bissau e Angola. Em 1968 Salazar sofreu um derrame cerebral e foi substituído por seu ex-ministro Marcelo Caetano, que prosseguiu com sua política. A decadência econômica e o desgaste com a guerra colonial provocaram descontentamento na população e nas forças armadas. Isso favoreceu a aparição de um movimento contra a ditadura.

No dia 25 de abril de 1974, explode a revolução. A senha para o início do movimento foi dada à meia-noite através de uma emissora de rádio, a senha era uma música proibida pela censura, Grândula Vila Morena, de Zeca Afonso. Os militares fizeram com que Marcelo Caetano fosse deposto, o que resultou na sua fuga para o Brasil. A presidência de Portugal foi assumida pelo general António de Spínola. A população saiu às ruas para comemorar o fim da ditadura e distribuiu cravos, a flor nacional, aos soldados rebeldes em forma de agradecimento.

25 de abril, feriado nacional, denomina-se o dia da liberdade e da reconquista da democracia.


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Mendelssohn: Symphony No. 4 Op. 90 "Italian"

CHUVA CINZENTA::Graziela Melo


Cinzenta
Está
A tarde,
A alma
A vida


No ar
Um certo
Ar

De despedida...

E
A chuva
Que pinga
Respinga,

Fria
Triste,

Contemplativa!!!

Persistente,
Insistente,
Renitente...

Solitária

Meditativa!!!

A Alma
É um cão
Sem dono,

Sarnento,
Magro,
Faminto,

Sem teto
Sem afeto

E cheio
De feridas...


Rio, 22/05/2005


(Poema extraído do livro Crônicas, contos e poemas, pág. 123 – Fundação Astojildo Pereira, Brasília, 2008)