quarta-feira, 21 de abril de 2010

Reflexão do dia – Tancredo Neves

"Temos construído esta Nação com êxitos e dificuldades, mas não há dúvida, para quem saiba examinar a História com isenção, de que o nosso progresso político deveu-se mais à força reivindicadora dos homens do povo do que à consciência das elites.
(...) A pátria dos pobres está sempre no futuro e, por isso, em seu instinto, eles se colocam à frente da História.A legislação sindical brasileira se encontra envelhecida.
(...) A unidade sindical não pode ser estabelecida por lei, mas surgir naturalmente da vontade dos filiados. (...)

Os sindicatos não podem submeter-se à tutela do governo nem subordinar-se aos interesses dos partidos políticos. "


(Tancredo Neves, no discurso que faria no dia da posse, em março de 1985)

Pesquisa Ibope mostra Serra com 36% e Dilma com 29%


estadão.com.br

Diferença entre tucano e petista oscilou de cinco para sete pontos percentuais em relação à última pesquisa

Uma nova pesquisa Ibope encomendada pelo jornal Diário do Comércio aponta variação positiva de dois pontos porcentuais à favor do pré-candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, em relação à sua principal adversária, a petista Dilma Rousseff. O levantamento, feito entre os dias 13 e 18 de abril, mostra o tucano com 36% das intenções de voto, sete à frente da petista, que seria a escolhida por 29% do eleitorado. No ultimo levantamento, a diferença era de 5 pontos.

Em terceiro lugar estão empatados o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) e a senadora Marina Silva (PV-AC), com 8% das intenções de voto cada um. A porcentagem de votos em branco e nulos somou 10% e os que disseram não saber em quem votarão atingiram 9%.

Na simulação de um eventual segundo turno entre os pré-candidatos do PSDB e do PT, Serra lidera com 46% e Dilma tem 37%. A maior rejeição apontada pela pesquisa é de Ciro, com 48%, seguido de Marina, com 43%, Dilma, com 34%, e Serra, com 32%.

O último levantamento Ibope, divulgado em 17 de março e encomendado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostrava o tucano com 35% das intenções, seguido pela pré-candidata do PT, com 30%. Ciro registrou 11% e Marina teve 6%. Naquela sondagem, o porcentual de votos em branco e nulos alcançou 10% e dos que disseram não saber em quem votar ou não quiseram responder somou 8%. De acordo com o "Diário do Comércio", os levantamentos encomendados pela CNI e pela ACSP usam a mesma base de apuração e, logo, podem ser comparados entre si.

No cenário sem Ciro, a pesquisa Ibope/Diário do Comércio aponta Serra com 40%, Dilma com 32%, Marina com 9%, branco e nulos 11% e não sabem ou não opinaram, 9%.

Continuidade

A pesquisa Ibope/Diário do Comércio mostra também crescimento na popularidade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para 76% dos entrevistados, a gestão de Lula é ótima ou boa; para 18%, é regular, e 5% afirmaram ser ruim ou péssima. Na última edição do levantamento, 75% dos entrevistados avaliavam a gestão do presidente como ótima ou boa.

A mostra indagou ainda o que os eleitores gostariam que o próximo presidente fizesse. Do total de entrevistados, 35% querem a total continuidade da atual administração, 30% desejam pequenas mudanças com continuidade, 24% querem a manutenção de apenas alguns programas com muitas mudanças e 9% desejam a mudança total do governo do País.

Para 75% dos entrevistados, Lula é confiável, enquanto 21% disseram não confiar nele. A pesquisa, divulgada nesta quarta-feira, 21, pela página do jornal "Diário do Comércio" na internet, e que será publicada nesta quinta, 22, pela edição impressa, foi realizada com 2.002 eleitores em 141 municípios de todo o Brasil.

A margem de erro é de 2 pontos porcentuais para mais ou para menos. Esta pesquisa está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob o protocolo 9070/2010.

Com informações de Gustavo Uribe, da Agência Estado

Dom de confundir:: Dora Kramer


DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O exemplo é clássico lugar comum, até, sobre as maneiras ardilosas do político mineiro: "Você vai para onde?" pergunta o deputado ao colega. "Barbacena", responde.

"Ele disse que vai para Barbacena para eu achar que vai para Lavras, mas ele vai é para Barbacena mesmo", pensa o primeiro, que não contesta, mas sai dali convicto de que matou a charada.

Guardadas algumas proporções é mais ou menos o que está acontecendo na negociação entre PT e PMDB para a formação de uma aliança com vistas à chapa única para as eleições estaduais.

Um grupo assegura que ruma para Barbacena, mas outro desconfia de que seja um mero truque, embora não tenha certeza sobre qual seja o destino verdadeiro. Talvez Lavras, as versões variam conforme a autoria.

Desde a semana passada, na tradução das lideranças nacionais de ambos os partidos, foi tudo devidamente apaziguado e acertado. No próximo dia 9 de maio, uma semana depois da realização de prévias no PT para a escolha do melhor candidato petista ao Senado, será anunciada a candidatura única ao governo.

Com o senador Hélio Costa, do PMDB, como governador e Fernando Pimentel ou Patrus Ananias - dependendo de quem vencer as prévias do PT - em uma das duas vagas disponíveis para o Senado.

Não é, no entanto, o que diz o presidente regional do PT, Reginaldo Lopes, para quem quiser ouvir; nem o que falaram o presidente do PMDB mineiro e o próprio Hélio Costa na última reunião com a cúpula nacional do partido em Brasília.

O petista, por sinal ligado a Fernando Pimentel, assegura que as prévias do PT são para escolher candidato a governador, não a senador.

Os pemedebistas acham que o PT procura ganhar tempo para ver se Hélio Costa cai nas pesquisas e aí o partido tem uma justificativa para apresentar candidato próprio. Por isso o PMDB não aceitou o prazo de 60 dias inicialmente pedido pelo PT para uma decisão. Tampouco acha boa essa data de 9 de maio.

Os mais radicais consideram que o limite do suportável é fim de abril. E uma exigência: um petista para vice de Hélio Costa como garantia de que o PT não vai "cristianizar" o candidato.

Ainda assim, pergunte-se às direções nacionais do PT e do PMDB como vai o acordo de Minas e os respectivos presidentes dirão: "Vai muito bem."

Mas vai para Lavras ou Barbacena?

Escaldada. A TV Globo evidentemente é dona das razões e avaliações sobre o que é mais conveniente para a empresa sob todos os aspectos, inclusive político-eleitorais.

É de se supor que, pesados e medidos os ônus e os bônus, a emissora tenha concluído que seria de alguma maneira prejudicada pelos reclamos do PT de que o jingle comemorativo aos 45 anos da TV Globo continha mensagem subliminar de apoio à candidatura da oposição.

Pelo fato de 45 ser o número do PSDB e por causa de o trecho "todos queremos mais" do jingle ser visto pelo PT como alusão ao slogan "o Brasil pode mais" usado pelos tucanos.

Em nome da requerida isenção, a emissora não poderia alterar sua data de fundação e a música da propaganda, conforme explicado, estava pronta desde novembro.

Nessa toada a autocensura e a interdição da patrulha vira regra para manifestações de "querer mais" de qualquer coisa daqui até as eleições.

Valendo para Lula inclusive, que na Reserva Raposa Serra (?) do Sol falou em "fazer mais" pelos índios. Passou uma mensagem subliminar de apoio ao adversário?

Pois é, donde se vê como uma tolice travestida de sofisma pode transformar um conjunto de profissionais num conjunto insidioso de suspeitos.

Em determinadas situações os fatos contam pouco. Até hoje a TV Globo é responsabilizada pela eleição de Fernando Collor de Mello por causa da edição do debate com Luiz Inácio da Silva no segundo turno da eleição de 1989, embora Lula já tenha dito que entrou naquele programa emocionalmente desestabilizado - por truques baixos do adversário, inclusive - e perdeu o embate independentemente da edição.

Foi derrotado pela expressão da vontade do eleitorado. É esta que prevalece, como prevaleceu nas duas vitórias posteriores.

Sobre romanos e mineiros :: Wilson Figueiredo


DEU NO JORNAL DO BRASIL

RIO - Em Roma, como os romanos. Em Minas também, mas como os mineiros, claro. E algo mais. Não apenas em política, quem não sabe onde está a diferença pode se dar mal. A candidata Dilma Rousseff nasceu em Minas mas, se não declarar, ninguém percebe. O insuficiente grau de mineiridade a deixa mais vulnerável na eleição presidencial por não ser dada a votos nem outros apetrechos democráticos disponíveis. Não basta, exceto para efeito de registro civil, ter nascido em Minas sem agir ao feitio mineiro. O aprendizado é longo. Não foi por acaso, portanto, que se criou a categoria especial de mineiros nascidos fora de Minas, pouco referidos por esse lado. Alardear para quê? Fazer inveja?

Exemplo oportuno: tendo nascido e morrido no Rio, Francisco Clementino de San Thiago Dantas (1911-1964) era considerado mineiro do melhor quilate, mas nascido fora de Minas não fazia alarde. Elegeu-se deputado por Minas, foi descuidado e não demorou a ficar de olho comprido no Palácio da Liberdade. Chegou a flertar com o Catete. Não era o único, e se atrapalhou. (Machado de Assis seria a mais completa figura de mineiro nascido fora das Gerais, mas a prioridade dele era outra. Via a política com olhos mineiros de cronista parlamentar. Conviria à candidata Dilma e seu padrinho Lula lerem, em dueto, O Velho Senado, onde Machado trabalha com um Brasil anterior a Lula, e que nada fica a dever à História que nasceu e se criou antes dele).

A candidata Dilma Roussff já deve ter percebido que lhe falta muito para se dar bem com os mineiros e ser reconhecida como um deles. Lula pode estar com a avaliação em alta nas pesquisas, mas não sendo candidato senão a ex-presidente, pode inclusive jogar votos fora pelo ladrão, mas o eleitor das montanhas olha de lado e faz que não vê a candidata que quis tirar proveito do centenário do presidente Tancredo Neves e se deu mal. Aquelas murchas flores de retórica depositadas no túmulo de Tancredo Neves e o anátema lançado aos exilados, inclusive petistas, foram a anti-campanha se antecipando ao previsível. Faltou-lhe intimidade com a transição da ditadura para a democracia. E a aflição com que se explicou piorou a versão. Ainda não aprendeu a tirar proveito do silêncio.

Dona Dilma não arriscou sequer um verbo no condicional para ajeitar a situação. Fez de conta que o problema de explicar o passado é da conta do PT e o dela é catar votos para satisfazer a pressa de Lula em operar no futuro. A ressalva para tirar o corpo fora da contradição entre eleição e revolução se complicou quando, sem puxar o freio de mão, a candidata mirou em José Serra e acertou nos exilados da cota do PT, ao negar-lhes a coragem de ficar e detonar a ditadura da maneira possível, qual fosse, pelas armas.

Tudo indica que Dilma Rousseff não se lembrou de ser, ou parecer, pelo menos em Minas, como os mineiros. O elogio da candidata do PT a Tancredo Neves não podia prescindir da explicação indispensável, pois o comportamento do petismo, incluindo o próprio Lula, não considerou que a via indireta era a única, e não apenas para levar ao Planalto o candidato da oposição, mas também para facilitar a retirada dos governantes pelo voto indireto (o único possível àquela altura em que a oposição subia e os ocupantes do poder desciam inapelavelmente por gravidade).
O câmbio ao par pagava com a mesma moeda a dívida democrática acumulada em vinte anos.

Em Minas, como os mineiros, esperava-se de dona Dilma alguma familiaridade com os valores políticos de que a História não abre mão. Lula e Dilma ainda não entenderam que devem explicação reparadora da avaliação equivocada da época que os deixou à margem do curso histórico, que também não passa duas vezes pelo mesmo lugar. O mineiro venceu a ditadura com a arma que ela escolheu

Zero hora para a mudança:: Ruy Castro



DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - À zero hora de 21 de abril de 1960, os sinos das igrejas cariocas repicaram. Ranchos, blocos e escolas de samba tomaram a avenida Rio Branco num segundo Carnaval. Bandas de música saíram às ruas tocando "Cidade Maravilhosa", novo hino oficial.

Fábricas apitaram, carros buzinaram e houve foguetório nos morros e no asfalto. A cidade saudava a transferência da capital e a inauguração de Brasília, mas principalmente a criação do Estado da Guanabara -a libertação do Rio.

Hoje, parece incrível que o Rio aprovasse a perda da sua condição de capital, mas foi assim.

Primeiro, porque não se acreditava que houvesse uma perda: os ministérios, o corpo diplomático e o próprio Congresso continuariam aqui por tempo indeterminado -nenhum político trocaria a Corte por um ermo sem telefone, hotéis, restaurantes, boates, teatros, livrarias, boutiques e onde, para comprar um lápis ou um retrós, era preciso tomar o carro e comer poeira.

Ao mesmo tempo, o Rio, como cidade-Estado, conquistaria a autonomia pela qual sempre lutara. O carioca poderia finalmente eleger seus governantes, capazes de cuidar de buracos de rua ou da falta d"água, sem prejuízo de sua vocação nacional, atlântica e cosmopolita.

Só não se contava com as falsetas da história. De 1961 a 1965, Carlos Lacerda, primeiro governador da Guanabara, ajudou a derrubar Jânio Quadros e João Goulart, e rompeu com Castello Branco, primeiro presidente militar. Os generais-ditadores seguintes, temendo a oposição no Rio, efetivaram a transição para Brasília, onde podiam governar sem a opinião pública.

Para acabar de esvaziar politicamente o Rio, Ernesto Geisel, em 1975, fundiu a Guanabara com o velho Estado do Rio sem consultar cariocas e fluminenses. Foi pior para o Rio e pior para o Brasil.

Inconfidência Mineira / Prof. Dodô - Tendência

PSDB faz notícia-crime contra instituto


DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tucanos pedem ao Ministério Público Eleitoral que investigue Sensus por pesquisa que apontou empate entre Serra e Dilma

Levantamento, divulgado na semana passada, foi encomendado por sindicato de SP ligado à Força Sindical; Sensus nega irregularidades

Breno Costa

O PSDB decidiu entrar com uma notícia-crime contra o Instituto Sensus no Ministério Público Eleitoral. Os advogados do partido pedirão abertura de investigação sobre o instituto de pesquisa por três crimes previstos na legislação: divulgação de pesquisa fraudulenta, divulgação de dados irregulares e obstrução à ação fiscalizatória de partido político.

Cada uma das infrações prevê, caso confirmada, detenção de seis meses a um ano e multa. A decisão, que leva para a esfera penal uma polêmica até aqui tratada na área cível, foi tomada após análise de relatório produzido pelo próprio PSDB, que apontou cinco irregularidades em pesquisa divulgada pelo Sensus semana passada, como revelou a Folha ontem.

O levantamento foi encomendado por um sindicato de São Paulo, ligado à Força Sindical, e apontou empate técnico entre os pré-candidatos à Presidência José Serra (32,7%) e Dilma Rousseff (32,4%).

Das pesquisas divulgadas até agora, esse foi o resultado mais apertado. No último sábado, o Datafolha mostrou Serra dez pontos percentuais à frente da petista (38% x 28%).

Para o advogado Ricardo Penteado, do PSDB, a suposta irregularidade mais grave foi a divergência entre dados informados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pelo Sensus e os dados verificados pelo partido após checagem de 2.000 questionários na sede do instituto, em Belo Horizonte, na última sexta-feira.

Essa discrepância se concentrou no percentual de entrevistados dentro da menor faixa de renda -aqueles que ganham até um salário mínimo. Nos dados passados ao TSE, esses entrevistados representariam 6% do total. No entanto, o PSDB afirma que o valor verificado na fiscalização é 17,7%.

Também foram constatadas falhas no registro de duração de cada entrevista e erros de registro das cidades nas quais ocorreu o levantamento.

A Folha ligou para o instituto ontem, mas o diretor, Ricardo Guedes, não estava. A reportagem deixou recado com a secretária de Guedes, mas até a conclusão desta edição ele não ligou de volta. O Sensus tem negado irregularidades.

Serra critica leilão; Dilma cita o PAC


DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Breno Costa e Bernardo Mello Franco

Os pré-candidatos à Presidência José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) criticaram o governo pela condução do leilão para a construção da usina de Belo Monte, no Pará.

Já a pré-candidata do PT à Presidência, a ex-ministra Dilma Rousseff, foi lacônica: "É mais uma obra do PAC que se viabiliza", disse, por meio da assessoria de imprensa.

Em nota, Serra, que não teve agenda pública ontem, colocou em dúvida aspectos ambientais, sociais e econômicos da obra, uma das mais caras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

"Infelizmente, o governo ainda não conquistou a confiança da sociedade e das instituições sobre a correção ambiental e social da obra", afirmou.

A senadora Marina Silva disse estar preocupada com os efeitos sobre a bacia hidrográfica e as terras indígenas. O pré-candidato do PSOL, Plínio de Arruda Sampaio, participou de manifestação em Brasília contra o leilão.

O jogo bruto da candidata = Editorial


DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Bastaram uns poucos dias do que à legislação eleitoral brasileira apraz qualificar como "pré-campanha" para que a "pré-candidata" Dilma Rousseff deixasse claro como pretende tratar o seu adversário José Serra. Por razões de formação, temperamento e interesse, ela precisa fazer dele um inimigo inconfundivelmente identificado, contra quem, em consequência, possa mover uma guerra sem quartel. As reações agressivas da petista aos primeiros comentários do tucano sobre o governo Lula vêm de uma concepção de combate político fundada na ideia de que os argumentos do outro, não podendo ser ignorados, devem ser convertidos em armas para silenciá-lo e, no limite, aniquilá-lo.

O rombudo estilo pessoal da ex-ministra combina com a tática de terra arrasada que vem adotando. E essa é inseparável da estratégia ditada por Lula de confinar a competição pelo Planalto a um plebiscito ou, como se diz em dialeto petista, a um enfrentamento entre "nós e eles". O Serra de verdade se apresenta como candidato do que se pode chamar "continuança" - um híbrido da continuidade com a mudança. Por isso fala em "fazer mais", não em "fazer o oposto". O mote não deriva apenas da avaliação realista de que investir contra um presidente que flutua nas nuvens da popularidade é suicídio político. Resulta também da convicção de que o Brasil avançou em muitos aspectos por ter Lula sabido usar e expandir a "herança maldita" que lhe tocou.

Mas este Serra - tão à vontade ao elogiar o Bolsa-Família quanto ao criticar o PAC como "uma lista de obras", a maioria das quais "não foi feita" - não se encaixa no papel que o outro lado gostaria que ele desempenhasse. É muito equilíbrio e maturidade para o populismo plebiscitário de Lula, e desconcertante demais para o raciocínio binário da sua escolhida. Eleitoralmente pode ser um perigo: quando, além disso, o ex-governador ainda contrapuser ao "nós e eles" do presidente uma espécie de "eu e ela", jogando a cartada de sua experiência contra o noviciado da rival, isso decerto afetará a transposição de votos do patrono para a apadrinhada.

Se é esperado que uma parcela do eleitorado votará em Dilma apenas por ela ser "a mulher do Lula", outra poderá preferir Serra por ver nele o continuador mais capaz da obra do presidente. Eis por que não é de excluir que a mão pesada da candidata se volte contra si mesma. Não está escrito nas estrelas que o povo responderá amém sempre que ela estigmatizar o oponente como "lobo em pele de cordeiro", cercado de "exterminadores do futuro", para neutralizar o seu reconhecimento do que ele entende ser as conquistas da era Lula. Ou quando o chamar, depreciativamente, "biruta de aeroporto", por ele não fazer o que o PT necessita que faça: atacar em bloco o desempenho do primeiro-companheiro, em vez de separar o joio do trigo.

Já se disse que Serra perdeu para Lula em 2002 porque o tucano representava a continuidade quando o povo queria a mudança. Agora, quando povo quer a continuidade, Lula pretende a todo custo pespegar em Serra a falsa imagem do carbonário que ele próprio foi outrora: contra "tudo isso que está aí". O problema petista é fazer o rótulo colar. (O de Serra, vender a sua continuança.) É um engano preconceituoso achar que a maioria dos eleitores quer ver sangue na campanha. Quer, isso sim, saber quem é quem, em quem pode confiar mais e quem está mais preparado para fazer o que todos prometem - porque não há, no Brasil de hoje, roteiros antagônicos dos caminhos para o desenvolvimento econômico e o progresso social.

Os políticos que entendem de voto sabem que ataques como os que Dilma tem desferido contra Serra podem ricochetear na candidata que irá às urnas pela primeira vez na vida. Não terá sido por outro motivo que Michel Temer, seu provável companheiro de chapa, apressou-se a defender "um grande debate em torno dos problemas do País, não no nível das questões pessoais". Ora, o jogo bruto de Dilma é precisamente interditar esse debate, apelando para estocadas pessoais e a invencionice de que Serra é o anti-Lula.

Pré-candidatos reunidos na festa da Inconfidência

DEU NO ESTADO DE MINAS

21 DE ABRIL

Ezequiel Fagundes

As celebrações do centenário do ex-presidente Tancredo Neves atingem o ápice hoje, em Ouro Preto, onde será aberta a cerimônia do 21 de Abril, na Praça Tiradentes, palco da entrega da Medalha da Inconfidência a 280 pessoas que contribuíram para o desenvolvimento de Minas Gerais e do Brasil. A solenidade, depois de sete anos e três meses de governo Aécio Neves (PSDB), será presidida pelo atual governador de Minas, Antonio Augusto Anastasia, pré-candidato à reeleição na eleição de outubro. Em Belo Horizonte, funcionários do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) limparam ontem a estátua do mártir da Inconfidência, localizada na Praça Tiradentes, no cruzamento das avenidas Brasil e Afonso Pena.

No palco, também estarão o presidente da Assembleia Legislativa de Minas, deputado Alberto Pinto Coelho (PP), nome cotado para compor a vaga de vice, e o ex-presidente Itamar Franco (PPS), que ainda estuda concorrer ao Senado na chapa encabeçada por Anastasia. Pela primeira vez, Anastasia, Alberto e Itamar participarão de um grande evento público juntos. O ex-governador Aécio, pré-candidado ao Senado, é presença garantida no evento político-cultural.

A expectativa é de que a cerimônia de hoje seja discreta e rápida. Entre os agraciados, artistas, políticos, empresários e personalidades do mundo jurídico, entre eles 12 integrantes do Ministério Público, incluindo a subprocuradora-geral da República, Cláudia Sampaio Marques. Na lista de juristas, o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Eduardo Augusto Lobato e presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), José Antonino Baia Borges. A oradora oficial será a ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia Antunes Rocha.

Antes da entrega das medalhas, o evento será aberto pelo ator mineiro Mauro Mendonça, que vai recitar trechos do poema Cancioneiro da Inconfidência, uma das principais obras da poetisa Cecília Meireles. Entre os homenageados, está o padre Fábio Melo, o fotógrafo Sebastião Salgado, o governador de São Paulo, Alberto Goldman, o músico Dorival Caymmi (Medalha de Honra), além de deputados federais, estaduais e vereadores.

Sede de campanha na UNE

DEU EM O GLOBO

Entidade, que recebe verbas federais, discute se declara ou não apoio a Dilma

Rafael Galdo e Fábio Fabrini

RIO e BRASÍLIA - A dois dias do início do congresso em que a União Nacional dos Estudantes (UNE) decidirá, entre outros pontos, se dará apoio oficial à pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou ontem, por unanimidade, projeto do governo que prevê indenização de até R$ 30 milhões para a construção da nova sede da entidade estudantil, no Rio de Janeiro. O projeto, aprovado com o apoio da oposição, foi apresentado em 2008 pelo presidente Lula, que reconheceu a responsabilidade do Estado na destruição do prédio da UNE no Flamengo, em 1964, motivada pela repressão aos movimentos de esquerda.

O texto vai agora para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que o avaliará em caráter terminativo. A UNE e o governo trabalham para que os R$ 30 milhões sejam transferidos até julho, limite da legislação eleitoral para repasses dessa natureza. Alinhada com a administração petista, a UNE já recebeu R$ 9,39 milhões do governo entre 2004 e 2009.

Mas há consenso entre governo e oposição para aprovar os R$ 30 milhões. Ontem, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), disse que a reparação tem peso simbólico, mas recomendou que a UNE deixe de ser “chapa branca”: — Cara pintada a favor não é bom. É fundamental cara pintada com espírito crítico, que se insurge, com independência, sem vínculo com governo ou partido político, quando vê corrupção, seja de esquerda ou de direita.

PPS baixa o centralismo

DEU EM O GLOBO

Panorama Político :: Ilimar Franco

Preocupado com as coligações que estão sendo costuradas nos estados, o PPS resolveu enquadrar seus dirigentes regionais.

O partido, que apoia o tucano José Serra, alerta que “algumas dessas tratativas tendem a acoplar o partido aos palanques estaduais da candidata do PT à Presidência, o que não pode ser aprovado pela direção partidária em nenhuma das suas instâncias”.

A ordem é clara: alianças, só com o PSDB e o DEM.

Dilma diz que não usaria boné do MST


DEU EM O GLOBO

UNE, que recebe verbas do governo, discute se vai apoiar ou não um candidato este ano
Em entrevista a uma rádio de Pernambuco, a précandidata Dilma Rousseff condenou indiretamente o presidente Lula ao criticar as invasões de terras e dizer que não usaria boné do MST. A UNE, que recebe verbas do governo, fará congresso para decidir se apoia um candidato, no caso, Dilma.

Dilma: Não é cabível vestir o boné do MST

Pré-candidata do PT condena indiretamente Lula, sem citá-lo, em entrevista a uma rádio

Maria Lima


BRASÍLIA. A ex-ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência, pela primeira vez condenou indiretamente um ato do presidente Lula — o de usar um boné do MST (Movimento dos Sem-Terra) — e criticou as invasões de terras e de prédios públicos patrocinadas pelo movimento. Em entrevista à Rádio Jornal de Pernambuco, a petista disse ser contra o enfrentamento de movimentos pacíficos por forças policiais, mas afirmou que o MST não pode tumultuar a vida da população.

Ela disse também que pessoas do governo não podem assumir a bandeira do MST.

Dilma afirmou que, além de 590 mil hectares de assentamentos na reforma agrária, o governo Lula aumentou o crédito rural para R$ 15 bilhões na última safra, e financiou 60 mil tratores para a agricultura familiar. Por isso, não haveria motivos para esse tipo de protesto.

— A gente não tem de dar palpite na forma deles de se manifestarem, mas não está certo tumultuar a vida das pessoas que não são responsáveis pelas políticas públicas — disse Dilma.

Ao ser perguntada se vestiria a camisa e o boné do MST, Dilma afirmou que não: — Acho que não é cabível vestir o boné do MST. Governo é governo, movimento é movimento.

Não concordo que alguém do governo assuma a bandeira do MST.

Na entrevista, a ex-ministra voltou a confrontar declarações de seu principal adversário, o tucano José Serra, que comparou o apoio de Lula a ela ao apoio de Paulo Maluf (PP-SP) ao ex-prefeito Celso Pitta. Perguntada sobre os desentendimentos do prefeito de Recife, João Costa, com seu padrinho político, o ex-prefeito João Paulo, ela repeliu a ligação com casos em que cria se vira contra criador: — Nem eu nem o presidente Lula podemos ser comparados com ninguém. Nem Lula é o Maluf, nem eu sou o Pitta.

Por fim, ao explicar por que chamou Serra de “biruta de aeroporto” (que ora elogia, ora critica as políticas da era Lula), Dilma disse que o governo Lula sabe acabar com a pobreza: — Nós sabemos acabar com a miséria (...). Enquanto tiver pobre no Brasil, o Bolsa Família vai continuar.

PMDB quer resolver palanques até 15 de maio Anteontem, em Brasília, Dilma jantou com líderes do PMDB, que esperam resolver com o PT, antes do dia 15 de maio, todas as pendências sobre palanques regionais para a presidenciável petista. Caso isso ocorra, no dia 15 o PMDB vai fazer um encontro nacional para indicar o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), como vice na chapa de Dilma. O partido já divide informalmente com o PT o comando da campanha, mas quer dar prioridade aos acordos nos estados.

No jantar na casa do deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE), esse assunto era a preocupação entre os convidados. Os peemedebistas estão confiantes de que a cúpula petista vai dar um “arrocho” no PT mineiro, pelo apoio à candidatura de Hélio Costa (PMDB), para evitar qualquer proximidade dele com Aécio Neves (PSDB).

— Se esfacelar lá, o Aécio toma conta de tudo — avaliou Eunício Oliveira.

Dos 11 partidos que mandaram seus líderes para o jantar, os representantes de PP, PTB, PSC e PMN informaram que, por enquanto, vão continuar apoiando a candidata petista informalmente.

O líder do PTB, Jovair Arantes (GO), pediu à candidata reunião separada com a parte da bancada que não segue o presidente Roberto Jefferson — que já manifestou apoio a José Serra, do PSDB.

Colaborou: Gerson Camarotti

Centrais preparam ato no Pacaembu para apoiar Dilma

DEU EM O GLOBO

SÃO PAULO. Após promover debate com a presença de Dilma Rousseff no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em 10 de abril, as centrais sindicais preparam agora uma grande assembleia no estádio do Pacaembu, em 1ode junho. O ato, desta vez assumidamente político, pretende mobilizar milhares de pessoas e unir a militância em torno de Dilma, a convidada de honra. O evento marcará oficialmente o endosso institucional de CUT, Força Sindical, CTB, Nova Central e CGTB à campanha presidencial petista.

No ato, será entregue a Carta dos Trabalhadores, documento programático que incluirá reivindicações do setor. O conteúdo, ainda em negociação, deve incluir itens como a jornada de 40 horas semanais, o fim do fator previdenciário, políticas de valorização salarial e maior reajuste aos aposentados. As cobranças não devem causar constrangimento a Dilma, que já as ouviu em encontros da pré-campanha. De acordo com a CUT, a Carta também será entregue aos outros candidatos. O presidente Lula também foi convidado para o ato no Pacaembu.

Rio-Brasília :: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Minha contribuição à aventura de Brasília só me serviu para uma lembrança -raramente pessoal-neste dia de 50 anos

Se houve, ninguém notou, no dia 21 de abril há 50 anos, nem sequer um lamento carioca pela mudança da capital para as obras de Brasília. Não por indiferença, nem por satisfação. Só por absoluta falta de convicção entre as desvantagens para o Rio, acusadas sem maior seriedade pelos oposicionistas, e as vantagens proclamadas a granel, em geral, por interesse.

A farta proporção de funcionários federais, sob as incertezas de mudança, neutralizava-se com as promessas de compensações, de fato sedutoras para quase todos. As manifestações coletivas ficaram na falta de espontaneidade de umas festividades mal arranjadas a título de comemorar o estado nascente -Guanabara, a breve.

Juscelino engrandeceu-se muito com os ecos, no pós-ditadura, do seu desenvolvimentismo. Na época, os bastidores das suas obras entravam pouco na imprensa, quase nada mesmo. Mas o Rio, como sede do governo, sentia o esbanjamento tresloucado do dinheiro público, sobretudo para Brasília, a corrupção ramificada em toda a atividade. Essa percepção tomou, cada vez mais, formas políticas que se definiram e concretizaram, depois do sinal dado com a eleição de Jânio Quadros, na infecção que extinguiu todo sinal de vida democrática.

O argumento político brandido em favor da construção de Brasília, e de resposta impossível na época, era o de proporcionar tranquilidade institucional, ao retirar o governo da caldeira de fermentação golpista que era o Rio. Juscelino atribuía à cidade todo o problema histórico da instabilidade brasileira e da preponderância política dos militares.

Não chegou a quatro anos o intervalo entre a mudança para a capital imune e o pior de todos os golpes, com o qual, pela primeira vez desde o golpe da República, os militares se apropriaram de todo o poder. A capital da civilidade democrática passou quase metade da sua existência como cidadela da antidemocracia.

A aventura do desenvolvimentismo de Juscelino proliferou em uma infinidade de outras aventuras e respectivos gêneros pelo país afora. Uma delas, centrada no jornalismo carioca e logo espraiada para muitos centros. Nesse jornalismo, a mudança da capital foi uma aventura em si mesma na surpresa diária que era o novo "Jornal do Brasil" de então.

Repete-se, nestes dias, uma história de que Juscelino telegrafou de Brasília para um engenheiro e articulista de "O Globo" como prova de que, na inauguração, a nova capital já dispunha das comunicações desacreditadas. Havia só um ramal para usos oficiais. Tudo era assim, até o candango que discursou na inauguração em nome dos operários era, no Rio, o barbeiro do poeta Augusto Frederico Schmidt, que escreveu o discurso.

Fazer o jornal da inauguração foi uma aventura. Planejamos uma Redação dentro de um avião fretado, e nele a numerosa equipe de repórteres veio escrevendo (a máquina) os originais de reportagem, enquanto no Rio apressávamos as páginas do noticiário normal nos cadernos diários.

Com a chegada da equipe, começamos todo o trabalho da inauguração, que precisava ter a marca, também, da inovação, com a ajuda das velhas linotipos, dos tipos de anúncios classificados e da caduca impressora do princípio do século, com seus arames, elásticos e esparadrapos.

Era um dia tão aventureiro, que o "big boss", como orgulhava de se considerar, pôs-se a meu lado para ver, pela primeira vez, como se fazia o seu jornal. Ali, enquanto empurrava a edição, desenhei e escrevi a capa e a contracapa do especial da inauguração. Até que sua repercussão se perdesse no tempo, o texto ficou atribuído a Ferreira Gullar, que deixara a Redação havia mais de dois anos, e o desenho, ao artista Amílcar de Castro, que diagramava o interior do caderno.

Minha contribuição à aventura de Brasília só me serviu para uma lembrança -raramente pessoal- neste dia de 50 anos.

Da Brasília de Hipólito e Bonifácio à de nossos dias :: Isabel Lustosa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Até a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, nem a imagem de Brasil unido do Oiapoque ao Chuí nem a consciência de que todos os que aqui nasciam e viviam eram brasileiros tinham se firmado. Quem nascia em Pernambuco, na Bahia, em São Paulo ou em Santa Catarina chamava de pátria apenas aquela parte do Brasil em que vivia. E tudo isso junto era Portugal.

Mas, no ambiente de reformismo ilustrado da corte de D. Maria I, um elenco de brasileiros se aliava a outros tantos intelectuais portugueses para pesar no Brasil - parte integrante e essencial da nação portuguesa, cujas riquezas naturais eram exaltadas, como o lugar para onde, eventualmente, a sede da monarquia podia ser transferida.

Os que sonhavam com esse projeto defendiam que a grandeza e a importância do Brasil estavam diretamente associadas às suas dimensões continentais. Para manter o caráter impressionante daquele patrimônio, era preciso conservar unidas as capitanias de que se compunha a colônia.

Foram esses brasileiros cultos que difundiram, por intermédio de seus escritos e de sua atuação, a ideia de Brasil como unidade. E, dentre esses, pela enorme influência que tiveram sobre os seus contemporâneos, merecem destaque Hipólito José da Costa e José Bonifácio de Andrada.

Protagonizando uma biografia cheia de lances extraordinários, o primeiro jornalista brasileiro, Hipólito da Costa, por meio de seu jornal, o Correio Braziliense - Armazém Literário, publicado em Londres entre 1808 e 1822, produziu uma obra em que analisou de forma profunda a realidade brasileira. Hipólito foi, como destacou Barbosa Lima Sobrinho, quem mais lutou pela permanência de D. João e de sua corte no Rio de Janeiro. Hipólito citava as revoluções que então convulsionavam as colônias espanholas e que no Brasil eram evitadas pela proximidade do soberano. Também ressaltava a distância a que estávamos das intrigas europeias, a que o governo, só forte pelas possessões ultramarinas, não escaparia em Lisboa.

Outro aspecto valorizado pelo jornalista era a circunstância de ser D. João VI o único testa-coroada do Novo Mundo, cuja opinião, aqui valiosa, não pesaria na balança dos gabinetes do Velho Mundo, se ele em Lisboa estivesse.

Desde os primeiros números, Hipólito também insistiu para que a estada da corte no Brasil tivesse como papel primordial a consolidação dos domínios portugueses em um só Império. Para que esse projeto se viabilizasse, seria necessário dar ao Brasil unidade administrativa, estabelecendo em toda a parte as mesmas leis. Nesse sentido era que Hipólito defendia a mudança da capital para o interior.

Já em março de 1813, ele dizia que, se os portugueses tivessem patriotismo e quisessem de fato agradecer ao Brasil que os acolheu, se estabeleceriam numa região central, no interior do País, perto das cabeceiras dos grandes rios e construiriam ali uma nova cidade.

O problema dessa cidade nascida no meio do "deserto" seria resolvido com a construção de estradas que se dirigissem a todos os portos de mar, ligando-a às principais povoações. Dessa maneira, a capital do País serviria de ponto de reunião entres as partes mais distantes do Brasil.

Assim seriam lançados, conclui Hipólito, "os fundamentos do mais extenso, ligado, bem defendido e poderoso império que é possível que exista na superfície do globo, no estado atual das nações que o povoam".

Seu contemporâneo, José Bonifácio de Andrada e Silva, a figura de maior prestígio da elite brasileira nas primeiras décadas do século 19, comungava dessas mesmas ideias.

Andrada voltara ao Brasil, depois de se aposentar, em 1819, ao final de uma carreira em que se notabilizara em Portugal tanto pelos seus conhecimentos científicos quanto por sua atuação na vida pública. No dia 16 de janeiro de 1822, uma semana depois do Dia do Fico, D. Pedro o convidou para liderar seu Ministério, assumindo a pasta do Reino e dos Estrangeiros. José Bonifácio foi quem elaborou o projeto que seu irmão, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, apresentaria nas cortes de Lisboa para servir de base à Constituição da Nação Portuguesa que ali se estava elaborando naquele ano de 1822, poucos meses antes de o Brasil proclamar a sua Independência.

Em seu projeto, além de deixar claramente estabelecido que era indispensável que se conservassem "a integridade e a indivisibilidade do Reino Unido", José Bonifácio propunha que se estabelecesse no Brasil um governo-geral executivo, ao qual estivessem sujeitos os governos provinciais e, tal como Hipólito, propunha que a capital fosse transferida para o interior do País, a fim de estimular o seu povoamento. Ele achava que seria "muito útil, até necessário, que se edifique uma nova capital do Império no interior do Brasil para assento da corte, da assembleia legislativa e dos tribunais superiores, que a Constituição determinar. Essa capital", previu ainda o patriarca da Independência, "poderá chamar-se Petrópolis ou Brasília".

Nesses 50 anos de Brasília, vale a pena lembrar os ideais que motivaram nossos pais fundadores quando pensaram numa capital sertaneja. Sede do governo, lugar de integração dos brasileiros, cidade que teve a árdua missão de substituir o glamouroso Rio de Janeiro, Brasília deveria ser também o lugar em que estariam asseguradas a ordem e a estabilidade necessárias para o bom funcionamento dos principais órgãos do aparelho de Estado.

A crise que a capital do Brasil enfrenta em seu jubileu talvez seja boa para repensar a forma como deve ser administrada. Afinal, será mesmo necessária e indispensável a autonomia do Distrito Federal?

É pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa

Tancredo há 25 anos, como se fosse hoje:: Elio Gaspari



DEU EM O GLOBO

Há um quarto de século, morreu Tancredo Neves.

Na noite de 14 de março de 1985, os brasileiros foram dormir esperando assistir as cenas de sua posse na manhã seguinte e acordaram com o último dos generais deixando o palácio pela porta dos fundos, enquanto José Sarney vestia a faixa presidencial. Tancredo só chegou a Brasília, morto.

Ele foi uma resultante. Somava marqueses da ditadura, cardeais da moderação democrata-cristã, comissários de uma esquerda mais ou menos convicta. Morto Tancredo, a coligação perdeu o nexo e, aos poucos, deslizou para o colapso financeiro da hiperinflação e o desastre político do collorato.

Passados 25 anos, persiste o mito de que Tancredo Neves era um conservador.

Com aquele jeito, falando baixo, sempre de terno, só podia ser. Além disso, seu conservadorismo seria um bálsamo capaz de aliviar o passado de Sarney e o futuro de Fernando Henrique Cardoso. Um mito conveniente.

Felizmente, o jornalista Mauro Santayana organizou o livro “Tancredo: o verbo republicano”, com os textos dos últimos discursos e entrevistas de Tancredo Neves. Santayana assessorouo por quase vinte anos. Na tarde de 14 de março de 1985, passou cerca de duas horas com ele, revendo o discurso que faria na manhã seguinte, ao tomar posse. Semanas depois, quando se sabia que Tancredo não sairia vivo do hospital, Santayana entregou os originais a Risoleta Neves, mulher do presidente eleito.

A primeira metade do discurso de Tancredo contém uma das mais belas páginas da oratória política nacional.

Elegante no estilo, profético no conteúdo. Em alguns momentos impressiona pela atualidade, mas se isso indica a clarividência de Tancredo, ilustra também a mediocridade do debate nos 25 anos que se seguiram.

Alguns trechos: • Temos construído esta Nação com êxitos e dificuldades, mas não há dúvida, para quem saiba examinar a História com isenção, de que o nosso progresso político deveu-se mais à força reivindicadora dos homens do povo do que à consciência das elites.

(...) A pátria dos pobres está sempre no futuro e, por isso, em seu instinto, eles se colocam à frente da História.

A legislação sindical brasileira se encontra envelhecida. (...) A unidade sindical não pode ser estabelecida por lei, mas surgir naturalmente da vontade dos filiados. (...) Os sindicatos não podem submeter-se à tutela do governo nem subordinar-se aos interesses dos partidos políticos.

• Já vivemos, nas grandes cidades brasileiras, permanente guerra civil (...). É natural que todos reclamem mais segurança nas ruas, e é dever do Estado garantir a vida e os bens dos cidadãos. Essa garantia, sabemos todos, não será oferecida com o aumento do número de policiais, ou com a multiplicação dos presídios. É muito mais fácil entregar ferramentas aos homens do que armá-los, e muito mais proveitoso para a sociedade dar pão e escola às crianças abandonadas, do que, mais tarde, segregar adultos criminosos. A história nos tem mostrado que, invariavelmente, o exacerbado egoísmo das classes dirigentes as tem conduzido ao suicídio total.

• Temos de ampliar o mercado interno, o único com que podem contar permanentemente os empresários brasileiros. Não se amplia o mercado interno sem que haja mais empregos e mais justa distribuição da renda nacional.

Elio Gaspari é jornalista.

25 anos depois, o discurso que não houve:Tancredo Neves



1985 - DISCURSO DE TANCREDO NEVES

Brasileiros,

Neste momento alto na história, orgulhamo-nos de pertencer a um povo que não se abate, que sabe afastar o medo e não aceita acolher o ódio.

A Nação inteira comunga deste ato de esperança. Reencontramos, depois de ilusões perdidas e pesados sacrifícios, o bom e velho caminho democrático.

Não há Pátria onde falta democracia.

A Pátria não é a mera organização dos homens em estados, mas sentimento e consciência, em cada um deles, de que lhe pertencem o corpo e o espírito da Nação. Sentimento e consciência da intransferível responsabilidade por sua coesão e seu destino.

A Pátria é escolha, feita na razão e na liberdade. Não basta a circunstância do nascimento para criar esta profunda ligação entre o indivíduo e sua comunidade.

Não teremos a Pátria que Deus nos destinou enquanto não formos capazes de fazer de cada brasileiro um cidadão, com plena consciência dessa dignidade.

Assim sendo, a Pátria não é o passado, mas o futuro que construímos com o presente. Não é a aposentadoria dos heróis, mas tarefa a cumprir. É a promoção da justiça, e a justiça se promove com liberdade.

Na vida das nações, todos os dias são dias de História, e todos os dias são difíceis. A paz é sempre esquiva conquista da razão política. É para mantê-la, em sua perene precariedade, que o homem criou as instituições de Estado, e luta constantemente para aprimoraras.

Não há desânimo nessa condição essencial do homem. Por mais pesadas que sejam as sombras totalitárias ou mais desatadas as paixões anárquicas, o instinto da liberdade e o apego à ordem justa trabalham para restabelecer o equilíbrio social.

No conceito que fazemos do estado democrático há saudável contradição: quanto mais democrática for uma sociedade, mais frágil será o estado. Seu poder de coação só se entende no cumprimento da lei. Quanto mais fraterna for a sociedade, menor será a presença do estado.

Debate Constitucional

Brasileiros,

A primeira tarefa de meu governo é a de promover a organização institucional do estado. Se, para isso, devemos recorrer à experiência histórica, cabe-nos também compreender que vamos criar um estado moderno, apto a administrar a Nação no futuro dinâmico que está sendo construido.

Sem abandonar os deveres e preocupações de cada dia, temos de concentrar os nossos esforços na busca de consenso básico à nova carta política.

Convoco-vos ao grande debate constitucional. Deveis, nos próximos meses, discutir, em todos os auditórios, na imprensa e nas ruas, nos partidos e nos parlamentos, nas universidades e nos sindicatos, os grandes problemas nacionais e os legítimos interesses de cada grupo social.

É nessa discussão ampla que ireis identificar os vossos delegados ao poder constituinte e lhes atribuir o mandato de redigir a lei fundamental do País.

A Constituição não é assunto restrito aos juristas, aos sábios ou aos políticos. Não pode ser ato de algumas elites. É responsabilidade de todo o povo. Daí a preocupação de que ela não surja no açodamento, mas resulte de uma profunda reflexão nacional.

Os deputados constituintes, mandatários da soberania popular, saberão redigir uma carta política ajustada às circunstâncias históricas. Clara e imperativa em seus princípios, a Constituição deverá ser flexível quanto ao modo, para que as crises políticas conjunturais sejam contidas na inteligência da lei.

Presidente eleito do Brasil, busco no coração e na consciência as palavras de agradecimento profundo aos correligionários da Aliança Democrática (2), o valente e fiei PMDB, sob o comando do Deputado Ulisses Guimarães, e o recém-fundado Partido da Frente Liberal, sob a liderança de Aureliano Chaves, Marco Maciei e meu companheiro, Vice-Presidente, José Sarney, aos integrantes do PDT, PT, PTB, dissidentes do PDS, que, por decisão partidária ou pessoal, me entregam a mais alta e mais difícil responsabilidade da minha vida pública.

Os Compromissos

Creio não poder fazê-lo de melhor forma do que, perante Deus e perante a Nação, nesta hora inicial de itinerário comum, reafirmar o compromisso de resgatar duas aspirações que, nos últimos vinte anos, sustentaram, com penosa obstinação, a esperança do povo:

Esta foi a última eleição indireta do País.

Venho para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas indispensáveis ao bem-estar do povo.

Não foi fácil chegar até aqui. Nem mesmo a antecipação da certeza da vitória, nos últimos meses, apaga as cicatrizes e os sacrifícios que marcaram a História da luta que agora se encerra.

Não há por que negar que houve muitos momentos de desalento e cansaço, em que cada um de nós se indagava se valia a pena a luta. Mas, cada vez que essa tentação nos assaltava, a visão emocionante do povo, resistindo e esperando, recriava em todos nós energias que supúnhamos extintas e recomeçávamos, no dia seguinte, como se nada houvesse sido perdido.

A História da Pátria, que se iluminou através dos séculos com o martírio da Inconfidência Mineira, que registra, com orgulho, a força do sentimento de unidade nacional sobre as insurreições libertarias durante o Império, que fixou, para admiração dos pósteros, a bravura de brasileiros que pegaram em armas na defesa de postulados cívicos contra os vícios da Primeira-República, a História situará na eternidade o espetáculo inesquecível das grandes multidões que, em atos pacíficos de participação e de esperança, vieram para as ruas reivindicar a devolução do voto popular na escolha direta para a Presidência da República. Frustadas nos resultados imediatos dessa campanha memorável, as multidões não desesperaram, nem cruzaram os braços.

Convocaram-nos a que viéssemos ao Colégio Eleitoral e fizéssemos dele o instrumento de sua propria perempçao, criando, com as armas que não se rendiam, o Governo que restaurasse a plenitude democrática.

Na análise desses dois grandes movimentos cívicos, não sei avaliar quando o povo foi maior: se quando rompeu as barreiras da repressão, e veio para as ruas gritar pelas eleições diretas, ou se quando, nisso vencido, não se submeteu, e com extrema maturidade política exigiu que agíssemos dentro das regras impostas, exatamente para revogá-las e destruí-Ias.

As Contribuições

É inegável que o processo de transição teve contribuições isoladas que não podem ser omitidas:

- A do poder Legislativo, que, muitas vezes mutilado em sua constituição e nas suas faculdades, conservou acesa a chama votiva da representação popular, como última sentinela no campo da batalha democrática.

- A do Poder Judiciário, que se manteve imune a influências dos casuímos, para, na atual conjuntura, fazer prevalecer o espírito de reordenação democrática.

- A da igreja, que com sua autoridade exponencial no campo espiritual e na ação social e educativa lutou na defesa dos perseguidos e pregou a necessidade da opção preferencial pelos pobres com base na democracia moderna.

- A de homens e mulheres de nosso povo, principalmente as mães de famílias, que arrostaram as duras dificuldades de desemprego e da carestia em seus lares, e lutaram, com denodo, pela anistia, pelos direitos humanos e pelas liberdades políticas.

- A da imprensa - jornais, emissoras de rádio e televisão que sob a censura policial, a coação política e econômica, ousou bravamente enfrentar o poder para servir à liberdade do povo.

- A da sociedade civil como um todo, em suas muitas instituições a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, as entidades de classe patronais, de empregados, de profissionais liberais, as organizações estudantis, as universidades, e tantas outras, com sua participação, muitas vezes sob pressões inqualificáveis, nesse mutirão cívico da reconstrução nacional.

- A das Forças Armadas, na sua decisão de se manterem alheias ao processo político, respeitando os seus desdobramentos até a alternativa do poder.

- A de S. Excia., o Presidente João Figueiredo, (4) que, prosseguindo na tarefa iniciada com a revogação dos Atos lnstitucionais, ajudou com a anistia política, a devolução da liberdade de imprensa, as eleições diretas de 82, o desenvolvimento normal da sucessão presidencial.

Graças a toda essa imensa e inesquecível mobilização popular, chegamos agora ao limiar da Nova República.

Venho em nome da conciliação.

Não podemos neste fim de século e de milênio, quando, crescendo em seu poder, o homem cresce em suas ambições e em suas angústias, permanecer divididos dentro de nossas fronteiras.

Se não vemos as outras nações como inimigas, e as não vemos assim, devemos ter a consciência de que o mundo se contrai diante de árdua competição internacional. Acentua-se a luta pelo domínio de mercados, pelo controle de matériasprimas, pela hegemonia política. As ideologias, tão fortes no século passado e na metade do século XX, empalidecem frente a um novo nacionalismo.

Tarefa prioritária

Ao mesmo tempo, fenômeno típico do desenvolvimento industrial e da expansão do capitalismo, surge nova realidade supranacional nas grandes corporações empresariais. Aparentemente desvinculadas de suas pátrias de origem, tais organizações servem, fundamentalmente, a seus interesses.

Ao lado da ordem constitucional, que é tarefa prioritária, temos que cuidar da situação econômica. A inflação é a manifestação mais clara da desordem na economia nacional. Iremos enfrentá-la desde o primeiro dia.

Não cairemos no erro, grosseiro, de recorrer à recessão como instrumento deflacionário. Ao contrário: vamos promover a retomada do crescimento, estimulando o risco empresarial e eliminando, gradativamente, as hipertrofias do egoísmo e da ganância. O ritmo de nossa ação saneadora dependerá unicamente da colaboração que nos prestarem os setores interessados. Contamos, para isso, com o patriotismo de todos.

Retomar o crescimento é criar empregos. Toda a política econômica de meu Governo estará subordinada a esse dever social. Enquanto houver, neste País, um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda a prosperidade será falsa.

Cabe acentuar que o desenvolvimento social não pode ser considerado mera decorrência do desenvolvimento econômico. A Nação é essencialmente constituída pelas pessoas que a integram, de modo que cada vida humana vale muito mais do que a elevação de um índice estatístico. Preservá-la constitui, portanto, um dever que transcende a recomendação de caráter econômico, tão indeclinável quanto a defesa das nossas fronteiras. Nessas condições, temos de reconhecer e admitir, como objetivo básico da segurança nacional, a garantia de alimento, saúde, habitação, educação e transporte para todos os brasileiros.

O bem-estar que pretendemos para a sociedade brasileira deve assentar-se sobre a livre iniciativa e a propriedade privada. Exatamente por isso adotaremos medidas que venham a democratizar o acesso à propriedade e à proteção das pequenas empresas. A defesa do regime de livre iniciativa não pode ser confundida, como muitos o tazem, com a proteção aos privilégios de forças econõmicas e financeiras. Defender a livre iniciativa e a propriedade privada é defendê-las dos monopólios e do latifúndio .

Brasileiros,

O entendimento nacional não exclui o confronto das idéias, a defesa de doutrinas políticas divergentes, a pluralidade de opiniões. Não pretendemos entendimento que signifique capitulação, nem o morno encontro dos antagonistas políticos em região de imobilismo e apatia. O entendimento se faz em torno de razões maiores as da preservação da integridade e da soberania nacionais.

Dentro dessa ordem de idéias a conciliação, instruindo o entendimento, deve ser vista como convênio destinado a administrar a transição rumo à nova e duradoura institucionalização do Estado.

Faz algumas semanas eu anunciava, em Vitória, a construção de uma Nova República. Vejo, nesta fase da vida nacional, a grande oportunidade histórica de nosso povo.

As crises por que temos passado, desde a Independência, podem ser atribuídas a dificuldades normais em um processo de formação de nacionalidade. Hoje, no entanto, encontram-se vencidas as etapas mais duras. Mantivemos a integridade política da Nação graças à habilidade do Segundo Reinado, que soube exercer a tolerância nos momentos certos, evitando que das insurreições liberais vencidas ficassem cicatrizes históricas.

Com a ocupação da Amazônia e do Oeste, concluída nos últimos decênios, chegamos ao fim da tarefa iniciada pelos bandeirantes e desenvolvida por pioneiros intrépidos e desbravadores audazes, pelo gênio político de Rio Branco e pela bravura nacionalista do Marechal Rondon.

Deixamos, há muito, de ser, aos olhos estrangeiros, exótica nação dos trópicos. lncluímo-nos entre os países economicamente mais desenvolvidos. Nossa cultura é admirada internacionalmente. Traduzem-se os nossos escritores em todas as línguas, a música brasileira é conhecida, e o desempenho de nossos artistas de teatro, de cinema e de televisão recebe o aplauso de espectadores de inúmeros países.

Na pesquisa científica, apesar dos poucos recursos públicos, temos obtido excepcionais resultados. Nossos homens de ciências têm o seu trabalho admirado nos principais centros mundiais.

Dever dos Políticos

Sabeis que os homens públicos não se fazem de especial natureza. Eles se encontram sujeitos à fragilidade da condição humana. Quando um povo escolhe o Chefe de Estado, não elege o mais sábio de seus compatriotas, e é possível que não eleja o mais virtuoso deles. Tais qualidades, que só o juizo subjetivo consegue atribuir, não podem ser medidas. Ao nomear, com seu voto, o Presidente da República, a Nação expressa a confiança de que ele saberá conduzi-Ia na busca do bem comum.

Consciente desta realidade. concito-vos ao grande mutirão nacional. Não há um só de vós que pode ser dispensado desta convocação. A cidadania não é atitude passiva, mas ação permanente em favor da comunidade.

Faço meu apelo aos homens públicos. A política, tal como a entendemos, é a mais nobre e recompensadora das atividades humanas. Servir ao povo reclama dedicação incansável, noites indormidas, o peso abrasador das emoções. São muitos os que sucumbem em pleno combate, legando-nos o exemplo de seu sacrifício pela Pátria.

"Com o êxtase e terror de haver sido o escolhido", como diria Veriaine, entrego-me, hoje, ao serviço da Nação.

Nesta hora, de forte exigência interior, recorro à memória de Minas, na inspiração familiar, e na fé revelada na paz das igrejas de São João dei Rey. Tantas vezes renovada em minha vida, é a esta memória, com sua inspiração e sua fé que recorrerei, se a tentação do desalento vier a assaltar-me.

Fui chamado na hora em que realizava a grande aspiração política de minha vida, que era a honra de administrar o meu Estado, a grande e generosa terra de Minas Gerais, e procurava colocar a sua renascente força política a serviço da causa da Federação hoje distorcida, esvaziada, humilhada.

Não deixaria ao meio o mandato que o povo mineiro me confiou, para assumir o supremo Poder da Nação, apenas pelo gosto do Poder, que nem sempre é glória ou alegria.

Vim para promover as mudanças, mudanças políticas, mudanças econômicas, mudanças sociais, mudanças culturais, mudanças reais, efetivas, corajosas, irreversíveis.

Nunca o País dependeu tanto da atividade política.

Dirijo-me, pois, a todos vós que a exerceis, aos que servirão a meu Governo com seu apoio a aos que a ele prestarão a vigilância de opositores. Não aspiro à unanimidade, nem postulo a conciliação subalterna, que se manifesta no aplauso inconseqüente do aulicismo. A conciliação se faz em torno de princípios, e ninguém poderá inquinar, na injustiça e na maledicência , os que nos reuniram nesta vitoriosa aliança de forças democráticas.

Quero a conciliação para a defesa da soberania do povo, para a restauração democrática, para o combate à inflação, para que haja trabalho e prosperidade em nossa Pátria. Vamos promover o entendimento entre o povo e o Governo, a Nação e o Estado.

Rejeitaria, se houvesse quem a pretendesse, a conciliação entre elites, o ajuste que visasse à continuação dos privilégios, à manutenção da injustiça, ao enriquecimento sobre a fome.

Para a conciliação maior, sem prejuízo dos compromissos de Partido e de doutrina, convoco os homens públicos brasileiros, e todos os cidadãos de boa fé. No serviço da Pátria há lugar para todos.

Tenho uma palavra especial para os trabalhadores. É às suas mãos que muito devemos e é em suas mãos que está o futuro do nosso País,

Desde o primeiro passo de minha vida pública tenho contado com o apoio dos trabalhadores.


Elegi-me vereador em São João dei Rey com os votos dos ferroviários e nunca deixei de lhes merecer a confiança política.

Uma Nação evolui na mesma medida em que cresce a sua participação na divisão de renda e na direção dos negócios públicos.

Ao prestar minha homenagem a esses brasileiros, que são a maioria de nosso povo, reafirmo-lhes o compromisso de dedicar todo o meu esforço para que se ampliem e se respeitem os seus direitos.

A reconstrução democrática do País significa o retorno, em toda a liberdade, dos trabalhadores à vida política. Sem seu apoio, nenhum Governo poderá cumprir suas tarefas constitucionais.

Brasileiros,

Esta memorável campanha confirmou a ilimitada fé que tenho em nosso povo. Nunca, em nossa História, tivemos tanta gente nas ruas, para reclamar a recuperação dos direitos da cidadania e manifestar seu apoio a um candidato.

Em todo o País foi o mesmo entusiasmo. De Rio Branco a Natal, de Belém a Porto Alegre, as multidões se reuniram, em paz, cantando, para dizer que era preciso mudar, que a Nação, cansada do arbítrio, não admitia mais as manobras que protelassem o retorno das liberdades democráticas.

Não vamos nos dispersar. Continuemos reunidos, como nas praças públicas, com a mesma emoção, a mesma dignidade e a mesma decisão.

Se todos quisermos dizia-nos, há quase duzentos anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, podemos fazer deste País uma grande Nação.

Vamos fazê-la.

Pelo Brasil que Tiradentes sonhou:: Roberto Livianu

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O aniversário da morte de Tiradentes pode ser um bom momento para parar e pensar no Brasil que temos e naquele que sonhamos

Há 218 anos , era enforcado um dos maiores heróis da nossa história. Morto por amar o Brasil acima de tudo e por pensar no coletivo acima de tudo. Celebrar o aniversário da morte de Tiradentes pode ser um bom momento para parar e pensar no Brasil que temos, naquele que sonhamos e em como intervir para tornar o sonho realidade.

É sabido que, quando Tiradentes liderou a Inconfidência Mineira, sonhava com um país livre da exploração econômica e da corrupção.

Seu sangue foi derramado em praça pública para reafirmar o poder da metrópole, mas acabou alavancando o movimento pela independência, que viria 30 anos depois. Na verdade, estava ali semeada a república, que seria proclamada um século adiante.

Avançando no tempo, há 50 anos era fundada Brasília, cujo nascimento simbolizou um novo Brasil, rico, pujante e desenvolvido, com dimensões continentais e contrastes socioeconômicos oceânicos, que nos separam dos patamares desejáveis de dignidade e cidadania para todos.

Mas nossa capital tem sido palco de um triste espetáculo de corrupção nacional, que pela primeira vez na nossa história levou à prisão, ainda que por dois meses apenas, um governador de Estado em pleno exercício de seu mandato. O que a prisão de Arruda significou? Essa prisão tem algo a ver com a morte de Tiradentes?

A retirada do poder de Arruda sem derramar uma gota de sangue sequer e também sua prisão são sinais claros de maturidade democrática.

Elas representam um marco da nossa história, ainda mais se nos lembrarmos de que, na época de Tiradentes, o Brasil já colecionava quase 300 anos de corrupção conhecida, já que nosso patrimonialismo estratificou e conservou entre nós a cultura da corrupção, totalmente capilarizada e presente no nosso dia a dia.

Isso nos faz sentir que Tiradentes não morreu em vão e nos relembra de que, nas últimas décadas, os donos do poder começaram a ser alcançados pela Justiça.

Porém, só se tocou a ponta do iceberg da corrupção no Brasil. Há mensalões e mensalinhos investigados pelo Ministério Público nos lugares em que o Poder Executivo é exercido de forma hipertrofiada, cooptando os membros do Legislativo.

Nossa corrupção hoje está mais visível, e isso é vital para que o tema se torne mais relevante para cada um de nós. Precisamos pensar nisso individualmente, em família, na rua, com os vizinhos, no trabalho, levar para a escola, para a universidade...

Mas seria possível extingui-la?

Não! Sua extinção é um mito, como o é a extinção das desigualdades entre as pessoas. A corrupção pode e deve ser controlada, com vontade política, planejamento estratégico e envolvimento do setor privado para defender a ética na atividade empresarial.Não por acaso, países que investem maciçamente em educação têm menos corrupção.

Precisamos educar nossas próximas gerações para a cidadania, inoculando o humanismo coletivo e solidário como valores essenciais à coexistência humana, hoje marcada pelo individualismo materialista instantâneo.

A luz solar é o melhor desinfetante. No Brasil, a publicidade é princípio constitucional! Vamos radicalizá-lo, adotando a transparência total para permitir que instituições e pessoas possam controlar melhor a esfera pública. Informação é poder!

Que tal instituir a cultura da integração de informação, cruzando com inteligência informações das bases de dados de todos os órgãos de todas as esferas de poder?

Aprovemos a reforma política! Vamos banir o nepotismo e diminuir o número de cargos de confiança. Vamos punir sem medo e com efetividade os corruptos!

E aplicar com força total a Lei de Improbidade Administrativa para todos, em todos os escalões.

Vamos abolir o foro privilegiado, pois privilégio não combina com igualdade perante a lei, muito menos com a democracia. Vamos fortalecer o Ministério Público, principal instituição de defesa do patrimônio público em nosso país. Sem mordaça! Com responsabilidade.

Mostremos os dados do escândalo, e, com o mesmo destaque, o que aconteceu depois: a investigação, o processo e a punição. Vamos nos unir por um Brasil menos injusto, mais solidário e menos desigual. Além da Copa do Mundo, esse é um belo motivo para sentir dentro do peito a batida dos nossos corações brasileiros!

Roberto Livianu, 41, promotor de Justiça, doutor em direito pela USP, é diretor do Movimento do Ministério Público Democrático e autor de "Corrupção e Direito Penal -Um Diagnóstico da Corrupção no Brasil".

O QUE PENSA A MÍDIA

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Sopa de pedra?:: Celso Ming




DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O resultado do leilão da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, ontem realizado em Brasília, vem carregado de incertezas e de falta de transparência. Elas são tantas que é enorme o risco de que a execução desse projeto seja contestado na Justiça e na política.

Ganhou o consórcio Norte Energia, montado às pressas para evitar um fiasco estrondoso. Sobre algumas das empresas que o formaram pesam suspeitas de incapacidade técnica e no caso da Bertin, que há sete anos não passava de braço de uma empresa de carne bovina, há uma ficha pouco edificante de não-cumprimento de disposições contratuais que presidiram a construção de termoelétricas.

Embora não seja a líder do consórcio, a Eletronorte foi enfiada na execução do projeto, com responsabilidade de 49% sobre o total, na condição de "sócio estratégico", aparentemente para dar "segurança estatal" à amarração. E a essa mesma amarração, alguns fundos de pensão de empresas estatais tiveram de aderir sem sequer terem tido tempo hábil para examinar a viabilidade financeira do empreendimento e os pressupostos atuariais de sua participação.

É alto o risco de que estejamos diante de mais um caso que lembra a velha história da sopa de pedra, aquela que começa a ser feita só com pedra e que, lá pelas tantas, leva uma verdurinha, um pedacinho de carne, umas batatas e tal. Se for isso, seu custo será superior aos R$ 19 bilhões admitidos pelo edital que convocou o leilão. Construtoras que desistiram de concorrer avisaram que será difícil construir a usina por um custo inferior a R$ 30 bilhões. Elas estão erradas, dizem os técnicos do Ministério de Minas e Energia. Mas será que grandes empreiteiras renunciariam a participar da construção da terceira hidrelétrica do mundo e de um negócio de uma magnitude que tão cedo não haverá igual no globo terrestre, se não tivessem certeza do seu ponto de vista?

O governo venceu as primeiras batalhas jurídicas na medida em que conseguiu cassar as liminares expedidas pela Justiça do Estado do Pará. Mas nada indica que essa guerra tenha acabado. São muitas as dúvidas. Tantas que, aparentemente, mantêm escancaradas as portas para outras demandas a serem interpostas pelas partes cujos interesses foram contrariados.

O projeto está longe de prever todos os custos, talvez não leve em conta nem um terço deles. Mesmo com a redução de 75% do Imposto de Renda às empresas participantes e com os subsídios dos financiamentos do BNDES, não há segurança de que a tarifa realista seja os R$ 77,97 por MWh (deságio de 6,02% em relação ao preço teto) apresentados pelo consórcio vencedor.

Não há clareza sobre as questões ambientais e a maneira como o governo arrancou o licenciamento do Ministério do Meio Ambiente também traz insegurança para a execução do projeto.

Afora isso, o consórcio vencedor terá de lidar com a oposição das 16 etnias indígenas e das 6 mil famílias ribeirinhas que vivem na região e cujo futuro será atingido pela construção da usina.

O ministro de Minas Energia, Márcio Zimmermann, soltou foguetes e convocou banda de música para comemorar, como se previa: "O Brasil é o grande vitorioso com o leilão da Usina de Belo Monte", disse ele. Tomara que tenha razão. São tantas as inseguranças enfrentadas por esse projeto que essas proclamações podem ser consideradas pura temeridade.

Confira


Bocca chiusa


Ontem, no Senado, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, evitou mais uma vez o debate sobre as causas fiscais da grande expansão do consumo e do risco de disparada da inflação. Outros presidentes de bancos centrais, como Ben Bernanke (Estados Unidos) e Jean-Claude Trichet (União Monetária Europeia), não têm escondido que a principal ameaça para a estabilidade das moedas que administram (dólar e euro) vem das excessivas despesas dos governos centrais. Meirelles não abre a boca para falar disso.

Revisão geral

A empresários de Minas, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, avisou segunda-feira que, se eleito, vai rever todos os contratos de empresas privadas com a União. Foi o que saiu ontem no Valor.

A economia aguenta?

O grupo Itaú-Unibanco está revendo para cima o crescimento do PIB de 2010, agora para 6,5%. A esse ritmo é difícil defender a sustentabilidade desse crescimento.

Poema XX Pablo Neruda

Sentimento do mundo:: Carlos Drummond de Andrade


Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.