terça-feira, 16 de março de 2010

Reflexão do dia – José Serra

A Nova República teve a coragem da conciliação sem, no entanto, ceder nem mesmo os anéis ao arbítrio. E isso só foi possível porque o povo brasileiro não se deixou iludir pela miragem de uma mudança por meio da força. Entre a democracia e a justiça social, escolhemos os dois. Nem aceitamos que a necessidade da ordem nos impedisse de ver as óbvias injustiças nem permitimos que, para corrigi-las, fossem solapadas as bases da liberdade.


(José Serra, no artigo, “Prisioneiros da democracia”, ontem, em O Estado de S. Paulo)

Reação política:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A disputa sobre os royalties do petróleo pode custar mais caro ao governo do que está sendo contabilizado até o momento. O projeto de lei do deputado do PMDB do Rio Grande do Sul Ibsen Pinheiro, que alterou a distribuição dos royalties prejudicando brutalmente os estados produtores, notadamente o Rio de Janeiro, que produz 85% do petróleo nacional, está levando a que a discussão que recomeça no Senado se volte para a mudança do sistema de exploração do produto na camada do pré-sal, de concessão para o de partilha.

O senador Francisco Dornelles, do PP, está liderando essa alteração de agenda política, certo de que é muito mais importante discutir o que classifica de reestatização do setor petrolífero do que a redistribuição dos royalties, que depende basicamente da definição do sistema de exploração.

No sistema de concessão até então vigente no país, e com excelentes resultados na sua avaliação, que serviu também para cerca de 30% das áreas do pré-sal já licitadas, as companhias exploradoras de petróleo pagavam não apenas royalties como também participações especiais aos estados produtores.

A legislação brasileira previa que as concessionárias devem uma indenização à União, aos estados e municípios, por eventuais danos ambientais e pelo uso de suas infraestruturas na exploração e produção de petróleo e gás.

O pagamento de royalties mensais, e de participações especiais trimestrais, de acordo com o volume de petróleo e gás produzido, está previsto na Constituição de 1988, também como maneira de compensar a não incidência na origem do ICMS sobre a venda do petróleo.

No regime de partilha, que o governo quer implantar na exploração das jazidas do pré-sal, não há mais participações especiais, e a empresa exploradora do petróleo será ressarcida pelos royalties devidos, que passarão a fazer parte do cálculo do custo do investimento.

Como nas novas regras do pré-sal a Petrobras tem garantia de participação no mínimo de 30% de todos os campos, a estatal do petróleo será a grande beneficiária dessas normas.

Dornelles diz que está sendo criado para a Petrobras um verdadeiro paraíso fiscal.

Já havia a desconfiança de que a mudança do sistema seria mais difícil de ser aprovada do que imaginava o governo, pois uma questão técnica estava sendo substituída pela disputa ideológica, e nesse campo o governo corre o risco de ver sua base partidária heterogênea se dividir.

Os partidos de esquerda que formam o chamado bloquinho PDT, PCdoB, PSB certamente formarão ao lado do governo, na tentativa de aprovar a mudança de modelo, reforçando o aspecto estatizante da proposta.

Mas a oposição, à frente PSDB e DEM, quase certamente teria o apoio de partidos de centro-direita, como PP, PTB, PRB e parte do PMDB, para a manutenção do sistema de concessão.

Por isso o governo está querendo aprovar as regras para o pré-sal antes, deixando para o final a discussão sobre o sistema de partilha, o que o senador Dornelles considera um contrassenso: Se não aprovarmos a mudança do sistema de exploração, por que a distribuição dos royalties seria alterada?, pergunta o senador do Rio.

A disposição de enfrentamento, diante da ameaça às finanças do Estado do Rio, fica patente na recusa de negociar o projeto Ibsen Pinheiro.

Segundo Dornelles, o Rio não pode aceitar uma esmola em troca de um direito.

A firmeza da posição dos representantes do Rio está também baseada na convicção de que o projeto é inconstitucional.

O procurador geral em exercício do Estado do Rio, Rodrigo Tostes de Alencar Mascarenhas, enumera uma série de razões que definem a sua inconstitucionalidade:

1 A constituição (art. 20 § 1º) é clara no sentido de que quem tem direito a receber royalties são os estados e municípios em cujo território se dá a exploração, já que é expressa a função dos royalties de pagar parte dos prejuízos causados pela exploração.

2 O Supremo Tribunal Federal já afirmou que os royalties se constituem em receita própria e originária dos estados onde se localiza a exploração, às quais eles fazem jus não por uma gentileza da União, mas por força da Constituição.

3 Combater o direito do Estado do Rio sustentando que o petróleo está no mar é juridicamente falso, pois o território de todos os estados e municípios litorâneos tem uma projeção marítima.

Prova disso é que, se alguém comete um homicídio numa plataforma da Petrobras na Bacia de Campos, será processado e julgado pela Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

As escolas localizadas na Ilha Grande, por exemplo, são mantidas pelo município de Angra, e os exemplos poderiam continuar. Aliás, se o deputado estivesse certo chegaríamos à conclusão de que Florianópolis, capital de um estado, não se localiza neste estado e sim em território federal.

4 Alterar a regra de distribuição das áreas já licitadas e em exploração é uma gravíssima violação ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, pilares de qualquer democracia e que, no Brasil, são cláusulas pétreas.

5 Retirar, de uma hora para outra, percentual tão elevado de uma receita própria de uma unidade da federação atenta contra outra cláusula pétrea da Constituição, que é a proteção da própria federação, além de violar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

6 Considerando que, no Rio, os royalties estão compromissados, em boa parte, com o pagamentos de benefícios previdenciários e com a proteção ambiental, com recursos previstos no orçamento e no plano plurianual, cortar esses recursos de um dia para o outro seria um atentado contra os preceitos da responsabilidade fiscal e da proteção ambiental, ambos previstos na Constituição.

Autocombustão:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O deputado Ciro Gomes já morreu eleitoralmente pela boca algumas vezes. Fez autocrítica, atribuiu os erros do passado à falta de maturidade para se desviar das "armadilhas", anunciou adesão à serenidade e, desde então, só fez se desmentir, cedendo aos apelos do temperamento.

Se não é isso, se Ciro sabe o que faz e apenas cumpre com racionalidade um roteiro previamente traçado, então está propositadamente caminhando para fora dos limites do campo do jogo eleitoral, embora não se possa perceber qual seria o real objetivo.

Não satisfeito em desqualificar sua candidatura ao governo de São Paulo, que considera "artificial", desqualifica o partido que seria a principal legenda da coligação, dizendo que faltam nomes de qualidade ao PT no Estado.

Quanto à candidatura presidencial, bate em Dilma Rousseff e bate no PMDB, ataca a política econômica, distribui tabefes como se não houvesse amanhã. Não que Ciro não tenha razão em suas diatribes.

Detecta com propriedade os equívocos e as fragilidades morais e conceituais das forças em disputa. De governo e de oposição.

Analisa com especial precisão o resultado das atuais pesquisas que, para ele, refletem a notoriedade dos pretendentes, não necessariamente a intenção firme de voto do eleitor. Fala sobre a política cambial o que a oposição pensa, mas manifesta com covarde discrição.

Ocorre que a atividade de Ciro Gomes não é a análise política. É político e pretende continuar nesse ofício como candidato a presidente.

Poderia até ter construído para si um nicho de atuação que levasse o eleitorado a reconhecê-lo como crítico arguto da cena, credenciado a promover mudanças se eleito.

Ocorre que passou oito anos como aliado do governo Lula, um aliado fiel e silencioso ante episódios de frouxidão moral tão ou mais graves que os fundamentos da aliança PT-PMDB que tanto o irritam.

Apresentou-se à eleição presidencial na condição de linha auxiliar do governo, alegando que para Lula seria estrategicamente muito mais interessante apoiar dois candidatos.

Cedeu ao apelo do presidente e deu as costas ao eleitorado que o elegeu prefeito, governador e deputado no Ceará, transferindo seu domicílio eleitoral para São Paulo.

Um ato de artificialismo político, segundo critério do próprio Ciro, mas entendido como um ato tático de quem joga em determinado time.

Quando passa a atacar seus correligionários, tratá-los como seres indignos, despreparados, partícipes de um "desastre", incompetentes para levar adiante o País, inviabiliza qualquer tipo de sustentação partidária ao seu projeto e não transmite ao eleitorado uma mensagem com sentido.

É governo? É oposição? É alternativo?

Não se sabe. Não porque se cale, mas porque quanto mais fala menos se entende qual é o rumo.

Vírus da paz.

O termo usado em Israel pelo presidente Lula tem dois sentidos, literal e figurado. A definição da medicina para vírus é "substância orgânica capaz de transmitir doença".

No sentido figurado, "mal moral de conotação patológica ou contagiosa".

A intenção foi benigna. Maligno é o desdém para com o significado das palavras do idioma pátrio.

Dureza.

O presidente Lula está vendo lá fora como a vida é mais difícil na convivência com países e sociedades acostumados a levar a sério o que dizem governantes e a cobrá-los por suas posições.

A submissa reverência ao poder e a cínica condescendência aos tidos como oprimidos é um comportamento considerado adequado apenas em países de vigor democrático ainda incipiente.

Lula está acumulando um passivo de cobranças ao qual não poderá dar o tratamento que reserva internamente às críticas que recebe no Brasil. Se resolver brigar com o mundo como briga com quem o contraria por aqui, arrisca-se a trocar a admiração conquistada por explícita decepção generalizada.

Ou pior, pela estrita irrelevância.

Lula no papel de Pigmalião:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL
Depois de emplacar a candidatura Dilma Rousseff, o presidente Lula passou a emitir sinais de satisfação por ter preenchido sozinho o vazio deixado pela desistência ao terceiro mandato que alvoroçou os áulicos. Poderia até assobiar os temas do musical My Fair Lady, pelas razões a serem esclarecidas em seguida. O tempo disponível do presidente se esgota sem a apoteose com que ele contava. Faltou-lhe também paciência para esperar o que a História não teve pressa de digerir. Mas o último ano de mandato passa depressa. O ex-presidente será reavaliado a partir do primeiro dia em que não acordar mais presidente. Tudo à seu tempo.

Entre os vários Lulas que se sucederam desde que deixou de se ver no espelho, pode-se dizer que o atual sucumbiu à síndrome do escultor Pigmalião que, no tempo em que a Grécia produzia mitologia para consumir e exportar, optou pelo celibato ( por entender que as mulheres não eram dignas do amor dos homens). E, para marcar a diferença, Pigmalião se animou a esculpir em marfim a figura feminina perfeita, representada por ninguém menos que a própria deusa Afrodite.

Não deu outra. Diz a mitologia que o trabalho foi tão competente que Pigmalião se apaixonou perdidamente pela obra-prima e rogou a Afrodite, que se reconheceu na perfeição da escultura, para insuflar-lhe vida. Atendido, renunciou ao celibato, e o criador então se casou com a criatura. Mas não termina aí. O legado de Pigmalião tem-se reproduzido ao longo do tempo com variedade de soluções criativas. Voltaire, Rousseau e Bernard Shaw também se valeram do acidental para refazer com arte o essencial, de acordo com a época e a variedade artística adaptável às circunstâncias do tempo.

No modesto Brasil republicano, o primeiro escultor de uma candidata a presidente veio a ser Luiz Inácio Lula da Silva, por motivos dispensáveis de figurar aqui. Antes que se fizesse o vácuo político, com um governo apressado em equacionar a sucessão e uma oposição modorrenta, o presidente percebeu ao seu lado a figura de Dilma Roussseff, com antecedentes revolucionários eleitoralmente valiosos (antes da campanha propriamente dita) que a deixavam imune às primeiras pedras. Já é, por natureza, uma petista zangada.

Quem ainda diz que a História não se repete? Lula foi salvo, em cima da hora, pelo eterno precedente de Pigmalião, e já está mais perto da mitologia grega do que das páginas virtuais da História do Brasil. O resto pode ficar por conta de Lula mesmo e da internet, com margem de surpresa inevitável em ambos. Mais do que o ideal da perfeição, Lula se limitou a lisongear, como forma de se elogiar por tabela, a candidatura que a ninguém ocorreu antes dele. E já está repassando a Dilma Rousseff os truques que Henry Higgins, professor de fonética, ensinou à pobre Eliza Doolittle, a moça que vendia flores nas ruas de Londres com uma abominável pronúncia e veio, depois de longo aprendizado, a fazer sucesso na alta sociedade londrina.
Qualquer semelhança com o Brasil novo rico não passa de intriga da oposição. Por onde se apresente em campanha, o escultor da candidata Dilma Rousseff vibra e se reabastece com a própria pigmalionice, que acaba de receber das pesquisas de opinião (que os gregos não conheceram) o que proclamaram: a candidata já encosta, salvo seja, na vantagem de que desfrutava José Serra (enquanto esperava às margens do Ipiranga, do qual não mais se ouve falar).

Lula repudiou o terceiro mandato e esculpiu, politicamente, a candidatura eqüidistante de todas as tendências que se entrechocam ao seu redor, e criou um fato consumado com a imprudência política a que o PAC e as pesquisas de opinião o induziram. Só falta definir se a repetição se dará como tragédia ou, como a história prefere, comédia mesmo.

Wilson Figueiredo, é jornalista

E o Brasil com isso? :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Lula, como todo mundo sabe, é um homem de sorte, mas ele não tem tido nem prudência nem essa sorte toda nas suas últimas investidas em busca do tal protagonismo internacional.

Deu o tremendo azar de botar os pés em Cuba e se deixar fotografar com fartas risadas justamente no dia da morte de um dissidente em greve de fome. Recusou-se a ir à posse do presidente Sebastian Piñera no Chile, deixando uma percepção desconfortável de dar as costas a um colega por ser "de direita". E agora a ida a Israel.

Os presidentes brasileiros enrolaram durante um século, e Lula adiou para o último dos seus oito anos de governo pisar em Israel. E pisou num mau momento, quando o país anuncia a construção de 1.600 moradias em Jerusalém Oriental e assim irrita não só os seus principais inimigos, os palestinos, como os seus maiores amigos, os EUA. O que, aliás, Hillary Clinton deixou claríssimo. E Lula lá, bem no meio desse rolo monumental e às vésperas de sua visita de maio ao vespeiro Irã, que já é uma ilha entre inimigos e se isola cada vez mais da comunidade internacional com a ameaça velada de fabricar a bomba atômica.

Não deu outra. Na visita ao Knesset (Parlamento israelense), Lula ficou tão isolado quanto o próprio Irã, em meio a uma saraivada de cobranças pela posição brasileira, acusada de dar "legitimidade indireta" ao regime iraniano.

Para piorar, a simbiose imprensa-diplomacia produziu fofocas durante todo o dia. Lula não foi ao túmulo de Theodor Herzl, um dos idealizadores do sionismo. Logo, o ministro do Exterior, Avigdor Lieberman, também se recusou a ir ao Knesset prestigiá-lo.

Essas idas e não idas são tão insignificantes quanto a nova mania brasileira de se meter onde não deve e de dar passos maiores do que as pernas, sem efeitos práticos. Ilustram à perfeição, portanto, a verdadeira dimensão da visita de ontem.

Tiros no pé:: Cláudio Gonçalves Couto

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Israel, que marca o início desta semana, é uma empreitada de certo risco. Da mesma forma que será arriscada a visita ao Irã, prevista para maio. O perigo mais imediato está nas declarações do presidente, que tem se esmerado em falas desastradas (ou mesmo desastrosas) nas últimas semanas. Como tanto Israel como o Irã são países de ações controvertidas em sua política externa e, por conseguinte, envolvidos em relações conflituosas com outros membros da comunidade internacional, qualquer novo deslize verbal de Lula poderá contribuir ainda mais para o desgaste a que a imagem internacional do Brasil - e, sobretudo, do presidente - foi submetida nos últimos dias.Flertando com o abismo, Lula arriscou-se em sua chegada a Israel e optou por discursar de improviso, ao lado do presidente Shimon Peres.Pelo tom de voz ameno e pausado que adotou, parecia estar medindo as palavras. Tomara que continue assim, mas seria recomendável optar por discursos lidos em visitas cercadas de temas tão delicados.

Pode-se ter uma medida do tamanho dos problemas que o presidente enfrentaria no caso de nova derrapada com base no efeito das últimas declarações de Lula sobre Cuba: uma avalanche de críticas, tremendamente negativas. As declarações acerca da autocracia caribenha, aliás, devem ser separada sem dois momentos diferentes. O primeiro deles foi a reação do presidente brasileiro aos questionamentos que recebeu quando aportou na ditadura castrista e foi inquirido, de chofre, sobre a situação dos dissidentes e a morte de Orlando Zapata. Naquela ocasião, o presidente brasileiro procurou driblar a situação embaraçosa, referendando o posicionamento do dinasta Raúl Castro, que lastimou a morte do opositor. Como apontei em minha coluna de 2 de março ("Lula e Cuba";http://www.valoronline.com.br/?impresso/politica/99/6134163/lula-e-cuba),neste caso específico seria difícil de se esperar de qualquer autoridade estrangeira em visita à ilha castrista uma declaração condenatória.

Houve um segundo momento, todavia, muito distinto do primeiro. Foi quando o presidente brasileiro comparou os presos de consciência em greve de fome a criminosos comuns: "Eu não acho que uma greve de fome possa ser usada como pretexto humanitário para a libertação de prisioneiros.Imagine se todos os detentos de São Paulo entrassem em greve de fome para exigir liberdade". Ao proferir essa declaração Lula não somente traiu a sua própria história de ex-preso político de uma ditadura, mas abalou a construção de uma proeminente projeção internacional para a qual essa mesmíssima história é o insumo principal. Tal abalo não é atenuado pelo fato de a trapalhada decorrer não de suas convicções mais arraigadas, mas de sua precariedade intelectual, como bem diagnostica Fábio Wanderley Reis em sua coluna desta segunda-feira ("Engrossando ocoro").Aprofundemos este ponto.

Tanto a imprensa internacional quanto diplomatas estrangeiros com os quais se conversa apontam que durante o governo Lula houve um aumento da importância do Brasil no cenário mundial. Esse ganho de relevância se deve a quatro fatores: (1) a consolidação da economia brasileira como potência emergente (ressaltada em recente reportagem de capa da revista"The Economist"); (2) a posição politicamente moderada do Brasil, maior país da América Latina, num contexto regional apinhado de governos radicais (como Chávez, Morales, Correa e, em menor medida, Kirchner);(3) o maior ativismo do Brasil nos fóruns internacionais (liderando países do "sul" em agrupamentos como o G-20); (4) a figura singular de Lula, que por seu carisma e, sobretudo, por sua trajetória de vida notável (do pau de arara à Presidência), fez por merecer especial deferência da opinião pública internacional.

O primeiro e o segundo fatores devem permanecer, qualquer que seja o próximo governante. O terceiro pode ou não ser mantido, a depender de quem ganhar as próximas eleições. Já o quarto fator é indissociável da pessoa do atual presidente e é ele, especificamente (ainda que reforçado pelos outros três aspectos), que catapultou Lula para uma posição de destaque na cena internacional - bem mais proeminente do que implicaria seu próprio mandato de chefe de Estado num país das dimensões do Brasil. Sair da pobreza e chegar à Presidência ajuda;contudo, não é o único ponto - até porque, há um elemento estritamente político que é decisivo nesse caso: o papel histórico desempenhado por Lula como um líder dos mais pobres e dos politicamente oprimidos, que enfrentou uma ditadura, sendo até mesmo por ela encarcerado em decorrência de sua luta. Isso assemelha sua trajetória à de Nelson Mandela, assim como aproximara, no passado, à de Lech Walesa. Ou seja,a construção internacional da figura de Lula como um líder destacado não se deve apenas ao que ele faz na Presidência da República, mas,primordialmente, ao que fez - e o que sofreu - antes de conquistá-la.

Em virtude disso, ao assumir a defesa da autocracia cubana sob a camuflagem do respeito à soberania nacional daquele país, rebaixando presos políticos que se opõem a uma ditadura à condição dedelinquentes, Lula rebaixa seu próprio passado e, consequentemente,compromete seu futuro como líder global. Afinal, que sentido há em dignificar uma liderança em função de qualidades que ela mesma faz questão de escarnecer? Desse modo, ao que indicam as reações mundo afora, o presidente brasileiro sai desse episódio bem menor do que entrou. As cogitações em torno de uma futura atuação em organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas,antes aventadas, deverão entrar num período de recesso ou mesmo de questionamento.

Entretanto,perdas políticas significativas desse episódio tendem a ficar restritas ao front externo. No Brasil, tradicionalmente, a política externa é tema ausente do processo eleitoral e isso não deverá mudar este ano,ainda que a oposição venha a se esforçar por fazê-lo, trazendo à baila as deploráveis declarações do presidente. O debate em torno desse assunto e a indignação com a declaração de Lula tendem a transcorrer unicamente entre os setores mais informados da população e os porta-vozes da opinião pública. Mas não serão estes que decidirão a eleição.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP. O titular da coluna, Raymundo Costa, está em férias

Os Cariocas - Ela é carioca

Jarbas silencia sobre a candidatura Robalinho

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Nome articulado pelas oposições para a disputa estadual, senador prefere não comentar a decisão do PPS de lançar o ex-secretário de Saúde ao Senado. Nos bastidores, teme-se mais divisão no bloco

Sheila Borges

O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) nome que as oposições trabalham para a disputa estadual com o governador Eduardo Campos (PSB) não quis se pronunciar, ontem, sobre a decisão de seu amigo pessoal, o médico Guilherme Robalinho, de lançar oficialmente a sua pré-candidatura ao Senado pelo PPS. Iniciativa que ameaça dividir ainda mais as oposições, que já têm as pré-candidaturas à reeleição dos atuais senadores Marco Maciel (DEM) e Sérgio Guerra (PSDB). Com Robalinho, um dos dois senadores será rifado pelo PPS, provavelmente Maciel.

O ideal é uma chapa fechada. Assim (com mais uma candidatura), cria dificuldade. É muito delicado, não resta dúvida, comentou O presidente regional do PMDB, Dorany Sampaio. Essa também é a percepção da maioria dos líderes oposicionistas que se posicionaram em reserva.
Eles, no entanto, reconhecem a legitimidade do PPS. Na eleição de 2002, a agremiação tomou a mesma atitude lançou Nelson Borges ao Senado. O partido, contudo, ganhou espaço no guia eleitoral dos majoritários e, com isso, divulgou a sigla. Quer repetir a experiência com Robalinho.
Assim, os pré-candidatos proporcionais podem ser favorecidos com o voto de legenda, principalmente o deputado federal Raul Jungmann, presidente regional da agremiação e que tentará se reeleger.

Mas o projeto das oposições é maior. Está direcionado nacionalmente para a eleição do governador José Serra (PSDB-SP) à Presidência da República. E, em nível local, voltado para a provável campanha de Jarbas, que ainda não confirmou sua pré-candidatura a governador. O peemedebista espera o anúncio oficial de Serra, o que só deve ocorrer no fim do prazo de desincompatibilização, no início de abril.

Esse é só mais um problema para as oposições. Nos últimos dias, o grupo tem enfrentado dificuldades para garantir a unidade de sua base de sustentação em Pernambuco. O poder do Palácio estimula o adesismo de prefeitos e líderes políticos do interior que estão declarando apoio à reeleição do governador Eduardo Campos (PSB). Ele conta ainda com a colaboração de um forte cabo eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem registrado altos índices de popularidade.

Minha candidatura não é para dividir

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Manoel Medeiros Neto

Nem Marco Maciel (DEM), nem Sérgio Guerra (PSDB), muito menos Jarbas Vasconcelos (PMDB). O médico e ex-secretário estadual de Saúde Guilherme Robalinho (PPS) largou na frente ontem e se colocou como o primeiro pré-candidato majoritário oficial do campo oposicionista no Estado. Mirando uma das duas vagas ao Senado disponíveis no pleito de outubro, a pré-candidatura de Robalinho foi oficializada em evento prestigiado por militantes de três partidos. Além do PPS, sigla na qual está filiado desde 2005, compuseram o cerimonial da solenidade filiados ao PMN e ao PSL.

Apesar de nunca ter sido testado nas urnas, o discurso de Robalinho demonstrou disposição para o teste. Ele rememorou as gestões de Jarbas à frente da Prefeitura do Recife (entre meados dos anos 80 e a primeira metade da década de 90) e do governo do Estado (1999-2006), citou a aproximação com o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e não se esquivou quando questionado sobre a conjuntura política da oposição em Pernambuco. Sou amigo pessoal de Jarbas e ele sabe que eu entrei nisso jamais para dividir e sim para ajudar. Eu converso com Jarbas frequentemente. Tenho ligação com ele desde a época em que ele servia ao Exército. É uma amizade com laços familiares.

Questionado se o senador influiu na sua decisão de aceitar o desafio eleitoral, Robalinho complementou: Quem conhece Jarbas sabe que ele não é de opinar sobre essas coisas. Eu fui secretário de Saúde da gestão e ele nunca me tocou um telefone num final de semana, sabe delegar funções. Tenho apreço por Marco Maciel e Sérgio Guerra, mas isso não nos impede de lançarmos nossa opção, afirmou.

Para o presidente estadual do PPS, deputado federal Raul Jungmann, o lançamento da pré-candidatura de Robalinho significa oferecer ao eleitorado pernambucano um nome que milita na esquerda e que não está associado com nenhum caso de corrupção. Nós temos identidade e vamos deixar para o eleitor fazer a escolha. Além dele, temos no lado da oposição dois senadores com excelentes currículos de trabalho.

No debate eleitoral, Robalinho pretende reforçar a tese de que o Estado precisa ser o indutor do desenvolvimento, além de trazer à tona as realizações da gestão do amigo e aliado político peemedebista. Nesse âmbito, o debate sobre o ano da saúde proposto pelo governador Eduardo Campos (PSB) vem à tona. Tem gente que acha que tudo começou com eles (gestores atuais). Robalinho coordenou no Estado a campanha de Serra à Presidência, em 2002.

Perfil

Nome: Guilherme Robalinho

Idade: 70 anos

Filiação partidária: Antes ligado ao PCB e ao MDB, filiou-se no PPS em 2005.

Histórico: Presidente da União dos Estudantes de Pernambuco antes da ditadura, ajudou a fundar o Movimento de Cultura Popular na gestão de Arraes na PCR (1959-62). Nunca foi candidato, mas sempre esteve ao lado de Jarbas nas campanhas. Nas gestões do ex-governador, atuou como secretário de Saúde.

Justiça veta propaganda do PT com Lula e ministra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Clarissa Oliveira

A Justiça Eleitoral ordenou ao PT paulista que tirasse do ar as inserções veiculadas na televisão desde o fim da semana passada, que têm como protagonistas o presidente Lula e a ministra Dilma Rousseff. No vídeo, Lula procura aproximar do eleitorado paulista sua pré-candidata ao Planalto. Após ela dizer que tem "muito carinho e respeito" pelo Estado, ele afirma: "Essa mineira que viveu no Rio Grande é a cara e a alma de São Paulo."

A decisão foi tomada em resposta a um pedido de suspensão apresentado pelo PMDB. O mesmo pedido foi apresentado pelo PSDB. O corregedor regional eleitoral Alceu Penteado Navarro concluiu que as inserções contrariam a lei que rege a propaganda partidária. A regra proíbe expressamente a promoção de candidatos a cargos eletivos.

"Há elogios rasgados à candidata escolhida para ser a sucessora de Lula", diz o advogado do PMDB, Ricardo Vita Porto. O partido quer que o PT perca cinco vezes o tempo utilizado irregularmente na TV. Não há previsão de multa por propaganda antecipada para a eleição presidencial, o que, segundo o advogado, é de competência do TSE.

Assim que foi avisado da proibição, o PT preparou a substituição dos filmes. "O PT vai recorrer dessa decisão. Mas, para nós, a disputa eleitoral não deve ser jurídica e sim de projetos políticos", respondeu o presidente estadual do PT, Edinho Silva.

Promotor rebate juiz e diz ter provas contra cooperativa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lilian Christofoletti

O promotor José Carlos Blat, que investiga a Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo) e seu presidente licenciado, João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, informou que o inquérito reúne "um contexto probatório inegável de documentos bancários, fiscais, contábeis, relatórios, além de depoimentos colhidos ao longo da investigação".

A declaração, feita por meio de nota, é uma resposta ao juiz Carlos Eduardo Lora Franco que, ao negar o bloqueio de contas da Bancoop, disse que o promotor não apresentou "a indicação clara e precisa dos elementos de provas" e que o Ministério Público é uma instituição de Estado, não de governo, e que a atuação dos promotores deve ficar acima de convicções políticas.

"Como promotor de Justiça [...], exerço uma carreira de Estado, não de governo. Não estou investigando pessoas ligadas a partidos políticos,mas sim dirigentes e ex-dirigentes de uma cooperativa habitacional que lesou milhares de famílias", informou Blat, que apresentará ao juiz novos dados para embasar o pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de Vaccari.

O petista nega as acusações e diz ser vítima de perseguição política.

Corretor detalha elo de fundos com mensalão

DEU EM O GLOBO

O corretor Lúcio Funaro denunciou ao Ministério Público Federal o desvio de recursos de fundos de pensão de estatais para o caixa dois do PT. Investigado no mensalão, Funaro foi beneficiado com a delação premiada.

Corretor: PT usou fundos de estatais

Funaro denunciou esquema de arrecadação usado no mensalão dos petistas

Fábio Fabrini e Carolina Brígido

BRASÍLIA - Numa série de depoimentos que vinham sendo mantidos em sigilo pelo Ministério Público Federal, o corretor do mercado financeiro Lúcio Funaro denunciou suposto esquema de arrecadação de recursos para o PT, em transações suspeitas com fundos de previdência de empresas estatais. Entre os principais acusados por Funaro estão o ex-ministro e deputado federal cassado José Dirceu, o ex-secretário de Comunicação do PT Marcelo Sereno, o atual tesoureiro do partido, João Vaccari, e até o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT).

Funaro, que passou a ser considerado testemunha-chave do mensalão do PT, recebeu o benefício da delação premiada. A Procuradoria Geral da República concordou em suspender as acusações contra ele em troca da colaboração nas investigações.

Os primeiros depoimentos foram prestados por Funaro entre novembro de 2005 e março de 2006. Neles, ele detalhou como funcionavam o pagamento do mensalão do PT ao Partido Liberal (PL), comandado na época pelo então deputado federal Valdemar Costa Neto. Funaro também levantou suspeitas contra o deputado do DEM Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), que investigava empresas do economista na época da CPI dos Correios.

Pagamento de meio milhão por fora

Os depoimentos foram incluídos no processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o mensalão.

Segundo Funaro, havia desvios contínuos de dinheiro nos fundos de estatais. Um dos beneficiados seria Dirceu, que nega. Funaro cita negociações feitas pela Fundação Portus, dos trabalhadores portuários, que, segundo ele, podem ter rendido R$ 5,5 milhões em propina.

Num dos depoimentos, prestado em 16 de novembro de 2005, Funaro diz que a fundação vendeu participação num shopping em Blumenau (SC). Na transação, teria sido feito um pagamento por fora de R$ 500 mil. Funaro diz que não sabia, ao certo, se o dinheiro iria para as mãos de Dirceu ou para os cofres do PT. Segundo ele, a venda não seria vantajosa para a Portus, pois as finanças do shopping estariam em curva ascendente.

Foi paga apenas uma entrada; as demais parcelas seriam custeadas pelos dividendos das cotas do shopping, repassadas ao comprador.

O próprio Funaro disse ter se interessado pela transação inicialmente, mas desistiu quando soube da necessidade do pagamento de propina.

Ele acrescentou no depoimento que a ligação de Dirceu com a Portus era estreita: o próprio ministro teria nomeado a direção da entidade.

No decorrer de 2004, ano de eleições municipais, um imóvel da Portus em Joinville foi vendido e teria rendido outros R$ 5 milhões. Funaro disse no depoimento que a operação teria rendido pagamento de propina, mas não menciona o nome do beneficiado.

Ele apenas dá a entender que o dinheiro por fora também seria para abastecer o PT. O GLOBO entrou em contato com a Fundação Portus ontem, mas um funcionário informou que o expediente da empresa tinha terminado às 17h.

Denúncias contra PT e deputados do DEM

Outro beneficiado por supostos desvios seria Lindberg Farias. Segundo Funaro, na campanha de 2004, o então secretário de Comunicação do PT, Marcelo Sereno, teria operado desvios da Fundação Núcleos, da Eletronuclear, para abastecer a campanha de Lindberg. Tem conhecimento que todas as operações da Fundação Núcleos eram comandadas pelo Sr. Marcelo Sereno, com o objetivo de lesar o fundo e financiar a campanha do deputado Lindberg Farias à eleição da prefeitura de Nova Iguaçu, relatou Funaro.

Mas ele não citou valores ou detalhes da suposta irregularidade.

Funaro sugeriu que o Ministério Público investigue a empresa ASM Asset, que teria feito negócios com fundações ligadas ao PT e chefiadas por João Vaccari que, segundo o depoente, era preposto de José Dirceu e Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT).

O corretor também levantou suspeita sobre a atuação de José Mentor (PT-SP) na relatoria da CPI do Banestado, em 2004. Segundo Funaro, o deputado teria recebido dinheiro para excluir do relatório final da comissão nomes ligados ao Banco Rural e ao PT, para quem Marcos Valério de Souza, apontado como operador do mensalão, atuaria como lobista na comissão.

Nos depoimentos, Funaro também afirmou que foi pressionado por ACM Neto, na época subrelator do esquema de fundos de pensão na CPI dos Correios, para entregar documentos que incriminavam o banqueiro Daniel Dantas. Por meio de interlocutores, o parlamentar teria prometido a Funaro que, em troca dos documentos, ele e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) não vazariam à imprensa informações que o prejudicassem nas investigações.

Os papéis na mira da CPI mostrariam a movimentação financeira do Opportunity Fund nas Ilhas Cayman.

Funaro entregou esses documentos ao MPF no dia do depoimento.

Subir de nível - Editorial

DEU EM O GLOBO

O mensalão, escândalo que passa à História como símbolo do abalo na imagem do PT como legenda ética, pode ressurgir na campanha deste ano para atazanar o projeto de poder petista. O caso de supostos desvios de dinheiro da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) para o caixa dois petista na campanha de Lula à Presidência em 2002 já exumara a operação dos aloprados, de 2006. Da Bancoop, dirigida pelo atual tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, principal alvo das investigações mantidas pelo Ministério Público de São Paulo há quase três anos, também teriam saído aqueles maços de dinheiro apreendidos antes de serem entregues em troca de um dossiê falso contra Serra, candidato ao governo de São Paulo, naquele ano.

Agora, na última edição de Veja, o doleiro Lúcio Funaro estabelece ligações entre João Vaccari, o esquema de suprimento de dinheiro ilegal do mensalão e fundos de pensão de estatais, sob controle de sindicalistas da CUT/PT. Funaro é um homem-bomba a ameaçar o PT.

Para não ser acusado pela Procuradoria Geral da República no processo do mensalão, em 2005, Funaro fechou com o MP federal um acordo de delação premiada informações e provas em troca de redução de pena. Diz Funaro que, em 2003 e 2004, quando os dutos do mensalão transportavam altos valores em dinheiro vivo, João Vaccari Neto recolheria propinas em negócios intermediados por ele entre alguns desses fundos e empresas interessadas em entrar neste mundo, em que as cifras são contadas em bilhões. As comissões iriam para o caixa dois petista. No circuito estaria ainda o indefectível Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, peça importante nas engrenagens do mensalão.

A importância do relato está em unir a ponta da coleta de fundos ilegais para o partido com o braço sindical e financeiro sob controle de militantes do PT e da CUT. O poder de mobilizar dinheiro desses fundos é gigantesco. E, teoricamente, a capacidade de gerar comissões e induzir doações de empresas a partidos, também. A história é de alta combustão, por envolver nomes estrelados do PT e ser levantada em período eleitoral. Semana passada, a Justiça de São Paulo, preocupada com a contaminação política do caso, rejeitou pedido do MP para bloquear contas da cooperativa, e pediu mais informações antes de decidir sobre a quebra de sigilo bancário de João Vaccari Neto. Fazem sentido os cuidados.

Mas todas as dúvidas e suspeitas precisam ser checadas e avaliadas.

Só com a iluminação desses meandros, a política brasileira tem chances de subir de nível.

A estreia de Gabeira com Cesar

DEU EM O GLOBO

Pré-candidato ao governo do Rio, Fernando Gabeira (PV) estreou num evento do DEM ao lado do ex-prefeito Cesar Maia e com críticas ao governador Sérgio Cabral e a seu choro por causa dos royalties. Gabeira elogiou o ex-adversário Cesar, agora seu aliado.

Gabeira elogia Cesar e ataca Cabral

Candidato do PV a governador vira estrela em encontro do DEM

Cássio Bruno e Juliana Castro

O pré-candidato ao governo do Rio pelo PV, deputado Fernando Gabeira, foi a estrela principal ontem do encontro do diretório regional do DEM, na Barra da Tijuca, onde estreou em eventos deste porte ao lado do ex-prefeito Cesar Maia (DEM), agora seu aliado oficial. Gabeira atacou seu adversário do PMDB, o governador Sérgio Cabral, que disputará a reeleição, e rasgou elogios a Cesar Maia, indicado pelo partido para disputar uma vaga ao Senado pela coligação PV/PSDB/DEM/PPS. Os verdes, porém, lançarão a vereadora Aspásia Camargo para o cargo.

No twitter, Cesar Maia reproduziu o discurso de Gabeira: Se (o governador) fosse presidente do Chile ou do Haiti, enroscaria em posição fetal e gritaria mamãe contou ele sobre o discurso de Gabeira, referindo-se ao fato de Cabral, na semana passada, ter chorado ao lamentar a aprovação da emenda Ibsen Pinheiro, que faz uma nova divisão dos royalties do petróleo e pode levar o Rio a uma perda anual de R$ 7 bilhões em arrecadação.

Mais tarde, o deputado minimizou: Disse apenas que, se o Cabral fosse presidente do Haiti ou do Chile, ele estaria numa situação crítica.

Cabral preferiu não comentar.

Gabeira também ironizou as viagens do governador para o exterior: Ele fica mais tempo em Paris do que em municípios do estado. Como fui muito ao exterior, não fico deslumbrado.

No encontro com o DEM, Gabeira enalteceu Cesar Maia: Cesar Maia é o melhor candidato para o Senado. É o que tem a maior experiência administrativa.

É o que tem a maior experiência política. É o que tem a maior experiência eleitoral entre todos os candidatos.

Os verdes resistem ao exprefeito e, por isso, não farão parte da aliança para o Senado.

Na divisão acertada, Gabeira encabeçará a chapa com o ex-deputado Márcio Fortes (PSDB), indicado para vice. Com isso, PPS e DEM vão escolher os candidatos para o Senado.

O presidente nacional do DEM, Rodrigo Maia, evitou mais polêmica: A aliança está montada. O problema já está totalmente superado.

O presidente regional do PV, Alfredo Sirkis, não participou do encontro, mas reafirmou não abrir mão de Aspásia.

A posição do PV é de não fazer coligação para o Senado disse Sirkis.

Pelo menos 400 pessoas estiveram na reunião, entre prefeitos, vereadores, deputados e pré-candidatos às eleições. Participaram ainda os deputados Índio da Costa e Solange Amaral, do DEM, e os tucanos Marcelo Itagiba, Luiz Paulo Corrêa da Rocha e Ronaldo Cezar Coelho.

A Europa inacabada e o B de Brics :: Lourdes Sola

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O noticiário internacional tem coberto temas que convergem num sentido muito preciso: pautam a agenda da política externa do próximo governo. Aos problemas da zona do euro somaram-se a visita da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, o périplo do presidente Lula pela região e a postura ativamente omissa do Brasil na questão dos direitos humanos em Cuba e no Irã. São temas que iluminam os testes de estresse por que passam duas modalidades distintas de integração regional, a da Europa e a da América Latina. Também realçam um contraponto: é no plano político que o lugar do B de Brics permanece uma questão em aberto. Em parte, porque o Brasil passou a ser um dos atores coadjuvantes no cenário global. Vale dizer, nossas responsabilidades estão mudando de natureza e de escala, paralelamente às mudanças no eixo de poder econômico global. Mas também porque o sentido dessas mudanças não está introjetado e decantado pelas autoridades pertinentes. Ainda se curvam a um tipo de pluralismo inaceitável: subordinam os direitos humanos (e a democracia) a uma ideia de "soberania" ou "legalidade" circunscrita ao Estado cubano ou ao iraniano.

É no plano político que os grandes ativos do Brasil e suas responsabilidades internacionais são inexplorados. Somos o único dos Brics sem armas nucleares. Somos parte do Sul, pelos níveis intoleráveis de justiça distributiva. Mas o caminho para superá-los, tal como nossa trajetória econômica, reflete o alinhamento da sociedade, e do eleitor-consumidor, com os valores do "Norte": pela via democrática, do compromisso com o constitucionalismo e por meio de um mix único entre Estado e mercado, como agentes de transformação social e econômica. Padrão consolidado nos anos 90. É nesse registro que os rumos da zona do euro nos interessam. Lá, como cá, "as grandes transformações" econômicas, boas ou adversas, definem as encruzilhadas, não os rumos: só propiciam os incentivos para as decisões estratégicas dos políticos eleitos.

O que está em jogo na Europa é a própria ideia de Europa, como a conhecemos hoje, ou seja, como resultado de uma construção política, idealizada pelos arquitetos do Tratado de Roma (1957): Jean Monet, Robert Schuman, Paul Henri Spaak e Alcide De Gasperi. A matriz da nova identidade europeia foi uma visão estratégica e algo utópica: construir uma comunidade de interesses econômicos e de recursos políticos para exorcizar a devastação de duas guerras, do Holocausto e da Guerra Civil na Espanha. Eles operaram simultaneamente em duas frentes. Na econômica, a integração substituiria o nacionalismo expansionista, baseado nas desvalorizações competitivas da taxa de câmbio. No plano político, o compromisso com um papel proativo de exportação da democracia para os vizinhos, reféns de ditaduras. Estes valores foram codificados nas condicionalidades políticas para acesso à União, as quais embutem uma concepção de democracia representativa, regulada pelo constitucionalismo liberal, de molde social-democrático, ou seja, solidário. Daí, as condições de um piso salarial mínimo e a redução das desigualdades regionais em cada país, tendo por referência os elevados padrões médios da União. Daí também a construção de uma rede de sustentação financeira - os "fundos estruturais" a custo quase zero - para as áreas subdesenvolvidas dos países em democratização, os do Sul e, depois, os pós-comunistas.

Por isso, a leitura economicista da União Europeia, a partir da União Aduaneira, é parcial e socialmente conservadora. Não faz jus ao sentido de missão que inspirou os governantes eleitos da Bélgica, da França, da Itália, do Luxemburgo, dos Países Baixos e da Alemanha Ocidental a darem início à construção da Europa. Saltam aos olho as qualidades de statemanship que deram corpo a essa visão, aprofundada por seus continuadores, Willy Brandt, François Mitterrand. Em suma, a construção da nova identidade europeia não ocorreu a reboque de interesses econômicos, mas, ao contrário, o interesse econômico em integrar a Europa explica a aderência dos setores não-democráticos do Sul à democracia. É o caso do setor financeiro na Espanha.

Essa ideia de Europa está em jogo, em virtude do que o Tratado de Maastricht e a unificação monetária significaram: um ato de delegação política de parte dos países membros e de seus respectivos eleitorados, pelo qual abdicaram de sua soberania monetária, transferida para o Banco Central Europeu. Em troca da preservação de sua soberania fiscal, a partir de padrões convergentes de autodisciplina. No longo prazo, a preservação da ideia matriz e da moeda comum forte, que a simboliza, depende de mais um giro do impulso unitário, ou seja, a construção da Europa como federação política. Isso requer um novo ato de delegação política, agora, a da soberania fiscal em benefício de entidades regulatórias supranacionais. A ideia de um Fundo Monetário Europeu se inscreve nesse cenário.

No curto prazo, isso depende de um processo de persuasão dos eleitorados nacionais e também de visão estratégica e qualidades de statemanship das lideranças políticas da Alemanha e da França. Será impossível, porém, realizar esse tipo de calibragem político-econômica sem outra "grande transformação", de corte keynesiano, em escala europeia. Por um lado, a reestruturação econômica e a disciplina fiscal que se requerem dos Piigs não podem ser contracionistas, nem pautadas por um tom punitivo por parte dos pesos pesados. Por outro, é fundamental que a Alemanha - país superavitário e cujo setor privado é o grande credor da Europa, graças aos níveis de poupança de sua sociedade - abra seus mercados, consumindo mais. A ser assim, continuará a fazer jus aos valores que moldaram sua liderança na construção da Europa: moeda forte e integração.

Professora da USP, ex-presidente da Associação Internacional de Ciência Política. É diretora do Global Development Network, do International Institute For Democracy e do Conselho Internacional de Ciências Sociais.

Governo e oposição em Israel se unem e cobram Lula sobre Irã

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No Parlamento israelense, presidente pede desarmamento nuclear global

No primeiro dia da visita do presidente Lula a Israel, o governo e a oposição israelenses, em raro momento de coesão, se uniram para criticar a aproximação do Brasil com o Irã e para pedir ao País que apoie as sanções contra Teerã. "Eles (o governo iraniano) adoram a morte, e vocês (brasileiros) adoram a vida", discursou o presidente do Parlamento, Reuven Rivlin, que sugeriu ao Brasil "acordar da sonolência" sobre o Irã. Na sua vez de discursar, Lula defendeu o fim da produção de armas nucleares, referindo-se às suspeitas sobre o Irã, mas também ao fato de que Israel tem arsenal atômico. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, disse que a pressão israelense já era esperada. "Não acho que houve rolo compressor", afirmou.

Governo e oposição de Israel cobram de Lula atitude mais firme contra Irã

Recado. Líder brasileiro diz que América Latina é "exemplo a ser seguido" de zona livre da ameaça nuclear e evita citar caso iraniano

Denise Chrispim Marin, ENVIADA ESPECIAL / JERUSALÉM

Partidos de oposição e situação de Israel uniram-se ontem para criticar a aproximação do Brasil com o Irã e fazer um apelo para que o governo brasileiro apoie as sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas contra Teerã.

O consenso das frentes políticas israelenses foi exposto diretamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se mostrou preparado para absorver o golpe desferido em sessão especial do Parlamento de Israel (Knesset). Em sua vez de discursar, Lula não mencionou a palavra Irã. Acentuou que a América Latina firmou um tratado que tornou a região livre de armas nucleares (Tlatelolco, de 1967) e lembrou que o Brasil conta com proibição constitucional à produção e ao uso de armamento atômico.

"Gostaríamos que o exemplo de nosso continente pudesse ser seguido em outras partes do mundo", afirmou, referindo-se às suspeitas sobre o programa iraniano e também ao fato de Israel possuir a bomba.

A posição brasileira em relação ao Irã foi alvo de duras críticas do presidente da Knesset, Reuven Rivlin, do premiê, Binyamin "Bibi" Netanyahu (ambos do partido Likud), e da líder da oposição, Tzipi Livni. "Não acho que houve um rolo compressor. Já era esperada (essa posição unânime)", reagiu o chanceler Celso Amorim.

O chanceler israelense, Avigdor Lieberman, decidiu boicotar Lula depois que o brasileiro supostamente se esquivou de prestar homenagem ao fundador do sionismo, Theodor Herzl. (Mais informações nesta página).

Em referência ao Brasil, Rivlin advertiu que "os países devem acordar da sonolência para enfrentar as bases satânicas desse regime dos aiatolás" e argumentou que uma posição contrária às sanções ao Irã daria um "sinal de fraqueza".

Perigo iraniano. Por fim, fez um apelo para que o País se una aos que reconhecem o "perigo iraniano" e aprove sanções. Lógica semelhante à que foi exposta por Bibi.

"Peço e espero que o Brasil apoie a frente internacional que se está cristalizando contra o armamentismo do Irã", disse o premiê. "Eles têm valores diferentes dos nossos e usam da crueldade. Eles adoram a morte e vocês (brasileiros) adoram a vida. Eles apoiam o terror e são o eixo fundamental contra a estabilidade e a paz no Oriente Médio."

A líder da oposição na Knesset defendeu o isolamento do Irã, por meio da aplicação de sanções, e sua expulsão da ONU - medida de retaliação política que, pela manhã, havia sido insinuada pelo presidente de Israel, Shimon Peres, a Lula.

Livni afirmou que Teerã se aproveita de sua aproximação com a América Latina. "O Brasil não pode dar legitimidade ao Irã", afirmou Livni, chanceler entre 2006 e 2009. "O Irã testa os limites do mundo livre. É preciso uma decisão enérgica e corajosa agora."

Respeito e amizade. O choque de posições entre o Brasil e Israel sobre a questão iraniana foi repetido, com mais argumentos e detalhes, durante o encontro reservado de Lula e Netanyahu. A reunião durou uma hora e meia e foi aliviada pela proposta do premiê de criar um mecanismo de consultas entre os chefes de governo e ministros dos dois países a cada dois anos. Lula pediu que a primeira reunião ocorra no Brasil em 2010.

Segundo Amorim, a franqueza dos dois lados foi combinada com sinais de respeito e amizade. A Netanyahu, Lula defendeu que ainda há espaço para o diálogo com o Irã.


"Vírus da paz"

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
PRESIDENTE DO BRASIL

"Tenho o vírus da paz desde que estava no útero da minha mãe" (durante discurso a empresários brasileiros e israelenses)

O ''vírus da paz'' de Lula - Editorial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Desta vez, a proverbial sorte do presidente Lula parece tê-lo deserdado. Ele desembarcou domingo em Tel-Aviv em meio a uma rara crise entre Israel e os Estados Unidos e a mais um bloqueio da Cisjordânia em represália a um novo surto de manifestações palestinas contra a política israelense de anexações em Jerusalém Oriental. Nesse ambiente, a pretensão de Lula de ser o "profeta do diálogo" ? como foi chamado dias antes pelo jornal israelense Haaretz ? se revelou, no mínimo, fútil. Enquanto o brasileiro fazia as malas para a viagem de 5 dias que o levará também aos territórios ocupados sob o controle nominal da Autoridade Palestina (AP) e, por fim, à Jordânia, um ministro israelense ainda mais à direita do que o premiê Benjamin Netanyahu fez o que em outras circunstâncias seria impensável.

Em plena visita do vice-presidente americano, Joe Biden, ele anunciou a construção de 1.600 moradias em Jerusalém Oriental, onde os palestinos querem instalar a capital do seu futuro país. Foi um golpe deliberado nos esforços do governo Obama para ressuscitar as negociações de paz na região, congeladas desde dezembro de 2008. Biden saiu humilhado de Israel. Em Washington, a secretária de Estado Hillary Clinton se disse "insultada" e o principal assessor do presidente, David Axelrod, falou em "afronta". Se Israel se permite ofender a tal ponto o seu maior e mais poderoso protetor, para não dar aos palestinos o Estado contínuo e viável reclamado pela comunidade internacional, incluídos os EUA, que diferença Lula imagina que poderá fazer?

Ontem, ele disse ser portador, "desde que estava no útero da minha mãe", do "vírus da paz". O metafórico micróbio não contaminou os israelenses. O presidente Shimon Peres foi absolutamente protocolar quando disse em discurso saber que o brasileiro trazia uma mensagem de paz ? e que "sua contribuição será bem-vinda". Do lado israelense é que não será. Primeiro, porque a ideia lulista de "ouvir mais gente", como já não bastassem a ONU, a União Europeia, os Estados Unidos e a Rússia, é anátema para um governo que acha que a maioria dos países tende a ser pró-palestinos e quer forçar Israel a concessões "inaceitáveis" (como coibir os assentamentos na Cisjordânia e dividir Jerusalém em duas). Segundo, porque a "gente" em que Lula pensa inclui ninguém menos do que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, que prega a erradicação de Israel (perto disso, a negação do Holocausto é detalhe).

Segundo o assessor Marco Aurélio Garcia, o Irã não pode ser ignorado porque tem "influência de peso" na questão. É o contrário. A República Islâmica é que não poderá ignorar o eventual acordo de paz a que se opõe porque legitimaria o Estado judeu. Influência de peso na questão, isso sim, tem a Liga Árabe, a começar da Arábia Saudita. Em 2002, os sauditas conseguiram que a entidade aprovasse um plano de paz pelo qual, em troca da devolução dos territórios tomados na Guerra dos Seis Dias as relações entre Israel e o mundo árabe seriam "normalizadas". Deu em nada. Há pouco, a Liga defendeu a retomada de negociações ? indiretas ? entre Israel e a Autoridade Palestina. (Dezessete anos depois do aperto de mãos de Yitzhak Rabin e Yasser Arafat na Casa Branca, fala-se em conversações indiretas como se fosse um progresso.)

Lula e o Itamaraty parecem ignorar ainda que a aproximação do Brasil com o Irã, valha o que valer, não é malvista só em Israel, na região. A Arábia Saudita e o Egito, os dois principais países árabes, tampouco se rejubilam com isso. Enfim, a soberba da diplomacia lulista chega ao disparate de supor que a atual posição "cética e dura" dos EUA em relação a Israel, nas palavras de Garcia, facilitará o ingresso de outros atores, um deles o Brasil, no processo de paz no Oriente Médio. É, de novo, o mundo de ponta-cabeça. Se Netanyahu não ceder a Obama, cederá a quem? A Lula? O sonho faraônico de se transformar no estadista global que entrará para a história por ter tido êxito ali onde todos fracassaram nos últimos 60 anos conduz Lula da futilidade à ridicularia. E isso porque a diplomacia lulista, partidária e eleitoreira, só visa a promover a imagem de seu guia perante o público interno.

Propondo-se a mediar não apenas o conflito histórico entre judeus e palestinos, mas também o conflito interno entre palestinos do Hamas e do Fatah, Lula exibe o grau de exacerbação da sua megalomania.

Tantas vidas :: Graziela Melo

Tantas vidas
Já passaram
Tantas águas
Desabaram!!!
Lentos barcos
Navegaram
Vivas bocas
Se encontraram
Homens mortos
Se enterraram
Amores loucos
Naufragaram
Sonhos
Que engendrei
Se esfumaram
E os resonhei!!!!!!
Por quantas ruas
Vaguei,
Bares
Por onde andei,
Botecos
Aonde entrei

Te busquei...

Esquinas
Onde espreitei
Teus olhos
Não mais
Encontrei
Sempre
Que os procurei!!!
Mas nunca
Os esquecerei!!!


Rio de Janeiro, março/2002

Nelson Freire - Dança do Índio Branco - Heitor Villa-Lobos

O QUE PENSA A MÍDIA

EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
Clique o link abaixo

Juros e política:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A reunião do Copom esta semana será a mais difícil do governo Lula. Houve outras que foram verdadeiros testes de autonomia do Banco Central.

Nesta,os rumores de que o presidente do BC pode se afastar para retomar a carreira política e as pressões contra a alta dos juros por causa do calendário cívico alimentam as dúvidas sobre o que acontecerá.

Os analistas estão divididos.

O Itaú Unibanco acredita que os juros vão subir 0,5 ponto percentual. O Bradesco também acredita em um aumento de 0,5 ponto percentual. A Tendências acha que os juros não vão subir em março, só em abril. A MCM também aposta que os juros vão subir só em abril, mas acha que o certo seria subir agora.

O economista José Júlio Senna, da MCM,analisando novamente as atas dos momentos críticos, disse que o BC só muda a trajetória dos juros depois de uma ata forte.

Foi assim em 2007, quando parou de reduzir os juros; em 2008, quando elevou as taxas; e em 2009, quando voltou a cortar. Por isso, acha que o BC vai elevar o tom nesta ata e subir juros só na próxima. Mas não acha que isso seja o melhor: Pelo cenário atual, o recomendável seria subir juros já na quarta-feira. Do contrário, teremos 45 dias de piora das expectativas disse Senna.

O Banco Central do Brasil não é autônomo. Ele tem tido autonomia. Nos grandes testes, o Copom acabou decidindo certo ou errado mas contrariando pressões explícitas da Fazenda e outros setores do governo.

Pelo manual das metas de inflação, há motivos para subir os juros: a inflação pelo IPCA acumulada em dois meses é de 1,54%, um terço da meta, e é o que o Banco Central, em dezembro, tinha projetado para todo o primeiro trimestre. A projeção da Ativa Corretora para o IPCA acumulado no trimestre é de 2%.O IGP-DI, que terminou o ano com deflação, em dois meses acumulou2,11%. O Boletim Focus, que traz a projeção média do mercado, já prevê5% de inflação no ano.

Recentemente, o presidente do BC,Henrique Meirelles, disse que as decisões não são tomadas olhando se o calendário cívico. O texto dessa declaração foi preparado por ele mesmo, e não por assessores. Ele leu e não deu entrevistas. Era aquilo mesmo que queria dizer. No outro dia, no entanto, o ministro Guido Mantega disse que não era exatamente aquilo que Meirelles quisera dizer.

Até hoje Meirelles tem de fato ficado imune ao calendário político, mas o que acontecerá se em seus planos estiver o de se afastar em abril para concorrer nas eleições deste ano? Há quem se pergunte se será possível ao BC iniciar um ciclo de aumento das taxas, o que significa elevar a cada reunião um pouco, apesar da tensão que isso vai causar no governo por causa da campanha eleitoral.

Preços em alta sempre pioram o humor do eleitorado; juros crescentes sempre pioram o humor dos políticos, empresários e dos que dentro do governo acham que o Banco Central tem sido conservador demais. Esse será o dilema nesta e nas próximas reuniões do Copom.

Se Meirelles sair, uma equipe mais dócil pode acabar evitando a elevação das taxas, e isso poderia realimentar a inflação. Se ficar, certamente continuará apostando tudo na manutenção da inflação baixa para manter a reputação de independente.

O Itaú Unibanco acha que os juros sobem meio ponto, e já esta semana.

O Copom vai iniciar na próxima reunião uma série de elevações graduais da taxa.

Acreditamos que serão quatro aumentos consecutivos, que começará por meio ponto percentual na próxima reunião e vai somar 2,75 pontos ao longo de toda a série.

Ao fim desse movimento, na reunião de julho, a Selic estará em 11,5% ao ano disse Ilan Goldfajn.

Os que acreditam que o aperto virá mais à frente argumentam que a economia vai desacelerar naturalmente do nível anualizado que mostrou no quarto trimestre, de 8%. Esse ritmo não se sustentaria, porque foram retirados os estímulos econômicos de combate à crise, e o comércio mundial continuará fraco e servirá de freio ao crescimento do país. Além disso,a inflação deste começo de ano foi influenciada por fatores sazonais,como ônibus e escolas, que não vão afetar os outros meses.

A Tendências consultoria acha que os juros não sobem agora em março, masque em abril começa o ciclo de alta, que vai elevar em 2,5 ponto percentual os juros.

O crescimento do quarto trimestre do ano passado foi pautado pela reocupação da capacidade ociosa, dos incentivos ao consumo. Isso não vai se repetir ao longo do ano. Além disso, o mercado externo não se recuperou totalmente explicou o economista Bernardo Wijuniski.

Eu acho bem provável que o Banco Central aumente, mas apenas 0,25%, dando um sinal de que é o início de um ciclo de aperto monetário. Se esse ciclo ocorrerá e será longo, isso quem vai dizer é a queda de braço entre a política e a economia. Se o BC quiser subir juros, é preferível subir logo porque a campanha ainda não esquentou.

Depois virá a Copa, em que o Brasil pouco se importará com juros. Se as taxas subirem agora, em setembro e outubro é que elas estarão derrubando a inflação. Será uma forma de atender, sem parecer que está atendendo, ao calendário cívico.

A guerra fria no comércio mundial:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Protecionismo "oficial" não causou baixa no comércio, mas ações na OMC cresceram mais de 100% desde 2007

A ameaça brasileira de elevar impostos de importação de produtos americanos suscita o alerta exagerado de risco de guerra comercial com os EUA. O subsídio americano ao algodão foi condenado na Organização Mundial do Comércio (OMC). Os EUA deram de ombros, e o Brasil ameaça retaliar.

A iniciativa parece diplomaticamente um tanto desastrada. Mas é difícil o Brasil ficar fora da guerra comercial, que fermenta. França e europeus mais pobres se queixam da Alemanha. Os EUA, da China.

"Guerra fria", pois, nesta crise de 2007-2010, as ameaças de protecionismo até agora são muito mais comuns do que novas barreiras oficiais a importações. O comércio mundial caiu 9% no ano passado, a maior baixa desde a Segunda Guerra.

Desânimo do consumidor, restrição de crédito para famílias e empresas e seca de financiamento para o comércio internacional foram as causas da baixa, diz o economista Jian Wang, do Federal Reserve de Dallas. Não o protecionismo.

Mas Wang nota que o número de pedidos de processos na OMC tem crescido. No primeiro semestre de 2009, o número de queixas subiu 20% sobre a primeira metade de 2008. No primeiro semestre de 2008, havia crescido 86,8% sobre a primeira metade de 2007.Tais reclamações podem se tornar restrições comerciais de fato a partir deste ano. Wang observa ainda que o número de barreiras pode crescer anos depois do pior de uma crise. O pico da recessão anterior foi em 2001. O grosso das medidas destinadas a barrar importações barateadas marotamente ocorreu em 2003.

Wang, como tantos outros, diz que países com superavit comerciais excessivos precisam consumir mais (trata-se de China, Alemanha e Japão). Isto é, deixar que os salários reais subam e "crescer para dentro", importando mais e estimulando economias do resto do mundo.Parlamentares americanos pediram ontem que Barack Obama declare oficialmente que a China manipula o câmbio. Isto é, que mantém sua moeda desvalorizada demais, de modo a baratear seus produtos e exportar mais. Caso a China não se emende (até parece), querem que o governo vá à OMC pedir retaliações contra os chineses. O Nobel de Economia Paul Krugman acha que o excesso chinês no comércio ajuda a deprimir a economia mundial.

A ministra das Finanças da França, Christine Lagarde, disse ao jornal britânico "Financial Times" que os produtos alemães são competitivos porque a Alemanha arrocha salários. Os alemães bufaram e disseram que vendem mais porque são mais eficientes (embora arrochos sejam um fator de eficiência). O PIB alemão depende de exportações. Tal como a China, mas em muito menor escala, seu consumo doméstico é baixo. Os alemães em parte dependem do deficit comercial de vizinhos europeus, a quem criticam por terem deficit (entre outras críticas).

O governo brasileiro toma medidas desde 2008 a fim de reduzir, de modo indireto, o efeito do real forte.

Colocou mais dinheiro barato no BNDES, baixou impostos e deve tomar mais medidas de estímulo até meados do ano (a melhor delas seria baixar o consumo do governo). Não temos cacife para muito mais. Como vamos aumentar a produtividade?

A grande teta:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Há pelo menos duas coisas erradas na maneira como os políticos estão encarando os royalties devidos pelo petróleo e pelo gás do pré-sal.

A primeira delas é entender que royalty seja receita tributária passível de ser distribuída de modo equânime para Estados e municípios, de acordo com o tamanho da população, como se fosse receita tributária ordinária.

A segunda é encarar as rendas do petróleo como uma teta enorme e inesgotável na qual todos podem se pendurar e sugar à vontade.

Royalty é uma indenização. É uma reparação à população pelas perdas de patrimônio infligidas pela exploração de uma riqueza, especialmente não renovável, como minério e petróleo.

A exploração de petróleo traz muitos benefícios aos Estados e municípios: proporciona o aparecimento de uma nova indústria local e de uma gama enorme de empresas de prestação de serviços que, por sua vez, criarão novos fatos geradores de impostos de que se beneficiarão os poderes públicos.

Mas não dá para negar que trará novos problemas e novos encargos. Leva embora riquezas que um dia se esgotarão, produzem passivos ambientais de várias magnitudes e exigem por parte dos Estados e municípios dispêndios em infraestrutura (estradas, pontes, energia elétrica, rede de esgoto, etc.). Assim, os royalties são um instrumento por meio do qual se paga uma reparação às populações locais pelos problemas que terão de enfrentar.

Ainda assim, deve-se discutir se os royalties devidos por exploração de petróleo e gás a mais de 300 quilômetros mar adentro devam proporcionar o mesmo volume de royalties do que os devidos pelas explorações em terra ou em jazidas próximas à costa. Alguns dos poços localizados em alto mar nos Estados do Rio e do Espírito Santo, por exemplo, ficam mais distantes do litoral do que a fronteira que esses Estados dividem com Minas Gerais.

Isso posto, não faz sentido argumentar, como vem fazendo o deputado gaúcho Ibsen Pinheiro (PMDB), autor da emenda aprovada na Câmara, que o petróleo é da União e que, por isso, todos os Estados e municípios têm o mesmo direito de se aproveitar de suas receitas. Fosse procedente esse argumento, toda a renda da exploração de petróleo e de gás obtida no País - e não só a do pré-sal - teria de ser distribuída para todos os Estados e para todos os municípios. O que deve ser objeto de distribuição por meio dos fundos previstos para isso é a receita tributária ordinária e não os royalties do petróleo e do gás ou de outro produto mineral.

Também não faz sentido a defesa que o senador gaúcho Pedro Simon (PMDB) está fazendo de que as receitas que os Estados do Rio e do Espírito Santo esperavam obter e que, uma vez aceito o entendimento oportunista do deputado Ibsen Pinheiro, deixarão de receber, devam ser objeto de nova indenização, desta vez a ser proporcionada pela parte nas receitas do petróleo que cabe à União. Ou seja, os contribuintes de todo o País seriam obrigados a pagar pelas lágrimas eleitoreiras do governador do Rio, Sérgio Cabral.

A Câmara dos Deputados cometeu um grave erro por ter dado aos royalties do pré-sal uma destinação interesseira. E, pelo que se vê, o Senado está sendo tentado a remendá-lo com outro erro. Mas há tempo de corrigir o estrago.

Confira:

Retificação - Na coluna de sábado (Investimento hoje e produção amanhã) ficou dito erradamente que o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo - FBCF) correspondeu a 18,7% do PIB brasileiro em 2009.

Esses 18,7% dizem respeito ao investimento em 2008 e não em 2009. O gráfico acima aponta as proporções corretas da FBCF nas Contas Nacionais nos primeiros sete anos da administração Lula.

Ficam aqui os agradecimentos ao leitor F. R. Versiani por gentilmente ter apontado a escorregada.

COB: mudança no pré-sal inviabiliza Jogos no Rio

DEU EM O GLOBO

Para Nuzman, seria quebra do contrato assinado por Lula
O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de 2016 divulgou nota, assinada pelo presidente Carlos Arthur Nuzman, dizendo que, se o Estado do Rio perder recursos dos royalties do petróleo, com a aprovação da emenda Ibsen, ficará "sem condições de fazer as obras necessárias para os Jogos", e, se a situação "não for remediada, representará uma quebra de contrato". Com a emenda, o Rio deixará de receber cerca de R$ 7 bilhões por ano. O dossiê Rio 2016 estipula que "os três níveis de governo apresentaram ao Comitê Olímpico Internacional cartas de garantia assinadas". Se a emenda Ibsen prevalecer, o Rio, que hoje é o estado que mais recebe royalties e participações especiais do petróleo, perderá o posto, caindo para 22º lugar. A liderança ficaria com a Bahia, já que os recursos seriam divididos de acordo com as regras fixadas para o Fundo de Participação dos Estados. Hoje, a Assembleia Legislativa do Rio lidera um protesto, em frente à sua sede, no Centro, Contra a emenda Ibsen, às 14h30m. Amanhã, está prevista uma passeata entre a Candelária e a Cinelândia.

Prejuízo olímpico

Comitê diz que perda com royalties inviabilizará obras, o que representará "quebra de contrato"

RIO e BRASÍLIA - O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio 2016 divulgou nota, na manhã de ontem, na qual afirma que a aprovação pela Câmara dos Deputados, semana passada, da emenda Ibsen que altera a divisão dos royalties do petróleo deixará o Estado do Rio sem condições de fazer as obras necessárias para os Jogos Rio 2016 e que, se a situação não for remediada, representará uma quebra de contrato.

A nota é assinada pelo presidente do comitê, Carlos Arthur Nuzman, e revela uma mudança de tom no seu discurso. No sábado, Nuzman dissera que a perda dos recursos do petróleo não afetaria a Copa do Mundo de 2014 nem as Olimpíadas de 2016, já que o governo federal iria garantir recursos para a realização dos eventos. Com a emenda Ibsen, o Rio deixará de receber cerca de R$ 7 bilhões por ano.

Na nota, o comitê explica que, no processo de candidatura, o governo brasileiro apresentou garantias que passaram a fazer parte do contrato assinado com o Comitê Olímpico Internacional (COI) e se tornaram uma obrigação do Estado brasileiro, representado pelos governos federal, estadual e municipal.Qualquer decisão que afete a capacidade do Estado do Rio de Janeiro de cumprir várias obrigações tem impacto negativo na organização dos Jogo se, se não for remediada, representará uma quebra de contrato, continua a nota.

A questão das garantias financeiras fora tratada no volume 1 do dossiê Rio 2016, elaborado pelo comitê quando da candidatura. Na página 114, item 7.1, é dito que os três níveis de governo apresentaram ao COI cartas de garantia assinadas pelas suas respectivas autoridades máximas (...). Esse apoio foi reafirmado durante a segunda fase da candidatura, com a atualização da documentação de garantia, especificamente fornecida pelos governos(...).

Essas garantias são contratuais, dentro da estrutura legal existente no Brasil.

Cabral: Não é terrorismo

Também ontem, perguntado sobre o risco envolvendo a realização das Olimpíadas, o governador Sérgio Cabral voltou a criticar a emenda Ibsen, antes de participar da aula inaugural da Faculdade Bennett: Se essa emenda absurda for efetivada, o Rio deixa de ter recursos para fazer qualquer investimento, inclusive Olimpíadas e Copa do Mundo. É mais grave do que as pessoas estão imaginando.

Deixar de receber R$ 5 bilhões no caixa do governo mais R$ 2 bilhões no caixa das cidades é efetivamente parar o estado. Não é terrorismo, folclore ou exagero.Para o PAC, para tudo. Eu teria que deixar de pagar 220 mil aposentados e pensionistas.

Mais cedo, em Brasília, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), afirmou que as Olimpíadas no Rio não correm risco: Não quero deblaterar com o governador.

Estamos do mesmo lado.

Não acho que há risco para as Olimpíadas.

Não somos irresponsáveis, não vamos permitir que uma emenda inconstitucional passe a valer.