domingo, 5 de dezembro de 2010

Além do Alemão :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Foram dias intensos, os vividos no Rio desde a tomada da Vila Cruzeiro e do Alemão. Depois da natural euforia com o sucesso da operação, vem tudo o mais que desafia o Brasil na área de segurança. O Nordeste desbancou o Sudeste como região mais violenta, conta o sociólogo Gláucio Soares. O antropólogo Luiz Eduardo Soares alerta que estamos mascarando o mais desafiador.

Conversei com os dois no meu programa da Globonews e faço aqui um resumo da entrevista e conversas que tivemos durante o encontro. Luiz Eduardo acha que nos últimos dias se constituiu uma imagem muito forte, infelizmente não verdadeira, de que está havendo uma luta do bem contra o mal:

- O nosso drama é que essa polaridade foi revogada na prática. O tráfico só virou isso por causa dos segmentos corruptos dentro da polícia.

Ele tem batido na tecla de que o atual formato da exploração do tráfico no Rio, com o controle do território, gastos com a corrupção de autoridades, manutenção de um verdadeiro exército fortemente armado, é antieconômico e por isso a tendência é que seja derrotado. O mais difícil é vencer milícias porque elas têm um custo menor: usam em parte a estrutura do próprio Estado para suas práticas ilícitas, são armados pela sociedade.

Gláucio tem demonstrado, em números, que boas políticas públicas salvam vidas. Um dos dados que mostrou no programa é que no primeiro governo Cabral, "com todas as suas imperfeições", morreram três mil pessoas a menos por violência do que no governo Rosinha Garotinho. Mesmo assim, as mortes intencionais, nos últimos quatro anos, chegaram a quase 17.000 pessoas. Em um gráfico impressionante (vejam no meu blog), mostrou que os homicídios estão crescendo muito no Nordeste e a tendência do Sudeste é de queda:

- Há 15 anos, o Sudeste era a região mais violenta do Brasil, e o Nordeste, a menos violenta. Agora, trocou.

Ele explicou que o país tem o cacoete de olhar taxa de homicídio como resultado de fatores econômicos, mas a violência tem outras causas como família, drogas, armas. Ele disse que estão havendo explosões de violência em Maceió, Belém e Salvador, sempre ligadas ao tráfico de drogas.

Há várias chances abertas pela ocupação do maior complexo de favelas do Rio. Uma delas é a de fortalecer a parte virtuosa da polícia. Luiz Eduardo acha que isso depende dos rumos do debate no país, do jornalismo, das pesquisas e estudos, da mobilização da sociedade, da transformação institucional da polícia, e, sobretudo, do consenso político que o país conseguir construir em cima dessa crise:

- Não há estado democrático sem polícias controladas e controláveis.

Luiz Eduardo acha que precisamos tirar do armário algumas discussões: o fato de que os orçamentos das polícias são insuficientes; os salários são baixos; os policiais fazem trabalhos por fora para complementar a renda e seus comandantes sabem, apesar de ser ilegal.

- E eles fazem esse trabalho na sua área de especialidade, que é a segurança. Começam aí várias dinâmicas malignas, como provocar a insegurança para vender segurança, a formação de grupos de extermínio e a formação de milícias.

Ele elogia o atual secretário de Segurança, José Mariano Beltrame: uma pessoa honesta que tem feito um bom trabalho. A Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas), no governo anterior, havia prendido quatro milicianos e o delegado que prendeu foi punido. Hoje, há 400 milicianos presos.

Gláucio diz que a continuidade das políticas produz resultados palpáveis. Em Bogotá, sucessivos prefeitos, mesmo de partidos diferentes, conseguiram reduzir consistentemente as estatísticas da violência. Em Medellin, houve uma queda a menos de um terço de mortes, e depois voltou a subir por mudanças de políticas. O êxito vem da continuidade das políticas.

Há vários outros desafios no combate à violência, explicam os dois. Um deles é o controle de armas. Vindas de fora? Não. Do Brasil mesmo: 85% das armas que circulam são armas leves fabricadas aqui. E o que mais mata é o 38.

Os dois falaram brevemente de outro polêmico assunto. Gláucio acha que o país precisa estudar mais as experiências de países que legalizaram as drogas. Ele acha que a legalização tem sido pouco estudada. Luiz Eduardo acha que é preferível legalizar e fiscalizar, já que mesmo países que gastam bilhões com tráfico não conseguem acabar com ele.

Perguntei sobre o risco de corrupção no Exército, se for muito prolongado o uso das Forças Armadas na operação. No México, Felipe Calderón usou o Exército e as denúncias de jornalistas mexicanos são de que os militares se corromperam.

Gláucio disse que é difícil evitar que a corrupção penetre, até porque o soldado é local. Não é uma força nacional que vem de outro lugar:

- O soldado mora nas favelas do Recife e lá serve.

Luiz Eduardo acha que as Forças Armadas podem dar apoio, ajudar, mas nunca substituir. A reforma da Polícia continuará sempre sendo essencial. Uma pesquisa que ele fez, junto com outro estudiosos, mostrou que 70% dos policiais são favoráveis à mudança nas corporações. Isso, segundo ele, mostra que haverá apoio à reforma da Polícia. O grande problema é que isso é um trabalho longo, em que um governo fará e só o seguinte colherá resultados. O desafio acaba adiado pelo ciclo eleitoral.

Nada é simples nesse problema crônico, que só ganha mais espaço na imprensa nos episódios agudos, como agora. A entrevista completa com os dois está no blog:

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