sábado, 27 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – Tancredo Neves

"Nação sem Constituição oriunda do coração de seu povo é nação mutilada na sua dignidade cívica, violentada na sua cultura e humilhada em face de sua consciência democrática

(Tancredo Neves, em 1983, ao deixar o Senado para assumir o governo de Minas Gerais)

No coração da grande política:: Marco Aurélio Nogueira

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

À memória de Gildo Marçal Brandão, cuja fibra generosa e combativa fazia com que rompesse fronteiras

Quem se interessa pelas coisas associadas ao poder e à comunidade humana costuma distinguir duas formas dominantes de política.

A pequena política expressaria um lado mais demoníaco e mesquinho, concentrado no interesse imediato, na artimanha e no uso intensivo dos recursos de poder. Seria o reino dos políticos com “p” minúsculo, onde preponderariam a simulação e a dissimulação, a frieza, o cinismo e a manipulação.

A grande política, por sua vez, refletiria o lado nobre, grandioso e coletivo da política, focado na convivência e na busca de soluções para os problemas comunitários. Seria o reino dos políticos com “p” maiúsculo, onde o privilégio repousaria na construção do Estado e da vida coletiva, na aproximação, inclusão e agregação de iguais e diferentes.

A grande política sempre carregou as melhores esperanças e expectativas sociais. Não seria exagero dizer que os avanços históricos estiveram na dependência da ação de grandes políticos, de estadistas, e da prevalência de perspectivas capazes de fazer com que frutificassem projetos abrangentes de organização social. Sem pontes para unir os territórios e fronteiras em que vivem homens e mulheres – com seus problemas, idéias, sentimentos e interesses –, o futuro fica turvo demais, entregue ao imponderável.

Mas a grande política não é o oposto da pequena, nem tem potência para eliminá-la. De certo modo, é seu complemento necessário, que a impede de produzir somente o mal ou o inútil, aquele que lhe empresta utilidade e serventia. Toda operação de grande política traz em si um pouco de pequena política, que ela tenta domar e direcionar. Não há muralhas separando um tipo do outro, que se retro-alimentam. O estadista nem sempre veste luvas de pelica.

Há momentos em que a pequena política parece tomar conta de tudo. Em que faltam perspectivas e o chão duro dos interesses se distancia uma enormidade do céu dos princípios e valores que enriquecem e dão sentido à vida. Nesses momentos, a pequena política desloca a grande para a margem. Cai então sobre as sociedades uma névoa de pessimismo e desesperança, que se materializa ou numa adesão unilateral aos assuntos de cada um, ou no reaparecimento de uma fé fanática na ação providencial de algum herói. Os políticos – grandes ou pequenos que sejam – terminam assim por ser execrados e empurrados para a vala comum que deveria acomodar os dejetos sociais.

Existem também os que pensam e estudam a política. Hoje, costumamos chamá-los de cientistas políticos, abusando de um vocábulo, a ciência, que nos convida a eliminar o que existe de paixão e fantasia na explicação do mundo. Alguns desses cientistas, radicalizando o significado intrínseco da palavra, acreditam que só podem “fazer ciência” à custa do sacrifício da história, das circunstâncias, das ideologias, da própria política, e por extensão das pessoas apaixonadas, cheias de dúvidas e motivos não propriamente racionais. Fecham-se numa bolha e cortam a comunicação com o mundo, enredando-se numa fraseologia despojada de qualquer efeito magnético.

Muitas vezes, de tanto se concentrar em seu objeto, tentar recortá-lo e isolá-lo da vida social, os cientistas políticos se banalizam. Perdem o interesse em ligar a grande e a pequena política, por exemplo. Dividem-se em grupamentos mais especializados na dimensão sistêmica do Estado – competições eleitorais, governabilidade, reformas institucionais – ou mais dedicados a articular Estado e sociedade, ou seja, a encontrar as raízes sociais dos fenômenos do poder. Não são tribos estanques, e invariavelmente combinam-se entre si. Mas distinguem-se pelas apostas que fazem. Ao passo que uns investem tudo na lógica institucional, outros se inquietam na busca dos nexos mais explosivos e substantivos, que explicam porque as coisas são como são e como poderiam ser diferentes.

Nos momentos em que a pequena política prepondera, multiplicam-se os que se ocupam da dimensão sistêmica. Embalados pelos ventos a favor, tornam-se especialistas em soluções técnicas, quase indiferentes à opinião e à sorte das maiorias. Suas soluções, porém, não resolvem os problemas das pessoas. E como, além do mais, não se preocupam em construir pontes de aproximação ou romper fronteiras que separam e afastam, deixam de contribuir para que se afirmem diretrizes capazes de fornecer novo sentido ao convívio social.

Um belo dia, aqueles que vêem a política sistêmica como a quintessência da política esgotam seus arsenais. Tropeçam diante da abissal complexidade da vida, que escapa das fórmulas mais engenhosas. Nesse momento, as atenções se voltam para os que pensam a grande política. Que são capazes de injetar idéias e perspectivas à política, retirá-la da rotina e da mesmice, fazê-la falar a linguagem dos muitos, projetá-la para além de fronteiras e interesses parciais enrijecidos.

Um círculo então se fecha e a política se mostra por inteiro. Na face menor, revela a pequenez, a malícia e a vocação egoística de tantos que se aproximam do poder para usá-lo sem causas maiores. Na face grande, resplandece o ideal de que o futuro, por estar sempre em aberto, pode ser construído com ideais, instituições democráticas, bons governos e cidadãos ativos, dando expressão igualitária a desejos, esperanças e convicções de pessoas dispostas a viver coletivamente.

O cientista político surge então de corpo e alma. Sem olhar com desprezo para o pequeno mundo da política miúda, que ele sabe ser parte da vida, mas sem perder de vista o valor da grande política, que exige idéias e doses expressivas de criatividade e desprendimento.

Quando ele falta, ou desaparece, um vazio se abre. E fica mais difícil de ser preenchido.

Marco Aurélio Nogueira, Professor Titular de Teoria Política da Universidade Estadual Paulista-UNESP

Temores::Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O governo brasileiro teme que eventuais sanções contra o Irã possam se voltar contra nós, pois os dois são países que estão no mesmo estágio de desenvolvimento da tecnologia nuclear e com a mesma intenção de controlar todos as etapas do enriquecimento do urânio.

A explicação é do ministrochefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Félix, ao negar informação publicada ontem aqui na coluna de que o órgão por comandado esteja fazendo consultas para um possível acordo nuclear com o Irã a ser assinado na visita que o presidente Lula fará àquele país, em maio.

O general Félix chegou a aventar a hipótese de que outro órgão qualquer do governo esteja fazendo essas consultas, embora esclarecesse que desconhecia qualquer movimento no sentido de um acordo com o Irã.

Pode ter havido também um mal-entendido qualquer, admite o general, devido a uma reunião que ele teve quinta-feira, no Rio, com órgãos ligados ao programa nuclear brasileiro, como a Nuclepe, a Eletronuclear, a INB (Indústrias Nucleares do Brasil) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen).

Ele, no entanto, assegura que o assunto da reunião foi o esquema de segurança de locais onde existem as usinas e outros equipamentos, função que passou para o GSI no ano passado.

De fato, dois dos três órgãos que, segundo apurei, receberam consultas sobre eventuais trocas de informações de interesse de Brasil e Irã no campo nuclear estavam na reunião do general Félix: a Eletronuclear e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnem). A terceira é o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, onde está a usina de Aramar.

O Brasil incluiu recentemente no Plano Nacional de Defesa a decisão de dominar o conhecimento e a tecnologia nucleares, como parte de seu programa de desenvolvimento estratégico, e considera que se o Irã for impedido de enriquecer o urânio a 20% como anunciou, de alguma forma a posição do Brasil pode ficar enfraquecida, pois nós já temos permissão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para enriquecer urânio nesse nível em Aramar.

A única fase do processo de enriquecimento do urânio que o Brasil ainda não está capacitado a realizar é a transformação do “yellow cake” — uma pasta de concentrado de urânio — , em gás ( hexafloreto de urânio), que é feita no Canadá ou na Urenco, um consórcio formado pela Holanda, Alemanha e Reino Unido.

Mas em meados deste ano esse processo, que já dominamos laboratorialmente, já estará sendo feito no país, fechando o ciclo.

A Marinha investe em uma usina que permita a produção do hexafloreto de urânio suficiente para nossas necessidades, para o caso de alguma razão estratégica impedir que outros países façam essa transformação para nós. O custo desta etapa do processo de enriquecimento do urânio é de apenas 5% do total, embora ela seja fundamental para as operação das centrífugas que enriquecem o urânio.

Os que defendem uma aproximação com o Irã nesse setor de energia nuclear acreditam que estar ã o p r o m o v e n d o u m a reinserção daquele país na legislação de salvaguardas internacionais fora das pressões americanas, defendendo a soberania dos respectivos programas nucleares.

À diferença do Irã, porém, além de ter assinado todos os tratados, o Brasil aceita as insp eções da AIEA. Além do mais, nós não estamos em uma região conflitada como o Oriente Médio e nem temos inimigos nas nossas fronteiras.

Aliás, a origem da assinatura do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em 1997 no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, está na necessidade de uma boa relação com a Argentina.


O ex-chanceler Celso Lafer considera que, para a América do Sul, o término da corrida nuclear significou a possibilidade de uma cooperação com a Argentina, que antes obedecia à lógica da corrida armamentista.


Antes da assinatura do TNP, foi criada a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), que permitia que os dois maiores países da América do Sul se fiscalizassem mutuamente.

O Brasil também aceitou, juntamente com Argentina e Chile, as emendas ao Tratado de Tlatelolco, e outro acordo estabeleceu normas de salvaguardas claras.

O entendimento generalizado no atual governo é que o Brasil não precisaria ter assinado o TNP, e o Ministro do Planejamento Estratégico, Samuel Pinheiro Guimarães, considera que o país cedeu a pressões dos Estados Unidos.

Por essa razão, o governo não está disposto a assinar um Protocolo Adicional ao TNP, como é desejo da AIEA, que considera que a usina de enriquecimento de urânio de Rezende não está coberta por salvaguardas suficientes.

Prevê-se que a negociação para a renovação da autorização de funcionamento da usina de Rezende, nos próximos meses, será tensa.

O Brasil assinou o TNP em 1997 e de lá para cá não negociou qualquer Protocolo Adicional, fazendo o mesmo que grande parte dos cerca de 200 países que o assinaram. Mas o momento político está mais tensionado devido justamente ao programa nuclear do Irã.

De acordo com especialistas, se o governo brasileiro pretende auxiliar o Irã a resistir às pressões vindas da maioria do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com forte liderança americana, um acordo nuclear atrairia maiores pressões contra o nosso próprio programa de desenvolvimento na área nuclear

Lula pisou em algum despacho:: Villas-Bôas Corrêa

DEU NO JORNAL DO BRASIL

A boa estrela do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ilumina os seus caminhos desde a mudança num pau de arara, com a heroica dona Lindu, sua mãe, e os irmãos dos cafundós de Garanhuns, uma cidade de meia dúzia de vielas no interior de Pernambuco, para São Paulo, quando começa a viver no maior centro urbano do país em marcha para a industrialização, consegue uma vaga no curso de torneiro mecânico como que vacinara o menino pobre, que nas ruas de Santos vende amendoim, laranja, tapioca, tangerina para ajudar a alimentação da família.

Ao mesmo tempo cursa a escola primária do Grupo Escolar Marcílio Dias, onde se alfabetiza. Quatro anos depois, dona Lindu muda-se para a capital, onde o garoto Luiz Inácio em três anos tira o certificado que o credencia a trabalhar na Fábrica de Parafusos Marte e, profissional competente, consegue trabalhar na empresa metalúrgica Vilares, em São Bernardo do Campo.

Em 1969, Lula casado com dona Marisa Letícia de Silva, também viúva e com quatro filhos, é convidado a participar da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de São Bernardo do Campo. E daí em diante o seu destino dispara em velocidade de carro de morro abaixo.

Eleito presidente em 1975, Lula cria o “novo sindicalismo”, com a liderança de antigas reivindicações, como remuneração salarial justa, garantia de emprego e melhores condições de trabalho. Reeleito presidente com 98% dos votos, em 1978, em plena greve nacional liderada por Lula, em desafio à legislação da ditadura militar.

Os últimos capítulos da novela são conhecidos. Lula funda o Partido dos Trabalhadores (PT), elege-se deputado federal com medíocre atuação na Constituinte de 1988. A sua vocação era para o Executivo. Lula tenta em obstinada determinação. Perde três eleições: uma para Collor de Mello, duas para Fernando Henrique Cardoso e se elege em 2002 para reeleger-se em 2008 para o mandato que termina em 2011.

Todo este longo e repetitivo rodeio é a modesta tentativa de estabelecer o contraste entre o ontem e hoje, na reviravolta de um longo período de bonança, onde tudo dava certo para o presidente Lula, desde o ousado lançamento na marra da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como a candidata do PT e dos que quisessem pegar uma carona na favorita, amparada pelos 82% de aprovação nas pesquisas, enquanto as oposições batem a testa na indecisão infinita da montagem da chapa.

Em que o presidente errou? O seu anjo da guarda, exausto de tanto carregar o saco dos sucessos, tirou um cochilo calamitoso na viagem sem quê nem para quê do presidente a Cuba.

É indesculpável que não tenha sido alertado pelo Itamaraty para a tensão nos porões da ditadura cubana com a agonia nos seus últimos estertores do preso político cubano Orlando Zapata Tamayo, que morreu após 82 dias de greve de fome em protesto contra as más condições da prisão e pelos direitos humanos.

A foto de Lula, em cores, na primeira página de O Globo de anteontem, seria proibida nos tempos do DIP. Entre o presidente Raúl Castro e o envelhecido Fidel Castro, Lula acaricia a barba no grupo sorridente.

A série de vexames não parou aí. A morte de Zapata provocou uma onda de violência e repressão em Cuba, com a prisão domiciliar e a detenção de dezenas de opositores que tentavam chegar a Holguín para o velório do operário detido desde 2003 e considerado preso pela anistia internacional.

A oposição no Congresso engoliu o constrangimento com a roubalheira no governo de Brasília, um feudo dos Democratas, recuperou a voz e subiu à tribuna parlamentar para protestar para um plenário às moscas, mas que sustentou um debate veemente.

O deputado José Carlos Aleluia (BA), vice-líder do DEM, foi ao acerto de contas com o governo: “Quem poderia imaginar um presidente operário, o nosso presidente metalúrgico, ir a Cuba para comemorar a morte de um dissidente do regime de Fidel Castro?

Isso é inaceitável. Tirar foto dando risada ao lado de assassinos, ao lado de bandidos, em Cuba”. A deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) pediu que fosse retirada do discurso a expressão “assassinos”.

Com o resto, pelo visto, está de acordo.

Joaquim Barbosa denuncia conduta 'inusitada' de perito do mensalão do PT

DEU EM O GLOBO

Ministro afirma que policial estaria criando obstáculos à investigação

Carolina Brígido

BRASÍLIA. O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo que investiga o mensalão do PT no Supremo Tribunal Federal (STF), enviou para a corregedoria da Polícia Federal um documento denunciando o comportamento “inusitado” do Instituto Nacional de Criminalística (INC) no caso. Segundo o ministro, o policial responsável por periciar as provas estaria criando obstáculos desnecessários para concluir o trabalho, atrasando o andamento da investigação.

O nome do perito não foi citado no despacho. Se a corregedoria concordar com Barbosa, poderá abrir uma investigação disciplinar contra o servidor.

Para concluir uma das perícias pedidas, o INC solicitou ao Supremo notas fiscais emitidas por uma empresa para o Banco do Brasil, junto com a descrição dos produtos adquiridos ou serviços prestados. O ministro pediu informações detalhadas ao Banco do Brasil, que respondeu à Corte. Em seguida, o INC enviou um ofício ao STF pedindo a mesma informação de forma mais detalhada, incluindo a logomarca da empresa e mais provas de que o banco necessitava dos produtos adquiridos.

O ministro considerou o fato estranho. No despacho remetido ao instituto, demonstrou impaciência.

“Diante do inusitado quadro, oficie-se ao INC para que conclua a perícia requisitada ou justifique, fundamentadamente, a real pertinência e necessidade de mais essa documentação complementar, tendo em vista, sobretudo, o fato de que a solicitação de documentação feita inicialmente, apesar de estranha, já foi atendida”.

MPB 4 - Chega de Saudade

Serra vai a Belo Horizonte cortejar Aécio

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tucano viajará a Minas Gerais na próxima semana para ressaltar a importância do mineiro na campanha presidencial

Segundo o entorno do paulista, um convite para Aécio ser candidato a vice ainda depende de como será a acolhida e a conversa

Catia Seabra

Convencido do peso de Minas Gerais na corrida presidencial deste ano, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), dedicará a noite de quarta e o dia de quinta-feira a corte ao mineiro Aécio Neves.

Num jantar reservado, Serra deverá, no mínimo, pregar a importância de Aécio para o projeto eleitoral do PSDB. Segundo tucanos, um convite formal para que o governador de Minas ocupe a vice para chapa para a Presidência dependeria, porém, da acolhida de Aécio.

Os dois jantarão na noite de quarta-feira. No dia seguinte, Serra irá à inauguração da Cidade Administrativa presidente Tancredo Neves. O roteiro foi acertado num telefonema de Serra para Aécio.

Em Belo Horizonte, Serra -para quem a participação de Aécio é fundamental nessas eleições- assistirá à comemoração do centenário do nascimento de Tancredo Neves.

Na semana seguinte, deverá prestigiar o aniversário de Aécio, que completará 50 anos.Incentivado pelo comando do PSDB -especialmente do presidente do partido, Sérgio Guerra, e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso- o gesto é uma tentativa de sensibilizar Aécio não só para que aceite compor a chapa "puro-sangue", mas para que anuncie essa decisão antes de abril.

Entre os adeptos da candidatura de Serra à Presidência, uma declaração de Aécio representaria um fato positivo na agenda do PSDB, num momento de exposição da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Embora não rechace categoricamente a ideia de ocupar a vice de Serra, Aécio tem repetido, porém, que só pretende se manifestar sobre seu futuro político depois de abril.

Como não pode concorrer à reeleição, Aécio se afastará do governo agora, mas terá até junho para decidir se disputa a cadeira ao Senado ou cede aos apelos do PSDB.O prazo de Serra é bem mais reduzido. Ele tem até o dia 2 de abril para anunciar se disputa a Presidência ou tenta a reeleição. Para Serra, o ideal seria que Aécio anunciasse sua escolha até abril.

Na vice, Aécio é garantia de um bom desempenho eleitoral em São Paulo e Minas Gerais.

A estratégia de Aécio é outra. Ainda contando com a possibilidade de desistência de Serra, o mineiro diz que só tomará sua decisão depois de abril. Nesse caso, Serra teria que se lançar candidato sem a certeza de que terá Aécio ao seu lado.

Com a exposição de Dilma e a mobilização de petistas, a tendência é que cresça a pressão sobre Aécio para que aceite a vice do PSDB.

Serra, por sua vez, também tem sofrido pressão: para que antecipe o anúncio de candidatura, afastando a ideia de que esteja hesitante.

Num jantar na segunda-feira, Guerra sugeriu a Serra, mais uma vez, que se manifeste.

Como Serra insiste que a dedicação ao governo de São Paulo hoje é considerada sua melhor estratégia, Guerra antecipou-se e, em entrevista à Reuters, disse que ele é o candidato do PSDB.
Ontem, Serra preferiu não comentar a declaração.

Ciro agora diz que há corrupção no governo Lula

DEU EM O GLOBO

Para ele, existe um "roçado de escândalos"; PT decide em março quem será candidato em SP

Isabela Martin

FORTALEZA e SÃO PAULO. Exministro do governo Lula, o deputado Ciro Gomes (PSB) voltou ontem a atacar duramente a aliança entre PT e PMDB e disse que há muita corrupção no governo federal.

Ciro, que quer ser candidato à Presidência pelo PSB mas sofre pressão do presidente Lula para disputar o governo de São Paulo, começou chamando a aliança entre PT e PMDB de “ajuntamento oportunista”. Quando perguntado se há corrupção na gestão Lula, respondeu: — E muita. Já falei que essa aliança é um roçado de corrupção, um roçado de escândalos — disse, em entrevista à Rádio O Povo/CBN, em Fortaleza.

Ciro disse já ter mostrado para o presidente Lula os pontos vulneráveis à corrupção em seu governo.

— Se a gente está chocado com os escândalos do Sarney, com os escândalos do Renan, nós vamos ter uma oportunidade agora. E aí é que está a minha questão dessa aliança do PT com o PDMB. Não pela aliança, que também não quero desqualificar como se eu quisesse governar o Brasil sozinho.

A questão de uma aliança é se ela pode ser negociada na frente de vocês. Mas como é que se junta aqui? É no suborno, é no clientelismo.

O PT tem evitado rebater porque tenta fazer de Ciro candidato em São Paulo, tirando-o do caminho da candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência.

Ontem, a executiva do PT paulista decidiu que, até o fim de março, seu candidato terá de estar definido. O nome será apresentado ao Diretório Nacional no dia 6 de abril. Caso Ciro recuse mesmo a proposta de ser o candidato da frente de nove partidos liderada pelo PT, a direção poderá indicar o senador Aloizio Mercadante para a disputa. Ciro reafirmou que é candidato à Presidência, mas não descarta a disputa paulista

Centenário de um hábil democrata

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Tancredo Neves, em 75 anos, cumpriu um destino de homem público, conciliador e defensor da liberdade sem abrir mão de princípios. Como vereador, deputado, ministro, primeiro-ministro, governador e presidente não empossado, a vida dele se confunde com a trajetória da República brasileira no século 20

Patrícia Aranha

Conciliação. Essa é a marca de Tancredo Neves na política. A cientista política Maria Celina Soares D’Araújo, professora da PUC Rio, ressalta que o perfil negociador se destaca sobretudo pela época em que o ex-presidente viveu. “Tancredo era um negociador hábil, no sentido nobre da palavra. Sabia lidar com a diferença, administrá-la e chegar às soluções. É uma grande marca dele num tempo em que o Brasil era intolerante. Tancredo foi uma das poucas figuras que não pregaram golpe de Estado nos anos 1950 e 1960, quando era comum políticos de todos os partidos enxergarem na intervenção militar a saída para os impasses”, afirma.

Identificado por ela como liberal democrata, Tancredo teria sido coerente ao manter por toda a vida um posicionamento de centro, o que lhe permitiu selar um aliança tão ampla para vencer a eleição do Colégio Eleitoral, incluindo todos os partidos de oposição, com exceção do PT, e um candidato a vice-presidente, José Sarney, que havia sido cotado para a chapa da situação, encabeçada por Paulo Maluf.

O homem que costumava dizer que era o primeiro nome a ser lembrado nos momentos de tempestade era um defensor do Estado de direito. “Alguns dizem que Tancredo não tinha ideologia, por não ser um homem de esquerda ou de direita. A ideologia dele era a de manter o Congresso funcionando, defender a regra democrática contra os modelos autoritários. São valores importantes que muitos homens públicos abandonam sob o argumento de estarem empunhando um posicionamento político partidário”, analisa Maria Celina.

Frustração

Para a cientista política, se Tancredo tivesse tomado posse, o país teria evoluído mais rápido.

“A grande frustração é a de que, com ele na presidência, teríamos andado mais depressa do ponto de vista das políticas sociais, porque Tancredo, apesar de não ser considerado perigoso pelas Forças Armadas, não se sentiria pressionado pelo antigo regime, como aconteceu com Sarney”, diz a cientista política, autora de vários livros sobre o regime militar.

A imagem que ficou na memória dos brasileiros foi a do primeiro civil a ser eleito presidente com o fim do regime militar, mas o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, professor da UFMG, lembra outras imagens públicas de Tancredo que acabaram se apagando com o decorrer do tempo, substituídas pela do presidente que não tomou posse. “Nos anos 50, a imprensa veiculava imagens mais polêmicas, associando Tancredo a Getúlio e, nos anos seguintes, a João Goulart, o que não era bem visto pelos setores mais conservadores, incluindo os militares”, acentua, embasado nas pesquisas feitas para os livros Jango e o Golpe de 1964 na caricatura e Em guarda contra o perigo vermelho. “Mesmo com posições moderadas como as dele, em alguns momentos da história, Tancredo foi visto com desconfiança por setores conservadores. Nos anos 50, incomodava o fato de ser uma das pessoas mais fiéis a Vargas, que ficou ao lado dele até os últimos momentos. Depois, tentaram queimar a imagem dele, por ser conselheiro político de Goulart. Não à toa, sofreu o risco de ser cassado com o golpe de 64 e acabou optando por um partido de oposição aos militares, filiando-se ao MDB”, explica.

Depoimento

Brilhante negociador
Ronaldo Costa Couto

Ainda me emociona a lembrança do Brasil inteiro enfeitado de verde-amarelo e alegria em 15 de janeiro de 1985 para festejar a quase milagrosa vitória no Colégio Eleitoral do regime militar: 480 votos, contra 180 dados ao situacionista Paulo Maluf. Era a certeza da democracia, depois de quase 21 anos de ditadura. Assisti à votação de pé, abraçado ao escritor e cartunista Ziraldo e ao saudoso jornalista carioca Zózimo Barroso do Amaral. Choramos de pura alegria. Momento encantado. A história acontecendo ali, exibindo-se despudoradamente, escancarando episódio marcante. Tancredo, no discurso da vitória: “Se todos quisermos, dizia-nos, há quase 200 anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, poderemos fazer deste país uma grande nação”.

Foi o coroamento de uma das trajetórias políticas mais importantes e brilhantes do Brasil. Nascido em São João del-Rei, em 4 de março de 1910, graduou-se em direito em 1932. Vereador mais votado de São João del-Rei em 1934, perdeu o mandato e a chefia da prefeitura com o golpe do Estado Novo, em 1937. Voltou à advocacia, pelejou contra a ditadura varguista, chegou a ser preso. Em 1945, filiou-se ao recém-nascido PSD. Elegeu-se deputado à Assembleia Constituinte Mineira, de que foi relator geral.

Deputado federal em 1950, assumiu o Ministério da Justiça do governo Vargas em 1953. Com o suicídio do presidente, em 24 agosto de 1954, retomou o mandato. No governo Kubitschek (1956-1961), foi diretor e presidente do então BNDE. Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, encontrou solução política para perigosa crise militar. Imaginou engenhosa saída, que deu na improvisação de um governo parlamentarista. Goulart assumiu como chefe de Estado, Tancredo como primeiro-ministro. Com o golpe de 31 de março de 1964, o então deputado federal recusou-se a votar no marechal Castello Branco para presidente, apesar de ser seu amigo. Entrincheirou-se na oposição.

Entrou e saiu de listas de cassação de mandatos e direitos políticos. Reelegeu-se em 1970 e 1974, conquistou o Senado em 1978. Em 1979, criou e presidiu o Partido Popular (PP), de centro, abatido pelos casuísmos da ditadura em 1981. Em 1982, finalmente, o tão sonhado governo de Minas. Belo Horizonte se tornou referência da política nacional, inclusive da sucessão presidencial. Nos meses iniciais de 1984, mergulhou na campanha das Diretas Já, derrotada em abril seguinte. Em agosto de 1984, candidatou-se a presidente, com o maranhense José Sarney de vice. Costurou a aproximação com estrelas dissidentes do PDS, como Aureliano Chaves, José Sarney, Antonio Carlos Magalhães, Marco Maciel, Jorge Bornhausen, Thales Ramalho. Conciliou, compôs, negociou sem descanso. Mas sem abrir mão de princípios. Ensinava: “Sempre que você transige em princípios, ganha num episódio, mas apenas num episódio. Perde em substância e permanentemente”.

Ganhou o coração do povo, bateu Maluf na urna do Congresso. Definiu o ministério, visitou oito países em 16 dias, concedeu a primeira entrevista coletiva de um presidente brasileiro em mais de 20 anos. Dois meses depois da mágica vitória, a desastrada internação em hospital público de Brasília. Foi o início de 38 dias de agonia. Sete cirurgias, espetacularização da doença e do tratamento. Morreu no 21 de abril do mártir da Independência, Tiradentes, seu ídolo e conterrâneo da comarca do Rio das Mortes. A outra grande admiração política, me disse várias vezes, era Getúlio Vargas. Dizem que JK foi o melhor presidente que o Brasil teve e Tancredo Neves o melhor presidente que o Brasil não teve. Concordo.

Ronaldo Costa Couto é escritor, economista pela UFMG e doutor em história pela Universidade de Paris-Sorbonne (Paris IV). Foi governador de Brasília, ministro do Trabalho e ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República (governo José Sarney). Autor de Matarazzo (2004), Tancredo vivo (1995), História indiscreta da ditadura e da abertura (1998), Memória viva do regime militar (1999), A história viva do BID e o Brasil (1999) e Brasília Kubitschek de Oliveira. Membro da Academia Mineira de Letras e da Academia Brasiliense de Letras

"O meu será um governo de centro, com tendências para a esquerda conservadora

(Em 1961, ao ser escolhido primeiro-ministro por João Goulart)

"Nação sem Constituição oriunda do coração de seu povo é nação mutilada na sua dignidade cívica, violentada na sua cultura e humilhada em face de sua consciência democrática

(Em 1983, ao deixar o Senado para assumir o governo de Minas Gerais)

Os problemas do amigo de Dilma

DEU NA REVISTA ÉPOCA

Um dos chefes da campanha da ministra da Casa Civil, Fernando Pimentel enfrenta acusações por sua gestão na prefeitura de Belo Horizonte

Ex-prefeito de Belo Horizonte e coordenador da pré-campanha da ministra Dilma Rousseff à Presidência da República, Fernando Pimentel é uma das lideranças emergentes do PT. No final de 2008, ele deixou a prefeitura após sete anos de gestão, com uma aprovação superior a 80%, e elegeu seu sucessor. No PT mineiro, Pimentel leva vantagem no embate contra o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, pelo direito de ser o candidato do PT ao governo de Minas Gerais. Pimentel também é o principal organizador da futura campanha presidencial da amiga Dilma. Os dois militaram juntos em grupos de esquerda que combateram a ditadura militar nos anos 1960 e 1970. Se o passado mais distante explica a ascensão junto a Dilma, o mais recente conspira contra Pimentel.

Uma disputa jurídica entre um grupo de empreiteiras que realiza obras de urbanização de favelas em Belo Horizonte e a prefeitura da capital mineira provocou o afastamento político de Pimentel de seu sucessor, o prefeito Marcio Lacerda (PSB). Lacerda vem se recusando sistematicamente a assinar novos aditamentos contratuais para aumentar o valor de pagamentos por obras de construção de apartamentos para moradores de baixa renda. Segundo aliados do PSB, Lacerda afirma que os valores licitados já superam os preços praticados no mercado. Todas as obras são pagas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), coordenado no governo por Dilma.

Lacerda e Pimentel são, em tese, aliados. Novato na política, Lacerda é do PSB, partido aliado do PT em escala nacional. Sua eleição é um caso raríssimo. Pimentel e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, promoveram uma incomum aliança entre PT e PSDB para eleger Lacerda para a prefeitura. Antes disso, Lacerda foi secretário-executivo de Ciro Gomes no Ministério da Integração Nacional. Hoje, Ciro é o incômodo aliado do PT. Ele se recusa a aceitar o apelo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de desistir de concorrer contra a amiga de Pimentel, Dilma Rousseff, na disputa da Presidência da República. Em troca, Lula e o PT oferecem apoio a Ciro na disputa pelo governo de São Paulo – uma eleição difícil para Ciro por causa do favoritismo dos tucanos. Nas últimas semanas, o aliado adversário Ciro fez vários ataques ao PT. Disse que o partido tem “moral frouxa” e afirmou ter mais chances que Dilma de se eleger para o Palácio do Planalto por ter disputado outras eleições. O embate travado entre o PT e o PSB por causa dos preços das obras em Belo Horizonte aumenta a tensão política entre petistas e socialistas.

As obras que causaram a cizânia entre Lacerda e Pimentel são as de urbanização da Favela do Morro das Pedras, em Belo Horizonte, já visitadas por Dilma. Os empreiteiros afirmam que a atual gestão da prefeitura não conseguiu retirar todos os barracos, onde ainda vivem alguns moradores. Isso estaria aumentando os custos das empresas. “Solicitamos o reequilíbrio econômico-financeiro porque nos preparamos para fazer a obra em determinado tempo e não vamos conseguir, porque as pessoas não foram retiradas da área”, diz Roberto Gianetti de Senna, dono da HAP Engenharia, uma das empresas contratadas. “Teremos de pagar mais salários, e o preço da matéria-prima também aumentou. Mas a prefeitura continua usando a tabela antiga.” Além da HAP, outras cinco empreiteiras entraram na Justiça para conseguir aditamentos no contrato.

Empreiteiro amigo de Pimentel pressiona para receber mais recursos de obra do PAC

Senna é amigo e antigo colaborador das campanhas do ex-prefeito Fernando Pimentel. Na campanha eleitoral de 2004, a HAP Engenharia doou R$ 220 mil, a segunda maior contribuição recebida por Pimentel. Como pessoa física, Senna colaborou com outros R$ 15 mil. Na gestão de Pimentel, a HAP Engenharia ganhou o direito de prestar serviço de varrição das ruas de Belo Horizonte e de limpeza de áreas com acúmulo de lixo. Pimentel nega que exista favorecimento.“O Roberto de Senna é meu amigo e poderia ter dado mais dinheiro para minha campanha”, diz Pimentel. “O registro das doações mostra que ele agiu corretamente.” Segundo ele, o pedido das empreiteiras é normal porque elas reduzem os preços para disputar as licitações e depois têm dificuldades em executá-las. “As obras do PAC começaram aqui em Belo Horizonte. Esse pioneirismo provoca dificuldades”, afirma Pimentel.

Secretário de Políticas Urbanas de Belo Horizonte desde a gestão de Pimentel, Murilo Valadares é o encarregado de negociar com as empreiteiras. Ele afirma que o pedido das empresas é razoável, já que a prefeitura não conseguiu retirar os moradores de áreas onde estão sendo construídas novas unidades habitacionais. “São argumentos excelentes. Não se consegue retirar as pessoas facilmente porque os moradores terminam procurando o padre, o bispo, a advocacia pública e os procuradores”, diz.

O secretário Valadares e o empresário Senna aparecem em outra obra considerada suspeita da gestão de Pimentel. Uma ação civil pública impetrada em dezembro no Tribunal de Justiça de Minas Gerais pelo Ministério Público estadual pede a condenação de Fernando Pimentel por improbidade administrativa. Segundo a ação dos procuradores, em 1999 Pimentel, que ocupava então a Secretaria de Finanças da prefeitura de Belo Horizonte, repassou R$ 26 milhões à Ação Social Arquidiocesana (ASA), uma entidade da Igreja Católica, para a construção de um conjunto habitacional popular no bairro Jatobá. De acordo com o Ministério Público, parte do dinheiro teria sido desviada para pagar despesas de campanha eleitoral da reeleição de Pimentel à prefeitura em 2004. Pimentel nega. “Os procuradores cometem erros, e este é o caso”, diz Pimentel. “As casas estão lá e foram construídas para atender às exigências do mesmo Ministério Público, que obrigou a prefeitura a fazer o conjunto habitacional para retirar as famílias das áreas de risco.”

A ação dos procuradores também pede a condenação de nove dos antigos auxiliares de Pimentel, das empreiteiras Andrade Gutierrez e HAP Engenharia, responsáveis pela construção do conjunto habitacional, e a devolução do dinheiro público liberado em convênio considerado irregular. Entre os acusados estão o secretário de Políticas Urbanas, Murilo Valadares, que ocupava o mesmo cargo na época do convênio, Marco Antônio Teixeira, procurador-geral do município, José Tarcício Caixeta, presidente da empresa de urbanização de Belo Horizonte, e Roberto Gianetti de Senna, o dono da HAP Engenharia. Os padres Cássio Borges e José Januário Moreira, responsáveis pela ASA, também são denunciados como envolvidos na suposta fraude.

De acordo com os procuradores, o dinheiro teria sido passado do Fundo de Habitação municipal para a ASA – que mudou de nome e hoje se chama Providência Nossa Senhora da Conceição. Depois, a ASA contratou sem licitação a HAP Engenharia, que, sem experiência no ramo, subcontratou a Andrade Gutierrez para a construção das casas. Uma perícia feita pelo Ministério Público de Minas também apontou superfaturamento de quase R$ 10 milhões na construção de 678 moradias: o custo efetivo da obra teria sido de R$ 11,6 milhões, mas foram pagos quase R$ 21 milhões. Outros R$ 5,1 milhões teriam sido empréstimos tomados pela HAP Engenharia em bancos privados e pagos pelo mesmo convênio.

Com 64 páginas e assinada por seis procuradores, a ação aguarda manifestação do juiz da 4a Vara da Fazenda Pública municipal em Belo Horizonte. Na ação, os procuradores pedem a indisponibilidade dos bens de Pimentel e de todos os envolvidos no repasse ilegal de dinheiro e na execução da obra, além da anulação do convênio. “Não houve irregularidades. O importante é que o conjunto habitacional foi feito e ficou pronto para atender às pessoas carentes”, diz o secretário Murilo Valadares. Ele também nega a acusação de que parte dos recursos repassados à HAP Engenharia tenha sido desviada para as contas de campanha da reeleição de Pimentel.

As contas de campanha e a gestão na prefeitura causam uma terceira dor de cabeça a Pimentel. Uma ação da Justiça Federal de Minas Gerais, incorporada ao processo sobre o mensalão, conduzido pelo ministro Joaquim Barbosa, no Supremo Tribunal Federal, afirma que Pimentel teria ajudado a construir o caixa dois depois usado pelo PT para a compra de apoio ao governo no Congresso Nacional e o pagamento de dívidas de campanhas eleitorais. De acordo com o Ministério Público de Minas, quando era prefeito de Belo Horizonte, Pimentel teria celebrado um contrato com valores superfaturados com o empresário Glauco Diniz Duarte para a instalação de câmeras de vigilância na cidade. Parte do dinheiro público teria sido desviada.

O Ministério Público afirma que Duarte e seu contador teriam enviado ilegalmente US$ 80 milhões aos Estados Unidos. Uma parte desse dinheiro seria referente ao contrato superfaturado e teria sido usada mais tarde para pagar dívidas do PT com o publicitário Duda Mendonça. As primeiras informações da existência de uma investigação sobre um possível envolvimento de Pimentel em operações irregulares que desviaram dinheiro para o pagamento de contas de campanha surgiram em 2005. Em depoimento à CPI dos Correios, em agosto de 2005, Duda admitiu ter recebido do PT US$ 10 milhões não declarados à Receita Federal em uma conta em nome da Dusseldorf Company. O dinheiro seria referente à campanha eleitoral de 2002, que elegeu o presidente Lula. Duda também foi o marqueteiro da campanha à reeleição de Pimentel como prefeito de Belo Horizonte, em 2004. “Não há e nunca houve nada, rigorosamente nada, que me ligue, direta ou indiretamente, ao chamado mensalão ou a qualquer outro tipo de irregularidade”, afirma Pimentel em nota. Pimentel afirma também que o Ministério Público relacionou a compra das câmeras a envio de dinheiro ao exterior porque um dos dirigentes do Clube de Diretores Lojistas de Belo Horizonte, envolvido no convênio, era doleiro e esteve implicado em operações desse tipo.

“Os procuradores cometem erros, e este é o caso”, afirma Fernando Pimentel

Mineiro de 58 anos, economista, Pimentel foi colega da ministra e candidata do PT, Dilma Rousseff, em organizações de combate à ditadura militar (1964-1985). Eles estiveram juntos no Comando de Libertação Nacional (Colina), uma facção de esquerda que combatia a ditadura militar. Com prisão decretada pelo regime militar, Pimentel migrou para grupos de luta armada, como Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Na VPR, em abril de 1970, participou da tentativa fracassada de sequestrar o cônsul dos Estados Unidos em Porto Alegre. Pimentel foi preso, torturado e, aos 18 anos, pegou três anos e meio de cadeia.

Ao sair, em 1973, estudou economia e entrou para a política como secretário de Finanças do então prefeito de Belo Horizonte, Patrus Ananias, hoje seu concorrente pela vaga de candidato ao governo de Minas Gerais. Permaneceu no cargo no mandato seguinte, de Célio Castro (PMDB, depois PSB) e foi seu vice a partir de 2000. Com o afastamento de Castro, por um derrame, em 2001, Pimentel assumiu a prefeitura e foi reeleito em 2004. Entre os petistas, Pimentel é o mais próximo de Dilma. Um abalo em sua vida política é um incômodo para Dilma, que chegou há pouco ao PT e vai encarar uma campanha presidencial. Até agora isolada das questões incômodas relacionadas ao PT, como denúncias de caixa dois e o mensalão, Dilma poderá enfrentar pela primeira vez a situação de ter de explicar coisas relacionadas a pessoas próximas a ela. É o começo da vida de candidata.

Istoé: Processo do STF mostra que coordenador da campanha de Dilma operava o mensalão

A revista ISTOÉ teve acesso às 69 mil páginas do processo do STF que trazem à tona novas histórias sobre o esquema de corrupção. Em uma delas aparece o coordenador de campanha de Dilma, o ex-prefeito Fernando Pimentel, como operador de remessas ilegais. Leia a reportagem.

Cuba, sonho que virou pesadelo::Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Silêncio cúmplice da esquerda brasileira mostra como é difícil desfazer-se de uma lembrança sentimental

A CÚPULA ibero-americana de 1998, na cidade do Porto, coincidiu com o aniversário do então chanceler Luiz Felipe Lampreia. A comitiva brasileira, sob a chefia de Fernando Henrique Cardoso, foi, à noite, a um restaurante para comemorar. Mas o que mais se festejou mesmo foi o elogio que um certo Fidel Castro havia feito a FHC, horas antes, na sessão plenária.

"Audaz e inteligente", disse o ditador cubano do presidente brasileiro, que, vaidoso, comemorou: "Mostra que Fidel está acompanhando a evolução do mundo e percebendo o fato de o Brasil estar tendo uma participação ativa no mundo" (sim, você já ouviu algo parecido muito recentemente, de outra boca).

Conto esse miniepisódio, do qual fui testemunha, por dois motivos: primeiro, para deixar claro que é seletiva a indignação de personalidades do governo anterior, como a manifestada por Lampreia à Folha com o silêncio do governo Lula sobre as violações aos direitos humanos na ilha caribenha.

Segundo, para dar algumas pistas sobre esse silêncio, antes como agora. No fundo, é simples: a revolução cubana faz parte da memória sentimental da esquerda brasileira. E a esquerda brasileira, em seus mais variados matizes, está no poder desde a queda de Fernando Collor de Mello, no já remoto ano de 1992.

Afinal, Castro e seus companheiros de certa forma fizeram a Revolução Francesa que a América Latina jamais fez nem antes nem depois.

E não há nada mais sedutor do que o brado de "liberdade/igualdade/fraternidade".

De mais a mais, a América Latina e o Brasil foram, a partir de 1959, o ano do triunfo da revolução, uma sequência de ditaduras militares fincadas a pretexto de evitar a expansão da ditadura de signo oposto.

Quem não gosta de ditaduras -e as pesquisas do Latinobarómetro revelam um suporte majoritário, embora oscilante, à democracia- ficou emparedado entre criticar a cubana, o exercício favorito da maioria das ditaduras latino-americanas, ou apoiá-la, por ser contra as demais. Ou calar.

Ademais, é evidente que Fidel Castro sempre foi, visualmente, mais simpático que, por exemplo, Augusto Pinochet, além de ter uma aura romântica, já remota, é verdade, mas presente na memória sentimental do subcontinente.

Conto a propósito um episódio que mostra como o presidente cubano é capaz de seduzir as plateias mais heterogêneas: na comemoração dos 50 anos do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, antecessor da Organização Mundial do Comércio), Fidel foi a Genebra, junto com muitos outros chefes de governo/Estado. Foi aquele festival de oratória típico de cerimônias do gênero, o que levou uma grande parte dos delegados (e quase todos os jornalistas) a descerem para a cafeteria, no subsolo. Ninguém prestava atenção ao telão em que apareciam os oradores.

Até que se anunciou a fala de Fidel.

Fez-se súbito silêncio na cafeteria, todos se voltaram para o telão e Fidel atacou de Calderón de la Barca e seu "la vida es sueño, y los sueños sueños son".

O auditório lá em cima e a cafeteria, lá embaixo, vibraram, alguns em silêncio, outros nem tanto.

Pena que a Revolução Cubana tenha jogado no lixo a sua parte, digamos, francesa: a liberdade inexiste, a igualdade (que era um nivelamento por baixo) está sendo devastada e a morte de Orlando Zapata mostra que fraternidade não é bem o espírito da coisa.

Pode ser difícil para a maioria dos mortais jogar ao mar os sonhos que a memória guardou, mas não dá para negar o fato: a revolução virou um pesadelo.

Silenciar sobre ele não traz de volta o sonho.

As contradições de Lula:: Fernando Gualdoni

DEU EM EL PAIS – ESPANHA

A morte do dissidente cubano Orlando Zapata poucas horas antes da chegada de Luiz Inácio Lula da Silva a Havana deixou patentes as contradições da diplomacia brasileira na hora de pressionar, como potência regional que é, a favor da proteção dos direitos humanos ou das liberdades civis. Lula foi capaz de fechar suculentos acordos comerciais com Havana e ao mesmo tempo ignorar o pedido da dissidência para interceder junto aos irmãos Castro - "Lula faz negócios sobre os cadáveres", dizia ontem uma tribuna do jornal "O Estado de S. Paulo". O mesmo ocorre com a Venezuela, onde a influência que Lula exerce sobre Chávez nunca serviu para aliviar a situação da oposição em Caracas. Brasília gritou devido à permissividade da Colômbia para o uso de suas bases aéreas por parte dos EUA, mas nada disse sobre a iminente compra de armas russas pela Venezuela.

No recente conflito em Honduras, Brasília teve a primeira oportunidade de demonstrar sua influência fora da América do Sul. Mas a crise saiu do ponto morto depois da intervenção dos EUA. No Haiti, as tropas brasileiras têm o comando da primeira missão da ONU a cargo de forças latino-americanas. Mas depois do terremoto foi a Casa Branca que mobilizou milhares de soldados para organizar a chegada da ajuda humanitária. Por enquanto, os resultados da política externa brasileira se destacam mais pelos empréstimos do banco de desenvolvimento BNDES ou pelos investimentos da Petrobras e da construtora Odebrecht do que pela defesa das liberdades na América Latina.

Cuba é uma grande oportunidade para Brasília demonstrar sua liderança regional à margem das ideologias e para "projetar na atuação internacional do Brasil a confiança no potencial transformador da sociedade democrática", como diz o assessor especial de Assuntos Internacionais da presidência brasileira, Marcel Fortuna Biato, em um artigo publicado em outubro na revista "Política Exterior". "Em um mundo que abandona antigos paradigmas econômicos e quebra mitos ideológicos, reforçar a confiança e dissolver os receios, atrever-se a criar novos vínculos de interesse e vantagem mútuos, sobretudo com países vizinhos, deve ser o eixo da política externa brasileira. Chamamos isso de 'paciência estratégica'", explica Fortuna Biato.

Depois de uma visita de Lula a Havana no início de 2008, o analista político do jornal "Folha de S.Paulo" Kennedy Alencar adiantou que os Castro tinham escolhido o Brasil para ajudá-los a melhorar as relações com Washington e, se fosse o caso, para ajudar o regime na hora de empreender mudanças políticas e econômicas. Em troca, Lula pediu a Raúl uma maior abertura política para demonstrar ao mundo que Havana estava disposta a fazer uma verdadeira transição democrática, e não só reproduzir o modelo chinês - abertura econômica sob um férreo controle político. Mas Lula chegou na quarta-feira a Cuba mais interessado no comércio do que nos direitos civis.

Além de ser membro de todos os clubes das potências emergentes - o G20 e os BRIC (junto com Rússia, Índia e China) - e de ter exercido um papel chave para evitar que o sangue chegasse ao rio no confronto entre Venezuela e Colômbia e no conflito civil boliviano, o Brasil tem outra oportunidade de consolidar sua liderança mundial com a crise iraniana. Pode pressionar Teerã para que seja transparente no que se refere ao desenvolvimento do programa nuclear. Até agora Brasília se escudou na "não ingerência" nos assuntos de outro Estado soberano. A cautela pode ser compreensível, mas Lula deveria ter em mente que sobre o ministro da Defesa do governo iraniano, Ahmad Vahidi, pesa uma ordem de captura da Interpol solicitada pela Argentina, o principal parceiro comercial do Brasil no Cone Sul, por sua suposta participação no atentado contra a mutual judia em Buenos Aires em 1994, no qual morreram 85 pessoas. A "paciência estratégica" tem suas contradições.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Cuba: "Temos que ter posição firme sobre presos políticos", diz FHC

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Na avaliação do ex-presidente, o governo Lula não tem se posicionado claramente. O preso político Orlando Zapata Tamayo, 42, morreu após greve de fome de 85 dias em Cuba durante visita de Lula ao país. O episódio provocou constrangimento à delegação brasileira.
"Não é possível que após tantos anos da revolução cubana haja ainda tal desrespeito aos direitos humanos", disse. Questionado se Lula deveria ser mais incisivo, afirmou: "Não tenho a menor dúvida".

Greves de fome em série

DEU EM O GLOBO

Mais 5 cubanos iniciam movimento e oposição teme que governo não atenda aos apelos

Cristina Azevedo

A morte do preso político Orlando Zapata Tamayo após uma greve de fome de quase três meses provocou uma espécie de efeito dominó entre a dissidência cubana. Além do psicólogo Guillermo Fariñas, que na noite de quinta-feira parou de ingerir alimentos e mesmo água, quatro presos políticos aderiram ontem ao movimento. Havia ainda informações de mais quatro a seis pessoas iniciando uma greve de fome nas prisões de Holguín e Canaleta.

Fariñas pede a libertação de 25 presos políticos que se encontram com a saúde bastante deteriorada. Mas parte dos dissidentes vê com preocupação sua atitude, e a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional entrou ontem em contato com as famílias dos presos pedindo que os demovessem da ideia.

— Tememos que a adesão entre os presos aumente. Achamos que o governo não vai ouvir os apelos. Esse é um ato desesperado. Eles são inocentes e estão presos há sete anos — contou Elizardo Sánchez, presidente da comissão, por telefone, de Havana. — Presos comuns também podem acabar aderindo Jejum e prece para a Primavera Negra

O caso mais preocupante é o de Fariñas, um psicólogo de 48 anos que já tem a saúde debilitada pelas 23 greves de fome que fez desde 1995. Nos últimos anos, Fariñas passou a maior parte do tempo preso, primeiro por denunciar o desvio de doações hospitalares; outra por uma greve de fome pedindo a libertação de uma presa política; e a terceira por resistir a um agente de segurança. De sua casa, em Santa Clara, ele se diz disposto a continuar com a greve, apesar do protesto da família.

— Se o governo me deixar morrer, desta vez não terá justificativa. Não poderá dizer que foi uma casualidade, como no caso de Zapata — disse, Fariñas, ao GLOBO.

Os opositores temem que o organismo de Fariñas comece a entrar em colapso 48 horas depois do início da greve. Mas o psicólogo fala com serenidade sobre o assunto e conta que hoje sua filha, de 8 anos, vai visitá-lo.

— Antes que eu entre em coma — acrescenta.

Além de Fariñas, os dissidentes confirmaram que os presos políticos Eduardo Díaz Fleitas, Nelson Molinet e Diosdado González, detidos na penitenciária Kilo 5, e Fidel Suárez Cruz, na Kilo 8, todas em Pinar del Río, estão em greve de fome. Todos fazem parte dos 75 opositores presos em 2003.

— Eles foram removidos para solitárias.

Exatamente como fizeram com Zapata no início — contou Sánchez. — Isso complica a situação e tende a radicalizar o protesto dos outros presos.

Há relatos ainda de que de três a cinco pessoas numa prisão de Canaleta também tenham iniciado uma greve de fome e de mais uma em Holguín, onde Zapata esteve preso.

Mesmo não tendo sido divulgada pela imprensa cubana, a notícia da morte de Zapata começa aos poucos a se espalhar pela capital.

Os dissidentes já a citam como um marco — com um antes e depois da morte do operário de 42 anos que defendia os direitos humanos. Alguns dizem que pela primeira vez a fragmentada oposição fala a uma só voz.

— O primeiro impacto da morte foi a união, pelo menos na questão dos direitos humanos. Muitos falam em mostrar maturidade, uma posição comum quanto à questão diante do governo e da comunidade internacional — conta Manuel Cuesta Morúa, da organização Arco Progressista. — Mas vai ter impacto também sobre a sociedade e sobre a imagem do governo no mundo. Como Cuba pode promover uma campanha de saúde enviando médicos ao exterior e deixar um cidadão seu morrer? Cuesta foi uma das mais de cem pessoas detidas após a morte de Zapata, na terça-feira. Ele foi preso quando ia à casa de Laura Pollán, uma das Damas de Branco (movimento das mulheres de presos políticos), onde era realizado um velório simbólico, e levado à força a uma delegacia. Nas 11 horas em que ficou detido, Cuesta foi interrogado. Só foi libertado quando a polícia se convenceu de que não pretendia realizar manifestação — apenas assinar o livro de condolências.

A morte de Zapata e as greves de fome ocorrem pouco antes de a chamada Primavera Negra completar sete anos. Para marcar o aniversário da onda repressora de 2003, os presos políticos Oscar Elías Bicet, Julio César Gálvez, Ricardo González Alfonso, Normando Hernández, Regis Iglesias e Ángel Moya — também do Grupo dos 75 — marcaram para 18 de março “um dia de jejum nacional e de oração pela libertação de todos os presos políticos e pela reconciliação do povo cubano”, diz a carta que conseguiram enviar da prisão de Combinado del Este.

— Há um efeito dominó — disse Cuesta. — Estamos caminhando para um ato dramático que culminará ou com um ato de racionalidade do governo, libertando os presos políticos, ou com mais repressão. A comunidade internacional precisa ficar atenta ao que vai acontecer em Cuba.

A Anistia Internacional adicionou ontem mais um cubano à sua lista de presos de consciência, que já soma 55: Darsi Ferrer, diretor de um centro de defesa dos direitos humanos em Havana, preso desde julho

Em El Salvador, Lula evita críticas a Cuba

DEU EM O GLOBO

Luiza Damé
Enviada especial

SAN SALVADOR. Apesar das críticas de organizações de direitos humanos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva evitou mais uma vez criticar o governo de Raúl Castro pela situação de presos políticos em Cuba.

Lula também disse que não analisaria a decisão do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de sair da Comissão de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos.

— Eu acho que a gente não pode fazer o julgamento de um país, da atitude de um governante, por uma atitude de um cidadão que resolve entrar em greve de fome. Se os presos brasileiros entrassem em greve de fome e você fosse o governante, você iria liberar todos? É uma coisa mais delicada do que simplesmente fazer a crítica — disse Lula.

— Eu aprendi também a não dar muito palpite sobre as atitudes dos governos dos outros, porque muitas vezes a gente mete o dedo onde não deveria.

A declaração foi em resposta a perguntas de jornalistas brasileiros, no fim do encontro com o presidente de El Salvador, Maurício Funes. Lula, que estava sorridente, ficou irritado. Ele reafirmou ser contra greve de fome e disse conhecer desde 1975 as pessoas que o criticam por não condenar o desrespeito aos direitos humanos em Cuba.

Ontem, um dos editoriais do jornal “Washington Post” mencionou a visita de Lula a Cuba, destacando: “Constrangido, o presidente brasileiro disse que ‘lamentava profundamente’ a morte de Zapata. Uma pena que ele e outros castrófilos não tenham desejado se manifestar a favor dele antes de sua morte.” No espanhol “El País”, um artigo destacou “as contradições da diplomacia brasileira na hora de pressionar a favor da proteção dos direitos

Lamentável - Editorial

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Diante da decrépita ditadura cubana, governo Lula continua, conforme o lema de Che Guevara, "sin perder la ternura jamás"

PELA QUARTA vez em seu mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dispôs a endossar, entre sessões de fotos, tapinhas nas costas e desconversas macunaímicas, o mais ditatorial regime do hemisfério americano.

Sua visita a Cuba, nesta semana, ocorreu num momento especialmente sombrio. O dissidente Orlando Zapata, depois de uma greve de fome de 85 dias, acabava de morrer.

Ativista em prol dos direitos humanos, Zapata fora preso em 2003, numa investida repressiva que levou outros 75 opositores à prisão.

"Foi condenado a três anos", disse o dirigente Raúl Castro, adiantando-se às perguntas dos jornalistas que acompanhavam a visita de Lula. "Foi levado aos nossos melhores hospitais, morreu. Lamentamos muito."

O assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia, ecoou solenemente as palavras do ditador: "É lamentável, como disse o presidente Raúl".

Há muita coisa lamentável, com efeito, nesse episódio. Lamentáveis, por exemplo, parecem ser os conhecimentos de aritmética de Raúl Castro, que não explicou de que modo alguém condenado a três anos de prisão em 2003 continuava entre as grades em 2010. Segundo a Anistia Internacional, a pena do dissidente se elevara a mais de 25 anos de detenção, com base nas prolíficas estipulações da legislação cubana para casos desse tipo.

O código criminal cubano prevê, por exemplo, o "estado de periculosidade", definido como "propensão de uma pessoa para cometer crimes, demonstrada por conduta manifestamente em contradição com as normas da moralidade socialista".

Manifestações consideradas ofensivas às autoridades constituem crime de "desacato", levando a um ano de prisão. Se voltado contra os principais dirigentes do regime, o "desacato" acarreta a triplicação da pena. A culpa pela morte de Zapata, prosseguiu Raúl Castro, deve ser atribuída "à confrontação que temos com os Estados Unidos".

A base de Guantánamo, onde o governo George W. Bush confinou suspeitos de terrorismo, seria o único lugar da ilha onde se pratica tortura. "Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro", acrescentou placidamente Marco Aurélio Garcia.

É o clássico expediente de voltar contra outro país as acusações que se referem, especificamente, à tirania que se quer apoiar. É inegável que Bush maculou as tradições democráticas de seu país a pretexto da "guerra contra o terror". É também evidente que nunca faltou, nos EUA, liberdade para protestos contra o governo -coisa impensável sob o sistema castrista.

Fortalecer as relações comerciais com Cuba e apoiar a suspensão do contraproducente embargo norte-americano ao país são atitudes corretas da diplomacia brasileira.

Nada disso se confunde com a revoltante "ternura", para lembrar o célebre dito de Che Guevara, que o governo Lula "não perde jamais" quando se trata de emprestar apoio a um regime decrépito, ditatorial e homicida.

Lula diz que não deve satisfações aos EUA

DEU EM O GLOBO

Presidente garante que interesse no Irã é comercial e, em Brasília, Amorim prepara visita de Hillary Clinton

Eliane Oliveira e Luiza Damé*

BRASÍLIA E SAN SALVADOR. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que não vai aceitar interferência dos Estados Unidos nas relações entre o Brasil e o Irã. Em visita a El Salvador, Lula disse que os EUA não vão decidir quais países o presidente brasileiro pode ou não visitar. Lula tem viagem a Teerã agendada para maio.

— Os EUA nunca me pediram para viajarem para qualquer país, não têm que prestar contas a mim. Eles visitam quem querem e eu visito quem quero, dentro do respeito soberano de cada país. Não vejo nenhum problema em visitar o Irã. Não terei que prestar contas a ninguém, a não ser ao povo brasileiro — disse Lula.

Lula, que é contra as sanções ao Irã, insistiu que o interesse do Brasil no país é comercial.

O governo americano vem tentando mudar a posição brasileira — tema que deve ser tratado com a secretária de Estado, Hillary Clinton, na quarta-feira em Brasília.

Numa mensagem que agradou ao Itamaraty, em Brasília, o subsecretário de Estado para Assuntos Políticos dos EUA, William Burns, afirmou que seu país quer chegar a um entendimento com a Rússia sobre a redução do número de ogivas e ratificar no Senado americano o Tratado de Interdição Completa de Testes Nucleares (CTBT, sigla em inglês) antes da Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), marcada para maio, em Nova York.

A declaração tenta mostrar ao Brasil que os EUA estão avançando na questão do desarmamento e esperam, do lado brasileiro, uma mudança na posição inflexível de condenar as sanções ao Irã.

O impasse quanto aos iranianos foi tratado com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Segundo assessores, houve “uma troca de impressões” e Amorim lembrou que o Brasil sempre foi favorável à não-proliferação de armas atômicas.

EUA querem inspeções na usina de Resende Os americanos aguardam, nas próximas semanas, a publicação do “Nuclear Posture Review” (NPR), documento que relaciona o uso de armas nucleares na segurança dos EUA.

O último NPR, de 2002, colocava esse tipo de arma como uma entre as diversas opções de defesa.

O Brasil espera que seja reduzida a ênfase nuclear e que os EUA abram mão ao direito de “primeiro uso”, só usando esse recurso se for ameaçado.

Segundo um alto funcionário brasileiro, os EUA também tentam pressionar o Brasil a assinar um protocolo que permita inspeções mais intrusivas na usina de enriquecimento de urânio de Resende. O Brasil sempre se recusou, e Burns, cuidadosamente, evitou falar sobre o tema.

Sobre a América Latina, Burns disse que os EUA são a favor da reforma na Organização dos Estados Americanos (OEA), para produzir resultados concretos.

A visita de Hillary ao Brasil foi bastante discutida. Será assinada uma declaração criando um mecanismo abrangente de cooperação em vários setores até a junção democracia-desenvolvimento.

Na prática, os dois países ajudariam terceiros a se desenvolverem, fortalecendo a democracia.

Honduras, Cuba e Haiti são alguns exemplos

Estados Unidos criticam Brasil por Irã e Cuba

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Às vésperas da vinda de Hillary Clinton, o subsecretário Arturo Valenzuela disse ser um erro o Brasil se opor a sanções contra o Irã. Em Brasília, William Burns, o número 3 da diplomacia dos EUA, criticou indiretamente o país por não defender os direitos humanos em Cuba. Lula reafirmou as posições do governo.

EUA veem "erro" em apoio do Brasil ao Irã e elevam pressão

Às vésperas da visita de Hillary, americanos cobram posição mais dura do governo Lula

Lula defende sua relação com a república islâmica, suspeita de buscar a bomba, e afirma: "Quero para o Irã o que eu quero para o Brasil"

Colaboração para a Folha, em Washington
Da Sucursal de Brasília
Às vésperas da visita da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, ao Brasil, o governo americano avisou que considera "um erro" a posição brasileira contrária a novas sanções contra o Irã visando impedir que o programa nuclear da república islâmica seja usado para construir a bomba, como suspeita a ONU.

Ao mesmo tempo, os EUA enviam sinais de que terão o que oferecer para amainar a posição brasileira na crítica questão nuclear -Brasília considera as pressões sobre o Irã um prelúdio do que pode ocorrer consigo, embora rejeite a bomba, e vê hipocrisia das potências que já a possuem.

"Nós realmente consideramos um erro [a posição brasileira contrária a sanções ao Irã]. Vamos encorajar o Brasil a pressionar os iranianos para que eles cumpram com os acordos internacionais", afirmou em Washington Arturo Valenzuela, que é o mais alto diplomata americano para a região.

"Se o Brasil usar esse relacionamento para fazer com que o Irã cumpra os compromissos assumidos internacionalmente, terá sido um passo importante. Se não, nós ficaremos desapontados", afirmou.

Em El Salvador, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou sua visita ao Irã em maio. "Estou indo para o Irã como vou a qualquer país do mundo. Os EUA nunca pediram para mim para não viajar para qualquer país. Eu quero para o Irã o que eu quero para o Brasil", disse.

"Cenário desapontador"

Já um dos chefes de Valenzuela, o número 3 da diplomacia americana, William Burns, chegou ontem a Brasília para falar sobre Irã e os outros temas da visita de Hillary, que começa na quarta-feira que vem.

Mais diplomático, evitou em entrevista à Folha criticar diretamente o Brasil, mas elencou a crítica já conhecida aos aiatolás e disse que, se ainda há espaço para negociações, "o cenário é desapontador".

"As sanções não são para punir, mas para mostrar que há consequências nas ações do Irã", afirmou Burns.

Em conversas com o chanceler Celso Amorim e outras autoridades, o subsecretário de Assuntos Políticos Burns acenou com a possibilidade de os EUA darem passos visando o próprio desarmamento.

Ele disse que EUA e Rússia pretendem concluir um novo acordo de redução de ogivas nucleares antes da revisão do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear), em maio. Desde 2005 o TNP não registra avanços, e o Brasil usa o não desarmamento das potências como justificativa para não aderir a extensões do tratado.

Nas conversas, Burns acenou, inclusive, com a possibilidade de os entendimentos com a Rússia ocorrerem até abril, a tempo de o presidente Barack Obama poder comemorar a novidade na cúpula de presidentes sobre segurança nuclear, à qual Lula deverá comparecer.Além de reunir-se com Amorim, Burns almoçou com a subsecretária do Itamaraty para a área política, embaixadora Vera Machado, e com o diretor do Departamento de Organismos Internacionais, Carlos Duarte.

O tema central não foi diretamente a divergência entre os dois países sobre o Irã, mas sim sobre a questão que está por trás: o aumento da produção mundial e o risco de aventuras na área nuclear.

Além de discussões sobre o crescente antiamericanismo na América Latina, Hillary terá uma agenda econômica. Burns afirmou que as equipes negociadoras americanas estão tentando fechar um acordo para evitar que o Brasil inicie a retaliação permitida pela Organização Mundial do Comércio devido ao contencioso ganho pelo país contra os EUA por causa dos subsídios dados aos produtores de algodão.

(Leandra Peres, Eliane Cantanhêde, Igor Gielow e Simone Iglesias)

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Inflação bate aplicações e BC fala em 'medida impopular'

DEU EM O GLOBO

Pela primeira vez desde outubro de 2008, no auge da crise global, praticamente todas as aplicações financeiras perderam, em fevereiro, para a inflação de 1,18%, medida pelo IGP-M.
Esse percentual superou os rendimentos dos fundos de ações e de renda fixa, dos FGTS Petrobras, da poupança e do dólar. Apenas os FGTS Vale tiveram rentabilidade melhor, superando os 2,6% até o último dia 23. A perda nas aplicações aumenta ainda mais a pressão para que o Banco Central eleve juros rapidamente.
O presidente do BC, Henrique Meirelles, deixou claro que as taxas podem subir no curto prazo:
“Enganam-se aqueles que esperam mudanças na conduta do BC em função do calendário cívico”, frisou, referindo-se às eleições. Segundo ele, o BC poderá tomar “decisões antipáticas ou impopulares”.

A inimiga da rentabilidade

Pela 1ª vez na crise, inflação corrói ganho das principais aplicações em fevereiro

Felipe Frisch

Ainflação de 1,18% medida pelo IGP-M em fevereiro corroeu a rentabilidade de praticamente todas as aplicações financeiras no mês. É a primeira vez em que a inflação supera os principais tipos de investimento desde outubro de 2008, quando a crise financeira se agravou.

Os conservadores fundos DI, que investem em títulos públicos pós-fixados e acompanham a taxa básica de juros, Selic (hoje em 8,75% ao ano), renderam 0,52% até dia 23, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Mas, descontada a inflação, os investidores dessas carteiras, na verdade, perderam 0,67% do poder de compra do dinheiro aplicado.

Mesmo considerando a estimativa de rentabilidade para o mês fechado, de 0,68%, o rendimento real do fundo DI seria negativo em 0,51%. E essas variações não consideram o Imposto de Renda (IR), que pode variar de 15% a 22,5% do rendimento, dependendo do prazo da aplicação, levando a perdas reais entre 0,61% e 0,66% no mês.

Para os investidores da poupança, a situação é pior ainda. Apesar do rendimento fixo em 0,50% ao mês, o dinheiro aplicado na caderneta, na prática, perdeu 0,69% do seu valor. O dólar foi o que teve pior desempenho no mês: caiu 4,14%.

FGTS-Vale é melhor aplicação do mês

As carteiras de quem aplicou parte do Fundo de Garantia (FGTS) em ações da Vale, os FGTS-Vale, foram o melhor investimento de fevereiro, com rentabilidade de 2,61% até dia 23. Descontado o IGP-M, o rendimento vai para 1,40%. Se for considerada a rentabilidade das ações da Vale no mês fechado, de 5,54%, o ganho deflacionado cai para 4,28%.

O Índice Bovespa (Ibovespa), principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), com toda a volatilidade do período, subiu 1,68% no mês, tendo saído de 65.401 para 66.503 pontos. Descontado o IGP-M, o ganho real cai para 0,48% ainda positiva.

O administrador de investimentos Fabio Colombo avalia que a melhor forma de se proteger da inflação é investir em títulos públicos ou fundos de investimento atrelados à inflação.

No Tesouro Direto, sistema de compra de papéis do governo pela internet, há as Notas do Tesouro Nacional da série B (NTNs-B), que pagam juros semestrais e corrigem o valor aplicado pelo IPCA, o indicador oficial de inflação

Perda pode acelerar a alta da Selic

O especialista avalia que justamente o fato de a inflação estar superando as aplicações poderá servir de motivo para o Banco Central (BC) começar a elevar a Selic logo, talvez já na reunião de 16 e 17 de março do Comitê de Política Monetária (Copom).

— A preocupação do investidor é essa, e esse é um motivo para o BC subir os juros. Se a situação ficar mais dois ou três meses assim, o pessoal vai começar a tirar dinheiro das aplicações com juros baixos e comprar imóveis, olhar carro para trocar, e isso é mais lenha para a inflação — diz, ao lembrar que, mesmo pelo IPCA, a inflação projetada para fevereiro, ainda não divulgada, está na casa de 0,73%, segundo o último relatório Focus, do BC, com projeções do mercado.

Para Gilberto Braga, professor de Finanças do Ibmec, não há muito o que o investidor de renda fixa — como os fundos com este nome, os DI e a poupança — possa fazer para fugir das perdas reais. No entanto, ele não acredita que este cenário de inflação alta se mantenha ao longo do ano. Ou seja, essas pessoas não devem ficar com rendimento real negativo no ano.

Para ele, a atuação do governo ainda está lenta, já influenciada pelas eleições presidenciais e pelo risco de impopularidade de se elevar os juros do ponto de vista de quem toma crédito.

— Estamos esperando uma atitude mais firme, aos primeiros sinais de que inflação pode subir além do desejado.

Por enquanto, o governo ainda está muito no discurso — diz.

O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal, lembra que boa parte da alta do IGP-M veio da variação da inflação do atacado, o IPA, que é 60% do IGP-M e subiu 1,42% em fevereiro. Para ele, se os custos industriais que formam parte do IPA continuarem elevados em março, será um sinal de que a demanda está forte e de que a alta de preços poderá durar mais tempo. Já, se esta parte do índice recuar, mostrará que ainda era influência da alta do dólar em janeiro

Gregos e nós:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A Grécia vai afetar o Brasil. Não diretamente, não criando uma crise, mas haverá menos fluxo de capital, mais dificuldade de financiar o déficit externo de 3% do PIB. O dólar ficará mais valorizado, elevando um pouco a inflação. Essa é a visão dos economistas José Márcio Camargo e José Roberto Mendonça de Barros. José Roberto define como “loucura” a criação de uma estatal de fertilizantes.

A complicação grega é maior do que parece. A Grécia tem 50 bilhões de euros vencendo em maio, e até lá o Parlamento grego tem que aprovar medidas de austeridade, do contrário, não haverá ajuda.

— A Europa tem uma moeda única, mas não tem uma base fiscal única.

Maastricht (o acordo que estabeleceu metas fiscais para todos os países do bloco) vem sendo desrespeitado há tempos — afirma José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos e da PUC do Rio.

José Roberto lembrou um fato ainda mais complicado.

— O Banco Central europeu terá que renovar as facilidades de refinanciamento aprovadas no ano passado porque a exposição do sistema bancário europeu nos países do mediterrâneo chega a US$ 3 trilhões. A gente tem que lembrar que esses bancos europeus carregam dívidas da Europa oriental, algo esquecido nesse tumulto grego, mas que está lá presente — diz o economista da MB Associados.

Entrevistei os dois na Globonews sobre a situação grega, europeia, e reflexos no Brasil. O que eles disseram de tranquilizador é que nada do que ocorrerá este ano será igual ao ano passado.

— Eu não acho nada parecido com 2008, quando o Lehman Brothers faliu. Primeiro, porque os bancos estão muito menos alavancados; e porque em 2008 ninguém sabia com quem estava os papéis podres. Agora, há muito mais informação sobre a situação de cada um — diz José Márcio.

José Roberto concorda que nada é como 2008, mas haverá efeitos negativos na economia: — Vamos ter algum efeito.

Os bancos estão bem, mas não querem emprestar na Europa. A base monetária cresce a 12%, e o crédito não sobe. O mundo está assimétrico: Ásia crescendo, Estados Unidos recuperando, e Europa em crise. Isso aumenta a volatilidade do capital, que será muito maior do que a gente imaginava.

Neste contexto, vão se reduzir os fluxos de capital no mundo inteiro, afetando até os investimentos diretos. De novo, nada parecido com a crise de 2008, mas uma situação um pouco pior do que se projetava para 2010.

— Até porque nós temos que financiar um déficit de 3% do PIB, o que é US$ 60 bilhões, e isso é muito dinheiro — diz José Márcio.

— Mais importante até do que o déficit de 2010, de US$ 60 bilhões, é o de US$ 100 bilhões, que terá que ser financiado em 2011 — completa José Roberto.

No caso da ajuda à Grécia, José Roberto acha que a Europa terá de ficar entre dois limites: — Não pode salvar facilmente a Grécia porque a mensagem que passa é horrível e terá que ajudar todos os outros países em dificuldade; não pode deixar o default porque o projeto político da Europa e o projeto do euro naufragam.

José Márcio tem a tese de que os países que passaram bem pela crise foram os que, por causa da crise dos anos 90, foram ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e tiveram que fazer o ajuste de suas economias, aumentando a solidez fiscal, como a Coreia, Tailândia, Indonésia, México, Brasil.

A Argentina, não, porque ela não fez o ajuste.

— O FMI forçou esses países a fazerem o ajuste e quando chegou a crise eles estavam mais bem preparados.

O que a crise fez mal ao Brasil, na visão de José Márcio, foi que ela justificou escolhas ideológicas de aumento do tamanho do Estado, que tinham sido arquivadas.

— A crise está justificando decisões absolutamente políticas e ideológicas de aumentar o Estado. A lição que o governo está tirando é exatamente a oposta da que deveria tirar, achando que agora pode aumentar o Estado para debelar a crise.

A lição certa é que se saiu melhor quem reduziu o tamanho do Estado. A Grécia aumentou o tamanho e está em crise.

José Roberto acha que há uma leitura errada do economista inglês John Maynard Keynes, no governo: — Lamentavelmente, neste fim de governo, uma visão de que tudo se resolve através do Estado prevaleceu. Começaram todos keynesianos e terminaram estatistas. Aproveitaram o embalo político para embrulhar em cima do coitado do Keynes o antigo programa do PT.

Quando perguntei a José Roberto o que ele achou da ideia de criar uma estatal de fertilizantes, já que ele tem conhecimentos do setor agrícola, ele respondeu: — É uma loucura. Isso aí é uma bobagem sem tamanho, que nasceu de um trabalho de três anos atrás, feito por um assessor do ministro Reinhold Stephanes, e que é uma das coisas mais fracas que já li na minha vida. O problema do setor de fertilizantes é de outra natureza.

A Petrobras, que é dona do gás, quer fazer nitrogenado (matéria-prima de fertilizante) barato? Entrega o gás a preço decente.

Isso ela não faz. A Telebrás é outra parte dessa onda maluca que está surgindo.

Os dois acham que este ano a inflação sobe um pouco, para 5%, o dólar fica entre R$ 1,90 e R$ 2,00, e os juros vão subir, talvez a partir de abril. Acham que a situação econômica fica um pouco pior com a crise da Grécia, mas nada que comprometa o crescimento.

Mas alertam: 2011 será o ano da ressaca se a compulsão estatizante e gastadora não for contida.

Ex-cliente de Dirceu é dono de fatia maior da Eletronet

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O empresário Nelson dos Santos, que pagou R$ 620 mil ao ex-ministro José Dirceu de 2007 a 2009, é o principal acionista privado da Eletronet, empresa em processo de falência que o governo planejava reativar para seu plano de banda larga.

Ex-cliente de Dirceu controla fatia maior da Eletronet

Nelson dos Santos também está por trás da Contem Canada, outra sócia na empresa

Contem Canada, na verdade, faz parte de grupo com sede em Campinas; Eletronet é peça-chave no plano de banda larga do governo

Julio Wiziack e Marcio Aith

Nelson dos Santos, ex-cliente de José Dirceu, é o principal acionista privado da Eletronet, empresa em processo de falência que o governo planejava reativar para ser usada como "espinha dorsal" do PNBL (Plano Nacional de Banda Larga).

Em 2003, quando foi solicitada a falência, a Eletronet tinha como sócios o governo, por meio da Lightpar, com 49% de participação, e a AES, com 51%. Em agosto de 2004, a companhia americana cedeu sua participação à Contem Canada Inc., sediada em Sherbrooke.Por essa operação, a Contem recebeu uma participação de R$ 287 milhões sem pagar por isso, assumindo a parte da AES na Eletronet, cuja dívida chegava a R$ 800 milhões.

A Contem Canada Inc. é do grupo brasileiro Contem, que pertence a Ítalo Hamilton Barioni. A empresa, sediada em Campinas, no interior paulista, opera no setor elétrico. Em 2005, Barioni vendeu 25% de sua participação na Eletronet para a Star Overseas, "offshore" de Nelson dos Santos, por R$ 1.

Após seis meses, Santos tornou-se sócio da Contem sem desembolsar por isso. É o que revela o registro da Junta Comercial de São Paulo. Santos passou a deter praticamente metade da Contem, compartilhando o controle da Eletronet.

Entre 2007 e 2009, Santos contratou o ex-ministro José Dirceu por R$ 620 mil no período, como revelou a Folha. Dirceu e Santos declararam que o dinheiro não foi para "lobby", mas foi pagamento por serviços de consultoria.

Quando era ministro, Dirceu participou ativamente do debate no governo sobre a reutilização das fibras da Eletronet. A ideia original era sanear a empresa para vendê-la. Depois, pensou-se em montar uma empresa que gerenciasse as redes de dados das estatais. Em 2006, após a saída de Dirceu da Casa Civil, o governo pensou em usar a Eletronet como pilar na oferta de internet em regiões descobertas pelas teles.

Controvérsias judiciais

Esse projeto do governo encontrou barreiras entre Furukawa e Alcatel-Lucent, empresas de tecnologia que concentram 80% das dívidas da Eletronet. Ambas travam uma disputa na Justiça, que já dura uma década, para receber o pagamento. Hoje eles aceitam receber menos que os R$ 600 milhões fornecidos à Eletronet em fibras ópticas e equipamentos instalados nas torres de transmissão de energia das companhias elétricas. Essa malha de fibras soma 16 mil quilômetros e conecta 18 Estados.

Em dezembro, o governo obteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio, que transferiu essas fibras às centrais elétricas mediante depósito de R$ 270 milhões em caução.Em janeiro, os credores recorreram por meio de uma petição. Motivo: alegam não ter recebido o dinheiro e, por isso, querem a anulação da decisão do tribunal. A disputa continua na Justiça.

Sem a posse dessas fibras, o governo não tem como levar a internet a 68% dos domicílios até 2014, como prevê o PNBL.

A fatura de Santos

Mesmo que o governo mantenha as fibras da Eletronet, o empresário Nelson dos Santos diz ter direito a receber cerca de R$ 200 milhões. Segundo ele, o pedido de falência da empresa foi feito pelo governo, e não pelos sócios privados. Ainda segundo ele, todos os investimentos e a manutenção da rede foram feitos pelos sócios privados ao longo dos anos após o pedido de falência.

Caso o governo ganhe a disputa na Justiça e a Eletronet perca as fibras, Santos acredita ter direito a indenização. Se a empresa fosse mantida na gestão da oferta de banda larga pelo PNBL, ele também receberia. Isso porque, saneada, a Eletronet estaria gerando receita com a prestação de serviço e retorno a Santos, cuja participação na empresa agora se revela maior do que se sabia.

Terremoto de magnitude 8,8 atinge Chile; há alerta de tsunami

Moradores de Santiago saem às ruas de madrugada, após o tremor de terra. Cristóbal Saavedra/EFE

Presidente Michele Bachelet pede que população mantenha calma e prevê maior número de mortes

Associated Press e Reuters

SANTIAGO, Chile - Um potente terremoto de magnitude 8,8 atingiu a região central do Chile na madrugada deste sábado, 27, sacudindo a capital Santiago por um minuto e meio e desencadeando um tsunami. Um forte tremor secundário, ou réplica, do terremoto foi sentido na capital por volta das 7h30, fazendo tremer edifícios, informaram testemunhas.

Pouco depois das 7 horas da manhã, a presidente Michele Bachelet declarou "estado de catástrofe", e o total de mortos era estimado em 47. O tremor também foi sentido na Argentina.

Funcionários de linhas aéreas brasileiras e peruanas informaram à agência de notícias Reuters que o aeroporto de Santiago tinha sido fechado em virtude do terremoto.

"Temos um enorme terremoto", havia dito Bachelet, algum tempo antes, a partir de um centro de reação a emergências, num apelo para que os chilenos fiquem calmos. "Estamos fazendo todo o possível com todas as forças que temos. Toda informação será compartilhada imediatamente".

Ela pediu que as pessoas evitem sair de carro, já que os sinais de trânsito estão desligados, para evitar causar mais baixas.

O tremor ocorreu às 3h34 da madrugada, e esteve centrado no mar, a 325 km a sudeste da capital, numa profundidade de mais de 50 km, informa a Geological Survey dos EUA.

O epicentro está a 115 km de Concepción, a segunda maior cidade do Chile, onde mais de 200 mil pessoas vivem ao longo do Rio Bio Bio, e a 90 km da estação de esqui de Chillan, uma porta de entrada para os resorts de neve dos Andes, e que foi destruída em 1939, num terremoto.

O Centro de Alerta de Tsunamis do Pacífico emitiu um alerta para o Chile e o Peru, e um aviso menos urgente para Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica e Antártida. Um tsunami também poderá atingir o Havaí mais à tarde.

O maior terremoto da história atingiu a mesma região do Chile, em 22 de maio de 1960. O tremor de magnitude 9,5 matou 1.655 pessoas e deixou 2 milhões de desabrigados.