domingo, 14 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – Gilberto Freire

"Um Brasil que tem (...) um político, um parlamentar da grandeza e da atualidade de Nabuco, não deve deixar que essa grandeza seja esquecida, principalmente em época marcada pela desconfiança de que todo político brasileiro seja um politiqueiro, e todo homem público, um mistificador (...). Nabuco é uma das maiores negações dessa lenda negra com que se pretende desprestigiar entre nós a vida pública (...). Os brasileiros de hoje, os moços, os adolescentes, (...) é este o Nabuco que precisam conhecer de perto: o político que foi também um homem de bem. O político que não separou nunca a ação da ética".


(Gilberto Freire, na Câmara de Deputados em 1947, citado por Rubens Ricupero, no artigo de hoje na Folha de S. Paulo)

Um gramsciano a serviço da união dos povos :: Marco Aurélio Nogueira

DEU NO BLOG POSSIBILIDADES DA POLÍTICA

Demorei uns dias para escrever esse texto. Sem demagogia. Fiquei um tempo em estado de choque, sem ânimo para definir o que dizer.

Quarta-feira, 20 de janeiro, soube da morte de Giorgio Baratta.

Poucos brasileiros sabem quem foi ele. Era conhecido e admirado por marxistas gramscianos, com quem mantinha relações estreitas, aqui no Brasil e em diversas partes do mundo. A todos encantava com sua ironia fina, seu conhecimento enciclopédico, sua admiração incondicional por Gramsci – uma admiração que não o cegava nem o fechava em tolos dogmatismos. O seu sempre foi um Gramsci aberto, plural, em busca de atualização, condição indispensável para que continuasse a ser útil para o esforço de compreensão do mundo. “O mundo grande, terrível e complicado”, como costumava falar Giorgio, exige muita tenacidade, muito empenho e muita flexibilidade. Gramsci era, para ele, o principal marxista equipado para este movimento de compreensão.

Giorgio morreu aos 72 anos, de câncer, contra o qual lutou obstinadamente nos últimos meses. Estive com ele em janeiro de 2009, em Roma, data da foto reproduzida acima. Depois, conversamos por e-mail algumas vezes. Nunca me passou pela cabeça que poderia estar doente, depois daquela tarde fria em que passeamos pelas ruelas do Trastevere. Na ocasião, Giorgio me pediu para lhe enviar um exemplar do meu livro sobre Joaquim Nabuco, As desventuras do liberalismo, porque achava que se o lesse iria conhecer melhor o Brasil. Meses depois, numa troca de e-mails, ele me lembrou do pedido. Respondi que enviaria o livro com enorme prazer, assim que saísse a segunda edição, revisada e atualizada, prometida pela Paz e Terra para fevereiro de 2010. Se eu soubesse...

Ele amava o Brasil. Com sinceridade. Vivia em busca de pontes que ligassem italianos e brasileiros, Nápoles e Bahia, Itália, África e Brasil. Seu livro Le rose e i quaderni (2000) foi traduzido e publicado no Brasil (As roas e os cadernos (RJ, DP&A, 2007). É uma excelente amostra do programa teórico, político e cultural a que se dedicou Baratta.

Em agosto de 2008, publiquei neste blog um texto sobre ele, tentando resumir sua vasta atividade cultural e sua rica personalidade intelectual.

Giorgio ensina filosofia na Universidade de Urbino, Itália. Marxista erudito, de imaginação larga e fôlego inesgotável, dedicou-se a uma batalha incansável para agitar idéias, unir povos e experiências e produzir cultura de esquerda. Sua relação com o pensamento de Gramsci foi intensa e original. Ele não era um estudioso em busca do verdadeiro Gramsci, mas sim um teórico que desejava usar Gramsci para interpretar as urgências do presente.

Esteve entre os fundadores da International Gramsci Society e era presidente da IGS Itália. Fundou e dirigiu a network Immaginare l’Europa e a associação cultural Terra Gramsci, na Sardenha. Foi um organizador cultural ativo e também um artista, que se envolveu com a música, o teatro e o cinema. Concebeu, produziu e/ou dirigiu dois filmes: Gramsci l’ho visto cosí, direção de Gianni Amico, e New York e il mistero di Napoli. Viaggio nel mondo di Gramsci raccontato da Dario Fo.

Além de As Rosas e os Cadernos, seus últimos livros foram Antonio Gramsci in contrappunto (2007) e Leonardo tra noi (2007), ambos publicados por Carocci editore. Colaborou com vários verbetes no Dizionario gramsciano 1926-1937, que acaba de ser publicado na Itália.

No site IGS Itália, podem ser vistas as dezenas de manifestações de pesar que foram feitas por ocasião de sua morte.

Giorgio Baratta deixará saudade.

Poder do tempo, tempo do poder:: José Augusto Guilhon Albuquerque

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO /Aliás

No enigmático processo eleitoral de 2010, Serra espera enquanto Lula tem pressa

Que o tempo é dinheiro tornou-se uma evidência a priori no mundo capitalista, diferentemente das sociedades ditas primitivas e daquelas, como a nossa, em que a longa transição para a universalização do mercado ainda retém regiões significativas da cultura, das ideologias e do sistema de trocas, que recusam a moeda como equivalente universal de valor. Uma das contribuições mais notáveis de Marx para a compreensão do capitalismo é sua definição da determinação do valor da força de trabalho: é o tempo de trabalho necessário à reprodução da força de trabalho.

Com isso Marx estabeleceu as bases conceituais para que todos os valores na sociedade capitalista tenham um princípio de equivalência medido pelo tempo. Daí a concluir que tempo é dinheiro e, portanto, é poder, não é mais do que um passo, já que o dinheiro é reconhecidamente um dos principais recursos de poder.

Mas estamos no nível dos conceitos. As pessoas não se orientam apenas pelo mercado e não se comportam sempre, nem exclusivamente, como se o seu tempo fosse dinheiro. As pessoas que dispõem de mais tempo não têm mais dinheiro nem mais poder do que as que têm menos tempo. Ao contrário, acredita-se popularmente que os mais poderosos "não têm tempo para nada".

Na verdade, os mais poderosos - entre eles os mais ricos - podem ter tempo para tudo, porque não se trata da quantidade de tempo de que um indivíduo dispõe: teoricamente todos dispõem de tempo igual, 24 horas por dia. Trata-se de como se administra o tempo, e especialmente o tempo dos outros. O tempo - esse tempo que é dinheiro e que é poder - é elástico uma vez que se pode - dispondo de tempo e dinheiro - administrar o tempo dos outros. A verdade verdadeira é que nem todos somos iguais perante o tempo.

Nesse sentido a contribuição de Maquiavel é mostrar que a desigualdade entre os grandes e o povo, que está na base da constituição do Estado, também se aplica ao tempo, seu significado e seu uso. Assim, antes mesmo de sua equivalência ao dinheiro, Maquiavel mostrava a equivalência do tempo ao poder.

Todos conhecem a máxima maquiaveliana, segundo a qual, o Príncipe, para conservar o poder, deve fazer de uma vez todo o mal que precisa ser feito, e distribuir as benesses pouco a pouco, ao longo do tempo. O tempo joga, portanto, a favor do Príncipe e em detrimento do povo. A necessidade torna o povo refém do imediato, impossibilitado de administrar seu próprio tempo. Assim sendo, o tempo só é poder para quem pode administrar seu próprio tempo e o dos demais.

Existe uma versão folclórica da diferença entre o tempo de quem exerce o poder e o tempo dos demais. Essa versão consiste na noção de que quem exerce o poder se faz esperar, cujo corolário é que o mais poderoso chega por último. Ela só tem vigência no Brasil porque nossa sociedade ainda tem um pé no atraso senhorial e o tempo não é totalmente dinheiro, mas sobretudo prestígio, hierarquia.

Mais interessante é a administração do tempo no processo eleitoral porque, neste caso, a máxima de que nem todos são iguais diante do tempo tem implicações estratégicas. Por exemplo, nem todos têm a mesma possibilidade de desencadear o processo eleitoral, e quem exerce esse poder está administrando o tempo do adversário e, portanto, limitando seu acesso a esse recurso de poder.

Em condições normais pode-se supor que quem não está no poder tem pressa e, portanto, interesse em desencadear a oposição, pondo o governo na defensiva. Quem está no poder, ao contrário, tem interesse em prolongar ao máximo sua prerrogativa, escolher o momento mais adequado a seus interesses e adiar ao máximo a hora em que deixa de ser o supremo mandatário para se tornar um competidor entre outros - ou para ser um mero observador de outros competidores, caso não possa concorrer a mais um mandato.

Este é apenas mais um dos enigmas do atual processo eleitoral: com mais de dois anos de antecedência ao período eleitoral "normal", o Príncipe, como se fosse povo, condena-se ao imediatismo e, como se fosse oposição, abre mão de sua prerrogativa de fazer o tempo e a hora de sua sucessão, para tornar-se um competidor entre outros. Mais que isso, o Presidente Lula apostou numa vitória antecipada na disputa por sua própria sucessão, ao definir as eleições municipais de 2008 como plebiscitárias. E fez mais que isso: escolheu ele mesmo seu oponente e a hora e o lugar em que iria derrotá-lo - em São Paulo. Em vão: não houve plebiscito nem derrota do opositor, nem decisão antecipada de 2010.

Com isso, a campanha arrasta-se a perder de vista. E só se pode entendê-la se admitirmos que Lula tornou-se chefe da oposição a José Serra. Escolhe a candidata, dita a estratégia, faz os comícios mas não poderá ser o cabeça de chapa.

O poder do tempo é o de ser um recurso de poder, que tem duas mãos: quem não sabe administrar o tempo corre o risco de ser administrado por ele.

*Professor titular de Relações Internacionais aposentado do Departamento de Economia da FEA-USP e autor de O Intervencionismo na Política Externa Brasileira (Revista Nueva Sociedad).

Rubens Ricupero:: Dois aniversários

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nabuco e Brasília convidam a refletir sobre a degradação entre nós da antiga dignidade da função pública

Não parece haver nada em comum entre os 50 anos de Brasília e o centenário da morte de Joaquim Nabuco. Ambas as datas convidam, no entanto, a refletir sobre a degradação entre nós da antiga dignidade da função pública.

Fui dos primeiros voluntários a trabalhar em Brasília, aonde cheguei em 10 de março de 1961. Éramos um punhado de pioneiros unidos pela ilusão de que vivíamos momento único: passado a limpo, o Brasil repartia com alma nova e purificada.

No plano cultural, Brasília dava expressão à utopia racional e funcionalista do modernismo. No político, correspondia à refundação do país. Longe das quarteladas da Vila Militar e da agitação das ruas, a alva cidade voltava as costas à corrupção da Corte, simbolizada pela Gaiola de Ouro, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.

Antes de completar quatro anos, o sonho tinha acabado. O golpe de 1964 inaugurou ditadura que ocupou quase a metade da vida da nova capital. Estava pronta a cena para a invasão de aventureiros rapaces empenhados no saqueio sistemático do planejamento urbanístico. O penúltimo governador esmerou-se na irresponsabilidade de semear favelas monstruosas ao distribuir lotes para comprar votos de miseráveis; o atual é preso por flagrante de atos pornográficos de corrupção explícita que nos devolvem aos tempos de governadores coloniais embarcados acorrentados para Lisboa.

Em lugar do Te Deum, a festa dos 50 anos se deveria abrir com um Réquiem pelo assassinado Plano Piloto de Lúcio Costa e Niemeyer. E prosseguir com o sermão de um Vieira redivivo mostrando como a corrupção destrói primeiro a capital, isto é, a cabeça, depois o corpo e a alma da nação. Se a corrupção continuar a ser alentada sob pretexto de governabilidade, se a Justiça se limitar a espasmos de energia, sem acabar com a impunidade, talvez haja ainda menos a comemorar em mais meio século. Brasília confirmará de modo irônico a profecia de Malraux de que seria "a mais bela ruína do século 20".

Quando morreu Nabuco, cem anos atrás, Domício da Gama se queixou: "Machado de Assis, Euclides da Cunha, Joaquim Nabuco fazem falta a meu coração de brasileiro confiado no futuro de uma nação que teve dessas inteligências". Mais que a inteligência, porém, essa trindade inigualada nos deixou o exemplo da austeridade a serviço do interesse público, os dois primeiros como funcionários, o último também como político.

Parlamentar incomparável, Nabuco sempre se bateu por ideias, pela Abolição, no início, pela Federação, mais tarde. Jamais foi ministro no Império ou na República, nunca teve poder nem dinheiro. Merece nesta hora de cinismo que se lembre o que dele disse Gilberto Freire na Câmara dos Deputados em 1947:

"Um Brasil que tem (...) um político, um parlamentar da grandeza e da atualidade de Nabuco, não deve deixar que essa grandeza seja esquecida, principalmente em época marcada pela desconfiança de que todo político brasileiro seja um politiqueiro, e todo homem público, um mistificador (...). Nabuco é uma das maiores negações dessa lenda negra com que se pretende desprestigiar entre nós a vida pública (...). Os brasileiros de hoje, os moços, os adolescentes, (...) é este o Nabuco que precisam conhecer de perto: o político que foi também um homem de bem. O político que não separou nunca a ação da ética".

Rubens Ricupero , 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

Tucanos avaliam hora ideal para lançar Serra

DEU EM O GLOBO

Dirigentes adiam ao máximo apresentação da candidatura ao Planalto, afinados com estratégia do governador

Flávio Freire

SÃO PAULO. Não há mais dúvida no ninho tucano: o governador paulista, José Serra (PSDB), decidiu que concorrerá este ano à Presidência. Diante do quadro favorável nas pesquisas, resta somente, para a direção do partido, saber até que ponto é possível esticar a corda em relação ao momento ideal para lançar a candidatura.

Ao avaliar os prós e contras de uma campanha antecipada, a cúpula prefere evitar uma exposição desnecessária do governador nesta reta inicial. A direção tucana estaria atendendo ao apelo do governador, que rechaça a tese de que o lançamento da candidatura apenas em março ou abril favoreceria a campanha da ministra de Dilma Rousseff (PT).

— A nossa campanha, neste momento, é a de não dar pretexto a ninguém sobre a candidatura.

Não faz sentido expor o Serra por aí. Claro que Serra já é o candidato, disso não há dúvidas, mas a hora é de preparar nossa base para a campanha deste ano — diz o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

Resultado de pesquisa eleitoral alerta tucanos Para o dirigente tucano, há reflexos mais positivos do que negativos nessa estratégia.

— Com o Serra distante da eleição, fica para o juízo da população apenas a candidatura de Dilma. O desgaste é maior quando se entra numa campanha, e quanto mais tempo você está nela, mais estará sujeito a críticas. Tanto que nem Marina (Silva), nem Ciro (Gomes) colocaram o bloco na rua oficialmente — analisa o senador pernambucano, um dos mais próximos do governador paulista.

A ofensiva da campanha petista, porém, acendeu a luz amarela no campo oposicionista, principalmente após a divulgação da recente pesquisa CNT/Sensus. Nela, Dilma cresceu cinco pontos percentuais, e aparece tecnicamente empatada com Serra. Ainda assim, o PSDB não pretende antecipar a entrada do tucano na disputa.

A convenção nacional do PSDB está marcada para junho.

Até lá, o partido concentrará esforço nas negociações em torno do candidato a vice. Embora o governador de Minas Gerais, o tucano Aécio Neves, já tenha descartado a possibilidade de assumir o posto, há quem ainda defenda seu nome, sobretudo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, principal defensor de uma chapa puro-sangue, com Aécio de vice. Em meio às especulações, o governador mineiro decidiu entrar de férias nesta semana.

Ficará 11 dias afastado da política. Uma possível chapa purosangue é, ainda hoje, a ideia mais defendida no partido.

Refratário à antecipação de seu nome, Serra conta com apoio a essa posição dentro do partido. O governador tem exigido dos líderes tucanos que evitem o confronto com Dilma. Ele prefere que o debate fique na esfera de comparações do governo Lula com o de Fernando Henrique Cardoso.

Assim, elimina qualquer chance de sua administração ser transformada em vidraça na atual conjuntura. O ex-presidente endossa a cautela do governador.

— Acho que ele tem que esperar mais um pouco — disse semana passada Fernando Henrique, que não tem escondido seu apreço por uma chapa purosangue. — Todos sabem da minha amizade com o Aécio, e acho que ele vai tomar a decisão mais acertada.

Aos poucos, Serra começa a tratar do assunto com um pouco mais de tranquilidade. Contou quarta-feira, após encontro com a cantora Madonna, que teria falado com ela sobre a disputa pela Presidência.

Serra deverá se desincompatibilizar do cargo que ocupa até 3 de abril. Com isso, deverá assumir o governo de São Paulo o vice-governador, Alberto Goldman, também tucano e que foi ministro dos Transportes na gestão de Fernando Henrique Cardoso.

Folia com cara de campanha

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

RUMO ÀS ELEIÇÕES

Três presidenciáveis acompanharam o desfile do Galo da Madrugada ontem. José Serra caminhou entre os populares. Dilma e Ciro ficaram no camarote

Nada melhor do que a Festa de Momo para os políticos, de olho nas eleições que se avizinham, circularem pelos polos do País, testarem a popularidade e posarem para fotos. Os principais presidenciáveis prestigiaram, ontem, o desfile do Galo da Madrugada, acompanhados dos líderes políticos da região. Com disposição, sorrisos no rosto e troca de elogios, a ministra Dilma Rousseff (PT) e o deputado federal Ciro Gomes (PSB) curtiram o bloco carnavalesco, mas não arriscaram “brincar” fora dos camarotes. Já o governador de São Paulo, José Serra, pré-candidato do PSDB, circulou rapidamente para cumprimentar os foliões.

A ministra Dilma chegou ao Palácio às 10h40 e foi logo brincando com o presidenciável do PSB, que já estava no local. “Ciro, pensei que sua camisa ia ser igual a minha.” Ambos usavam a camisa oficial do camarote de Eduardo. Azul com desenho de bichos, mas com animais diferentes. À imprensa, Dilma afirmou que ali “não era momento para discutir a aliança (para a campanha)”. “Minha relação com Ciro é especial.”

A comitiva deixou o Palácio das Princesas por volta das 11h e fez a pé o trajeto até os camarotes na Avenida Guararapes. O prefeito do Recife, João da Costa, de Olinda, Renildo Calheiros, o deputado Armando Monteiro (PTB) e o secretário das Cidades, Humberto Costa (PT), faziam parte do grupo. No percurso, apenas o governador foi bastante cumprimentado. Dilma e Ciro foram pouco reconhecidos pelos populares. Já no camarote, a petista fazia sinal de ok e o desenho de um coração para os populares.

Tanto Dilma quanto Ciro justificaram a passagem pelo Estado não por força da campanha que se avizinha, mas para “prestigiar o maior bloco do mundo”. Ciro, inclusive, disse ter vindo para mais de 15 desfiles do Galo. A ministra da Casa Civil veio à festa pelo segundo ano.

Na entrevista à imprensa, no Palácio, Ciro voltou a disparar contra Serra. “É importante que ele venha para cá (o Galo) para conhecer uma vezinha o que é vida real.” Indagado sobre o que acha de Serra buscar uma identificação com o Nordeste, Ciro soltou: “É mais fácil um boi voar (do que acontecer essa identificação)”.

JOSÉ SERRA

Com uma camisa azul e calça caqui, Serra se esforçou ao máximo para ser simpático e popular na rápida passagem pelo Carnaval do Recife. Ficou um pouco mais de uma hora no desfile do Galo. Chegou 20 minutos após o início. Tempo suficiente para aproveitar o camarote oficial do clube para fazer imagens e dar entrevistas. Tudo era registrado por uma equipe de televisão contratada por seus assessores. O ponto alto, no entanto, foram os 20 minutos que decidiu descer do camarote para caminhar no meio da multidão e sentir “o cheiro do povo”, termo utilizado pelos correligionários.

Quando desceu, Serra se deparou com foliões que já eufóricos com o Galo. Protegido por seguranças, o governador paulista tentava, mesmo com o som dos trios elétricos, conversar, cumprimentar e tirar fotos com as pessoas. Mas era o tempo todo empurrado. Era o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) que o apresentava, aproximando-o da população.

Serra confessou que se surpreendeu com a receptividade das pessoas e disse que “nunca” teve medo do povo. “Vi muita amizade e carinho. Fiquei felicíssimo de ter vindo, andado entre as pessoas”, falou. Na caminhada, foi reconhecido por alguns e provocado por outros. “Voto em Dilma (Rousseff)”, disse uma eleitora. Serra apenas sorriu. Dilma e Serra seguiram para Salvador.

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

com Norma Moura

Nada será como antes


Uma coisa é certa, nada será como antes no Distrito Federal depois da prisão do governador José Roberto Arruda (sem partido), por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), referendando liminar do ministro Fernando Gonçalves. E, ainda, da rejeição do pedido de habeas corpus do governador pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, contrariando muitas expectativas.

Dificilmente Arruda voltará ao cargo. Especula-se que renunciará ao mandato para sair da cadeia e responder em liberdade ao processo criminal, pois assim não poderia utilizar o poder de governador para embaralhar e obstruir a ação da Justiça no escândalo do Distrito Federal, razão pela qual passará o carnaval em cana. --> --> --> -->

Na vontade

O governador em exercício, Paulo Octávio (DEM), quer permanecer no cargo, mas enfrenta quatro pedidos de impeachment e um de intervenção federal no GDF feito pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel (foto). Sinal de que a crise continua firme e forte.

Liberou

A base governista na Câmara Legislativa, acuada pela prisão de Arruda, resolveu votar a admissibilidade do pedido de impeachment do governador na próxima quinta-feira, na expectativa de que com isso se evite uma intervenção federal. Beneficiado por essa linha de atuação, Paulo Octávio largou a mão de Arruda.

Interventor

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu o tom das declarações sobre Brasília, mas não está convencido de que a intervenção federal seja a melhor solução para o GDF. É uma engenharia muito complicada às vésperas das eleições. Porém, se prepara para a eventualidade de ter que montar uma equipe de governo.

Nomes

A intervenção federal no GDF só deve ser decidida em março, mas já começaram as especulações sobre o nome do possível interventor. O PSB defende o nome do ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence. Os petistas começam a falar do ex-deputado federal e advogado Sigmaringa Seixas.

Descanso

Entro em férias. Nesse período, a coluna será assinada pela colega Samanta Sallum, com a colaboração de Norma Moura.

Embate

O deputado federal Geraldo Magela (foto) se prepara para disputar a vaga de candidato a governador do Distrito Federal pelo PT nas prévias da legenda, pressionado pela militância petista. Sem tradição na legenda, o ex-ministro Agnelo Queiroz, egresso do PCdoB, sofre um ataque especulativo dos adversários, mas não desiste da candidatura.

Corda/ O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), reforçou a segurança do camarote do governo na avenida Marquês de Sapucaí. O presidente Lula e Dona Marisa não irão mais, mas Cabral receberá a visita de Madonna no desfile de hoje.

Pesquisa/ O ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, que luta para ser o pré-candidato do PT ao governo de Minas, não esconde que prefere uma pesquisa na base aliada para decidir quem será o candidato do PT ao governo de Minas. O ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, prefere as prévias.

Teimosia

O deputado distrital José Antônio Reguffe está sendo pressionado pela cúpula do PDT a concorrer a uma vaga de deputado federal, mas pretende lançar sua pré-candidatura a governador depois do carnaval. Cristovam Buarque bateu o martelo: é candidato ao Senado, não quer saber do GDF.

Bandeira

Engavetado no fim do ano passado, o projeto Ficha Limpa deve enfrentar novo bombardeio quando for a votação na Câmara. O projeto recebeu 1,3 milhão de assinaturas

Nevoeiro

“Ninguém sabe que coisa quer./Ninguém conhece que alma tem/nem o que é o mal nem o que é o bem./(Que ânsia distante perto chora?)/Tudo é incerto e derradeiro/tudo é disperso, nada é inteiro”, Fernando Pessoa, em Mensagem.

Elio Gaspari

DEU EM O GLOBO

A anarquia militar é praga do século passado

A exoneração do general Maynard Santa Rosa do Departamento Geral de Pessoal do Exército veio bem e veio tarde.

Ele deveria ter sido disciplinado quando criticou a conduta do governo na demarcação da reserva indígena de Roraima. Um cidadão tem todo o direito de achar que a Comissão da Verdade será uma “Comissão da Calúnia”, mas militar, de cabo a general, não pode expressar publicamente suas opiniões políticas. Muito menos atacar um decreto presidencial.

Foram muitas as pragas da vida brasileira no século passado. Uma das piores foi a anarquia militar. Entre os Dezoito do Forte de 1922 e a bomba do Riocentro de 1981, ocorreram pelo menos 20 episódios relevantes de insubordinação militar, um a cada três anos. Alguns fracassaram, outros prevaleceram. Uns tiveram apoio popular, outros foram produto da pura vontade dos quartéis. Uns agradaram à esquerda, outros à direita.

Em mais de meio século de anarquia, a pior bagunça ocorreu precisamente durante os 21 anos de ditadura militar. Em 1969, o país virou uma casa de Mãe Joana.

O presidente Costa e Silva teve uma isquemia cerebral, seu sucessor legal, o vice Pedro Aleixo, foi impedido de assumir o cargo, e a cúpula militar resolveu escolher seu sucessor.

Os generais entendiam que o povo não tinha a educação necessária para escolher um presidente. E aí? Quem escolhe? Os comandantes militares? Nem pensar, assim como voto do enfermeiro não podia valer o mesmo que o de um médico, o de um general que comandava uma mesa não valia a mesma coisa que o de um comandante de tropa. Fez-se a eleição mais manipulada da história nacional.

Tão manipulada que não se conhecem sequer as regras do processo que escolheu o general Emílio Médici. Sobrevivem apenas duas tabelas que não fazem nexo.

Durante a ditadura, a anarquia produziu e institucionalizou um aparelho repressivo que se deu à delinquência da tortura, do assassinato de cidadãos e do extermínio de militantes de organizações esquerdistas. Começaram combatendo os grupos que, entre 1966 e 1973, se lançaram num surto terrorista.

Terminaram com um pedaço dessa máquina fazendo seu próprio terrorismo, botando bombas em instituições acadêmicas, bancas de jornais e entidades como a OAB e a ABI.

Quem namora pronunciamentos militares deve contemplar duas fotografias: a dos Dezoito do Forte, heroica, com os oficiais caminhando desafiadoramente pela Avenida Atlântica, alguns deles para a morte, e a do Puma do Riocentro com o corpo dilacerado do sargento do DOI. São cenas diferentes, mas têm a mesma nascente

A verdade do comissário Tarso Genro

Na briga em torno do Programa Nacional de Direitos Humanos estabeleceu-se um conflito entre os canibais e os antropófagos (parece que essa imagem é de Jorge Luis Borges). De um lado alinharam-se as vivandeiras de uma ditadura falecida.

De outro, hierarcas do governo que se dedicam a organizar eventos, aspergir a Bolsa-Ditadura e simular investigações.

O governo de Nosso Guia não quer buscar verdade alguma. Um episódio relacionado com aquilo que se denomina Guerrilha do Araguaia expõe a falsidade.

(No Araguaia teria havido uma guerrilha que começou com a fuga do chefe político —João Amazonas, em 1972 — e terminou com a fuga do chefe militar — Angelo Arroyo, em 1974.)

Nela desapareceram pelo menos 70 pessoas, na maioria jovens militantes do PCdoB. Havia engenheiros, médico, geólogo, enfermeira, três ex-estudantes de física, um de astronomia, outra de alemão.) Há duas semanas, numa entrevista ao repórter Valdo Cruz, o comissário Tarso Genro tratou do caso e, referindo-se à ação da tropa, disse o seguinte: “Participaram dos combates no Araguaia, mas aquilo é combate militar, não é repressão política no porões.” Caso típico de manipulação stalinista da História. O comissário mente.

Em dois anos, deram-se no Araguaia, no máximo, dez enfrentamentos. Depois de dezembro de 1974 não se sabe de um só. Nessa época, desorganizados, escondiam-se na mata pelo menos 35 sobreviventes. Uns foram capturados, outros renderam-se.

No dia 18 de janeiro de 1974, dois meses antes de tomar posse na Presidência da República, o general Ernesto Geisel teve o seguinte diálogo com o tenente-coronel Germano Arnoldi Pedroso, quadro do Centro de Informações do Exército e chefe de sua segurança:

— Vem cá, e como é que está aquela operação lá em Altamira?

— Lá em Xambioá? Tenho a impressão de que, se prosseguir como tem sido executada, mais uns dois ou três meses liquida-se aquilo lá.

— Mas eles conseguiram alguma coisa?

— Atualmente já pegaram quase trinta.

— Trinta? — Trinta. (....)

— E esses 30, o que eles fizeram? Liquidaram? Também?

— Também.

— Hein?

— Alguns na própria ação. E outros presos, depois. Não tem jeito não.

Combate, comissário?

Bola da vez

Para o bem de todos e felicidade geral da nação, o STJ botou na cadeia o governador José Roberto Arruda.

Pode ser mais difícil, mas há procuradores no Ministério Público e investigadores da Polícia Federal acreditando que devem pedir a prisão preventiva do empresário Fernando Sarney.

Quiromancia

Corre pela política do Rio um exercício de quiromancia eleitoral capaz de levar desassossego a Dilma Rousseff.

Marina Silva pode ganhar a eleição presidencial na cidade.

Esta informação vale pela ansiedade que provoca hoje. Nada a ver com o resultado de outubro, que geralmente contradiz as previsões feitas em fevereiro

CubaNet

Está na Venezuela o comandante Ramiro Valdés, segundo homem da hierarquia cubana e comissário das telecomunicações do país. É ele quem cuida do isolamento eletrônico de Cuba.

Nas suas palavras: “A internet é um instrumento global de extermínio”.

Apelidado “El Chivo” (Bode), por conta de seu cavanhaque, o comandante é um remanescente do ataque de Fidel Castro ao quartel Moncada, em 1953.

No ano passado, uma equipe do comissariado de internet do governo brasileiro reuniu-se com ele em Havana. Há dois anos, “El Chivo” passou pelo Brasil.

A dúvida é se ele veio aprender ou ensinar.

Malvadeza

De um escorpião: “O desempenho do prefeito Gilberto Kassab durante a enchente paulista formou uma nuvem sobre a cabeça do governador José Serra. Ele pode virar o seu Celso Pitta.” (Kassab foi secretário de Planejamento do prefeito Pitta, que por sua vez foi o poste de Paulo Maluf.)

Lula, o PT e suas heranças: 2002 e 2006 :: Pedro S. Malan

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Este artigo foi publicado neste espaço em julho de 2006. É republicado hoje sem nenhuma alteração. Por duas razões: a primeira, porque como na letra do samba de carnavais de outrora, "recordar é viver"; a segunda, muito mais importante, porque o autor acredita que o texto talvez possa reter certo interesse, à luz da insistência do governo atual num confronto plebiscitário, com foco no passado, em vez de um olhar à frente, como, creio eu, seria melhor para o País, onde há tanto por fazer. Portanto, peço ao eventual leitor que adicione, ao título do artigo e onde mais couber, o ano de 2010.

"A opinião que tens de tua importância te porá a perder", dizia uma das inscrições nas vigas da biblioteca de Montaigne, cujos Ensaios há séculos encantam seus leitores. O tema da vaidade dos homens lhe era caro. O belo ensaio a ele dedicado começa bem: "Talvez não haja vaidade maior do que sobre ela escrever de forma tão vã." Afinal, sempre vale lembrar o Eclesiastes: vaidade das vaidades, tudo é vaidade.

Não sei bem por quê, estas lembranças por vezes me vêm à mente ao ler os pronunciamentos de nosso presidente, cada vez mais encantado consigo mesmo e com o que considera não só como seu superior entendimento das coisas deste mundo, como sua autoproclamada capacidade de transformá-lo. Em arroubo recente, informou-nos que "só Deus conseguiria consertar em quatro anos o que não foi feito em 500 anos". Ele (Lula), por exemplo, precisaria de oito anos para começar a corrigir erros e omissões seculares e pôr o País no rumo certo, deixando uma extraordinária herança a seu sucessor.

Mas falemos antes sobre as heranças, já por eles construídas, com que Lula e o PT chegaram a 2002 - e chegam às eleições de 2006.

Em 2002, Lula e o PT tinham uma história de mais de 20 anos e, portanto, uma herança que consigo carregavam. Fazia parte dessa herança a ferrenha oposição ao lançamento do Real em 1994, chamado de "pesadelo", de "estelionato eleitoral" e com duração por eles prevista para poucos meses. Fazia parte dessa herança a oposição às mudanças constitucionais que permitiriam ampliar os investimentos privados em infraestrutura. Fazia parte dessa herança a oposição às privatizações, à redução do número de bancos estaduais e à abertura comercial. Fazia parte dessa herança o plebiscito pela suspensão dos pagamentos das dívidas externa e interna e pelo "rompimento" com o FMI. Fazia parte dessa herança a oposição do PT à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no Congresso, a tentativa de derrubá-la no STF e a aprovação, em dezembro de 2000, por seu Diretório Nacional, de texto em que o PT declarava sua posição: "A LRF precisa ser radicalmente modificada porque o preço da responsabilidade fiscal não pode ser a irresponsabilidade social." Fazia parte da herança com que o PT e Lula chegaram a 2002 o programa de governo aprovado em dezembro de 2001 pelo seu congresso nacional, a mais alta instância decisória do partido, e que tinha como subtítulo A ruptura necessária com tudo aquilo que ali estava.

Essa herança, como é sabido, teve consequências já em 2002. A taxa de câmbio desvalorizou-se em mais de 50% nos seis meses que antecederam a eleição de outubro (de R$ 2,4 em março/abril para R$ 3,7 por dólar em setembro/outubro), o risco País chegou a multiplicar-se por quatro no período, chegando a 2.400 pontos em outubro, e a inflação em 2002 alcançou 12,5%, tendo mais da metade deste aumento sido registrada nos últimos três meses do ano. Como bem notou Armínio Fraga em longa e excelente entrevista ao jornal Valor (23/6), "a economia estava na UTI, mas isto era a consequência de expectativas em relação ao que o próximo governo faria". E havia fundadas razões para essas expectativas.

A gradual desconstrução dessa herança foi um processo, timidamente iniciado em fins de junho de 2002 com carta-compromisso do candidato e ainda não concluído, porque há sérias divisões e ambiguidades não resolvidas no PT, no próprio governo e nas forças que o apoiam, como mostra a experiência pós-Palocci, em particular no que diz respeito à forte expansão recente do gasto público.

Passados quatro anos, é cada vez mais claro que a gradual desconstrução da herança construída pelo PT para si próprio em 2002 foi facilitada por três ordens de fatores: um contexto internacional extraordinariamente favorável no quadriênio 2003-2006 (só comparável ao quadriênio 1970-1973, afirma estudo recente do FMI); uma política macroeconômica não-petista (nenhuma das "estrelas econômicas" do PT ocupou qualquer posição relevante na área mais sensível da política macroeconômica, graças ao médico Palocci e ao apoio que este recebeu de Lula até o final de 2005); e uma herança não-maldita de inúmeros avanços institucionais e mudanças estruturais que foram de enorme serventia ao novo governo, nos mais variados setores, inclusive os sociais, e aos quais o governo Lula soube dar continuidade, ainda que pretendendo ter inventado a roda - em alguns casos, com desfaçatez e hipocrisia.

Entretanto, o contexto internacional, que permitiu que o Brasil reduzisse extraordinariamente a sua vulnerabilidade externa, não será tão favorável nos próximos quatro anos. O ministro Palocci, assim como pessoas-chave de sua equipe, não mais emprestam seu concurso ao governo. E, nos últimos quatro anos, houve poucos avanços institucionais, andamento de processos de reforma e melhoria de contextos regulatórios - pelo contrário.

O discurso sobre "herança maldita", que marcou o imaginário petista, era não só objetivamente equivocado, como trazia seu prazo de validade estampado no rótulo: afinal, em menos de quatro anos o governo Lula se apresentaria ao eleitorado com sua própria herança. E, em modernas democracias, o que se pode - e deve - esperar de um governo é que entregue a seu sucessor um país um pouco melhor do que recebeu de seu antecessor. Como fez FHC, sem achar que a "verdadeira" História do País começou com ele e sua gestão.

Qualquer governo, em qualquer país do mundo, não só tem seus próprios erros e acertos, como também constrói sobre avanços alcançados na vigência de administrações anteriores. O governo Lula não foi, não é e não será exceção a esta regra. Reconhecê-lo, difícil como possa parecer para a vaidade humana, é algo que só beneficiaria a governabilidade futura, qualquer que venha a ser o resultado das urnas de outubro.

Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC

EDITH PIAF & ISABELLE BOULAY «Rien de rien»

A tempestade FHC

DEU NA REVISTA VEJA

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso inaugura o estilo "nem paz, nem amor": diz que topa "ir para o pau" com o PT, chama Dilma Rousseff de "autoritária" e impõe ao PSDB a defesa de seu legado na disputa presidencial deste ano

Fábio Portela

"O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária, distorce o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere que se a oposição ganhar será o caos."

"A estratégia do petismo-lulista é simples: desconstruir o inimigo principal, o PSDB e FHC (muita honra para um pobre marquês...). Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições."

"Dilma não é líder. É reflexo de um líder."

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República (PSDB)

Há quem o ame e quem o odeie. Mas uma coisa é indiscutível: no mundo da política, ninguém fica indiferente a ele. Quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fala, os outros escutam. Foi o que ocorreu na semana passada, quando FHC assinou em sua coluna quinzenal no jornal O Estado de S. Paulo um artigo intitulado "Sem medo do passado". Com o texto, ele entrou de vez na campanha eleitoral – e, pelo visto, não sairá dela tão cedo.

Em dois movimentos, fez o que a oposição foi incapaz de fazer nos últimos sete anos: enfrentou duramente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusando-o de "enunciar inverdades" e "distorcer" fatos para inflar as realizações do PT, e defendeu vigorosamente as conquistas econômicas e sociais do seu próprio governo (1995-2002), enfileirando estatísticas que revelam que o desempenho dos tucanos no poder foi muito mais positivo do que tenta fazer crer a propaganda oficial. FHC entrou nessa briga depois de o Palácio do Planalto alardear que tentaria reduzir a eleição a um processo plebiscitário, orientado a partir da comparação do governo dele com o de Lula.

"O PT fica ameaçando o tempo todo comparar os governos, como se isso amedrontasse o PSDB. Isso é conversa.

Com o artigo, mostrei ao nosso pessoal que é possível defender o que foi feito com toda a tranquilidade. Temos resultados para mostrar. Se o PT quiser ir para o pau, nós vamos para o pau", diz Fernando Henrique.

O discurso belicoso do ex-presidente elevou o moral da tropa. Tucanos que andavam ressabiados diante do crescimento nas pesquisas da candidata do PT, Dilma Rousseff, voltaram a bater as asas, e FHC passou a semana recebendo telefonemas de congratulações.

"O presidente Fernando Henrique colocou em brios pessoas que ajudaram a transformar o país durante seu mandato. Parecia que a gente estava com vergonha de afirmar o legado do PSDB só porque o Lula está bem nas pesquisas. Isso não tem sentido", diz Arthur Virgílio, líder tucano no Senado. Até o governador de São Paulo, José Serra, candidato do partido à Presidência, enviou a FHC um e-mail dizendo que ele havia sido "muito feliz" nas suas considerações.

Fernando Henrique se animou. Afinal de contas, nas duas últimas campanhas presidenciais, o PSDB parecia tentar esconder o governo dele – que, se cometeu alguns erros, colecionou acertos em número muito superior. FHC, então, decidiu aumentar o bombardeio ao inimigo. Em São Paulo, disse que a ministra Dilma não é boa candidata por não ser, sequer, uma líder. Ao jornal americano Miami Herald, classificou-a de "autoritária" e "dogmática" e acrescentou que ela poderá se aproximar do venezuelano Hugo Chávez caso vença a eleição. Os petistas estrilaram com a saraivada, mas sua candidata, desacostumada de sofrer tamanho bombardeio, limitou-se a dizer que se orgulha do governo ao qual pertence e que seu líder é o presidente Lula.

"Nós temos orgulho do nosso governo e temos orgulho do líder que nos lidera neste governo, que é o presidente Lula."

Dilma Rousseff, pré-candidata a presidente (PT)

A nova fase "nem paz, nem amor" de FHC anima a militância, mas embute dois riscos para o PSDB. O primeiro é que as críticas do ex-presidente acabem, involuntariamente, aumentando a estatura política de Dilma. Por esse raciocínio, FHC deveria se confrontar apenas com Lula, que ocupa o cargo que já foi dele um dia – e não com Dilma, figura comparativamente menor, que jamais recebeu um voto na vida. O segundo risco é que, se o PSDB entrar na campanha determinado a comparar exaustivamente os resultados dos governos anteriores, estará desperdiçando um tempo precioso. Mais importante do que falar sobre o passado, é discutir o futuro.
O Brasil precisa debater o que o próximo presidente da República vai fazer – e não comparar o trabalho dos que já passaram. Essa armadilha preocupa alguns tucanos, mas FHC é o primeiro a dizer que a defesa de seu governo não deve ser, nem de longe, prioridade de campanha:
"Entrei nessa discussão para dar um basta às ameaças do PT. Não podemos ter receio de fazer comparações, mas é óbvio que a campanha do PSDB não é essa. Seria um erro eleitoral ficar discutindo o passado. Temos de olhar para a frente e discutir o que o Serra e Dilma podem oferecer ao país. É aí que vamos ganhar a eleição".

Eles brigam como adolescentes

DEU NA REVISTA ÉPOCA

SEM RUPTURAS

Lula e FHC na transmissão de cargo em janeiro de 2003. Há uma linha de continuidade entre os dois governos, e isso é sinal de maturidade democrática

O debate de Lula e FHC tem apelo eleitoral, mas ignora o s avanços obtidos com a continuidade dos dois governos


Isabel Clemente

A disputa política entre o PT e o PSDB ganhou na semana passada os ares de uma rixa adolescente, em que meninos competem entre si para mostrar quem é melhor ou faz mais.

Inflados pela aprovação recorde do governo, os petistas querem transformar a campanha presidencial da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, numa variação do bordão preferido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Nunca antes na história deste país”. O PT segue a estratégia de uma disputa plebiscitária contra o PSDB em que pretende confrontar as realizações do governo Lula com as do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que deixou o Palácio do Planalto com a popularidade em baixa. Na semana passada, FHC reagiu. Em artigo, FHC acusou Lula de “inventar inimigos e enunciar inverdades”, de se deixar contaminar “por impulsos tão toscos e perigosos” e topou o desafio. “Se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer”, escreveu FHC.

O artigo gerou resposta de Dilma, que disse que vai insistir nas comparações; réplica de FHC, que retrucou afirmando que “Dilma não é líder, mas reflexo de um líder”; e outras declarações como a do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que, num tom machista, disse que Dilma é uma “liderança de silicone, bonita por fora, mas falsa por dentro”. Nesta fase da campanha, em que os competidores ainda estão em aquecimento para entrar no páreo, a refrega da semana passada serviu para os dois lados marcar o chão com giz. O artigo de FHC teve também o propósito de incitar os tucanos a sair em defesa de seu governo, coisa que eles fizeram envergonhadamente nas duas últimas eleições presidenciais em que Lula se saiu vitorioso sobre os candidatos do PSDB: José Serra em 2002 e Geraldo Alckmin em 2006. Os petistas saíram do bate-boca achando que venceram o embate. Avaliam que FHC mordeu a isca e levou a discussão para o terreno no qual eles querem travar a disputa presidencial. Já os tucanos querem transformar a eleição numa comparação entre a biografia de Serra – economista doutorado pela Universidade Cornell, nos Estados Unidos, deputado federal, senador, ministro, prefeito, governador de Estado – e o currículo de Dilma – economista sem mestrado nem doutorado, secretária de Estado, ministra e candidata sem eleição anterior disputada.

A tese dos petistas é discutível. Em primeiro lugar, o efeito eleitoral de um debate sobre o governo FHC pode ser mais reduzido do que eles imaginam – os eleitores votam, em geral, mais preocupados com o futuro do que com o passado. Em segundo lugar, uma campanha plebiscitária, baseada numa comparação entre dois governos, pode fazer algum sentido eleitoral, mas resvala num debate impregnado de artificialismo. Além de os dois governos terem convivido com realidades domésticas e internacionais diferentes, que influenciaram em suas prioridades, decisões e resultados, os analistas isentos das paixões partidárias concordam no diagnóstico de que há uma linha contínua entre os mandatos de FHC e Lula, com diferenças de ênfase, mas a mesma matriz na social-democracia.

A continuidade é flagrante na área econômica, onde Lula mantém, há sete anos, o ex-tucano Henrique Meirelles no comando do Banco Central como o avalista de uma política baseada no tripé do câmbio flutuante, disciplina fiscal e metas de inflação baixa iniciada por FHC. Mas é visível também na área social, em que Lula se vangloria de seus maiores feitos. “Na área social, o governo Lula aprimorou e ampliou boas políticas públicas iniciadas na gestão anterior. O Bolsa Família reuniu sob um mesmo guarda-chuva outras bolsas criadas por Fernando Henrique. Fernando Henrique plantou e Lula colheu bem numa conjuntura internacional mais favorável”, diz o economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro e autor de alguns dos estudos mais festejados pelos petistas, como os que apontam a redução da desigualdade social e a emergência de uma nova classe média no país.

Muitos dos problemas do Brasil nos governos FHC e Lula também continuaram os mesmos, como a carga tributária e a taxa de juros elevadas e o investimento público baixo que contribuíram para índices de crescimento econômico mais baixos que os de outros países emergentes – apesar da melhora em anos recentes. Sob o nome de Avança Brasil, no governo de FHC, ou PAC, no governo Lula, o investimento público brasileiro tem oscilado em torno de 2% do PIB, muito aquém das necessidades do país. “O presidente Lula aumentou os gastos correntes do governo, o que tem impacto positivo num momento de crise, mas investimento tem princípio, meio e fim, além de dar mais retorno à sociedade”, diz o economista Cláudio Salm, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor de um estudo que mostra que os avanços no acesso da população mais pobre a água encanada, rede de esgoto, luz elétrica, telefone fixo e geladeira foram constantes nos governos FHC e Lula.

Essa continuidade é um sinal de avanço e de maturidade democrática do país. “Numa democracia, não há espaço para grandes rupturas”, diz a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, da Universidade de São Paulo. Um dos grandes méritos do presidente Lula foi ter compreendido isso – e boa parte das conquistas recentes do Brasil se deve à estabilidade institucional e ao consenso político sobre os rumos do país, apesar das divergências partidárias.


André Singer - "O lulismo pode durar 30 anos"

DEU NA REVISTA ÉPOCA

Para o ex-porta-voz de Lula, a conquista dos eleitores pobres levará o PT à hegemonia política

Mariana Sanches

Autor de um artigo que causou grande repercussão nos meios acadêmicos e políticos, o cientista político e ex-porta-voz da Presidência André Singer diz que as eleições presidenciais de 2010 serão o grande teste de força do lulismo. Para Singer, o lulismo alia um projeto de redistribuição de renda à manutenção da ordem social, o que atraiu eleitores conservadores e de baixa renda historicamente avessos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Singer acompanhou Lula ao longo do primeiro mandato e estudou o comportamento eleitoral brasileiro nas cinco últimas eleições para presidente. Segundo ele, o lulismo reorganizou o eleitorado brasileiro e poderá virar uma força política hegemônica por décadas.

ENTREVISTA - ANDRÉ SINGER

ÉPOCA – Como o senhor define o lulismo?

André Singer – O lulismo é a execução de um projeto político de redistribuição de renda focado no setor mais pobre da população, mas sem ameaça de ruptura da ordem, sem confrontação política, sem radicalização, sem os componentes clássicos das propostas de mudanças mais à esquerda. Foi o que o governo Lula fez. A manutenção de uma conduta de política macroeconômica mais conservadora, com juros elevados, austeridade fiscal e câmbio flutuante, foi o preço a pagar pela manutenção da ordem. Diante desse projeto, a camada de baixa renda, cerca de metade do eleitorado, começou a se realinhar em direção ao presidente.

ÉPOCA – Quando isso aconteceu?

Singer – Em 2006. Houve um realinhamento eleitoral, um deslocamento grande de eleitores que ocorre a cada tantas décadas. A matriz desse tipo de estudo é americana. Lá, eles acham que aconteceu um realinhamento eleitoral em 1932, quando (Franklin) Roosevelt ganhou a eleição presidencial. Ele puxou uma base social de trabalhadores para o Partido Democrata que não havia antes. Aqui, em 2006 a camada de baixíssima renda da população, que sempre tinha votado contra o Lula, votou a favor dele. A diferença entre 2002 e 2006 foi que Lula perdeu base na classe média, seu eleitorado tradicional, e ganhou base entre os eleitores de baixa renda.

ÉPOCA – O lulismo pode sobreviver sem o Lula? Não é preciso uma liderança carismática à frente desse projeto político?

Singer – No lulismo existe um elemento de carisma, mas isso não é o mais importante. A importância do carisma é maior nas regiões menos urbanizadas do país, onde se tende a atribuir a capacidade de execução de um projeto a características especiais da liderança. Em regiões urbanizadas existe uma adesão mais racional ao programa político. Se minha análise estiver correta, o lulismo sobreviverá sem o Lula. Uma hipótese é que o lulismo vá desaguar no PT. Essa camada social que aderiu ao Lula pode lentamente começar a votar nos candidatos do PT a prefeito, governador, senador. Vejo indícios de que isso começou a ocorrer nas eleições municipais de 2008. O PT foi mal nas capitais, mas foi bem nas regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte. Isso pode sinalizar que o voto da camada de menor renda da sociedade está caminhando para o PT.

ÉPOCA – Dilma Rousseff será a herdeira do lulismo? O que acontecerá em 2010? Singer – Mantidas as condições atuais, a tendência é que, à medida que ficar claro para o eleitor que a Dilma é a candidata de continuidade do lulismo, ela aumentará suas intenções de voto com chances consideráveis de ganhar a eleição.

ÉPOCA – Se o lulismo desaguar no PT, o partido terá de abrir mão de bandeiras históricas de esquerda?

Singer – O PT poderá ser uma fusão de duas forças, o petismo e o lulismo, que têm projetos com pontos de contato e diferenças. O PT continua sendo o partido do proletariado organizado, sindicalizado, com carteira de trabalho assinada. Pode vir a ser também o partido do subproletariado. Quando a gente vê a força do PT na periferia de São Paulo pode ser a expressão da confluência dessas duas forças.

ÉPOCA – Se essa convergência ocorrer, haverá uma hegemonia do PT?

Singer – Pode ser. É possível que estejamos assistindo a um realinhamento como foi na época do Roosevelt, que trouxe segmentos da classe trabalhadora para o Partido Democrata por cerca de 30 anos.

ÉPOCA – Essa camada que era anti-Lula, antiesquerda e a favor da ordem não teria dificuldades em se associar ao PT?

Singer – Com adaptações de parte a parte parece possível, mas será um processo lento. Não é tão simples porque o PT tem formação ideológica de esquerda e, embora tenha se transformado, mantém a identidade de um partido de esquerda. O PT é herdeiro de uma tradição de crítica ao populismo. Se o partido vier a ser caudatário desse movimento, vai haver o encontro de águas bem diferentes.

ÉPOCA – O que aproxima o lulismo do populismo de Getúlio Vargas?

Singer – Em ambos há uma política de governo voltada para os setores de menor renda. Mas há uma diferença importante. Getúlio Vargas, ao fazer a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), criou direitos para o setor urbano da classe trabalhadora, em um país predominantemente rural. Deixou de fora um vasto setor da classe trabalhadora que foi incorporado agora.

ÉPOCA – O lulismo pode prejudicar as instituições democráticas?

Singer – O presidente Lula tomou uma decisão fundamental ao não aceitar a proposta do terceiro mandato. Colocou um ponto final nessa questão. O Brasil sai desse processo com instituições democráticas fortalecidas. Há problemas na política partidária, cada vez mais pragmática e menos programática. Isso cria a sensação de que a política diz respeito aos políticos, e não à sociedade.

ÉPOCA – Lula e o PT, em sua estratégia eleitoral, fizeram uma guinada ao centro. A política econômica ortodoxa não tem a ver com esse caminho que o partido já vinha tomando antes de chegar ao poder?

Singer – O PT foi se institucionalizando, mas a ida ao centro é relativa se você olhar o aspecto programático. O partido manteve um programa com mudanças relativamente pequenas. E é isso que faz com que o PT mantenha a identidade de esquerda. Onde houve mudança foi na política de alianças do PT. Antes ele recusava alianças até o ponto de, em 1989, não querer o apoio do PMDB no segundo turno, sem contrapartida. Hoje o PT dá prioridade à aliança com o PMDB. Isso é compreensível do ponto de vista eleitoral, por causa do tempo de televisão, do tamanho do PMDB. Mas é também um problema porque não se sabe qual é a base programática dessa aliança.

ÉPOCA – Com Dilma na Presidência, crescem as chances de o PT aplicar um programa de governo mais à esquerda?

Singer – Depende da política de alianças. Se você tiver um vice-presidente como o Henrique Meirelles (presidente do Banco Central), as probabilidades caem muito. Mas o sentimento do PT é ter um governo mais à esquerda.

ÉPOCA – A emergência dos pobres significará a marginalização da classe média?

Singer – A entrada em cena dessa força nova tirou a centralidade das decisões políticas da classe média. Se o lulismo se consolidar, teremos o setor de baixa renda em um campo político e a classe média tradicional em outro. A nova classe média é dúvida. A oposição em 2010 vai fazer tudo para não se isolar dos eleitores de baixa renda. Vai tentar a mágica de convencer os lulistas de que seu candidato é melhor para dar continuidade ao projeto do que a candidata da situação.

QUEM É

André Singer é jornalista e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. Tem 51 anos, é casado e pai de duas filhas

O QUE FEZ

Foi porta-voz da Presidência da República entre 2003 e 2007 e secretário de Imprensa de 2005 a 2007

O QUE PUBLICOU

É autor de Esquerda e direita no eleitorado brasileiro (Edusp, 2000) e de O PT (Publifolha, 2009) e organizador de Sem medo de ser feliz: cenas de campanha (Scritta, 1990)

O QUE PENSA A MÍDIA

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Recife - Frevo (Viva o Recife - Vassourinhas)

Os recados políticos nos passos do frevo

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O frevo como mensagem política foi uma tradição bastante usada por compositores, em tempos de campanha ou não. Algumas das composições e paródias criadas no passado ficaram na história

Sérgio Montenegro Filho

Muitos dos foliões que sobem hoje as ladeiras de Olinda ou vestem a fantasia para brincar no Recife Antigo já não costumam prestar atenção nas mensagens contidas nas letras dos frevos executados durante os quatro dias de festa. No passado, porém, o Carnaval era um momento de se mandar recados. Elogios, protestos e críticas – sutis ou diretas – estavam sempre presentes nas letras dos frevos lançados todos os anos pelos compositores pernambucanos. Entre eles, o maestro Nelson Ferreira se destacou em número de composições. Sem olhar cores partidárias, fazia músicas para todas as correntes políticas. E quando criticava, ninguém escapava da sua mira.

O frevo é usado como mensagem política desde praticamente a sua criação, no início do Século 20, conforme explica o musicólogo pernambucano Samuel Valente. Estudioso e colecionador de marchinhas e jingles, Valente tem em seu acervo uma gravação feita para a campanha do general Dantas Barreto, que disputou o governo de Pernambuco em 1911, contra o conselheiro Rosa e Silva. Trata-se da primeira paródia da música “Vassourinhas”, que se tornaria uma das mais utilizadas em campanhas eleitorais. Entre os políticos brasileiros, o ex-presidente Getúlio Vargas foi um dos mais homenageados – e também criticados – em frevo. Uma das marchinhas mais famosas, Retrato do velho, composta por Haroldo Lobo e Marino Pinto, virou slogan da campanha de Vargas em 1950: “Bota o retrato do velho outra vez/Bota no mesmo lugar”.

Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek também tiveram seus nomes muito glosados pelos compositores. Em Adeus, Emília, Sebastião Lopes elogiava as maravilhas da nova capital em construção, maior obra de JK: “Brasília não tem Carnaval/Nem é cidade maravilhosa/Não tem Copacabana com a garotada tão bacana/Não tem Cristo Redentor, a Guanabara e seu esplendor/Não tem Maracanã, mas será o Brasil de amanhã”. Já em Cordão da vassourinha, é a vez de Nelson Ferreira homenagear Jânio, usando a vassoura, símbolo da sua campanha: “Quá, quá, quá, quá, quá/Gargalhemos de novo no passo da tesoura/Vamos entrar de Alvorada adentro/Na onda triunfal do clube da vassoura”.

Em Pernambuco, por razões óbvias, a produção de frevos foi particularmente fértil. Não somente os letrados – frevos canção e de bloco – mas até os frevos de rua, apenas instrumentais, traziam sua carga política. Em um deles, de 1964, o maestro Guedes Peixoto marcou seu protesto contra o golpe militar, batizando-o de Reforma Agrária. Os compositores críticos, ao contrário dos militantes de esquerda, não foram perseguidos por suas obras. Samuel Valente conta que desde as gestões dos governadores Estácio Coimbra (1926-30) e Carlos de Lima Cavalcanti (1930-37), o ambiente carregado não assustava os músicos. “Em 30, Nelson Vaz compôs o Me Deixa, seu Freitas, contra o odiado chefe de polícia da época. Já em 31, Nelson Ferreira fez o A canoa afundou, no qual instigava Carlos de Lima a combater a ‘macacada prestista’, os adeptos do então candidato a presidente Júlio Prestes”, diz.

USO ELEITORAL

Valente defende que as campanhas políticas tenham frevos compostos exclusivamente para elas. A utilização de frevos comerciais em campanhas eleitorais, segundo ele, termina estigmatizando a música. Ainda assim, o musicólogo destaca alguns que marcaram época. Um deles é o Voltei, Recife, composto por Luiz Bandeira e cantado por muitos intérpretes, como Alceu Valença.

“Depois do uso na campanha de Joaquim Francisco para prefeito, em 1988, esse frevo ficou amaldiçoado. Ele dividia as plateias entre os adeptos e os opositores do prefeito eleito, e nem todos queriam cantá-lo”, afirma. Outra música que ganhou coloração política e, por consequência, estigmas, foi o frevo de rua Fogão, de Sérgio Lisboa. Em princípio, um instrumental, a música ganhou letra na campanha de Miguel Arraes ao governo, em 1986: “O povo quer/Aquele que fez mais/Arraes, Arraes, Arraes/86 só vai dar Arraes”.

Miguel Arraes, aliás, foi um dos que mais receberam homenagens dos compositores. Assim como o ex-governador Cid Sampaio. Em 1958, eleito governador, Cid ganhou o elogio de Nelson Ferreira com o frevo Bloco da vitória: “Quando o povo deCID cair na frevança/Não há quem dê jeito!”, dizia. No ano seguinte foi a vez de Ferreira, junto com Aldemar Paiva e Sebastião Lopes, lançar Caiu a sopa no mel, na qual festejava a eleição de Arraes para a Prefeitura do Recife, com o apoio de Cid: “Seu Miguel chegou/E arrastou o povo pra maior animação/Que tentação! A sopa caiu no mel!/Salve, salve o Carnaval!/E também salve o seu Miguel!”.

Arraes ganharia mais uma série de frevos durante as suas campanhas seguintes, antes e depois do exílio. Entre eles, Frevarraes – de Stanius Freitas com o maestro José Nunes – e o Arraestaqui, de Samuel Valente, que também é o autor do frevo canção É pra já, feito no Carnaval de 1986 em homenagem ao então prefeito do Recife Jarbas Vasconcelos.

Segundo Valente, essa politização do frevo acabou. “A própria Música Popular Brasileira está despolitizada”, critica. Embora ainda se façam algumas brincadeiras com os políticos, principalmente o presidente Lula, não é como antes. “Falta um mote. Depois da redemocratização, perdemos um pouco o sentido do protesto político na música”, acrescenta o musicólogo. Quanto aos compositores que, a exemplo de Nelson Ferreira, homenageavam e criticavam todas as facções, Valente destaca que a maioria pensava, mesmo, era em música. “Poucos eram filiados ou militantes de alguma corrente. A maioria fazia música por amizade ou admiração, independente de cores partidárias”, conclui.


Frevo Recife

Uma só empresa leva 50% da verba oficial das escolas

DEU EM O GLOBO

Análise do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre grandes movimentações bancárias revela um personagem do carnaval que sempre viveu entre plumas e paetês, mas é pouco conhecido do grande público que vai hoje à Sapucaí. Jorge Francisco, o Chiquinho do Babado, é dono da cadeia de lojas Babado da Folia, que fatura hoje quase 50% da verba de R$ 4,2 milhões, dada pela prefeitura às escolas de samba do Grupo Especial, segundo revela a análise da prestação de contas das agremiações feita por CHICO OTAVIO e ALOY JUPIARA. Em troca, Chiquinho fornece notas fiscais que ajudam oito das 12 escolas a fechar as contas do dinheiro público: “Não sei se sou o maior. Temos uma fatia do mercado. Os colegas que tenho nas escolas facilitam o trabalho.”

O barão do carnaval

Comerciante fica com metade da subvenção paga pela prefeitura às escolas do Grupo Especial

Chico Otavio e Aloy Jupiara

A cabeça descarnada de alce que orna a parede, no fundo da loja, contrasta com o colorido de tecidos, plumas e outras mercadorias de carnaval. Jorge Francisco, o proprietário, tem uma explicação para o adorno singular.

— Cliente caloteiro vai parar ali — diz, apontando para a carcaça de chifres enormes.

No mundo do samba, Jorge Francisco é Chiquinho do Babado, dono da cadeia de lojas Babado da Folia. Sua desenvoltura é tão grande nas quadras e nos barracões que os carnavalescos, principais clientes, nem se importam com a brincadeira com o alce e a inevitável alusão às preferências sexuais de alguns.

Eles sabem que Chiquinho é um cara do babado.

A análise da prestação de contas das escolas de samba, relativa ao contrato de prestação de serviços (antiga subvenção) celebrado no desfile de 2009, transforma esse ex-vendedor de pastéis de Padre Miguel num barão do carnaval. Dos R$ 4,2 milhões despejados naquele ano pela prefeitura nos cofres das escolas (excluídos ISS e a taxa de administração paga à Liga das Escolas de Samba), suas lojas ficaram, sozinhas, com R$ 2 milhões.

Jorge Francisco é também um cara do babado no banco de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), unidade de inteligência do Ministério da Fazenda. Ele aparece na lista de pessoas físicas e jurídicas que fizeram saques anormais em dinheiro vivo (valores elevados), na boca do caixa, das contas das escolas de samba. Para investigadores desse tipo de atividade, os saques podem ser indício de lavagem de dinheiro.

A subvenção ou contraprestação do carnaval, espécie de cachê pago pela prefeitura às escolas para fazer o espetáculo, por ser dinheiro público (diferentemente de outras receitas da Passarela do Samba), obriga os favorecidos a justificar os gastos.

Em 2009, cada escola recebeu R$ 400 mil, mas prestou contas de R$ 361 mil, por destinar 5% à liga, como taxa administrativa, e mais 5% ao recolhimento de ISS.

Frente ao conjunto de recursos que engorda as escolas do Grupo Especial, proveniente de venda de ingressos, publicidade, ajuda pública e direitos de transmissão, R$ 361 mil não representam tanto. Mas um exame das notas fiscais arquivadas na sede da Riotur escancara a falta de intimidade das agremiações com as obrigações contábeis.

Com uma diferença de apenas um real, as prestações de contas da Beija-Flor de Nilópolis e da Unidos do Porto da Pedra em 2009, por exemplo, foram iguais.

Pelas notas fiscais apresentadas à Riotur, a Beija-Flor gastou R$ 50 mil na Casa João Gandelman Armarinho, R$ 99.999 na J.F. 300 Comércio e Confecções de Enfeites, R$ 50 mil na O.M.F. Confecção e Comércio de Enfeites e R$ 162 mil na Ferreira Santos Confecções e Comércio de Enfeites. Já a Porto da Pedra declarou ter gastado R$ 50 mil na João Gandelman, R$ 100 mil na J.F. 300 (um real a mais do que a Beija-Flor), R$ 50 mil na O.M.F. e R$ 162 mil na Ferreira Santos. Outro detalhe une as duas escolas: as quatro empresas pertencem a Chiquinho, o que o torna fornecedor único de ambas.

Das 12 escolas do Grupo Especial, cinco tiveram Chiquinho, pelo menos nas despesas pagas com a subvenção da Riotur, como fornecedor exclusivo ou majoritário. Além da BeijaFlor e da Porto da Pedra, integram a lista a Vila Isabel (100% das compras), Mocidade (70%) e Império Serrano (58%). Em outras três, ele foi o maior recebedor: Mangueira (36%), Unidos da Tijuca (28%) e Salgueiro (28%).

As despesas restantes das agremiações que não compraram exclusivamente com Chiquinho são picadas — ao contrário do que se verifica nas notas da rede Babado da Folia (nome de fantasia das lojas do comerciante). Nelas, os preços cobrados por tecidos, miçangas, paetês e centenas de outros produtos são sempre redondos, como os R$ 100 mil que encabeçam os gastos do Salgueiro, numa relação de despesas na qual o valor de Chiquinho é único recheado de zeros.

O comerciante, contudo, desconversa quando é provocado a falar sobre o fornecimento exclusivo: — Não sei se sou o maior.

Temos uma fatia do mercado.

Os colegas que tenho nas escolas facilitam o trabalho.

Além de vender, presto assessoria a eles também.

Como a liga e as escolas já ficam com 93% da arrecadação com a venda de ingressos (receita de R$ 41 milhões só no ano passado), fora a publicidade e outras fontes de recursos, duas ações civis públicas movidas pelos promotores de Tutela Coletiva, referentes aos carnavais de 2007, 2008 e 2009, classificam a contraprestação (subvenção) às escolas como dupla remuneração, portanto ilegal. Eles concluem que os contratos da prefeitura com a liga “estariam ensejando o enriquecimento sem causa da referida agremiação”.

Chiquinho do Babado já esteve do outro lado do balcão. Como chefe do barracão da Mocidade, escola onde passou 20 anos, era o responsável pelas compras de carnaval. Ele alega que, na época, percebeu o descompasso entre as necessidade das agremiações e o material oferecido pelas lojas especializadas, razão pela qual resolveu mudar de lado: — Sentia um vácuo. Os fornecedores não acompanhavam a evolução das escolas.

Jorge Francisco era ainda o Chiquinho do Pastel, por vender o quitute nos campos de várzea da região, quando chegou à Mocidade, junto com Castor de Andrade, em 1974. Naquele ano, o carnavalesco Arlindo Rodrigues apresentou enredo “A festa do Divino”, dando à escola um promissor quinto lugar.

Pela força física e a experiência então recente no Exército — servira no Regimento de Cavalaria Andrade Neves —, ele foi encarregado por Castor de cuidar da portaria da quadra.

Aos poucos, Chiquinho foi galgando postos e conquistando a confiança do chefe, até chegar ao comando do barracão, cargo que hoje compara ao de diretor de Carnaval, estratégico para a escola: — Antes de Castor, a Mocidade era conhecida só pela bateria. Ele deu uma injeção na escola. Foi uma figura importante não só para a Mocidade, mas para o carnaval do Rio.

Chiquinho montou o próprio negócio no início dos anos 1990. Ele diz que comprou a loja Sobradão do Carnaval, na Saara, de Piná, a exdestaque da Beija-Flor. Nesse ponto, há uma pequena divergência entre os dois. Enquanto Chiquinho afirma que a compra foi a sua estreia no negócio, Piná sustenta que o colega de comércio só adquiriu a sua loja depois de ser seu gerente por um período, no qual o estabelecimento acumulou prejuízos.

Hoje, Chiquinho é um personagem que transcende a Mocidade. Em ensaios, puxadores de escolas costumam cobri-lo de homenagens. Este ano, com a camisa da diretoria, ele vai desfilar por Santa Cruz, Beija-Flor, Salgueiro, Mocidade e Porto da Pedra.

Porém, ao contrário da liga, que se autointitula a única capaz de organizar o carnaval, Chiquinho não pode dizer que é único no fornecimento de plumas e paetês.

— Ninguém pode querer ficar com o bolo sozinho.

Tem fatia para todo mundo — garante Piná.