quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Dois programas antagônicos :: José Arthur Giannotti

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Se Dilma tende ao estatismo, Serra cada vez mais se torna adepto de controle desenhado por instituições que se tornem públicas sem serem estatais

Aos poucos, na confusão generalizada da batalha eleitoral, vão se configurando duas diferentes concepções do que possa ser o Estado brasileiro. Lembremos, antes de tudo, que nossa política está atravessada pelo debate entre PT e PSDB, dois partidos de centro, sem que se possa perceber entre eles antagonismo ligado a classes sociais, embora cada um possa ser mais ou menos popular.

Não há no horizonte qualquer perspectiva neoliberal, pois os dois concorrentes à Presidência da República são profundamente intervencionistas, pedem um Estado forte, capaz de controlar democraticamente as instituições e o capitalismo brasileiro. A diferença reside na forma da democracia proposta e no modo de intervir no capital.

Depois do insucesso do socialismo real, que se mostrou um capitalismo de Estado propício a regimes ditatoriais, tornamo-nos sociais-democratas. Somos obrigados a conviver com um sistema capitalista de produção assentado em diversos mercados. Sem suas indefinições, que obrigam a economia a se ajustar segundo interesses privados, sem as informações que esses desajustes provocam, sem o estímulo da competição tecnológica, o sistema produtivo emperra e deixa de suprir as necessidades da população.

Além do mais, é preciso levar em conta diferenças no desempenho de cada indivíduo. Desapareceram as propostas de igualar os salários e de que cada um contribuísse segundo suas capacidades e recebesse segundo suas necessidades. Não há critério para determinar capacidades e necessidades sem o jogo das indefinições privadas.

Não é por isso, entretanto, que devemos acreditar que o movimento dos interesses privados naturalmente se ajustaria a padrões de justiça social. O mercado trama ilusões que abrigam sistemas injustos de troca sob a aparência de operações equilibradas. Bom exemplo são os efeitos perversos do mercado imobiliário na cidade de São Paulo.

Daí a importância da política. Mas, para ser democrática, não pode deixar nas mãos dos gestores instrumentos permitindo-lhes bloquear a luta pelo poder. É desse ponto de vista que a privatização deve ser discutida, pois nem sempre implica perda para os fundos públicos.

Tudo depende de como a empresa privada fica submetida a uma regulação pública e ao sistema tributário. Quando um partido submete uma empresa pública a seus interesses, ela se torna privada.

Se reconhecermos a necessidade da alternância do poder, já que um único partido não é capaz de anular as injustiças provadas pelo desempenho descontrolado dos mercados; se acreditarmos que somos apenas parte da verdade, o adversário vindo a ser indispensável na sua constituição, passaremos a combater o Estado proprietário.

Em vez dele, apostamos em forte sistema de controle social, para que cada um de nós tenha assegurada suas liberdades pública e privada. Sob esse aspecto, avultam as diferenças entre Dilma Rousseff e José Serra. Se Dilma tende ao estatismo, a um controle direto dos meios de produção, Serra cada vez mais se torna adepto de um controle desenhado por instituições que se tornem públicas sem trazerem o peso de serem estatais.

Essas duas tendências independem das personalidades dos candidatos, intensamente propositivos, mas se configuram pelas forças políticas que passam a representar.

Numa democracia em que o embate político se dá no centro das opções ideológicas, se o governo será mais à direita ou à esquerda, tudo vai depender de como cada grupo que chega ao poder se abre às novas formas de demanda social e às exigências de um capitalismo atual e competitivo.


José Arthur Giannotti, filósofo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor, entre outras obras, de "Certa Herança Marxista".

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