quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Gastos, inflação, queda do PIB. Bem acima dos problemas da composição do governo:: Jarbas de Holanda

Evidencia-se bem maior que o previsível o descontentamento gerado até agora pela composição do governo Dilma Rousseff. A participação do PMDB, quanto à importância dos ministérios que lhe foram atribuídos, começa menor do que aquela que tem no de Lula, em detrimento sobretudo das expectativas da ala majoritária na direção, a da Câmara dos Deputados. O crescimento da representação do PSB deverá dar-se não pela via institucional de seu presidente, Eduardo Campos, mas através de negociação particular com Ciro Gomes, a fim de atender aos dois polos da liderança no partido e tendo em vista provavelmente evitar que no todo ou em parte ela possa vir a articular-se com o líder emergente da oposição, Aécio Neves. O descontentamento se estende ao PT – às bancadas federais, às correntes que se sentem excluídas ou sub-representadas, a vários diretórios de estados, especialmente o de Minas, convergentes nas críticas a um critério “dilmista” de escolha de nomes da legenda e ao predomínio de figuras de São Paulo, ou ao “paulistério”. Um sinal do peso das referidas críticas foi a derrota, ontem, do líder da bancada, o paulista Cândido Vaccarezza, na escolha do candidato petista à presidência da Câmara. E as reações desses partidos, bem como dos demais da aliança pró-Dilma, tendem a desdobrar-se na busca de compensação em cargos nos segundo e terceiro escalão. Por outro lado, a própria Dilma deve estar desapontada com a frustração do seu propósito de prevalência de critério técnico na montagem do governo, em face do peso das pressões que tem sido compelida a atender, a partir das do presidente Lula.

Mas esses e outros problemas criados pela e com a base político-parlamentar lulista/dilmista – em parte decorrentes de inexperiência da presidente eleita no enfrentamento deles e, em dimensão maior, praticamente inevitáveis no presidencialismo de coalizão vigente – mesmo que tenham potencial de agravar-se ao longo do governo, tais problemas constituem preocupação bem menor de Dilma Rousseff, às vésperas de sua posse na presidência, do que as complicações do novo cenário da economia. Que foram configurando-se no decorrer de 2010 com o excesso de gastos públicos, sobretudo de custeio, promovidos na extensa campanha eleitoral, e se agravaram pela coincidência da eclosão de crise financeira internacional, desencadeada na Europa e refletida na supervalorização de nossa moeda, que reduz agudamente a competitividade dos produtos brasileiros, lá fora e até aqui dentro. Complicações que explicam a inesperada (e positiva) prioridade do controle dos gastos e do equilíbrio fiscal assumida pela presidente eleita a partir do seu “discurso da vitória”. É que para ela já estava claro que, sem a mudança de cenário, o primeiro ano de seu governo será dominado pela combinação de dois fenômenos de graves efeitos econômicos e políticos: a volta da inflação, que vem avançando, e queda significativa do crescimento. Essa prioridade reforçaria a tendência natural dela de subordinação de objetivos políticos aos de caráter econômico, mas estes – pelo menos conjunturalmente – desligados do economicismo esquerdista e estatizante de sua trajetória. E deve ampliar o papel de assessoramento do realismo pragmático de Antonio Palocci.

Desafio – Trecho de artigo do especialista em contas públicas Raul Velloso, com o título “Legado de Palocci”, no Estadão de anteontem: “O grande desafio que se coloca (para Dilma Rousseff) é a revisão do modelo de crescimento dos gastos correntes que tem vigorado desde a constituição de 1988, que tende ao esgotamento. Dito de outra forma, trata-se de modelo de queda progressiva da taxa de poupança interna, especial mente no setor público, que, por consequência, coloca a expansão do investimento (e das possibilidades de produção interna) em situação de baixa prioridade”. Inflação – De artigo do prof. Affonso Celso Pastore, intitulado “Os rumos da política fiscal”, no Estadão de domingo último: “A história econômica mostra que as inflações não ocorrem por geração espontânea, e que a taxa de juros é o principal instrumento para seu controle. Por isso, não há como comprometer-se com trajetória pré-fixada de queda da taxa real de juros. Por outro lado, embora atualmente no Brasil seja possível obter por algum tempo taxas de crescimento de 5% ou de 5,5% ao ano, essas taxas somente poderão ser sustentadas caso ocorram alterações profundas na política fiscal que elevem as poupanças totais domésticas”.

Jarbas de Holanda é jornalista

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