sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

“A partir da Constituição de 1988 o regime político brasileiro passou a viger nos moldes da democracia representativa. Manteve, contudo, a ambição de ampliar a participação cidadã e de produzir políticas públicas com forte preocupação social. Se é difícil caracterizá-lo nos moldes da tradição social-democratica, stricto sensu, tampouco seria justo deixar de dizer que o país caminha para consolidar formas de democracia substantiva. Nestas o conteúdo social das políticas públicas, respeitadas as regras da democracia representativo-constitucional, ultrapassa o que se chamava de democracia formal, ou de democracia restrita, que seria o apanágio das democracias ditas burguesas. Nas sociedades de massas, sobretudo quando se trata de massas pobres, o Estado, para manter legitimidade, deixa de ser apenas a arena onde os partidos se digladiam imbricados nas burocracias e passa a atuar no campo social e no campo econômico. O grau dessa atuação e a forma que ela toma é que caracterizam o regime. Por isso acentuei o caráter representativo-constitucional da vida política brasileira, que não contradiz uma ação social mais ativa.

Os limites entre estas diferentes situações podem ser tênues, dada a tradição, que ressaltamos, do corporativismo e do patrimonialismo. Entretanto, com o tempo, mantidas as regras do jogo, haverá uma distinção cada vez maior entre as democracias capazes de oferecer resultados concretos à população (democracy that delivers), as democracias formais tradicionais e os regimes baseados na discricionariedade dos Chefes de Estado ou do partido dominante, tenham eles ou não preocupações sociais mais fortes. “


(Fernando Henrique Cardoso, no livro ‘Xadrez internacional e social-democracia’, pág. 219 – Editora Paz e Terra, São Paulo, 2010)

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