domingo, 21 de novembro de 2010

A fábrica de votos não fechou

DEU EM O GLOBO

Apesar de terem perdido poder, áreas de milícia elegeram pelo menos dez políticos

Elenilce Bottari

O voto é a mercadoria mais valiosa que existe na favela. A afirmação do personagem coronel Nascimento, protagonista do filme "Tropa de elite 2" - ficção inspirada em fatos policiais ocorridos na última década no Rio -, ganha contornos de realidade na geografia dos votos das eleições deste ano. Mesmo com a prisão de vários líderes e até cassações de políticos, as áreas de milícia ainda mantêm, de forma discreta, seus currais eleitorais. Em um ano sem notícias de coação a candidatos, essas regiões garantiram votos para a reeleição de pelo menos três deputados estaduais, a eleição de um quarto político e ainda cinco suplentes.

Cotado para ser o próximo presidente da Assembleia Legislativa do Rio, o deputado estadual Domingos Brazão garantiu a sua reeleição nas cinco zonas eleitorais de Jacarepaguá, onde conquistou a metade dos 91.774 votos que obteve em todo o estado. Mas seu melhor desempenho foi nas comunidades de Rio das Pedras e Gardênia Azul, onde, nas eleições de 2006, não conseguiu ficar sequer entre os primeiros colocados.

Em Gardênia Azul, por exemplo, Brazão ficou com 22,44% dos 6.838 votos válidos, um desempenho ainda melhor do que o obtido nas seções eleitorais da Escola Municipal Carlos Lacerda, na Rua Nacional, na Taquara, que fica a 270 metros do centro social Ação Social Gente Solidária Domingos Brazão, fechado pela Fiscalização do TRE-RJ em julho deste ano. Ali, ele obteve 707 votos, 18,72% dos válidos.

- Em Rio das Pedras havia o grupo do Nadinho, mas, depois de sua morte, hoje não existe uma liderança que imponha candidaturas. O que houve nessa eleição foi uma manifestação espontânea. A mesma coisa aconteceu em Gardênia, com a prisão de seus líderes. Houve um enfraquecimento político das milícias - afirmou Brazão.

Sobre o fato de essas regiões continuarem concentrando um volume grande de votos em poucos candidatos, como ocorreu nas eleições de 2006, Brazão explicou que a origem está na pobreza:

- São regiões muito abandonadas pelo poder público. E eu venho trabalhando para levar serviços públicos a essas comunidades.

Deputado ainda recorre no TSE

Condenado pelo Órgão Especial do TJ a sete anos de cadeia, sob a acusação de comandar uma milícia na Zona Oeste, o deputado estadual e ex-policial civil Jorge Babu (PTN) fez 58,33% dos 21.093 votos que obteve em todo o estado nas cinco zonas eleitorais da região e estaria reeleito, não fosse o indeferimento pelo TRE-RJ de seu registro, acusado de não quitar uma multa eleitoral. O candidato está recorrendo no TSE.

Segundo o Ministério Público, ele comandaria a milícia que atua nos conjuntos habitacionais da Rua Murilo Alvarenga (em Inhoaíba), Cesarinho (em Paciência) e na Comunidade da Foice, em Pedra de Guaratiba, algumas das regiões onde conseguiu mais votos. Assim como Brazão, Babu também foi denunciado pelo MPE por uso eleitoral de três centros sociais - dois em Santa Cruz e um em Sepetiba.

Eleito suplente de deputado estadual pelo PT, o policial civil Edson Zanata conquistou em todo estado 11.205 votos, sendo 58% destes em apenas duas zonas eleitorais de Campo Grande, a maioria nas regiões de Santa Margarida e Urucânia.

Rogério Bittar, que conseguiu uma suplência pelo PSB, foi o campeão da 230ª ZE, fazendo 3.789 votos (10% dos válidos), índice que praticamente dobrou nas seções da Vila Catiri - só na escola Maria Quitéria, ele obteve 897 votos.

Outro que garantiu uma suplência foi Dilson Arena (PR). Vigilante e presidente da Associação de Moradores de Vila São Jorge, em Cosmos, na Zona Oeste, ele trabalhou em 2009 como auxiliar de gabinete da vereadora cassada Carminha, filha de Jerominho, vereador cassado e preso, acusado de chefiar uma milícia da Zona Oeste. De seus 5.941 votos, 3.863 (65%) foram conquistados em três zonas eleitorais, a maioria em seções de Cosmos que concentram eleitores das comunidades de São Jorge e Vila do Céu - em apenas uma escola que atende a essa favela, o candidato fez 667 votos.

- Sou morador de São Jorge há 54 anos e presidente da associação desde 1995.

Através de trabalho comunitário, consegui levar até o favela-bairro para a comunidade. Trabalhei no gabinete da vereadora Carminha, mas não fui apoiado por ela. Recebi apoio do Garotinho para minha campanha - contou o candidato, acrescentando que outros políticos fizeram campanha na comunidade, como Wagner Montes e Lucinha.

Apoiado abertamente por Carminha Jerominho, Thiago Pampolha, deputado eleito pelo PRP com 19.329 votos, não teve um desempenho muito expressivo em Cosmos nem em Campo Grande - que eram dominados pelo grupo miliciano chefiado pelo pai de Carminha. Porém, Thiago teve mais votos em Bangu.

- Eu conheço o marido de Carminha, e como ela não tinha candidato para deputado estadual, decidiu me apoiar. Sou de família tradicional de Bangu. Fiz campanha em várias comunidades e não tive que pedir autorização a ninguém para trabalhar. Até onde sei, Bangu tem mais áreas de tráfico do que de milícia.

O coronel Jairo foi novamente campeão da 231ª ZE, com 3.837 votos (11,80% dos válidos). Outro candidato suplente é Lilico, ex-assessor parlamentar de Jerominho. Dos 1.417 votos que ele ganhou na 243ª ZE, onde ficou em quarto lugar na votação, 700 foram conquistados nas seções do Ciep Posseiro Mário Vaz, que atende a comunidade de Jardim Maravilha.

Candidato a uma vaga na Alerj, o suplente de vereador Luiz André Ferreira da Silva (PR), o Deco, deverá assumir em janeiro a vaga deixada pela vereadora Lilian Sá, eleita deputada estadual. Deco - que foi indiciado por homicídio e apontado no relatório final da CPI das milícias como o chefe do grupo que domina as favelas de São José Operário, Bateau Mouche, Chacrinha, Mato Alto e Bela Vista - conseguiu 7.249 votos nestas eleições. Destes, 3.133 foram conquistados na região da Praça Seca, onde estão essas comunidades. Ele foi o terceiro colocado na 185ª ZE, com 8,07% dos votos válidos, mas foi o campeão de das seções eleitorais do Ciep Adelino de Paula Carlos, onde seu desempenho subiu para 21,28%.

Freixo também teve votos na região

Presidente da CPI das milícias, o deputado Marcelo Freixo conquistou 17 mil votos em áreas dominadas por milicianos, 10% do total de sua votação.

- Fiz votos em várias comunidades dominadas, o que demonstra um movimento de resistência por parte de moradores contrários à presença de milicianos em suas regiões. É uma boa notícia.
Mas, apesar de todo o esforço feito, com várias prisões de líderes, as milícias continuam fortes, porque não foi desmontado seu poder econômico.
Outro deputado muito bem votado em praticamente todas as áreas de milícia foi o apresentador Wagner Montes.

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