terça-feira, 12 de outubro de 2010

Igreja antecipa ida de Dilma a Aparecida

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Candidata pretendia ir hoje, mas foi aconselhada pelos padres a chegar um dia antes para evitar tumulto em encontro com Serra

José Maria Mayrink

A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, visitou ontem o Santuário de Aparecida, onde assistiu à missa das 9 horas, deu duas entrevistas e rezou aos pés da imagem negra da padroeira do Brasil, santa de sua devoção, conforme declarou à imprensa ao explicar o objetivo de sua peregrinação.

Dilma, que chegou à cidade de helicóptero numa manhã fria coberta de neblina, entrou na basílica nacional 15 minutos antes do início da cerimônia. Sentou-se na primeira fileira de cadeiras reservadas às autoridades, ao lado de prefeitos e deputados da região do Vale do Paraíba.

"Vamos para a casa da Mãe, vamos celebrar a vida, vamos para a casa da Mãe, Senhora Aparecida", cantavam os devotos com o coral, enquanto o celebrante, padre Rogério Gomes, se aproximava em procissão, conduzindo uma réplica da padroeira. A imagem original, que três pescadores içaram das águas barrentas do rio, em 12 de outubro de 1717, não sai de seu trono de vidro blindado, numa rampa da ala sul do templo.

Acompanhada por dois companheiros de viagem bem familiarizados com a liturgia, o chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e o deputado eleito Gabriel Chalita (PSB-SP), a candidata petista seguiu o ritual sem tropeços. Com o folheto da missa nas mãos, ela recitou as orações, acompanhou os cânticos e ajoelhou-se nas horas certas.

Comunhão. Quem estranhou que a candidata do PT não tenha recebido a comunhão, como se a eucaristia fosse obrigatória para todos os fiéis, não deve ter reparado que a maioria dos 14 mil devotos presentes nas quatro naves da basílica também não comungou. "Ela fez bem, pois seria uma hipocrisia comungar apenas para se mostrar", comentou o padre César Moreira, diretor de jornalismo da Rádio e TV Aparecida.

Quando o reitor do santuário, padre Darci Nicioli, anunciou a presença de Dilma Rousseff no templo, explicando que a candidata estava fazendo uma pausa na campanha eleitoral para rezar, "porque rezar é importante", não houve nenhuma reação dos fiéis. O Santuário de Aparecida recebe frequentes visitas de políticos, com uma média de três helicópteros por semana, segundo o reitor.

Serra. Hoje será a vez do candidato José Serra (PSDB) visitar a basílica, que assistirá à missa solene das 10 horas, a mais concorrida de 12 de outubro, festa da padroeira. Serra será acompanhado pelo governador eleito, Geraldo Alckmin, católico fervoroso e natural da vizinha Pindamonhangaba, que visita sempre Aparecida. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, também está sendo esperado.

Antecipação. Dilma Rousseff pretendia vir a Aparecida hoje, mas foi aconselhada pelos padres redentoristas, guardiães do Santuário, a antecipar a viagem. "Seria complicada a presença simultânea dos dois presidenciáveis na igreja", justificou padre César, imaginando a confusão que se criaria, se eleitores de Dilma e de Serra resolvessem aclamá-los durante a cerimônia.

Mesmo assim, não foi fácil armar o esquema para recepção condigna, mas imparcial, dos dois candidatos.

A assessoria de Dilma queria, por exemplo, que ela desse entrevista coletiva junto do altar da basílica, constantemente cheia de romeiros na véspera da festa. Os padres vetaram a ideia da campanha petista e exigiram que a presidenciável falasse aos jornalistas no auditório do subsolo da basílica.

Os textos da missa - uma leitura do Livro de Judith e um trecho dos Evangelhos - exaltavam a coragem da mulher, numa referência à Virgem Maria. Os vizinhos de cadeira da presidenciável petista olharam para ela, como se a citação lhe caísse bem, quando o celebrante disse que "Judith colocou a palavra de Deus em prática para libertar o seu povo".

Depois da missa, Dilma deu uma entrevista exclusiva à TV Aparecida e em seguida uma coletiva à imprensa. Ao descer a rampa do nicho onde foi rezar aos pés da imagem da padroeira, um grupo de romeiros a recebeu na saída da basílica com palmas, cantando a musiquinha de sua campanha.

''Ninguém tem direito de dizer qual é a minha crença''

Petista disse que foi sua primeira visita à basílica, mas expressou devoção a Nossa Senhora por circunstâncias recentes

Aborto, debate na televisão e prática religiosa foram os principais temas de que a petista Dilma Rousseff tratou na entrevista coletiva de ontem de manhã, no auditório do Santuário Nacional de Aparecida, depois de assistir à missa das 9 horas, na véspera da festa da Padroeira do Brasil.

Dilma começou tendo de explicar por que decidiu rezar na Basílica de Aparecida, ao iniciar a campanha do segundo turno para as eleições de 31 de outubro.

"É a primeira vez que venho à basílica, mas tenho devoção especial a Nossa Senhora, mais especial a Nossa Senhora Aparecida, por circunstâncias recentes na minha vida. Preferiria não falar sobre isso, é uma questão pessoal. Prefiro ter uma manifestação (religiosa) mais recatada. Minha religião diz respeito à minha convicção, à imagem de Deus dentro de mim."

Mais adiante, quando um repórter insistiu no assunto, informando que do lado de fora, enquanto ela falava à TV Aparecida, um devoto estranhou sua presença ali - "pois Dilma não é católica e está fazendo do santuário um palanque" - a candidata retomou a questão. "Ninguém tem o direito de dizer qual é a minha crença. Quem pode julgar sobre crença religiosa é Deus. Eu fui por opção para um colégio de freiras. Naquela época, eu queria fazer a primeira comunhão. Sou da época em que era muito importante o retiro espiritual. Tenho uma formação religiosa muito forte.

Nos caminhos que sua vida toma, você muitas vezes faz atalhos, faz desvios, mas você sempre volta a seu caminho. Eu tive um processo recente e esse processo me fez retomar várias coisas." Dilma se referia ao câncer de que tratou há alguns meses, mas insistiu que não queria falar sobre o assunto, quando um jornalista perguntou se estava se referindo à doença.

Debate. Com relação ao debate de domingo na TV Bandeirantes, ela justificou o tom considerado agressivo que adotou ao enfrentar José Serra.

"Passei muito tempo calada, mas quando vi o tamanho que tomou essa central organizada de boatos resolvi tornar público e compartilhado o que estou sofrendo, não indo para a internet em forma de boatos, mas de forma aberta. Sempre me recusei a baixar o nível do debate e vou continuar não baixando. Quando se têm só dois debatedores, as opiniões ficam mais claras. O debate foi em alto nível, ninguém elevou o tom de voz. Meu adversário tem mania de subestimar as pessoas. Esperava que eu não apresentasse minhas propostas, que não criticasse a estratégia dele? Vamos fazer um debate de ideias e não divulgar boatos e calúnias." Dilma disse que, quando se fala que ela é favorável ao aborto, a questão é mais ampla.

"Não é sobre isso a discussão. Não acho que seja algo que se pode atribuir só à religião. A questão são os boatos. As pessoas falam e não aparecem. Tem um conteúdo eleitoral fortíssimo. Surgiu no primeiro turno. É o que faz o candidato a vice da outra chapa (Índio da Costa) e a esposa de José Serra. Quando faço crítica, faço cara a cara, olho no olho. Considero que isso é muito ruim politicamente. Este país que não conhece o ódio tem de ter convivência humana, um valor fundamental. Insistir no ódio para fins eleitorais é imperdoável."

Segundo o reitor do Santuário da Aparecida, padre Darci Nicioli, a questão do aborto tem, sim, incomodado os fiéis. "A gente sabe isso pelas conversas com os romeiros e pelas confissões." Em sua avaliação, o governo e o PT menosprezam o peso dessa discussão entre os católicos.

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