segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Gilvan Cavalcanti de Melo* :: Congresso constituinte? Não.

“Há alguma coisa no ar e não são os aviões de carreira”
(Barão de Itararé)

O tema já ocupava o centro das minhas preocupações. Mas, só resolvi abordá-lo quando li o artigo de José Genoino (PT/SP), publicado no jornal O Globo de 25/12/2009, sob o titulo: “Congresso revisor”. Nele o deputado faz uma série de afirmações, no mínimo, polêmicas. Começo pelo primeiro período: “A crise política tem que ser resolvida pela política”, diz. Para mim, já é um tese controvertida. O que é crise política? Há conflito institucional entre os poderes da república? Óbvio que não existe esse conflito que ponha em risco a democracia conquistada com a Constituição de 1988. Claro, pode haver e há contradições, face o gigantismo do executivo em relação ao legislativo. Não o suficiente para proporcionar, no horizonte próximo, uma crise política.

Na seqüência, o parlamentar elabora outra sentença. Nela, reduz a afirmação anterior a simples “sucessivas crises em nosso sistema político-eleitoral”. Argumento, também, de caráter duvidoso. E, a partir dessa argumentação chega à conclusão de que há um “risco de enfraquecimento da democracia”. Na mesma linha de pensamento sentencia que, também, corre perigo o principio de “que todo o poder emana do povo”. Ainda, segundo ele exercido por “meio de representantes eleitos ou diretamente”. Então, aparece, outra controvérsia. A nossa Constituição pauta todo seu espírito na divisão dos poderes e na democracia representativa. Essa é a democracia dos modernos. Agora, como o povo exerce seu poder diretamente? Faltou explicar. Como os antigos? Esses últimos pensavam a democracia em uma praça pública ou então em assembléias nas quais os cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhes diziam respeito. Isso era Atenas, Platão, Aristóteles.

Com esse arsenal teórico, propõe transformar o “Parlamento eleito em 2010 em Congresso revisor”. Categoria essa, que, não existe mais em nossa Constituição. O que ele defende, na prática, é uma “constituinte exclusiva” para realizar as reformas políticas. Mas, não anda só nessa missão. O seu partido já aprovou essa idéia. O presidente Lula já se manifestou varias vezes na mesma direção. No campo das oposições se escutam vozes no mesmo sentido. O PPS, que tem um compromisso com a radical idade democrática, em seu último Congresso Nacional, agosto de 2009, também, apontou no mesmo rumo. Na carta do Rio de Janeiro, declarou: “O PPS defende a convocação de um plebiscito para deliberar sobre a convocação de uma constituinte exclusiva”. O deputado Raul Jungmann (PPS/PE) apresentou uma proposta com um viés mais sutil. O Congresso Nacional convocaria um plebiscito, para a mesma data do primeiro turno das eleições de 2010, nele o eleitor responderia a seguinte pergunta: “O Congresso Nacional deve aprovar uma reforma política que promova maior transparência, controle social e o combate efetivo à corrupção?” Ora, o impasse continuaria. Qual reforma? Não seria melhor propor uma consulta mais concreta? Cito um exemplo: O Congresso Nacional deve aprovar a mudança do sistema de voto proporcional, como é hoje, para o voto distrital? Pela proposta de Jungmann, me parece que deixa o campo aberto para uma genérica reforma política, perigosa para a democracia representativa.

Mas, voltemos ao deputado Genoino. Tem algo de mais grave na sua idéia. Propõe “a revisão constitucional centrada nos artigos da Constituição restritos à organização dos poderes e ao sistema político e eleitoral”. Ora, os artigos “restritos” dizem respeito a todo o Titulo IV – Da organização dos Poderes - com seus capítulos, seções, subseções. Estaria, na verdade, no foco principal, portanto, todos os artigos, cerca de 90, do capitulo constitucional. Como se vê não é tão “restrito”, assim. Pior, é preocupante e muito grave. Nada tem nesses artigos que façam referência ao sistema eleitoral. Eles dizem respeito a outros assuntos, tais como a clássica independência e divisão entre os poderes da República e suas funções. Será esse na realidade, o objetivo da constituinte ou congresso revisor?

O aparente foco de alterações na legislação político-eleitoral, pode e devem ser realizadas com outros instrumentos mais adequados, como reformas constitucionais ou a legislação ordinária. Sou favorável ao voto distrital. Ele representa o mecanismo que mais põe em xeque o sistema atual. No voto distrital cada partido só pode apresentar um candidato. O eleitor escolhe entre poucos. O atual sistema proporcional que temos é paroquial. Pior, uma mistura entre paroquialismo e lobbismo, pois boa parte de parlamentares se elegem em função de máquinas – partidárias, prefeituras, igrejas, sindicatos, empresas, coronéis urbanos, etc. Essa demanda exige reforma constitucional.

Mas, parece-me não ser este o objetivo. Qual é então? O próprio autor se encarrega de explicitar: (...) “passa da hora de se redesenhar o sistema político institucional brasileiro”, (...) E, mais adiante, para não deixar dúvidas das reais intenções da “constituinte exclusiva”, afirma: “temos de aprofundar a relação e o funcionamento dos três poderes e aumentar a participação popular em iniciativas de leis”.

Essas observações me fazem lembrar um ensaio que li recentemente. Fala sobre um grupo de professores da Universidade de Stanford, encabeçados pelo decano Larry Kramer, autor do conceito “constitucionalismo popular”. Levou-me de imediato a associá-lo ao discurso da presidenta do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), da Venezuela, Luisa Estella Morales, no dia 6 de dezembro último, na abertura do I Congresso Internacional, comemorando 10 anos da Constituição venezuelana. Ela chamou os presentes a contribuir para um “novo constitucionalismo latino-americano”. O que falou a Juíza? Simplesmente, e com todas as letras, que “O novo constitucionalismo na Venezuela põe por terra a clássica divisão rígida dos poderes” (...) “e agora o sistema do Estado aposta na coordenação, inter-relação e colaboração entre os poderes públicos, Legislativo, Justiça e Executivo”. O que a magistrada propõe aos convidados internacionais, em outras palavras, é o fim da separação e independência dos poderes e a sua coordenação pelo executivo.

A nossa situação é bastante diferente. Aqui o texto constitucional tem cláusulas pétreas que impede qualquer reforma tendente a abolir, a forma federativa; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Os especialista e estudiosos da política afirmam que as instituições brasileiras são mais fortes que em outros países da América Latina. Bom, isso é verdade. Mas, não é bom brincar de constituinte exclusiva.

Para concluir com esse tema seria bom lembrar duas coisas. Primeiro lugar, o nosso passado. Ele ajuda a derrotar as vozes desse novo “constitucionalismo popular” ou o “constitucionalismo latino-americano”. Na nossa história, as Assembléias Constituintes são convocadas em momentos específicos, para estabelecer uma nova ordem institucional. A primeira delas foi à fundação do Estado brasileiro, logo após a independência de sete de setembro de 1822. Logo em seguida foi dissolvida pelo Imperador. A Constituição Imperial terminou sendo outorgada em 24 de março de 1824. A segunda, com o fim do Império, em 1889 e a proclamação da primeira Constituição republicana, em 24 de fevereiro 1891. A terceira, após o movimento de 1930,a Constituinte promulgou a Constituição em 14 de julho de 1934, a qual teve vida curta, com o golpe de Vargas, em 1937. A quarta, com o fim da 2ª Guerra Mundial, do Estado Novo e da redemocratização, a Assembléia Constituinte elaborou nova carta, promulgada em 18 de setembro de 1946, extinta com o golpe de 1964. E, finalmente, com o fim do período militar foi convocada a assembléia que elaborou a atual Constituição, promulgada em cinco de outubro de 1988.

Em segundo lugar, a experiência histórica mundial e em nosso país, demonstra que toda vez que se tentou mexer nos princípios da democracia representativa, em nome de utopias, tanto pela direita como pela esquerda, a democracia como valor fundamental e universal, perdeu. Seria bom levar em conta esses dois momentos da história, mesmo em nome dos valores éticos e morais.

Tenho a convicção de que constituinte exclusiva não resolve a questão da corrupção.

Espero que as idéias aqui expostas não provoquem ondas de simples rejeição. Mas ao contrário, elas possam ser consideradas um convite e estímulos para novas reflexões. Estou convencido de que a esquerda democrática, não fará uma escolha equivocada. Prevalecerão, sempre, os valores da democracia dos modernos.

*É membro da direção nacional do PPS e editor do Blog “Democracia Política e Novo Reformismo” – http://gilvanmelo.blogspot.com

Paulo Kramer* :: Corrida presidencial 2010 — a geografia do voto

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

O cientista político Cesar Romero Jacob, do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, é autor de algumas das contribuições mais criativas e consistentes aos estudos eleitorais brasileiros nos últimos tempos (veja-se, por exemplo, Jacob e outros, “A eleição presidencial de 2006 no Brasil: continuidade política e mudança na geografia eleitoral, revista Alceu, v. 10, nº 19, p. 232 a 261— jul./dez. 2009).

A originalidade do seu trabalho consiste em cruzar dados de todos os pleitos presidenciais no período da Nova República (1989, 1994, 1998, 2002 e 2006) com informações provenientes das 558 microrregiões brasileiras definidas pelo IBGE. Como o estudo do passado — apesar de este jamais se repetir inteiramente — é o único meio ao nosso alcance para tentar prever o futuro, vale a pena conhecer alguns dos principais resultados das pesquisas do professor Jacob de olho na sucessão do presidente Lula, em 2010.

Em primeiro lugar, a análise do perfil demográfico, social, econômico e político das microrregiões aponta três grandes vetores do voto: os grotões, pequenas cidades do interior comandadas pelo coronelismo, com cerca de 46 milhões de eleitores; as periferias pobres das metrópoles, onde a política está nas mãos das máquinas partidárias de líderes populistas e dos pastores evangélicos; e as classes médias e altas urbanas, muito divididas nas suas opiniões e atentas aos programas eleitorais e às propostas de política pública. Lula só ganhou quando, a partir da eleição de 2002, ele e o seu PT conquistaram a confiança de metade a quase dois terços do conjunto desses três segmentos, adotando a estratégia de moderar seu discurso para torná-lo mais palatável ao centro do espectro político-ideológico. Aliás, desde Collor (1989) até Lula (2002 e 2006), passando por FHC I e II, só chega ao Palácio do Planalto quem se mostra capaz dessa performance.

Em segundo lugar, o eleitorado costuma votar com o bolso. No pleito de 2006, Lula se reelegeu vencendo disparado entre as classes mais pobres graças aos programas sociais do seu governo (Bolsa Família, Luz para Todos, aumentos do salário mínimo sempre acima da inflação). Geraldo Alckmin,seu oponente do PSDB, perdeu a eleição, mas colheu os melhores resultados de votação nas regiões onde o agronegócio exportador sofria com o real muito valorizado.

Em terceiro lugar, essas preferências socioeconômicas são georreferenciadas, isto é, Lula obteve a votação mais maciça nos estados das regiões Norte e Nordeste, enquanto o ex-governador Alckmin, além do seu estado, São Paulo, teve o melhor desempenho no Sul e no Centro-Oeste (redutos do moderno agronegócio).

O que nos leva a interrogar o futuro. Os prováveis candidatos dos dois partidos que, de 95 para cá, se alternam na presidência (PSDB e PT) — o governador José Serra e a ministra Dilma Rousseff, respectivamente – participarão de uma disputa inédita na história da Nova República, no sentido de que será o primeiro pleito presidencial sem Lula. Será que a ministra logrará beneficiar-se da transferência do carisma do seu popularíssimo chefe? (Até hoje, isso nunca aconteceu em sucessão presidencial, as únicas exceções se limitam a eleições municipais: em São Paulo, 1996, Maluf fez Pitta; no Rio, mesmo ano, Cesar Maia fez Conde.) Será que Serra conseguirá compensar uma previsível derrota no Norte/Nordeste, carregando de lavada, não apenas São Paulo e o Sul, mas também os dois outros grandes colégios eleitorais, de Minas Gerais e Rio de Janeiro? (Na eleição passada, seu antecessor e correligionário Alckmin levou SP, mas não arrastou MG nem RJ, que foram de Lula no segundo turno.)

Bem, senhoras e senhores, façam suas apostas — já sabendo que, em qualquer campanha eleitoral, a única pesquisa que realmente vale é aquela que sai das urnas. --> --> --> --> --> -->

*Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB) e analista da Ornelas & Ornelas – Consultoria

Geraldo Tadeu Moreira Monteiro ::As eleições de 2010 e o futuro do Lulismo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Nunca na História deste país, uma eleição foi tão pouco decisiva. Trata-se fundamentalmente de uma escolha sobre o estilo de governo que queremos para o país. De um lado, o lulismo, como movimento de massa, assentado na liderança carismática do presidente, e, do outro, uma social-democracia, herdeira das reformas que globalizaram o país, mas órfã de um discurso capaz de mostrar suas diferenças em relação à prática do governo atual. Daí eleições necessariamente plebiscitárias, não sobre projetos políticos distintos, mas sobre estilos e pessoas.

As eleições 2010 tratam do futuro imediato do lulismo; não do seu fim, pois este é um movimento político que veio para ficar. O lulismo é hoje um movimento nacional de dimensões comparáveis ao que representou o getulismo nos anos 1930-1964.

Como outros movimentos personalistas, o lulismo é um agrupamento político que segue, de maneira sistemática, a orientação de um líder, transcendendo as tradicionais linhas divisórias de partidos e ideologias.

Do alto de sua legitimidade, Lula se permite por exemplo arbitrar, de maneira absolutamente autônoma, a disputa sobre sua sucessão, tirando da cartola uma candidata sem nenhuma experiência eleitoral. A candidatura Dilma Rousseff é a mais alta expressão do domínio que o Presidente exerce sobre a coalizão oficial.

Politicamente, o lulismo pratica, nas palavras do presidente, “o pragmatismo da governança”. A base aliada reúne 14 dos 19 partidos que têm representação no Congresso, o que lhe confere folgada (embora instável) maioria. Isso sem falar na atração exercida sobre os movimentos sociais, as centrais sindicais, as organizações estudantis e até sobre as associações empresariais mediante farta distribuição de recursos públicos.

Ideologicamente, o lulismo caracterizase por uma “opção preferencial pelos pobres” com uma ampla, variada e penetrante política social; por um desenvolvimentismo estatal que se vale do Estado e das empresas estatais para alavancar o crescimento econômico; e, na seara externa, por um discurso do “Brasil potência”, líder dos países em desenvolvimento, que acalenta os nacionalismos, quer de esquerda, quer de direita. É esse movimento, mais amplo que o PT, Dilma e que o próprio Lula, que será julgado em 2010.

Em face de um bem articulado movimento de massas, uma Oposição, refém da sua própria história, patina na falta de um discurso que a contraponha à retórica governista.

Como não houve um “cardosismo” nos oito anos de poder do PSDB, ainda que FHC tenha vencido largamente seus dois embates contra Lula e que tenha capitaneado uma sólida maioria parlamentar, a oposição precisa convocar todas as suas estrelas (os dois Coutinhos mais FHC e outros) para combater a popularidade de Lula.

Duelo de titãs.

O debate, no entanto, travar-seaacute; não propriamente sobre os fundamentos das políticas (macroeconômica, social, etc.), mas em torno de saber quem teve a ideia ou de quem fez mais nessas áreas. Afinal, sobre seus fundamentos, há consenso entre governo e oposição.Assim, o caráter plebiscitário das eleições incidirá não sobre projetos políticos, mas apenas sobre estilos de governo e, num segundo nível, sobre pessoas e grupos. Nesse contexto, até mesmo as “terceiras vias” disponíveis (Ciro Gomes e Marina Silva) são também saídas do campo lulista. As eleições, assim como o próximo mandato (qualquer que seja o vencedor), dar-seatilde;o contra o pano de fundo do maior movimento de massas surgido no Brasil democrático, o lulismo.

Geraldo Tadeu Monteiro é mestre em sociologia pela Sorbonne e doutor em direito pela UERJ. É presidente do IBPS Instituto Brasileiro de Pesquisa Social.

Serra terá problemas com palanques nos estados

DEU EM O GLOBO

PSDB e seus aliados DEM e PPS estão sem candidatos em locais estratégicos como Rio, Ceará e Pernambuco

Adriana Vasconcelos e Isabel Braga

BRASÍLIA. A saída do governador mineiro Aécio Neves da disputa presidencial e a consequente consolidação do governador paulista José Serra como candidato do PSDB à sucessão em 2010 solucionou apenas um dos muitos impasses enfrentados pela oposição na corrida pelo Palácio do Planalto.

A partir de janeiro, Serra terá de sair a campo se quiser garantir bons palanques nos estados.

Isso porque os três partidos engajados em sua campanha — PSDB, DEM e PPS — estão sem candidatos e sem visibilidade em alguns estados estratégicos, como Rio de Janeiro, Ceará e Pernambuco. Para piorar a situação, esses mesmos aliados estão divididos em Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás.

No Rio, por exemplo, os dois nomes mais cotados para a disputa, o ex-prefeito Cesar Maia (DEM) e o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), resistem à ideia.

— Meu caminho é disputar a eleição no Senado. O que já é um caminho difícil. A candidatura ao governo, já descartei lá atrás — diz Gabeira.

— Gabeira e Cesar Maia não querem disputar o governo — confirma o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ).

No Ceará, Tasso não quer enfrentar Cid Gomes

Já em Pernambuco, Serra espera que o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) atenda a seu apelo para que ele dispute o governo do estado, onde a candidata petista Dilma Rousseff já garantiu seu palanque: o do governador Eduardo Campos, candidato à reeleição. Mesmo relutante à ideia, Jarbas não descarta essa possibilidade, até porque ainda tem quatro anos de mandato de senador pela frente.

No Ceará, a situação é mais complicada. A alternativa mais viável para a oposição seria lançar o nome do senador Tasso Jereissati (PSDBCE) ao governo do estado.

Mas há um problema: amigo do atual governador Cid Gomes, do PSB, Tasso prefere se candidatar à reeleição para o Senado. Assim, não teria de enfrentar Cid, que lidera as pesquisas de opinião com folga, e ainda teria o apoio do amigo para sua eleição.

Com o escândalo que atingiu o atual governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, a oposição também ficou sem candidato na capital federal. Arruda foi obrigado a se desfiliar do DEM para não ser expulso do partido e seu vice, Paulo Octávio, ainda se mantém na legenda, mas enfrenta as mesmas acusações de que teria sido beneficiado pelo esquema de cobrança de propina de empresas que prestam serviços ao governo do Distrito Federal.

Serra também terá de intervir para pacificar seus aliados em alguns estados. No Paraná, por exemplo, enquanto o DEM negocia seu apoio à candidatura do senador Osmar Dias (PDTPR), os tucanos insistem em ter candidatura própria. O nome mais forte é o do prefeito de Curitiba, Beto Richa, que está empatado tecnicamente com Dias.

No Rio Grande do Sul, a insistência da governadora tucana Yeda Crusius em disputar a reeleição se transformou num problema para os tucanos. Os aliados de Serra preferem uma aliança com o PMDB, que deverá lançar a candidatura do prefeito de Porto Alegre, José Fogaça.

Já o DEM negocia uma aliança com o PDT e o PTB, numa tentativa de eleger uma bancada federal maior.

DEM e PSDB também poderão ficar em lados opostos em Mato Grosso. Enquanto o primeiro planeja lançar o nome do senador Jayme Campos para o governo estadual, os tucanos defendem a candidatura do atual prefeito de Cuiabá, Wilson Campos. Em Goiás, o PSDB aposta na candidatura do senador Marconi Perillo, ex-governador do estado. Mas o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado, já teria fechado um acordo para apoiar o candidato do atual governador de Goiás, Alcides Rodrigues, do PP.

— O ideal é que a chapa escolhida para o governo do estado e Senado favoreça a estrutura local para a candidatura de Serra. Por isso, nosso empenho será para concentrar esforços sempre em uma candidatura única nos estados — observa o deputado Jutahy Júnior (PSDB/BA), um dos articuladores da campanha de Serra.

Outra preocupação da oposição é ampliar a aliança eleitoral em torno de Serra. O foco principal dos tucanos está no PMDB, que sempre se divide nas disputas presidenciais.

Aécio será pressionado a ser o vice

DEU EM O GLOBO

Serra ainda terá dificuldades para montar sua própria chapa. Ele e seus aliados não escondem de ninguém que o governador de Minas, Aécio Neves, é o vice dos sonhos, pois garantiria a simpatia do segundo maior colégio eleitoral do país. Aécio, porém, resiste à ideia, dizendo que precisa se dedicar ao estado, já que seu candidato, o vice-governador Antonio Anastasia, nunca disputou eleição.

Na verdade, Aécio ainda aposta na possibilidade de Serra desistir da candidatura presidencial, caso a vantagem que mantém em relação à candidata do PT, a ministra Dilma Rousseff, caia nos próximos meses. Aliados de Serra, porém, prometem aumentar a pressão sobre o governador mineiro, e dizem que Aécio poderá ser responsabilizado por eventual derrota de Serra, caso não aceite ser vice na chapa tucana. Uma estratégia, aliás, que corre o risco de ter efeito inverso.

— Acho que o PSDB tem de mostrar para Aécio a importância de sua participação na disputa presidencial. Mas sem faca no pescoço. Responsabilizálo antecipadamente por um resultado negativo é um raciocínio muito maniqueísta para o meu gosto.

É quase pedir para Aécio não ser candidato a vice — adverte o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM).

Para o presidente do partido, senador Sérgio Guerra (PE), a vaga de vice é um assunto que só deveria ser discutido daqui a três meses: — Tratar de vice agora só nos causa danos. Não é prudente falar disso neste momento, pois nos submete desnecessariamente a um novo impasse.

Já o presidente do PPS, o ex-deputado Roberto Freire, diz que, nos bastidores, são discutidas outras alternativas: — A melhor chapa seria Serra e Aécio. Uma outra opção seria Serra e Marina, embora não ache provável.

Itamar também seria uma boa opção.

No Rio, tucanos ainda buscam nome

DEU EM O GLOBO

PSDB admite não ter candidatos fortes que possam ajudar Serra no estado

Carolina Benevides

Na falta de nomes como os de Fernando Gabeira (PV) e Cesar Maia (DEM), que devem disputar o Senado, o PSDB enfrenta dificuldades para escolher um candidato ao governo do estado que possa ajudar José Serra, candidato à presidência, a conquistar votos no Rio.

— Não conseguimos trabalhar para ter uma liderança forte no estado e não temos um nome que abra palanque para o Serra — disse a vereadora Andrea Gouvêa Vieira.

Mas, segundo o deputado federal Luiz Paulo Corrêa da Rocha, presidente do diretório regional do partido, o PSDB terá candidatura própria.

— Não há como não surgir uma liderança. Os deputados federais Otavio Leite e Marcelo Itagiba já estão cotados. Zito, prefeito de Caxias, era o nome mais forte, mas já decidiu que não vai deixar a prefeitura — disse ele, lembrando que as conversas com o DEM e o PPS vão continuar.

Para Andrea Gouvêa Vieira, os nomes não são os ideais.

— Não acredito que o Otavio Leite abra mão do seu mandato para fazer campanha sem chances de vencer — disse a vereadora, que não aprova o nome de Marcelo Itagiba.

— É um nome prejudicial ao Serra. Itagiba foi secretário de Segurança Pública do governo Garotinho. Seria um prato feito para a oposição.

Otavio Leite diz que é “soldado do partido”.

— As decisões vão ser tomadas de acordo com os interesses nacionais do PSDB e, por isso, estou disposto a qualquer sacrifício — disse ele, lembrando que talvez seja a hora de o DEM retribuir o que o PSDB tem feito nas últimas eleições. — Fui vice do Cesar Maia (ex-prefeito do Rio) e pode ser um bom momento para o DEM indicar o candidato e o PSDB, o vice. Sabemos que o nome do Cesar vai aparecer em primeiro nas pesquisas.

Por e-mail, Cesar confirmou que é candidato ao Senado e que o DEM vai apoiar o nome da coligação, seja ele quem for: “Há vários nomes no PSDB, DEM e PPS. E quem sabe no PV.

Nós apoiaremos o que a aliança decidir.

Mas o DEM tem dois candidatos disponíveis: Marcelo Garcia e Indio da Costa”.

Nome que ainda não foi testado em pesquisas, Indio da Costa diz que aceitaria o desafio, por achar que o candidato da aliança PSDB/DEM/PPS tem chance de vencer a eleição.

— Não vamos servir só de palanque para o Serra. Ele também nos ajudará. Se chegarmos ao 2º turno, vamos vencer.

Vereador pelo PPS, Stepan Nercessian também está à disposição.

— Ainda não tenha o estofo necessário, mas podem contar comigo. O Serra deveria apontar o nome mais favorável.

Ricardo Noblat :: O apagão de Cabral

DEU EM O GLOBO

"Não se pode brincar com o solo. Não se pode ter construção perto de montanha e de espelho d"água" - Sérgio Cabral

E aí, Lindinho? Nem sequer de leve vai censurar o governador Sérgio Cabral (PMDB) por ter sumido nas primeiras 24 horas após o deslizamento de terras em Angra dos Reis? Ali morreram 44 pessoas. Lindinho é como chamam Lindberg Farias, prefeito de Nova Iguaçu, ex-aspirante a candidato do PT ao governo. E, até outro dia, crítico de Cabral.

Os dois chegaram a um acordo. Sob pressão de Lula, Cabral topou apoiar a candidatura de Lindinho ao Senado – e Lindinho topou transferir para daqui a quatro anos a pretensão de ser candidato ao governo. Benedita da Silva (PT), ex-governadora do Rio e também candidata ao Senado, detestou o acordo.

E aí, Bené? Como Lindinho, nada dirá a respeito do apagão de Cabral? Bobagem! Bené está impedida de dizer qualquer coisa que deixe Cabral aborrecido. Afinal, ela é Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do governo dele. Reza para que não vingue o apoio de Cabral a Lindinho.

Tudo bem, mas Alessandro Molon, deputado estadual do PT, poderia perguntar a Cabral por que ele preferiu despachar para Angra seu vice Luiz Fernando Pezão, só aparecendo por lá um dia depois. No dia da tragédia, nem Lula conseguiu falar com Cabral. Sem o apoio de Cabral, Molon perdeu a eleição de 2008 para prefeito do Rio.

Molon calou-se. De sua parte, Cabral repeliu, indignado, a suspeita de que voara para o exterior. “Estão querendo plantar que eu estava fora do país? Eu estava em Mangaratiba”, jurou. Melhor que não estivesse. Mangaratiba fica a 57 quilômetros de Angra, que, por sua vez, fica a 157 quilômetros da cidade do Rio, de onde saiu Pezão.

Em julho de 2007, por causa da morte de 26 peregrinos poloneses em um acidente de ônibus entre Cannes e Grenoble, três ministros da França voaram para o local, distante 600 quilômetros de Paris. François Fillon, o primeiro-ministro, também voou, assim como Sarkozy, o presidente da República. E Lech Kaczynski, o presidente da Polônia.

Peregrino polonês vale mais do que ilhéu ou turista que visita Angra? Por que os políticos brasileiros são pouco solidários com a população? Sabem adulá-la atrás de votos. Na hora da dor, guardam distância. Lula, em julho de 2007, guardou distância de São Paulo onde se espatifara um Airbus da TAM, matando 199 pessoas.

O PT foi para cima do governador José Serra (PSDB) e do prefeito Gilberto Kassab (DEM) cobrando providências contra o recente alagamento de parte da cidade de São Paulo. O PT finge que o governo Cabral nada tem a ver com os estragos provocados pelas chuvas no Rio. Morreram 64 pessoas entre quarta-feira e sábado.

Os cariocas assistem conformados à reprise de um filme triste e antigo. No fim do filme, são eles que morrem varridos pelas águas. O governo de plantão joga a culpa nos governos passados. E de tragédia em tragédia, vai-se levando. Cabral anunciou que transformará em parque ambiental as áreas de Angra afetadas pelos deslizamentos.

“A ideia é identificar as casas que devem ser removidas. Orçamento não é problema. Vamos listar as famílias para depois indenizá-las”, prometeu. Ora, o decreto 41.921, de junho último, assinado por Cabral, afrouxou as regras de construção em áreas de preservação ambiental de Angra e de outras ilhas.

Uma petição com mais de cinco mil assinaturas exige a revogação do decreto, rejeitado pelas principais entidades ambientalistas do Estado, a representação do Ibama em Angra, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e... Sim, e Molon. O Ministério Público Federal considera o decreto inconstitucional porque não há lei que o ampare.

Molon apresentou na Assembleia um projeto de Decreto Legislativo que susta os efeitos de alguns artigos do decreto de Cabral. Se está de fato empenhado em evitar que ocorram novos desastres como o da Ilha Grande na madrugada da sexta-feira, de saída Cabral poderia revogar seu decreto infeliz. Mas isso só não basta, é claro.

CHARGE



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César Felício:: Quem guiou o Lulécio

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Na manhã de 1º de outubro de 2006, logo depois de votar em São Paulo acompanhado de José Serra, o candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, entrou em um jatinho no aeroporto de Congonhas para acompanhar Aécio Neves às urnas em seu voto em Belo Horizonte. Em que pese as aparências, não era Alckmin que com este gesto apoiava Aécio-reeleito na ocasião com 77% dos votos válidos - mas era o governador mineiro que procurava aparecer como o grande eleitor em Minas para o PSDB, na surpreendente arrancada de Alckmin nos últimos dias de campanha, que tirou a vitória no primeiro turno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Aécio já havia sido o anfitrião da convenção nacional do PSDB que homologou o paulista Alckmin como candidato, em junho. Depois, reuniu-se com os prefeitos de sua enorme base de apoio para pedir empenho na eleição do correligionário. Mas como foi Lula que teve a maioria absoluta dos votos em Minas Gerais tanto no primeiro, como no segundo turno, tornou-se evidente que boa parte dos eleitores mineiros votou no petista para a Presidência e no tucano para governador.

Deduzir daí que houve um caso clássico de traição política na eleição mineira daquele ano é uma manobra arriscada. E mais frágil ainda é imaginar que a história da eleição anterior servirá como advertência a Serra no Estado, em 2010. É bem possível que Serra perca a eleição em Minas Gerais, por motivos que passam longe da falta de apoio das lideranças locais. Aécio fez mais por Alckmin em 2006 do que Serra fez pelo mesmo na candidato na eleição municipal paulistana de 2008 .

A votação do candidato tucano à Presidência praticamente dobrou em Minas Gerais entre 2002 e 2006. Serra há quase oito anos obteve 22,8% dos votos mineiros, enquanto Alckmin alcançou 40,6%. Pensar que faltou então empenho de Aécio para eleger Serra em 2002 é uma construção frágil, uma vez que naquele ano o governador mineiro era Itamar Franco, pelo PMDB, e o capital político e eleitoral de Aécio era consideravelmente menor.

O voto Lulécio existiu pela outra via, como procurou demonstrador o pesquisador Pedro Mundim, doutorando em ciências políticas pelo Iuperj, em um artigo que escreveu sobre a eleição de 2006 disponível na internet. A aliança entre o PT e o PMDB de Minas produziu fissuras nos dois partidos que estimulou o apoio da base lulista à reeleição do governador. A manobra foi conveniente para o Palácio do Planalto e o então coordenador político do governo federal, Walfrido Mares Guia, administrou a adesão de prefeitos, algumas dezenas deles pertencentes ao PT, à candidatura tucana ao governo estadual.

Dentro do PT, a dissidência partiu do prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel. Na capital mineira, Aécio tinha tido 44% dos votos em 2002. Quatro anos depois, recebeu 82%. O candidato petista Nilmário Miranda despencou de 42% para 15,8%. Já o voto de Lula não teve variação relevante. O presidente recebeu 53% dos votos mineiros em 2002 e 50,6% em 2006. Em Belo Horizonte, Lula caiu, e muito: desceu de 58,4% em 2002 para 44,5% quatro anos depois. Ou seja: foi maior o contingente de lulistas que votaram em Aécio do que de aecistas que abandonaram Alckmin e sufragaram Lula.

A aliança entre petistas e pemedebistas foi determinante para se entender o funcionamento desta dimensão do Lulécio. Poucos seres humanos são tão odiados em Belo Horizonte como o ex-governador e empresário Newton Cardoso, que foi o candidato de Nilmário ao Senado em 2006. Mundim não conseguiu medir, estatisticamente, até que ponto a chapa com Newton moveu votos de Nilmário para Aécio. Mas o fato é que quando Newton e Nilmário concorreram ao governo em 2002, somaram 36% dos votos. Juntos na mesma chapa, perderam 14 pontos percentuais.

Na base política municipal de Aécio, a maior parte de seus apoiadores ficou com Alckmin, não obstante a ação pelo Lulécio desenvolvida por Mares Guia. "Esperava-se que Aécio fosse um bom cabo eleitoral de Alckmin e os dados mostram que foi isso o que de fato aconteceu", escreveu Mundim. Quem não permaneceu com o tucano para a Presidência foram os eleitores.

Um balanço publicado pelo "Correio de Uberlândia" logo após a eleição, analisou o comportamento dos 20 prefeitos que compõem a sub-região do Alto Paranaíba, parte integrante do Triângulo, no oeste mineiro. Todos os 20 eram da base de sustentação de Aécio. O governador mineiro levou para Alckmin o apoio público de nove deles. Quatro aderiram ao Lulécio e sete permaneceram neutros. Entre os nove prefeitos que apoiaram Alckmin, Lula ganhou em sete municípios e perdeu em dois. Entre as vitórias petistas, esteve Uberlândia, a cidade mais importante. Das quatro governadas por prefeitos apoiadores de Lula, o petista venceu em três.

"Não houve uma eleição casada em termos ideológicos, mas houve uma eleição casada, em preceitos racionais", concluiu Mundim. Em outras palavras, os mineiros estavam em 2006 satisfeitos tanto com o governo Lula quanto com o governo Aécio e quiseram votar pela continuidade.

Em setembro de 2006, Aécio conseguiu 68% de bom e ótimo em uma pesquisa de avaliação do governo feita pelo Ibope. Agora, está com 76%, de acordo com uma sondagem do Vox Populi. Se conseguiu transferir parte desta avaliação para Alckmin em 2006, é razoável supor que possa impulsionar a votação de Serra para um patamar acima de 40% no próximo ano. O problema é que Dilma Rousseff também terá fortes candidatos regionais a impulsioná-la e Lula a carregá-la nos ombros. A última pesquisa Datafolha em Minas mostrou Serra com 39% e Dilma com 20%. A sondagem mostra que Dilma percentualmente já está mais forte em Minas do que em São Paulo, Ceará, Distrito Federal, Paraná e Santa Catarina, em cenários que incluem Ciro Gomes como candidato.

O Lulécio, em 2006, falseou a análise do resultado. Aécio obteve 27 pontos percentuais a mais que Lula, porque boa parte dos votos lulistas não foi para Nilmário Miranda. Criou-se a noção duvidosa de que o governador é o dono dos votos em Minas Gerais. A eleição de 2010 pode mostrar, de maneira mais exata, qual o tamanho da fatia de Lula na mente dos 15 milhões de eleitores mineiros.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte.

Denis Lerrer Rosenfield :: (In)segurança jurídica

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Multiplicam-se no País declarações e condutas governamentais e políticas que têm um mesmo fundamento: a relativização do direito de propriedade. É como se o direito de propriedade fosse um mal que deveria ser exorcizado, algo apenas tolerado, de nenhum modo valorizado. A desastrosa experiência socialista, totalitária, do século 20 está sendo progressivamente esquecida, dando lugar à reanimação desse morto-vivo, só que agora com novo nome. Os nomes, aliás, variam segundo os diferentes interlocutores. Alguns o chamam "utopia"; outros, "socialismo do século 21"; outros ainda, "sociedade justa e solidária". As denominações vão mudando ao sabor das circunstâncias, tendo um igual denominador comum, o de formar a opinião pública. O seu significado permanece, porém, o mesmo.

Há até alguns promotores - felizmente, minoria - que dizem não precisar obedecer à "letra fria" da lei. Querem, na verdade, dizer com isso que seguem a "letra quente" do dogmatismo esquerdista. Justificam, então, suas posições socialistas, perfilando-se ao lado dos ditos movimentos sociais, dos quais se tornam agentes ditos políticos. Todo esse palavreado - porque não é mais do que isso - em torno de uma "sociedade justa e solidária" significa simplesmente isto: somos partidários e militantes fervorosos do socialismo, do comunismo, da democracia "participativa", totalitária, termos aqui equivalentes.

O MST, com o apoio das pastorais da Igreja Católica, em particular a Comissão Pastoral da Terra (CPT), propugna pela revisão dos índices de produtividade, procurando assim anular os ganhos de produtividade da classe empresarial rural. Luta por uma transferência de bens, de propriedades, para sua própria organização política, que defende o fim da economia de mercado e o direito de propriedade. Ora, a direção do Incra e a do Ministério do Desenvolvimento Agrário são constituídas por militantes egressos das alas mais à esquerda do PT e membros dos mesmos ditos movimentos sociais. Toda a campanha em torno da revisão dos índices de produtividade está baseada no aparelhamento de órgãos do Estado pelos ditos movimentos sociais, que pretendem, dessa forma, dar um rumo socialista às relações capitalistas do campo brasileiro. O atual governo aparelhou esses e outros órgãos do Estado com essas organizações políticas, por ele mesmo financiadas.

Outro exemplo de violação expressa do direito de propriedade se manifesta no modo como o governo está implementando o novo Código Florestal, fruto de um ato administrativo do Poder Executivo, que altera as relações de propriedade no campo. Uma área onde o cultivo era permitido se torna, de repente, uma área de reserva legal, obrigando o proprietário a reflorestá-la. De acordo com a legislação da época, o agricultor plantou segundo as leis, não tendo cometido nenhum crime. Na maior parte dos casos, incentivado pelo governo então vigente. Subitamente, o que era permitido e, reiteremos, legal, se torna ilegal, sendo suscetível de multa e punição. A situação é particularmente grave porque, aproveitando-se da onda ambiental do politicamente correto, o governo termina criminalizando os produtores rurais. Eles se tornam "criminosos" por um ato administrativo. Cúmulo do absurdo é depois, graças a pressões políticas, ser-lhes concedida uma espécie de anistia, como se infratores fossem. Os papéis estão completamente trocados. O problema político é da maior relevância, pois apenas o governo nazista se caracterizou por editar leis com efeito retroativo. Talvez ele fosse "progressista".

As questões quilombolas e indígenas tendem a se tornar cada vez mais importantes, com maiores áreas reivindicadas, em zonas rurais e urbanas. Reivindicações quilombolas, por exemplo, envolvem empreendimentos imobiliários em vários Estados brasileiros. Reivindicações indígenas dizem, sobretudo, respeito à zona rural, interferindo tanto na vida dos produtores rurais, das empresas do agronegócio, quanto na soberania nacional, comprometendo a exploração de jazidas, hidrelétricas e suscitando problemas fronteiriços.

Convém destacar que são "movimentos sociais" articulados entre si graças à atuação da ala esquerdista da Igreja Católica, por intermédio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da CPT, contando com o apoio de ONGs e governos internacionais. Apesar de sua apresentação politicamente correta, esses "movimentos" são verdadeiras organizações políticas, vinculadas ao MST, cuja ideologia é claramente socialista, anticapitalista. Suas diatribes são contra o direito de propriedade e a economia de mercado.

Há toda uma embromação ideológica no uso da palavra progressista para justificar essas posições, que são, na verdade, liberticidas. Qualificar alguém, um movimento social ou um partido político como progressista se tornou uma espécie de salvo-conduto para qualquer tipo de arbitrariedade.

Assim, o MST é tido por progressista, o que significa dizer que a violência por ele empregada já está, de antemão, justificada. Invadir propriedades, sequestrar funcionários, destruir maquinários, depredar alojamentos e sedes, ameaçar pessoas com foices e facões, até mesmo degolá-las, como já aconteceu no Rio Grande do Sul, são, nessa perspectiva, atitudes tidas por progressistas. Da mesma maneira, considerar a CPT e o Cimi progressistas significa adotar essa heterogênea mistura entre cristianismo e marxismo, denominada Teologia da Libertação, como teoria "justa e solidária" para uma sociedade sem propriedade privada: a sociedade socialista/comunista.

Na mesma esteira, considerar Mahmoud Ahmadinejad - negador do Holocausto, torturador e assassino de adversários políticos, perseguidor da religião Bahá"i e fraudador de eleições - progressista mostra, muito bem, onde desembocou essa esquerda: na podridão ideológica.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS

Luiz Carlos Bresser-Pereira:: O povão de Lula gosta de ordem

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

No 1º mandato, Lula logrou o apoio da massa popular que, desde Collor, votava no candidato de direita

Na última semana, argumentei nesta coluna que o aumento da taxa média de crescimento da economia brasileira de 3% para 5% do PIB a partir do terceiro ano do governo Lula deveu-se, em um primeiro momento, ao fortalecimento da demanda externa impulsionada por uma taxa de câmbio competitiva e pelo aumento do preço das commodities e, em um segundo momento, pelo crescimento da demanda interna provocado pelo aumento do salário mínimo, pelo Bolsa Família e pelo crédito consignado. André Singer, em notável artigo de ciência política e sociologia política publicado nos Novos Estudos Cebrap de novembro de 2009 ("Raízes ideológicas e sociais do lulismo"), completa a análise.

O argumento do professor da USP é simples e esclarecedor. Da eleição de 2002 para a de 2006 -ambas vencidas por Lula-, houve mudança das suas bases de apoio. Por haver adotado uma política econômica ortodoxa e devido à crise do mensalão, perdeu parte substancial do apoio da classe média intelectualizada e de esquerda, mas, em compensação, ganhou o apoio dos setores de baixa e, principalmente, de baixíssima renda -o subproletariado que seu pai, Paul Singer, estudou nos anos 1980. Ganhou o apoio desse imenso eleitorado formado pelas famílias que recebem menos de dois salários mínimos e que constituem quase 47% da população brasileira.

Nos primeiros quatro anos de governo, Lula logrou o apoio dessa massa popular que, desde a eleição de Collor, votava sistematicamente no candidato de direita. Segundo André, por duas razões: primeiro, porque graças ao aumento do salário mínimo, ao Bolsa Família e ao crédito consignado sua renda aumentou, ascendendo uma importante parte dessa massa à condição de classe C, de "classe média" na linguagem do marketing. Mais interessante e algo surpreendente, porém, é a segunda razão. Porque essa massa é caracterizada pelo "conservadorismo popular". Para ela, como para a direita, a "ordem", no caso representada pela estabilidade de preços, é fundamental. Por isso votou em candidatos conservadores nas eleições anteriores. Quando, porém, se deu conta de que Lula era nessa matéria também "conservador", era fiscalmente responsável e se mostrara capaz de manter a estabilidade de preços, mudou o seu apoio para ele.

Como Getúlio Vargas, Lula foi capaz de falar diretamente ao povo, e ganhar a sua confiança, não apenas porque o favoreceu em termos concretos, mas também porque o fez com responsabilidade fiscal e não deixou que a hidra da inflação retornasse. Joãozinho Trinta assinalou há muitos anos que pobre gosta de luxo; gosta também de segurança ou de ordem, nos lembra André. Lula rompeu com o populismo fiscal irresponsável que caracterizara seu discurso e o do PT até a véspera da eleição de 2002. Foi um ato de coragem que o levou a perder votos dos amigos, mas a ganhar os dos pobres.

Para isso, sentiu-se obrigado a se subordinar à ortodoxia convencional, não percebendo que esta, apesar de seu discurso ortodoxo, promove o populismo cambial e a desregulação financeira e, por isso, também não assegura a estabilidade. O que assegura estabilidade e crescimento é o novo desenvolvimentismo praticado pelos países asiáticos dinâmicos, que rejeita tanto o deficit público quanto o deficit em conta corrente. Mas essa é outra história. A deste artigo é a análise de André Singer. Há muito tempo eu não via um artigo tão claro, tão objetivo e tão esclarecedor da política brasileira. Um artigo que nos obriga a pensar.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".

Marcha lenta na reforma agrária


DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Comparação com o governo de Fernando Henrique Cardoso é desfavorável ao presidente Lula quando o assunto é o número de desapropriações de fazendas feitas pelo país afora

Guilherme Queiroz

Depois de desacelerar o ritmo de desapropriações no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo pôs novamente em marcha a destinação de terras para a reforma agrária às vésperas do ano eleitoral. Levantamento feito pelo Correio nos decretos presidenciais mostra que, em 2009, foram declarados de interesse social 408,5 mil hectares de propriedades consideradas improdutivas, número 63 vezes maior que os 6,4 mil hectares registrados no ano anterior. Ao todo, 189 imóveis deverão ser incorporados pela União para assentamento de famílias agricultoras.

Apesar da retomada das desapropriações, a área destinada para a reforma agrária no ano passado ainda é inferior à média anual dos sete anos do presidente Lula na Presidência da República, de 487 mil hectares, segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A distância se acentua na comparação com a melhor marca do atual governo, em 2005, quando foram declarados de interesse social 977 mil hectares de terras avaliadas como improdutivas.

O presidente do Incra, Rolf Hackbart, afirma que a flutuação na extensão das áreas destinadas à reforma agrária não quer dizer que a política de distribuição de terras passe por altos e baixos. “É um esforço constante. Há um ritmo de trabalho”, rebate. Segundo ele, o Incra avalia, em média, 7 milhões de hectares por ano para aferir se propriedades rurais atendem aos parâmetros de produtividade.

Os números modestos podem tornar a reforma agrária uma seara pedregosa para o presidente Lula, que tem feito da comparação dos feitos de seu governo com o de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, um hábito recorrente. De acordo com os números do Incra, o tucano declarou passíveis de desapropriação 10,2 milhões de hectares, distribuídos entre 3.536 propriedades. O governo atual, apesar das afinidades com os movimentos sociais de sem-terra, destinou para desapropriação 3,4 milhões de hectares, ou 1.835 imóveis. Os dados sobre destinação de terras para desapropriação, porém, não significam que o governo de FHC assentou mais que o de Lula.

A oposição enxerga nos dados brecha para criticar a política agrária do PT e reforçar o discurso de que as conquistas do atual governo puderam ocorrer devido à herança deixada pelo PSDB. Ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) diz que a atuação do Incra segue modelo consolidado no governo tucano. “O Lula sempre criticou nosso modelo de reforma agrária, mas quando chegou ao poder não mudou uma linha da estrutura jurídica que adotamos. Isso é uma inconsistência”, critica.

Segundo o presidente do Incra, a destinação de terras para reforma agrária tem sido acompanhada de uma política de distribuição das áreas para pequenos agricultores. Hackbart argumenta que a comparação entre os governos não deve ser feita somente com base na extensão das áreas destinadas à reforma agrária, incluindo também o número de famílias assentadas. “Muito das áreas que estão indo para a reforma agrária são terras públicas retomadas. Em 2010, haverá um número enorme de assentamentos”, acrescenta.

Especialista no tema, o professor de geografia da Universidade de São Paulo (USP) Ariovaldo Umbelino afirma que a queda no ritmo de desapropriação de terras nos últimos anos de mandato é comum entre os governos FHC e Lula. No caso do petista, ele acrescenta que, desde 2008, quando se encerrou o 2º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), o governo passou a priorizar a regularização fundiária sobre a destinação de terras para assentamentos rurais. “O segundo mandato de Lula não tem mais a reforma agrária como objetivo. As metas vêm diminuindo ano a ano”, analisa.

Bom dia! - Paulinho da Viola - Meu Tempo É Hoje