segunda-feira, 12 de abril de 2010

Reflexão do dia – José Serra

"Mas para isso temos de enfrentar os problemas nacionais e resolvê-los, sem ceder à demagogia, às bravatas ou à politicagem. E esse é um bom momento para reafirmarmos nossos valores.

Começando pelo apreço à Democracia Representativa, que foi fundamental para chegarmos aonde chegamos. Devemos respeitá-la, defendê-la, fortalecê-la. Jamais afrontá-la.

Democracia e Estado de Direito são valores universais, permanentes, insubstituíveis e inegociáveis. Mas não são únicos. Honestidade, verdade, caráter, honra, coragem, coerência, brio profissional, perseverança são essenciais ao exercício da política e do Poder. É nisso que eu acredito e é assim que eu ajo e continuarei agindo. Este é o momento de falar claro, para que ninguém se engane sobre as minhas crenças e valores. É com base neles que também reafirmo:

o Brasil, meus amigos e amigas, pode mais!


(José Serra, no discurso de lançamento de sua pré- candidatura, sábado, em Brasília)

Interpretações do governo Lula :: Bernardo Ricupero

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A eleição de Lula como presidente, em 2002, foi interpretada como equivalendo a uma verdadeira refundação da história brasileira. Como sugeriu Francisco de Oliveira, ela seria comparável a acontecimentos como a Abolição, a Proclamação da República e a Revolução de 1930, com a diferença de que, com a vitória do PT, os dominados teriam se tornado, pela primeira vez, protagonistas de nossa política.

Depois de oito anos de governo Lula, poucos ainda entendem sua eleição como uma ruptura. Mesmo assim, as análises mais interessantes da política brasileira atual procuram precisamente interpretar o significado do governo do PT.

Luiz Werneck Vianna sugeriu, pouco depois da reeleição de Lula, que seu governo correspondia, ironicamente, a uma reconciliação com a história política do País. Se o PT havia nascido vinculado a leituras críticas do Brasil, especialmente no que se refere à subalternidade que teria marcado a relação da sociedade civil com o Estado, a prática do seu governo não corresponderia a essas interpretações.

Mais especificamente, a crítica ao populismo teria sido fundamental nos primeiros anos do PT, período durante o qual o partido procurou organizar autonomamente a classe trabalhadora. No entanto, algo similar ao Estado de compromisso, que caracterizaria o pós-1930, teria reaparecido no governo Lula. Nas duas situações, forças sociais contraditórias conviveriam no governo - como a burguesia industrial e o operariado, o agrobusiness e o MST -, o chefe do Poder Executivo comportando-se como uma espécie de árbitro que se colocaria acima delas.

Em termos práticos, a representação funcional de interesses voltaria a ganhar importância para além do Parlamento. Em termos de discurso se recuperariam muitos dos temas do nacional-desenvolvimentismo, em particular a imagem do Estado como indutor do desenvolvimento.

Oliveira, igualmente depois da reeleição de Lula, passou a caracterizar o governo do PT como uma "hegemonia às avessas". Assim como na África do Sul do pós-apartheid, os dominados teriam assumido a direção moral, mas não a direção intelectual da sociedade. Isto é, nas duas situações se manteriam políticas neoliberais, com a vantagem de elas passarem a ser conduzidas por políticos e partidos com as histórias de Mandela e de Lula, do CNA e do PT.

Em outras palavras, não faria grande diferença que os dominados estivessem à frente do Estado, já que eles seriam incapazes de lhe imprimirem uma nova orientação. Quando muito, o que se teria seria a incorporação de políticas de transferência de renda, que serviriam para despolitizar, se não funcionalizar a questão da pobreza.

Em termos mais profundos, os dominantes poderiam consentir em serem conduzidos pelos dominados, até porque os últimos já não questionariam a dominação, o consentimento como que passando a dispensar o recurso à força.

Mais recentemente, André Singer tem argumentado que entre a primeira eleição de Lula e sua reeleição houve um deslocamento de seu eleitorado. O candidato do PT teria perdido terreno entre seus eleitores tradicionais, identificados com os setores organizados da sociedade, mas teria compensado essa perda ao passar a ser bem votado por um eleitorado de "baixíssima renda", uma espécie de subproletariado. Concomitantemente com a decepção da classe média com o governo, por causa de escândalos como o "mensalão", uma parcela significativa da sociedade teria sido beneficiada pela expressiva redução da pobreza.

Num sentido mais amplo, o subproletariado aceitaria a intervenção do Estado na economia, mas temeria a mudança brusca da ordem social. Ou seja, o governo Lula, com sua combinação de política econômica ortodoxa e investimento em programas sociais, teria afinidade com a orientação de eleitores de "baixíssima renda". Mas o subproletariado, tal como o campesinato, analisado por Marx em O 18 Brumário, seria incapaz de se fazer representar politicamente, dependendo de uma força que viesse do alto, o Estado.

As interpretações de Werneck Vianna, Oliveira e Singer sobre o governo Lula não são necessariamente contraditórias. As diferenças entre elas dizem respeito mais a ênfases variadas do que a argumentos inconciliáveis.

É verdade que Werneck Vianna acentua a continuidade entre o governo Lula e a história política brasileira, ao passo que Oliveira e Singer ressaltam a novidade do momento atual - especialmente a "hegemonia às avessas" e a representação do subproletariado. Mesmo assim, é possível argumentar que a mudança na base eleitoral de Lula pode favorecer, por exemplo, a reaparição de formas políticas associadas ao chamado populismo. No mesmo sentido, pode-se defender que a representação do subproletariado não exclui a "hegemonia às avessas". Até porque vivemos, desde o fim do "socialismo real", uma situação em que a hegemonia do capital já não é questionada em parte alguma do mundo.

É particularmente interessante como Werneck Vianna e Singer ressaltam como, nos últimos oito anos, o Estado ganhou autonomia diante da sociedade civil. Mais do que uma novidade na história brasileira, tal autonomia representa uma mudança na orientação (societária) do PT. Junto com ela, ganha importância a figura do presidente. Em especial, é Lula que é capaz de servir de árbitro entre interesses conflitantes e falar diretamente com o subproletariado.

Nesse sentido, a principal questão que se coloca para o período pós-Lula é: alguém será capaz de assumir seu lugar, desempenhando os papéis que o atual presidente realiza tão bem? Em outras palavras, vivemos o problema da transferência do carisma...

É professor do departamento de Ciência Política da USP

A estratégia de Serra:: Fernando Rodrigues

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O discurso de José Serra no sábado revelou sem eufemismos a estratégia do candidato do PSDB a presidente. Três pontos são os mais salientes:

1) biografias - Serra deseja ser comparado à sua adversária direta, Dilma Rousseff (PT).

Nesse embate, o tucano acredita levar vantagem. Na sua cabeça, a experiência como deputado, senador, ministro, prefeito e governador terá impacto forte sobre o eleitorado;

2) continuidade de Lula - nunca numa eleição brasileira pós-ditadura um presidente entrou no processo com avaliação positiva perto de 80%. O tucano conhece essa realidade. Decidiu enfrentá-la não se indispondo com o eleitorado de Lula. Elogia o que é bem avaliado e planta uma dúvida na cabeça dos eleitores: quem é o melhor para continuar e ampliar essa obra? A expectativa é fazer o eleitor médio concluir que Serra é o nome apropriado. Daí o tão martelado slogan serrista "o Brasil pode mais";

3) país unido - quando falou que "o Brasil não tem dono", no sábado, Serra fez um apelo à unidade nacional. É uma tese polêmica. Eleições em democracias representativas tendem a fracionar e não a unificar. Barack Obama, Lula, FHC e outros sempre só tiveram pouco mais de 50% dos votos quando eleitos.

A seis meses da eleição, é difícil fazer um juízo e afirmar se serão eficazes os três eixos principais da campanha serrista. Até porque a trajetória de Serra não estará sozinha no tempo e no espaço. Os outros candidatos reagirão. Sobretudo Dilma e o PT. É um truísmo, mas vale repetir: os políticos estão sob forte tensão. Podem acertar e errar.

O tamanho dos acertos e dos erros determinará a maior ou menor conexão com o eleitorado.

Num ambiente hostil para a oposição, Serra tem feito o possível como candidato anti-PT.

Apesar dos titubeios nos meses recentes, o tucano errou pouco até agora. Mas a disputa está apenas no começo.

Ainda tem vapor na caldeira da locomotiva? :: Marco Antonio Rocha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A aptidão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a política ninguém nega e seus acertos nesse quesito até os adversários invejam. Mas terá ele cometido um grande erro de timing no lance mais importante da sua carreira? Será que investiu demais e prematuramente na promoção da sua candidata? Será que, por causa disso, seu estoque de popularidade injetável já não adicionará mais nada ao potencial de votos que granjeou para ela?

A indagação está em várias cabeças curiosas que tentam descobrir, nos resultados das muitas pesquisas, alguma indicação de quanta massa muscular o electoral trainer de Dilma conseguirá ainda bombear para dentro da esquálida pretendente a líder política dos brasileiros.

Lula tem dito que, tão logo a lei permita, partirá como uma locomotiva para decisivo corpo a corpo de apoio à figura que escolheu para dar continuidade ao seu "projeto nacional". Mas embora explique que, por causa da lei, na fase atual só pode fazer isso "fora do expediente", pois precisa "governar o Brasil" uma vez que "é essa minha obrigação", todo mundo sabe, vê, sente - e muitos deploram - que outra coisa ele não tem feito na verdade, fora ou dentro do expediente, do que batalhar pela ex-ministra.

É de perguntar, portanto, o que mais ele ainda poderá fazer, até a data do pleito, que possa, efetivamente, inflar o balão de Dilma Rousseff mais do que já foi inflado. E a pergunta tem mais cabimento ainda porque, com tudo o que ele fez por ela até agora - e que não tem paralelo na história eleitoral brasileira -, Dilma ainda resfolega atrás do seu principal oponente, cuja campanha está apenas iniciada e que não conta com uma turbina Lula-engineered para impulsioná-la. Na verdade, todo esforço de Serra até agora foi apenas para livrá-lo de bancos de areia movediça providenciados por companheiros desse ninho de ególatras inapaziguáveis chamado PSDB.

Não há por que, nem como, duvidar da fúria com que Lula se empenhará na missão que se impôs de fazer sua companheira presidente do Brasil pelos próximos quatro, quiçá oito anos. Mas aquela velha história de que voto não se transfere, principalmente no caso de eleição majoritária, ainda tem seu peso, que pode ser suficiente para barrar o ímpeto presidencial da senhora Rousseff. Com a ajuda substancial da pouca, ou nenhuma, vis atractiva que ela exerce sobre o público, que, por onde ela passa, só tem olhos para Lula.

Não é só por falta de tutano eleitoral - que seu chefe se esforça por transferir-lhe quando está junto dela - ou pela falta de carisma que, na ausência de Lula, aparece a ponto de constranger até os adeptos.

O problema é outro. Dilma Rousseff é presa de uma lastimável desarticulação oratória e de uma dispersão mental que a derrubam nesses momentos. E não tem nem um pingo da verve do chefe para encobrir a pobreza da mensagem. Os improvisos em que ela se arrisca, sempre atrapalhada, não passam de tagarelice infantil, na forma. E, no conteúdo, dão mais para lembrar os de Cantinflas. Nem são inteligíveis. Deles não se extrai a menor inspiração para se aderir a um projeto nacional de longo prazo, para o qual ela e Lula parecem querer cooptar o entusiasmo popular.

E uma campanha eleitoral ainda é feita, em boa medida, de discursos, sejam quais forem os expedientes de marketing e os avanços da tecnologia de que os candidatos se aproveitem no mundo moderno. A vitória de Obama foi fruto de diversos fatores favoráveis, mas um deles, importante, foi sua oratória, que empalidecia a do adversário. E discurso eleitoral é feito, principalmente, de duas coisas que precisam ser muito bem dosadas: brilho e racionalidade.

Nos debates inevitáveis entra um terceiro fator: presença de espírito para colocar o adversário em xeque e sair-se com a última palavra.

Nesse último quesito, nenhum dos dois oponentes principais do cenário atual é um Carlos Lacerda. Para quem não viveu no tempo dele, basta dizer que foi, entre os políticos brasileiros, um dos mais ágeis na arte de, com uma palavra ou meia frase, deixar o adversário a gaguejar em busca de réplica.

Mas nem Serra nem Dilma têm esse dom. Quanto ao brilho, escasseia nos dois. Resta a racionalidade. Nesse terreno Serra levaria vantagem, não só pelo conhecimento que assimilou de economia, de administração, de política internacional, como pela experiência como governante e consultor de governos aqui e no exterior.

Lula talvez já sinta que precisará estar escorando a pupila o tempo todo para evitar que ela embarque em "dilmásias", que o vice, Alencar, perplexo, pensou ser o nome de nova doença. Mas isso não será possível. E também não restam a Lula muitas mais armas secretas para arrancar novas adesões... O muito que podia fazer já está feito.

Desforra e rancor:: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Para quem esperava uma oposição desdentada, sem discurso e na defensiva, o ato de lançamento da candidatura José Serra à Presidência, anteontem, indicou que as coisas não serão exatamente assim. Havia em Brasília uma militância numerosa e francamente entusiasmada -cultura petista-, a ponto de um veterano do PSDB com senso de humor comentar: "Que maravilha, conseguimos reunir todos os tucanos do país".

Como já se frisou, a fala de Serra pregando a "união do país" foi firme porém modulada -de "estadista". O tom geral do evento, no entanto, foi bem mais agressivo.

Em fevereiro, no congresso que lançou a candidatura Dilma Rousseff, havia entre os petistas um nítido sentimento de desforra. Celebravam a vitória política do lulismo, tendo vivo na memória o ambiente de velório do encontro anterior, ocorrido sob o impacto do mensalão. A famigerada fala de Jorge Bornhausen -"vamos acabar com aquela raça"- foi então citada (e linchada) compulsivamente, numa espécie de ritual catártico do PT.

Anteontem, o clima era menos de desforra do que de rancor. Humilhada pelo lulismo, a oposição desrecalcou seus demônios. Serra fez alusão às "falanges do ódio". Mas coube aos coadjuvantes mostrar as garras. O presidente do DEM, Rodrigo Maia, disse que o governo "não gosta da imprensa livre" e tenta controlar a liberdade de expressão, que confunde acesso à terra com "ruptura do direito de propriedade" e que o país "seria hoje uma Venezuela" não fosse a constante vigilância dos democratas.

Roberto Freire, presidente do PPS, foi além. Disse que o "Estado forte" defendido por Dilma, "da forma como vem se articulando com grandes conglomerados privados, e na visão totalizante de controle sobre as liberdades das instituições da sociedade civil, inclusive da imprensa, está longe das concepções da esquerda e mais se assemelha à idolatria estatista do fascismo". Foram, os dois, muito aplaudidos. Vale para registro e reflexão.

Exilados: Nota de desagravo do PPS

DEU NO PORTAL DO PPS

Valéria de Oliveira

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, divulgou, na manhã desta segunda-feira (12), nota de repúdio às declarações da candidata do PT aos exilados políticos brasileiros durante a ditadura militar. No texto, ele compara a declaração de Dilma às que foram dadas pelo general Leônidas Pires Gonçalves, que chefiou o DOI-CODI durante o regime de exceção.

Como Dilma afirmou em solenidade organizada às pressas pelo PT para se contrapor ao lançamento da pré-candidatura de Serra, no sábado, Leônidas chamava os exilados de fugitivos.


“Essa distorção infame do general contra os brasileiros que lutavam contra o regime ditatorial de 1964 e que tiveram que se exilar não jamais poderia servir de mote para a insensatez de Dilma Roussef”.

Na nota, o PPS presta solidariedade aos exilados, “que eram milhares” e que “ viveram dias amargos longe da pátria, sem poder voltar”. Leia a íntegra do documento.

"Nota de desagravo


O PPS, herdeiro das mais dignas tradições do PCB, vem a público em defesa de todos os exilados brasileiros, obrigados a deixar o país durante a ditadura militar. Ao mesmo tempo, repudia as acusações feitas pela candidata do PT, Dilma Roussef, que os chamou a todos de fugitivos.

Ao tachá-los com tal adjetivo, Dilma nada mais fez do que se igualar ao general Leônidas Pires Gonçalves, que na ditadura, durante um bom período de tempo, ocupou o cargo de chefe do Estado Maior do Terceiro Exército, no Rio. Cabia a ele dirigir o DOI-CODI, o famigerado Destacamento de Operações e Informações do Centro de Defesa Interna.

Como a candidata do PT, o general Leônidas chamou de fugitivos aqueles que se exilaram. Ele disse isso durante entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto e exibido pela Globo News. Essa distorção infame do general contra os brasileiros que lutavam contra o regime ditatorial de 1964 e que tiveram que se exilar jamais poderia servir de mote para a insensatez de Dilma Roussef.

Não são poucos os desagravados. Entre eles podemos citar Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luiz Carlos Prestes, Gregório Bezerra,Francisco Julião, Apolônio de Carvalho, Plínio de Arruda Sampaio, Almino Afonso, Gilberto Gil, Caetano, Fernando Henrique Cardoso, Betinho, José Serra a quase totalidade dos membros do Comitê Central do PCB na década de 70 que conseguiram salvar suas vidas ao partir para o exílio. Citamos alguns; são milhares !

Não bastou a declaração do Presidente Lula ao comparar o preso político Orlando Zapata Tamoyo, que morreu numa greve de fome em Cuba, com bandidos das nossas cadeias. Logo vem outra sandice, desta vez para macular a luta dos brasileiros exilados.

Nossa solidariedade com todos os que se exilaram e viveram dias amargos longe da pátria, sem poder voltar.

Principalmente com os que já se foram. Honra aos exilados brasileiros que fazem parte da nossa história de luta pelos direitos humanos e pela Liberdade.

Roberto Freire - Presidente Nacional do PPS
Brasília, 12 de abril de 2010."

Teresa Cristina & Grupo Semente O Mundo e Meu Lugar Ao Vivo

O destino de Serra::Ricardo Noblat

DEU EM O GLOBO

- Quanto mais mentiras eles disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles- José Serra, pré-candidato a presidente

Ninguém duvida que o Brasil possa mais, como disse José Serra ao se lançar candidato do PSDB a presidente da República. A dúvida é se Serra desta vez poderá mais. Dos que aspiram suceder a Lula, ele é de longe o mais preparado para governar o País. Mas isso não importa muito. Serra detinha tal condição em 2002. E, no entanto, foi derrotado.

Esta será uma caminhada longa e difícil, antecipou Serra diante de seis mil entusiasmados correligionários reunidos no último sábado em um centro de convenções de Brasília. A frase nada tem de original. Está em muitos discursos que marcaram o início de campanhas. Talvez com uma diferença: Serra valeu-se dela porque está perfeitamente consciente das dificuldades que enfrentará para se eleger.

Examinemos a maior das dificuldades: o significado da candidatura dele. Os manuais de ciência política ensinam que os eleitores, aqui e em toda parte, costumam votar de preferência no candidato que represente a continuidade ou a mudança. Em algumas circunstâncias há espaço para uma terceira via. Mas esse não será o caso em outubro próximo. Não foi o caso em nenhuma eleição presidencial de 1989 para cá.

Dilma Rousseff é a candidata da continuidade. Serra e Marina Silva, do PV, da mudança. Em 1989, o eleitor pôde escolher entre 23 candidatos que prometiam varrer do mapa a desastrosa administração do então presidente José Sarney. Aquela foi uma eleição sem candidato de continuidade. O PMDB estava no governo. Mas até seu candidato, o deputado Ulysses Guimarães, fazia oposição a Sarney.

O candidato da situação é ungido por quem pode fazê-lo os que governam no momento. Sarney não teve candidato em 1989. Lula tem. E se deu ao luxo de escolhê-lo sem ouvir os que governam junto com ele. Do alto dos seus quase 80% de popularidade, obrigou-os a engolir Dilma. Nem mesmo o PT iria com ela se pudesse dizer não a Lula. Ou se tivesse coragem para dizer não a Lula.

Em 2002, Serra sabia que estava diante de uma caminhada longa e difícil. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso chegou às portas das eleições com algo como 30% de aprovação. Menos de 10% dos brasileiros se diziam dispostos a votar em candidatos que mantivessem tudo como estava. Cerca de 40% diziam preferir candidatos capazes de mudar tudo.

Mesmo assim, Serra batalhou para ser candidato de um governo impopular do qual fora ministro do Planejamento e da Saúde. Por quê? Sempre fora contra a política econômica do governo. Estava convencido de que somente ele poderia mudá-la. Não via competência para isso em Ciro Gomes. Via no PT. Mas achava que Lula, uma vez eleito, não teria apoio político para mudar. Como não teve. E nem ousou buscar.

O medo do PT e de Lula abriria caminho para a passagem de Serra. Ocorre que o medo se evaporou. Não foi a esperança que o venceu. Foi a Carta aos Brasileiros, onde Lula se comprometia a conservar os fundamentos da política econômica. Banqueiros e empresários aflitos sossegaram. E foi também a feliz campanha do publicitário Duda Mendonça, o inventor de Lulinha paz e amor.

Pesquisas de intenção de voto confirmam que uma larga maioria de brasileiros quer a continuidade do governo de Lula. Como Serra imagina vencer? Apresentando-se como o dono de melhor currículo para continuar o que Lula fez e fazer mais? Confronto de currículos só empolga o eleitor quando ele quer mudar. A peleja entre a continuidade e a mudança desobriga as pessoas de pensarem muito a respeito.

Serra sabe disso. Então por que é candidato? Ora, porque às vezes você não tem escolha. Há mais de um ano e meio que ele lidera as pesquisas de intenção de voto. Governou o maior Estado do País. Era o nome natural do PSDB e de outros partidos para suceder a Lula. De resto, Presidência da República é destino, segundo Antonio Carlos Magalhães. E Serra acredita que o impossível é só aquilo que ainda não foi feito.

'Dilma é uma grande incógnita', diz Aécio

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-governador afirma que candidata pode sofrer influência do "PT ideológico e com problemas éticos"

O ex-governador de Minas Aécio Neves diz, em entrevista a Christiane Samarco, que a presidenciável Dilma Rousseff terá dificuldade com o PT e que a relação dela com o partido é uma "grande incógnita". "Ela terá que demonstrar durante a campanha como será a relação com o PT, como virá o PT ideológico do Estado máximo e que presença o PT dos problemas éticos terá no governo", avalia. "Foram todos absolvidos e, no lançamento da candidatura dela, estavam muito sorridentes." Tido como vice dos sonhos do tucano José Serra, Aécio reafirma que concorrerá ao Senado, porém convida o ex-governador de São Paulo a abrir a campanha em Minas: Tem o simbolismo de demonstrar nossa proximidade".

"A grande incógnita é como será a relação de Dilma com o PT"

Ex-governador afirma que candidata pode sofrer influência do "PT ideológico e com problemas éticos"

Christiane Samarco

Aécio resiste em ser vice de Serra, mas o convida para abrir sua campanha em MG

Ex-governador de Minas Gerais que deixou o cargo com popularidade recorde, Aécio Neves perdeu para o paulista José Serra o posto de pré-candidato do PSDB a presidente, mas não cultiva mágoa ou despeito. Certo de que a presidenciável petista Dilma Rousseff "é uma grande incógnita", Ele quer começar a campanha de Serra por Minas Gerais, como pré-candidato ao Senado e sem falar em vice. Os dois vão se reunir neste início de semana para marcar a data. Aécio vai propor dia 19.

"Condicionei meu descanso primeiro ao lançamento da candidatura no dia 10, e agora por mais nove dias", conta Aécio, que só sairá em férias depois de pedir voto aos mineiros.

"Acho que a ida a Minas, no início de sua caminhada, tem o simbolismo de demonstrar a proximidade pessoal nossa, e de Minas e São Paulo, nesta eleição", avalia. Ao mesmo tempo, porém, o tucano adverte que não promete vitória a Serra. "Prometo o empenho. Ninguém induz o voto do eleitor, que é livre para fazer suas escolhas", diz Aécio, em entrevista ao Estado. "Vou tentar demonstrar que, para Minas e para o Brasil, a eleição de Serra é muito melhor."

O que o senhor achou do discurso de lançamento de José Serra?

Foi um discurso conceitual. Ele precisava abordar vários temas, fez críticas objetivas à ação do governo - jamais pessoais, o que achei muito positivo. Eu procurei falar antes dele, para superar constrangimentos de setores do PSDB que se atemorizam com a proposta do debate FHC x Lula.

Há razão para temer comparação?

Ao contrário. Vamos para o embate. O PT comete o equívoco de restringir sua existência aos oito anos de governo Lula. Vamos reconstruir as nossas trajetórias e ver quem contribuiu mais para que chegássemos aonde estamos hoje. Não tenho dúvida de que nós do PSDB sempre tivemos muito mais generosidade para com o País do que o PT. Busquei despersonalizar a disputa, refazer o passado. A partir daí vamos discutir o presente.

Seu discurso de oposição, no lançamento, foi em tom acima do habitual.

Oposição ao PT, porque acho importante que o Brasil saiba qual é e qual foi a postura do PT nos momentos mais graves até aqui. O que me incomoda é ver o PT tentando vender aos brasileiros a ideia de que o Brasil das virtudes e do desenvolvimento foi construído por eles, quando, em vários momentos cruciais, eles preferiram priorizar o projeto partidário ao nacional. Negaram voto a Tancredo, apoio a Itamar Franco, porque Lula já aparecia em posição boa nas pesquisas para presidente, e na construção da estabilidade, no governo FHC.

Seu discurso no lançamento foi para conclamar a militância à luta eleitoral?

Falei com o objetivo de dar coragem aos nossos companheiros para enfrentar este debate no campo que o PT quiser. No campo ético, vamos lá. Se querem falar de privatização, quem pode ser contra a privatização da telefonia ou da siderurgia? Quanto a futuro e propostas para o Brasil, estamos muito mais preparados. E vamos discutir também o presente e o passado.

Mas o senhor não citou o nome da candidata adversária, Dilma Rousseff.

Eu tenho respeito pessoal pela Dilma e acho que esta campanha não pode ser personalizada. Se formos por este caminho, ela perde a essência, se amesquinha. Quero dizer o que o PT no governo representa. Principalmente o PT sem o pragmatismo e a autoridade de Lula, que o enquadrou na manutenção da política econômica atual.

Dilma não terá essa autoridade?

Esta é a grande incógnita. Ela terá que demonstrar durante a campanha como será a relação com o PT, como virá o PT ideológico do Estado máximo e que presença o PT dos problemas éticos terá no governo. Foram todos absolvidos e, no lançamento da candidatura dela, estavam muito sorridentes.

A disputa entre seus aliados em Minas já é sinal de que faltará comando?

Não é demérito. É natural que ela não tenha sobre o PT a liderança que o presidente Lula tem, por sua história, seu carisma e sua alta popularidade. A Dilma terá dificuldades e esta é uma preocupação que permeará a campanha.

Alguns tucanos, especialmente os paulistas, se queixaram da falta de empenho de Minas na última eleição.

Isso é falso. Está na cabeça de um ou outro áulico que não conhece Minas. Recebi um telefonema do governador Alckmin na quinta-feira, para dizer que não se lembra de ninguém que tenha se empenhado tanto na eleição dele como eu. O resultado da eleição você não define. O empenho sim, e este Serra terá. Alckmin e Serra, em 2002, tiveram. Só que disputavam com Lula, que era muito popular. Será que Alckmin teria os 40 e muitos por cento que teve em Minas não fosse o empenho muito grande nosso?

Com o Lula fora da eleição fica mais fácil dar vitória para Serra em Minas?

Lula é um adversário muito mais difícil. Agora, não prometo vitórias. Prometo o empenho, que será de todos nós. Ninguém fez mais gestos em favor da unidade do partido e demonstrou mais desprendimento do que eu. E não fiz isto com má vontade, contrariado. Apostei em uma proposta, apresentei ao País. Quando vi que o PSDB caminhava em outra direção e que insistir poderia provocar um cisma no PSDB, privilegiei o projeto de País porque acho extremamente importante que este ciclo que está aí se encerre.

O ciclo do PT não foi positivo?

Reconheço virtudes no presidente Lula, mas acho que o PSDB está muito mais preparado hoje para acabar com esse aparelhamento absurdo da máquina pública. E a ministra Dilma, com os méritos que tem, terá que entrar no debate de forma muito clara sobre o espaço desse PT ideológico, estatizante, que aparelha o Estado em razão da filiação partidária, o coloca a serviço de seus interesse, e muitas vezes insinua ações de restrição à liberdade de imprensa e às conquistas democráticas.

E o debate Serra x Dilma?

Esse é bom para nós também porque os nossos modelos de gestão vão estar em debate. Vamos demonstrar que a meritocracia é o antídoto ao messianismo, porque ela te permite dados objetivos de avaliação dos resultados na vida das pessoas. Os que apostam no messianismo, nos discursos e na autoproclamação da própria bondade temem essa comparação. Vamos contrapor esses dois modelos e acho que temos grandes vantagens. Lula será sempre reconhecido pelo Brasil como um presidente extremamente importante em um momento da nossa história. A perpetuação do PT no poder não é boa para o País.

Que vantagem tem o PSDB no embate de perfis Serra x Dilma?

São duas pessoas dignas, com histórias de vida respeitáveis e nós temos que partir deste pressuposto. O Serra resgata a eficiência na gestão pública como instrumento dos avanços sociais e representa uma política externa muito mais afim aos interesses do Brasil, inclusive os comerciais e pragmáticos, e não uma aliança meramente ideológica. Não há hipótese de interromper programas que estão dando certo, mas podemos aprimorá-los.

E a ministra Dilma ?

O grande senão que se coloca em relação a ela - e aí é um preço que ela paga exatamente por não ter tido a experiência de comando no Executivo, nem mandato eletivo - é qual será a presença desses setores ideológicos do PT e dos aloprados no seu eventual futuro governo. Ela terá que dizer aos brasileiros exatamente o que pensa de modelo de Estado, das instituições democráticas, da liberdade de imprensa, do aparelhamento do Estado e desse inchaço da máquina pública.

O senhor não promete vitória. Dá para vencer sem derrotar Dilma em Minas? O PSDB nacional diz que não.

Eu disse que não prometo resultado. Felizmente, cada eleitor brasileiro vale um voto, esteja ele no Nordeste, no Sul ou em São João Del Rei. Isto já é um avanço, porque antigamente os líderes indicavam seus sucessores. Eu, acima de qualquer projeto pessoal que possa ter tido, estarei absolutamente engajado na campanha do Serra por duas razões: vejo nele todas as condições de fazer um belo governo e acho fundamental encerrar este ciclo, porque o enraizamento desses setores que estão no governo pode ser muito perverso para o País.

Qual é o significado do convite a Serra para abrir o roteiro de viagens da pré-campanha em Minas Gerais?

É um gesto simbólico, para demonstrar de forma clara que estaremos juntos independentemente da minha posição e da candidatura que eu venha a disputar.

O senhor se refere a dúvidas quanto a seu engajamento na campanha?

Na verdade, esta dúvida está na cabeça de meia dúzia de pessoas que desconhecem a realidade de Minas e não acompanharam a campanha. Serra e o governador Geraldo Alckmin agradeceram o empenho e a forma como atuamos, frente ao adversário Lula, que era muito forte em Minas. A ida de Serra a Minas, no início de sua caminhada, tem o simbolismo de demonstrar a proximidade pessoal nossa, e de Minas e São Paulo, nesta eleição. Mas ninguém induz o voto do eleitor. O eleitor é livre para fazer suas escolhas. Eu vou tentar demonstrar que, para Minas Gerais e para o Brasil, a eleição de Serra é muito melhor.

Cresce pressão para que Aécio aceite ser vice

DEU EM O GLOBO

O discurso de sábado, no qual Aécio Neves disse que estará ao lado de José Serra "onde for convocado", reforçou a pressão de tucanos e aliados para que ele aceite ser vice na chapa tucana. "Não esgotei minhas esperanças. Ainda temos 60 dias pela frente", diz Roberto Freire, do PPS.

Volta a pressão sobre Aécio

ELEIÇÕES 2010

Após discurso de apoio a Serra, cresce expectativa de tucanos e aliados por chapa puro-sangue

Adriana Vasconcelos

O lançamento da candidatura de José Serra à Presidência, sábado, reforçou a pressão dos tucanos e seus aliados para que o ex-governador mineiro Aécio Neves aceite ser vice na chapa do PSDB. Em parte, isso foi estimulado pelo próprio discurso de Aécio, o mais veemente que fez em apoio a Serra, anunciando que estará ao lado dele "onde for convocado". Embora a direção do partido ainda esteja cuidadosa, para evitar novos atritos, voltou a ser grande a expectativa entre tucanos e aliados em torno da dobradinha São Paulo-Minas na chapa presidencial.

Mesmo admitindo que "100% do partido" ficaria entusiasmado se Aécio fosse vice, o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), afirmou ontem que o assunto não deverá ser decidido agora, mas somente entre maio e junho. Apesar do entusiasmo da festa de sábado, adverte sobre o risco de se vincular a campanha de Serra à escolha de seu companheiro de chapa.

- Insistir nesta discussão agora não ajuda, até porque Aécio tem argumentado que poderá colaborar mais como candidato ao Senado em Minas. Além disso, a campanha de Serra não pode depender da escolha do vice. O mais importante é que o partido tem total confiança de que Aécio fará tudo que estiver a seu alcance para Serra se eleger presidente da República.

Entre os aliados dos tucanos, porém, a aposta é que a presença do mineiro asseguraria a vitória de Serra no segundo maior colégio eleitoral do país, o que não ocorreu nas últimas duas eleições presidenciais.

- Eu ainda não esgotei minha esperança de ver Aécio vice. Ainda temos 60 dias pela frente para convencê-lo - ressaltou o presidente nacional do PPS, Roberto Freire.

Pré-campanha deve começar por Minas

O futuro coordenador de marketing da campanha do PSDB, Luiz González, admite, em reuniões reservadas, que Aécio faria toda diferença na chapa com Serra. Como vice, ele teria ainda mais facilidade para garantir a eleição de Antonio Anastasia, seu vice, que agora concorre ao governo de Minas. O DEM alimenta a mesma expectativa. E começa a sinalizar que, se Aécio, o seu preferido, não for vice, deixará Serra à vontade para escolher.

- Essa discussão deve ser pautada de acordo com o que for melhor para a vitória da oposição. Quem tem compromisso com a vitória não briga por nomes - disse o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), pondo em segundo plano a ideia original do DEM de que só abriria mão da vice se o cargo fosse para Aécio.

- O vice ser do DEM é o de menos. Eu quero é ganhar a eleição. O DEM não abre mão nem exige a vaga. Isso não tem importância neste momento - disse o líder do DEM, Paulo Bornhausen (SC).
Do alto da experiência de quem foi vice por oito anos, o senador Marco Maciel (DEM-PE) considera que essa é uma decisão que cabe ao candidato à Presidência. Mas dá uma dica a quem aceitar o desafio:

- Um vice deve ser acima de tudo discreto, sem ser omisso. Foi assim que procurei trabalhar durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Esta semana, o PSDB começa a definir a agenda de pré-campanha de Serra. Aliviado com o engajamento de Aécio, o presidenciável deverá aceitar o convite feito por ele para iniciar suas viagens por Minas. A proposta de Aécio é que Serra esteja em Belo Horizonte no próximo dia 19 para encontro com empresários e prefeitos.

- Não sei dizer a data, mas é certo que esse evento em Minas será marcado. Sobre a discussão sobre vice, não vejo vantagem alguma em fazê-la neste momento. O principal já garantimos. O evento de sábado mostrou que o PSDB está unido e tem o engajamento de Aécio na campanha, o que motivou a oposição. Temos um candidato, discurso e força para vencer as próximas eleições - disse o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA).

No discurso, Serra deu pistas de suas propostas

DEU EM O GLOBO

Pré-candidato defendeu que União assuma mais responsabilidades no combate à violência

Gerson Camarotti e Fábio Fabrini

BRASÍLIA. Em discurso no lançamento de sua pré-candidatura à Presidência, sábado, o ex-governador José Serra (PSDB) apresentou diretrizes do que será seu programa de governo. Citando áreas que tradicionalmente pautam o debate nas campanhas, mirou algumas das principais deficiências do governo Lula e propôs medidas para superá-las. Na educação, criticou a falta de oportunidades para adolescentes. Na segurança, defendeu que a União assuma mais responsabilidades no combate ao crime e, em meio à epidemia do crack, ofereça tratamento a dependentes.

O tucano também citou inadequações da política macroeconômica, dizendo que não pode continuar a perversa combinação de baixos investimentos em infraestrutura, frouxa rigidez fiscal e crescimento do déficit do balanço de pagamentos.

- No discurso, Serra deu uma primeira linha programática para o debate eleitoral. Ficaram claras as nossas diferenças com o atual governo. Por exemplo, a educação é uma questão central para nós, e o PT trata como um marketing - disse o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), ex-líder do governo tucano.

O pré-candidato identificou os principais problemas na condução da política econômica, com foco nas carências da infraestrutura. Criticou o fato de que os investimentos governamentais proporcionais ao PIB no Brasil são dos mais baixos entre os países em desenvolvimento e defendeu que seja resolvido esse gargalo para não comprometer ou encarecer a produção e a exportação. Serra disse que o PIB poderia crescer cerca de 50% mais se a infraestrutura fosse adequada.

Em relação à política monetária, o tucano reconhece virtudes atuais como a inflação baixa, a ampliação do crédito e reservas elevadas. Mas alertou para problemas como o desequilíbrio das contas públicas, o crescimento do déficit no balanço de pagamento e a elevada carga tributária. Não adiantou, porém, qual linha será adotada em seu programa de governo.

- Serra fez um discurso crítico da situação atual do país, mas sem mostrar saídas. Mostrou, porém, como vai enfrentar o principal desafio: melhorar o gargalo da infraestrutura sem aumentar o gasto público. É preciso fazer o ajuste nas contas públicas e reduzir gastos, como o de pessoal. Não tem como reduzir a carga tributária sem isso - avaliou Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

O Brasil registrou déficit em transações correntes de US$3,25 bilhões em fevereiro, o pior para este mês do ano na série do Banco Central, e surpreendeu analistas, que previam algo entre US$1,8 bilhão e US$3 bilhões.

Para tucano, estagnação da escolaridade é retrocesso

Na área social, Serra classificou a estagnação da escolaridade entre adolescentes como retrocesso. Para fazer frente ao problema, propôs "turbinar" o ensino profissionalizante, o que geraria empregos para a juventude, em parceria com estados e municípios.

Professora da Faculdade de Educação (FAE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sara Mourão diz que o esforço dos últimos governos para universalizar o ensino fundamental contrasta com a falta de políticas para o nível médio. E aplaude a participação dos municípios:

- Quando você trata as propostas da educação no plano local, tem mais condições de implementar projetos em sintonia com as necessidades da comunidade. Não adianta oferecer curso de técnico em enfermagem se não há demanda na cidade - afirmou Sara, dizendo que o próximo governo terá de se voltar para a qualidade.

- Universalizamos o acesso à escola, mas não o conhecimento. Nem sempre a qualidade está relacionada ao aspecto financeiro, mas é importante investir na remuneração dos professores - disse, afirmando que o piso de pouco mais de R$1 mil é baixo.

Serra também apontou caminhos para a área de segurança pública, como o aumento da participação do governo federal no combate à violência. Para ele, cabe à União enfrentar o contrabando de armas e drogas.

Com a epidemia do crack, o tema deve pautar o debate, na visão do sociólogo Luís Flávio Sapori, coordenador do Centro de Pesquisa em Segurança Pública da PUC Minas.

- Não existe rede pública de atendimento. E é preciso uma política mais efetiva nas fronteiras, como a criação de uma guarda especializada.

O que disse o tucano

DEU EM O GLOBO

SEGURANÇA: Defendeu presença maior do governo federal no setor, alegando que a União não pode deixar de atuar na área porque está na Constituição que é competência dos estados. E lembrou que cabe às forças federais o combate ao crime organizado. No discurso, afirmou: "Se tem uma área em que o Estado não tem o direito de ser mínimo, de se omitir, é na segurança pública".

EDUCAÇÃO: Chamou a atenção para o que considera um retrocesso grave: a estagnação da escolaridade entre os adolescentes. Para essa faixa de idade pretende incrementar o ensino técnico e profissional, "aquele que vira emprego". E propõe que essa ação do governo federal seja feita de forma descentralizada, em parcerias com estados e municípios. Além de melhorar a qualidade em todos os níveis.

SAÚDE/DROGAS: Citou os avanços obtidos quando era ministro da Saúde - como SUS mais forte, genéricos, programa de Aids e patentes, por exemplo - e considera que o setor estagnou ou avançou pouco nos últimos anos. Como política pública de saúde, defende que o governo federal invista em clínicas e programas de recuperação de dependentes de drogas.

INVESTIMENTOS/PIB: Com mais investimentos em infraestrutura, o Brasil pode crescer 50% mais do que cresce hoje, acredita Serra. Para crescer mais, sua receita é, além de melhorar a infraestrutura do país, aumentar a rigidez fiscal (reduzir gastos públicos), controlar o déficit do balanço de pagamentos (transações externas realizadas pelo país) e atuar de forma mais agressiva na conquista de mercados.

MEIO AMBIENTE/AGRICULTURA: Preservação ambiental e dinamismo à agricultura não são incompatíveis, prega o tucano. Dar a todos os brasileiros saneamento básico, água encanada de boa qualidade, esgoto coletado e tratado. "Não são luxo, isso também é meio ambiente. A economia verde é promissora para o Brasil".

DIREITOS HUMANOS: As críticas aos regimes autoritários, como de Cuba e do Irã, indicam tendência de mudança na relação do Brasil com esses países. "Democracias não têm operários morrendo por greve de fome quando discordam do regime", discursou Serra.

Crítica de Dilma a exilados causa polêmica

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Opositores e aliados rebatem declaração de ex-ministra de que não "fugiu" à luta contra a ditadura, que visava atingir Serra

Advogado do PSDB decide representar no TSE contra candidata e Lula por suposto uso eleitoral da máquina de sindicato durante evento

Da sucursal de Brasília
Da reportagem local

Oposicionistas e até aliados ao governo condenaram ontem a declaração da pré-candidata do PT ao Planalto, Dilma Rousseff, que, na tentativa de atingir seu opositor José Serra (PSDB), criticou militantes de esquerda que optaram pelo exílio durante a ditadura militar.

"Eu não fujo quando a situação fica difícil. Eu não tenho medo da luta", disse ela, em referência à ditadura, quando foi para a clandestinidade. Serra, também opositor ao regime militar, se exilou no Chile.

"Dilma cometeu uma insensatez igual à de Lula, quando ele comparou preso político a bandido ao falar sobre Cuba", disse Roberto Freire, presidente do PPS. "Miguel Arraes, Luis Carlos Prestes, Apolonio de Carvalho, João Goulart, José Dirceu... Então todos eles foram fugitivos?", questionou Freire, que apoia a candidatura de Serra e disse estar organizando um "ato de desagravo aos exilados".

O pré-candidato do PSOL à Presidência, Plínio de Arruda Sampaio, um dos fundadores do PT, reagiu com indignação à fala: "É uma frase aloprada de quem nunca disputou eleição". Sampaio, que também foi exilado no Chile, acrescentou: "Eu me sinto contente a respeito do meu passado. Não tenho nenhum tipo de ressentimento e tenho orgulho de ter sido exilado, de ter sido cassado".

A deputada Jô Morais (PC do B-MG), que apoia Dilma, afirmou que "foi um equívoco" pois a saída de alguns brasileiros do país foi importante para a própria sobrevivência da ministra, presa durante o regime.

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), disse que o comentário de Dilma foi feito há poucos dias pelo general Leônidas Pires Gonçalves, que foi chefe do DOI-Codi e ministro do Exército do governo Sarney (1985-1990). "É incrível o desrespeito dela. Parafraseando o Romário, ela calada é uma poeta." Em recente entrevista, o general classificou de "fugitivos" o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e demais exilados, pois "ninguém estava sendo preso impunemente".

Representação

O advogado do PSDB, Ricardo Penteado, anunciou uma representação do partido no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra Lula, Dilma e os presidentes da CUT e da Força Sindical sob a acusação de uso eleitoral da estrutura sindical no ato de sábado, em São Bernardo do Campo, feito para se contrapor ao lançamento de Serra -e no qual Dilma disse a frase sobre os exilados.

"Pela lei, os recursos sindicais, compostos pela contribuição dos trabalhadores, não podem ser usados em campanha eleitoral", disse Penteado. Ele pede aplicação de multa e punição aos dirigentes sindicais.

Lula abriu sua fala dizendo que estava ali para "convencer" a plateia a votar em Dilma. O presidente recebeu duas multas recentes do TSE por campanha eleitoral antecipada.

O presidente do PT, José Eduardo Dutra, afirmou que o evento foi em local fechado, como permite a lei, e que Lula estava fora do expediente. "Tem de ter bom senso. Parece que o PSDB quer ganhar no tapetão."

Gabeira critica visita de Dilma a túmulo de Tancredo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pré-candidato a governador do Rio critica também política externa do governo

Roberto Almeida

Ao lado da presidenciável Marina Silva, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), pré-candidato verde ao governo do Rio, criticou em discurso a visita da petista Dilma Rousseff ao túmulo de Tancredo Neves, na semana passada. "Precisamos retomar as ideias de Tancredo, e não ficar discutindo em torno do túmulo dele a possibilidade de ganhar votos", disse.

De acordo com Gabeira, a visita de Dilma é resultado de uma visão de "contradição". E atacou movimentações recentes do governo com relação à política externa, especialmente com o Irã e Cuba.

"Nossa visão de País, de unidade, que se manifesta na política externa, não é a que se abraça com o Irã, não é a que pode virar as costas paras pessoas que estão sofrendo com a ditadura na América Latina. Todos esses erros vem de uma visão segundo a qual a contradição move o mundo."

Gabeira participa, em São Paulo, da pré-convenção estadual do PV paulista, que lança as pré-candidaturas do ex-presidente do Instituto Ethos Ricardo Young ao Senado e do ex-deputado Fábio Feldmann ao governo do Estado.

Os novos bolchevistas:: José Arthur Giannotti

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / MAIS!

Silêncio de instituições e intelectuais brasileiros sobre a violação de direitos políticos em Cuba revela o mais estreito pragmatismo

Para os mais jovens, vale lembrar que os bolchevistas -palavra que vem do russo significando maioria- representavam a facção majoritária que, no congresso do Partido Comunista de 1903, seguiu Lênin, contra os menchevistas, os minoritários, sociais-democratas mais moderados do que o grande líder revolucionário.

Mas interessa, neste momento, lembrar que o bolchevismo representou uma forma de prática política em que o militante adere ao partido de corpo e alma, como se aderisse a uma igreja, a uma instituição prenhe de verdade. Os velhos comunistas pediam a autorização do partido para se casarem.

E, durante os processos de Moscou, quando Stálin liquidou seus adversários, estes terminaram confessando crimes que não tinham cometido, pois pensavam o partido como a morada da verdade.

Se o comunismo desapareceu do horizonte político de hoje, se a democracia se impôs, vamos dizer assim, como valor universal, não é por isso que essa adesão emocional, e às vezes mística, a uma organização política tenha se extinguido.

É muito comum em pequenos partidos de esquerda (ou de direita), assim como em certas correntes da esquerda infiltradas nos grandes partidos. A maior surpresa, todavia, é constatar que medra no pensamento de muitos intelectuais.

Compreende-se que um militante endosse uma decisão partidária, mesmo contra sua vontade. Participou das discussões internas do partido e, tendo perdido a disputa, só lhe cabe acatar a decisão da maioria. Há um compromisso com a instituição em que milita. Se ela viola seus princípios, resta-lhe apenas retirar-se.

Nas situações-limite, porém, essa regra se torna relativa. Ao intelectual, em particular, orgânico ou não, cabe estar sempre atento às questões de princípio. Se um partido nega um de seus esteios fundadores, não precisa abandoná-lo, desde que faça ouvir bem alto sua voz discordante.

Não há como transigir quando se trata de uma questão que diz respeito ao funcionamento da própria democracia, do direito de as minorias se manifestarem e lutarem por seus ideais.

Sabemos que não é o que está acontecendo em Cuba, na China e em outros lugares.

Minha geração foi tomada de entusiasmo pela Revolução Cubana. Era um raio de sol na América Latina, quando predominavam as contrarrevoluções autoritárias. Entendemos a necessidade de Fidel se aproximar da União Soviética, diante da pressão americana, principalmente depois do embargo decretado.

Aceitamos, embora com relutância, o "paredón", o fuzilamento dos inimigos do regime. Há momentos em que a violência política se torna inevitável. Mas aos poucos fomos percebendo que a Revolução Cubana estava se degenerando.

Caricatura

Jean-Paul Sartre [1905-80] foi o primeiro intelectual conhecido a romper com Fidel. Depois se avolumaram as evidências de que o regime se tornava cada vez mais autoritário, reprimindo sem piedade qualquer manifestação oposicionista. Hoje a República cubana é uma caricatura do socialismo.

E o embargo americano que impede Cuba de se desenvolver? E as conquistas sociais, principalmente no campo da saúde, da educação e do esporte, que colocaram Cuba na modernidade?

Tudo isso continua sendo muito pertinente, mas não retira dos cubanos o direito de divergirem das políticas oficiais. Mais ainda, não abole a distinção entre o preso político, aquele que sofre punição por sua militância política, e o preso comum, que simplesmente transgride em prol de si mesmo ou de sua gangue.

As manifestações contra o regime cubano crescem dia a dia. Tudo indica que a repressão aumentará. Não podemos aceitar que os manifestantes sejam tratados como presos comuns. Mas, como sempre, o governo Lula dá uma no prego e outra na ferradura.

Desta vez, porém, a pancada na ferradura foi muito maior, porque ferrou qualquer adversário, negando seu estatuto de político, mesmo quando faz greve de fome para ser reconhecido como tal. Cabe então a nós, intelectuais brasileiros, denunciar essa violência, defender o direito e o espaço das oposições.

No entanto, muitos de nós simplesmente estão se furtando a tomar firme posição contra esse escândalo. Estão casados com os grupos de esquerda em que militam e comprometidos com a política do atual governo, mesmo quando ela nega princípios gerais que comandam os ideais democráticos.


Até o Cebrap

O maior argumento é que agora qualquer manifestação teria efeitos eleitorais. Mas o silêncio não tem o mesmo efeito? Interessante é que até mesmo o Cebrap, uma instituição que, durante a ditadura, não deixou de denunciar as violações dos direitos democráticos, hoje simplesmente está calado.

E, naqueles tempos, o efeito não era eleitoral, mas a porrada dos gendarmes do governo.

Cabe refletir sobre o que está atualmente acontecendo no Brasil. Em particular a vida pública está perdendo qualquer dimensão normativa. Vale o pragmatismo mais estreito. Importa ganhar as eleições, fazer um governo popular, não perturbar a onda de felicidade que nos cobre mansamente. Ainda que sejam adiadas decisões importantes que não caiam no gosto do público, que as próximas gerações paguem o preço de nossas conveniências.

Resulta daí que cada vez mais tendemos a nos tornar uma sociedade média, média, micha.
José Arthur Giannotti é professor emérito da USP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais! .

Subversão bem-humorada:: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA

Foi na "Manchete" que tomei conhecimento de uma nova maneira de redigir a notícia

A IMPORTÂNCIA de Armando Nogueira para o jornalismo brasileiro -e não só o jornalismo esportivo- já foi ressaltada unanimemente pelos jornais e pela televisão. Dispenso-me, portanto, de repeti-lo, mas nem por isso deixarei de falar dele, de quem me tornei amigo, há muitos e muitos anos, quando trabalhamos, ambos, na revista "Manchete".

Aquele foi um momento especial em minha vida profissional de jornalista, mas também de minha vida pessoal mesma, se é possível separar uma da outra. Ali, ocorreram coisas importantes, talvez porque vivíamos uma etapa de renovação da imprensa. Armando vinha do "Diário Carioca", onde se iniciara a modernização do texto jornalístico, com a introdução do lide e sublide, isto é, a elaboração objetiva da notícia. Isso veio da imprensa norte-americana, mas aquele jornal introduziu, no texto jornalístico, o bom humor que, na medida do possível, penetrou as páginas da "Manchete" graças particularmente a Armando Nogueira.

O diretor da revista era Otto Lara Resende, que para lá levara, além de Armando, o chargista Borjalo, Jânio de Freitas e Amílcar de Castro. Eu entrei pela janela, como revisor, já que o quadro de redatores estava completo. Jânio teimava em mudar a paginação, apoiado em Amílcar. Otto e Armando davam força.

Essa minha promoção não agradou a Adolfo Bloch, dono da revista, que via nela um favor de amigo, da parte do Otto. "Ele não é redator, Otto, é revisor!" E Otto: "Ele não só é redator como é poeta! Não enche!"

Até que um dia Rubem Braga deixou de mandar a sua crônica "Personagem da Semana" e Otto me pediu para escrevê-la no lugar dele. Publicado aquele número da revista, Adolfo entrou na Redação elogiando o texto que supunha ser de Rubem. "Esse Rubem Braga é um gênio!" Armando segredou algo no ouvido do Otto, que chamou todo o pessoal para ouvir o elogio de Adolfo ao texto referido. Ele o repetiu e então Armando falou: "Quem escreveu esse texto não foi o Rubem, foi o Gullar". Adolfo saiu da Redação desapontado mas sem dar o braço a torcer.

Outra coisa que ele não engolia eram as inovações aos poucos introduzidas na diagramação da revista. O modelo era "Paris-Match", que tinha paginação limpa, com áreas em branco, sem o fio separando as colunas de texto.

Entusiasmado com essa possibilidade de renovação, eu, que então escrevia meu primeiro livro-poema ("O Formigueiro"), com apenas uma palavra em cada página, resolvi abusar do branco ao paginar um texto que escrevi sobre Manuel Bandeira. Ao ver aquilo -duas páginas praticamente vazias, com apenas duas pequenas fotos e dois blocos de texto-, Adolfo perdeu a paciência. Deu uma bronca no Otto, à vista de todos, enquanto eu, Jânio e Amílcar mal contínhamos o riso. No dia seguinte, numa das paredes da Redação, apareceu uma frase que dizia: "Preconceito de cor: guerra contra o branco", sacanagem do Borjalo.

Acredito que ali, na "Manchete", começou a revolução gráfica, que iria realizar-se plenamente no "Jornal do Brasil", onde, não por acaso, se encontravam os três autores da subversão ocorrida na revista de Adolfo Bloch: Jânio, Amílcar e, com menor peso, eu. A verdade é que as manias do Adolfo resultaram na saída de Otto da direção da revista e de todos nós, solidários com ele. Não fiquei desempregado nem um mês sequer porque Armando e Otto eram amigos de Pompeu de Souza, diretor do "Diário Carioca", para onde me transferi. Ali, reinava o bom humor, apesar da precária situação econômica do jornal. Em vez do salário, tirávamos vales, a cada semana, dependendo da venda diária.

O editorialista político era Carlos Castelo Branco, que, preocupado com minha situação financeira, pediu a Odylo que me levasse para o "Jornal do Brasil", cuja reforma se iniciava. Lá me tornei chefe do copidesque, que constituí, chamando Tinhorão e Jânio. Ali, além da mudança gráfica, introduzimos o bom humor do "Diário Carioca".

E foi na "Manchete", com Armando Nogueira que, pela primeira vez, tomei conhecimento dessa nova maneira de redigir a notícia. Lembro-me do título que ele pôs numa entrevista com o bandido Cara de Cavalo. Perguntara-lhe se aprendera a assaltar e roubar vendo filmes americanos, a que o bandido respondeu, indignado, que não aprendera com ninguém. Armando pôs o seguinte título na entrevista: "Cara de Cavalo: eu inventei o assalto a mão armada". Grande Armando!

A República Velha da Pré-candidata::Vagner Gomes de Souza

Talvez seja uma resposta tardia ao excelente artigo de Luiz Werneck Vianna, “O Estado Novo do PT” (2007), a referência que a pré-candidata governista tenha feito no encontro com 6 (seis) centrais sindicais. Nesse encontro, a ex-Chefe da Casa Civil trouxe a público a lembrança da República Velha (1889-1930) talvez para lembrar a ausência de direitos trabalhistas nesse período, o que não é de todo realidade como o próprio Werneck Vianna demonstrou em Liberalismo e Sindicato no Brasil. Segundo ela, a política do oposicionismo seria uma herança da República Velha.

Em qual situação estaria presente essa comparação política e histórica? Entendemos que há um forte desvio no discurso do antigo representante dos movimentos sociais ao vestir a “carapuça” do Estado Novo (1937-1945). Essa exagerada lembrança da República velha demonstra o quanto o governismo se afastou dos princípios fundadores do PT. Afinal, o chamado “novo sindicalismo” surgiu em fins dos anos 70 questionando a estrutura sindical varguista (que acusavam ser uma cópia do fascismo) e defendendo um “sindicalismo de resultados” em que a sociedade civil seria forte em contraponto ao Estado. Só observamos uma continuidade: o papel de segundo plano ao tema da democracia.

Nos dias atuais, observamos uma nova postura dos companheiros do PT ao defender um “Estado Forte” diante do submisso silêncio das lideranças sindicais que ocuparam a “máquina administrativa” do Governo Federal e se destacam na equipe da pré-candidata para o bem ou para o mal. Não vamos simplificar esse discurso vazio do “Estado Forte” como simples inspiração de elementos do fascismo uma vez que há diálogo com as forças do livre mercado. Nós apontamos isso na continuidade da política econômica nesses 16 anos sinalizada pela manutenção do Presidente do Banco Central.

Entretanto, as características da cooptação presentes no autoritarismo pós-1937 estão reforçadas nessa política do “Estado Forte”. Uma forma ideológica de condenar as privatizações sem ter realizado uma auditoria das privatizações realizadas na história brasileira, pois implicaria numa quebra da aliança com a burguesia financeira. Muito fácil defender “Estado Forte” sem reestatizar ou ao menos capacitar as Agências Reguladoras da fiscalização dos serviços públicos. As Agências Reguladoras foram “feudalizadas” pelas indicações partidárias assim como muitas diretorias de empresas públicas. Esse “Estado Forte” aparenta a defesa dos benefícios de uma nova camada burocrática que determinadas correntes do PT denunciavam em relação ao “socialismo real”.

A distância dogmática da polarização República Velha (Estado Mínimo) e a pós-história brasileira (Estado Forte) só acentua que o discurso da pré-candidata se afasta do principal compromisso das forças democráticas na luta desses últimos 25 anos, ou seja, a defesa de uma Democracia Forte. O fortalecimento da Democracia é a bandeira que devemos levantar nesse ano eleitoral como forma de refazer os caminhos em favor de um “Estado de Bem-Estar”.

A democracia brasileira pode mais. O Brasil precisa de muito mais democracia. Ela é a garantia de contínuas melhorias para a sociedade brasileira como observamos na “revolução do judiciário” do país. Os limites da exploração do capital especulativo podem ser regulamentados pelo campo das leis com a participação da sociedade a exemplo da Constituinte de 1987-1988 que foi questionada pelos atuais representantes do governismo. O liberalismo na economia pode ser regulado por mais instrumentos democráticos. Por isso, continuamos fiéis a política da Frente Democrática.
[1] Professor de História. Mestre em Sociologia (CPDA-UFRRJ). Dirigente municipal do PPS (Rio de Janeiro).

Stravinsky's Firebird Part 2 (Finale)

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Países asiáticos e doença holandesa:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A "doença" não deriva de recursos naturais abundantes e baratos, mas de salários baixos e alta dispersão salarial

O GOVERNO americano estava prestes a declarar a China país manipulador de sua taxa de câmbio, mas, como prosseguem as negociações bilaterais, o Tesouro americano decidiu adiar a decisão, provavelmente porque espera que a China ceda algo como cedeu em 2005.

Naquele ano, o Senado dos EUA votou um aumento de tarifas de 27,5% sobre bens importados da China que só não se efetivou porque nos anos seguintes a China permitiu a apreciação do yuan em 20%. Entretanto, como voltou a vincular sua moeda ao dólar durante a crise, a pressão voltou a ocorrer.

O deficit comercial dos EUA com a China vem caindo desde 2008. Não obstante, economistas eminentes como Paul Krugman e Martin Wolf estão convencidos do caráter depreciado do yuan. Wolf lista quatro argumentos apresentados por aqueles que discordam: "Primeiro, embora a intervenção seja imensa, a distorção é pequena; segundo, o impacto no balanço de pagamentos mundial é modesto; terceiro, os desequilíbrios mundiais não são importantes; e, por fim, o problema, embora real, está sendo resolvido" ("Valor", 7 deste mês).

Entretanto, nenhum desses argumentos que o colunista do "Financial Times" em seguida se aplicou em refutar é relevante.

O fato essencial é simples: a China não tem superavit, mas deficit comercial em relação aos demais países dinâmicos da Ásia. Logo, se o yuan está artificialmente desvalorizado, também estão as moedas dos vizinhos.

O que os analistas não compreendem ao verem os grandes superavit em conta corrente dos países exportadores de petróleo e dos países asiáticos dinâmicos, inclusive a China, é que esses superavit decorrem da necessidade que esses países têm de neutralizar sua doença holandesa -ou seja, neutralizar a sobreapreciação crônica de sua taxa de câmbio.

No caso dos países asiáticos, a doença holandesa não deriva de recursos naturais abundantes e baratos, mas da combinação de salários baixos com uma alta dispersão salarial entre os engenheiros de fábrica e os peões, quando comparada com a dos países ricos.

Como a taxa de câmbio é determinada pelos bens mais baratos, se o país que enfrenta esse problema não administrar sua taxa de câmbio, esta será determinada por esses bens industriais (tecidos, por exemplo) e inviabilizará a produção de bens industriais sofisticados, que exigem pessoal mais qualificado, pagam melhores salários e têm alto valor adicionado per capita.

A doença holandesa é uma falha de mercado compatível com o equilíbrio a longo prazo da conta-corrente do país. Por isso, um país atingido pela doença holandesa, que pretende se industrializar e alcançar níveis cada vez mais elevados de sofisticação industrial, deverá necessariamente administrar sua taxa de câmbio para deslocá-la do nível de equilíbrio em conta-corrente para o "equilíbrio industrial".

Logrado êxito nessa tarefa (o que não é fácil), o país apresentará necessariamente superavit em conta-corrente. É o que acontece com os países asiáticos dinâmicos.

Decorre desse tipo de análise uma consequência surpreendente. Na medida em que mais países em desenvolvimento vão se dando conta da sua doença holandesa, eles buscarão neutralizá-la e, tendo êxito, realizarão superavit em conta-corrente.

Por isso, não obstante o estoque de capital seja muito maior nos países ricos, o que veremos cada vez mais nos próximos anos é países em desenvolvimento apresentarem elevados superavit em conta-corrente e realizar investimentos nos ou empréstimos para os países ricos.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".

Liberdade de imprensa e democracia:: Fábio Wanderley Reis

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Tive a satisfação de participar, na semana passada, de mesa redonda sobre "Imprensa, Estado e Crise de Representatividade", promovida pelo Centro Brasileiro de Estudos da América Latina do Memorial da América Latina e integrando seminário dedicado a "Liberdade de Imprensa e Democracia na América Latina".

O tema pode ser dividido, a meu ver, em duas dimensões entrelaçadas. A primeira é a questão crucial da liberdade de imprensa como valor, a que remete o título geral do seminário e que tem sido motivo de renovados debates no continente e especificamente no Brasil, onde iniciativas governamentais visando a algum tipo de controle da imprensa têm suscitado reações que falam de inaceitável autoritarismo. Creio que a posição equilibrada a respeito envolve, por sua vez, a consideração de duas faces.

Por um lado, é patente a importância de que se garanta o livre fluxo de comunicações e informações na sociedade, como parte do desiderato democrático de que os direitos civis sejam garantidos. Inequivocamente, nos regimes totalitários ou ditatoriais em geral, o empenho de controlar aquele fluxo se liga ao interesse em impedir que a maneira pela qual a população tende a avaliar o regime se torne transparente aos olhos de todos, eventualmente ajudando a que se difundam e fortaleçam a avaliação negativa e o ânimo de oposição a ele.

Tratar-se-ia de criar o que a literatura de psicologia social há muito designa como "ignorância pluralística", em que cada qual desconhece as disposições dos demais e os eventuais opositores são inibidos pela presunção de que se acham em minoria. Costumo evocar a propósito o slogan usado pelo MDB em eleições patrocinadas pela ditadura militar de 1964: "Vote no MDB, você sabe por quê." O "saber" a que o slogan se refere desdobra-se claramente na ideia de que as razões para ser contra o regime eram evidentes, e sugeria que "todo mundo" sabia disso e a oposição a ele seria, portanto, majoritária. Na mesma linha, como sugere o cientista político Timur Kuran ("Verdades Privadas, Mentiras Públicas", de 1995), a derrocada espetacular do comunismo no leste europeu teria tido como importante fator precipitante a súbita difusão da percepção de que o Estado aparentemente todo poderoso que se havia erigido era, na verdade, hostilizado pela ampla maioria das populações envolvidas.

Mas a outra face adverte para o perigo de que o valor da liberdade de imprensa como parte do desiderato de comunicação livre degenere, às vezes, em ideologia arrogante de uma categoria profissional. Pois a imprensa pode também surgir como ameaça aos direitos civis, em vez de instrumento de sua promoção e realização. Entre nós, exemplos algo mais remotos, como o do caso muito citado da Escola Base em São Paulo ou o de Alceni Guerra, ou mais recentes, como os lamentáveis acontecimentos em torno do julgamento dos acusados de assassinar Isabella Nardoni, evidenciam o papel negativo que a imprensa pode cumprir ao competir para oferecer ágil e profusamente o que interessa ao público. E, na precariedade e lentidão do remédio representado pela possibilidade formal do acesso à Justiça por parte das vítimas em certos casos, não há razão para supor que formas de vigilância exercidas por órgãos democraticamente compostos (e que não teriam por que redundar em censura prévia) viessem a equivaler, sem mais, a autoritarismo estatal. Afinal, aceita-se que até a Justiça deve ser submetida a controle externo.

A segunda grande dimensão do tema geral é trazida pela ideia de "representatividade" incluída no título de nossa mesa redonda. Um aspecto saliente das dificuldades a respeito surge se consideramos a "opinião pública", cuja santificação tenho criticado. Falar de uma opinião pública a que, por exemplo, os parlamentares deveriam necessariamente ajustar-se em seu comportamento é aderir a postulados "unanimistas" afins, na verdade, ao suposto consenso de apoio a regimes ditatoriais que as barreiras ao livre fluxo de comunicações e a "ignorância pluralística" ajudariam a produzir. Como observa também Timur Kuran, a democracia envolve sobretudo a sensibilidade perante a opinião privada e autêntica dos cidadãos, a ser protegida, entre outras coisas, justamente das pressões da "opinião pública".

É nesse sentido, naturalmente, que o voto secreto é uma conquista democrática.

A questão talvez decisiva aqui é a de como ver a atuação da imprensa diante do tema da representatividade de que a "opinião pública" e os postulados unanimistas envolvidos são uma faceta. Se a imprensa frequentemente molda a opinião pública, e se isso pode envolver interesses de tipos diversos (empresariais, políticos), há também ocasionalmente, sem dúvida, a pura e simples adesão pouco atenta, e talvez ingênua, a posições que os órgãos da imprensa percebem como brotando espontaneamente da "opinião pública": como entender, por exemplo, a difusa campanha da imprensa brasileira pelo voto aberto no Congresso, que omite o favorecimento à pressão de currais eleitorais e lobbies e põe de lado ideias como a da representação "virtual", de Edmund Burke, em que as pressões dos interesses particulares de determinadas bases são substituídas, nas decisões do parlamentar, pela consideração do interesse geral?

Mas o assunto é mais complicado. Pois há ainda o problema inverso, de certa forma, envolvendo a questão de uma opinião pública eventualmente minoritária, em que as posições e opiniões que a imprensa veicula e defende em particular no campo político, ajustando-se às da parcela politicamente atenta da população, se contrapõem às das parcelas majoritárias do eleitorado popular. Como a ideia de representação democrática se articulará com a de representatividade estatística que as pesquisas de opinião devem assegurar, trazendo à luz precisamente o contraste entre a opinião da maioria e a presumida opinião pública?

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras