sábado, 30 de outubro de 2010

Depois do palanque:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Quando novembro vier, será inevitável olhar o quadro econômico sem escapismos. Há muitos dilemas para enfrentar. A dívida bruta está em torno de 60% do PIB, o superávit real caiu, num ano de aumento de arrecadação. O dólar é um preço desconcertante.

O governo não sabe o que fazer com o câmbio. Os candidatos evitaram o tema economia e gastaram sua munição em algumas falsas batalhas.

Os números ouviram muito desaforo durante o programa eleitoral e os debates.

Foram contorcidos para confessar o que não registraram ou foram tomados pelo que se parecem e não pelo que são de fato.

O mercado de trabalho teve mais dinamismo no governo Lula, sem sombra de qualquer dúvida. Mas quem procurar no Ministério do Trabalho ou no IBGE vai encontrar números diferentes dos 15 milhões de empregos que Dilma Rousseff tem dito que foram criados.

Há de fato boas notícias nessa área. E há um mar de más notícias. O desemprego de jovens de 18 a 24 anos está em 14%, isso é 125% maior do que os 6,2% da taxa média de desemprego, que é a mais baixa desde o começo da pesquisa. No Recife, o desemprego de jovens é de 20% e em Salvador é de 24,5%. Na informalidade estão 22 milhões de trabalhadores. Números que informam que no melhor momento recente do mercado de trabalho, há desafios gigantes pela frente.

O número de alta do PIB é mais vistoso do que real.

Parte dos 7,5% do crescimento este ano é apenas a recuperação da queda do ano passado. O país crescia a 6%, caiu para taxas negativas, e este ano recuperou o que havia perdido e ainda cresceu. Mas de crescimento real mesmo, segundo especialistas, é entre 4% a 4,5%, o que é uma boa taxa. Isso significa que para repetir o nível de 7% no ano que vem, só mesmo pisando mais o pé na tábua e criando mais distorções. É por isso que as previsões são de crescimento menor em 2011.

O Brasil tem sido visto com bons olhos por analistas de bancos, fundos e agências de risco estrangeiros não porque as contas públicas melhoraram, é que o mundo piorou muito. Na comparação com outros países o Brasil parece bem.

Mas há dados que afligem. A arrecadação está aumentando mais de 17% e mesmo assim o Brasil está reduzindo o superávit primário e a dívida bruta está em 60%. A dívida líquida só não está aumentando por causa dos truques contábeis como o de registrar como empréstimos o dinheiro transferido para o BNDES. O superávit primário de setembro foi tão gigante quanto falso, mas o governo aproveitou a fantasia e mandou gastar mais. A receita é falsa, o gasto é real.

Números marretados são ótimos para inglês ver, mas não enganam quem vive de olhar os indicadores brasileiros.

O crédito está se expandindo fortemente e já está perto de 50% do PIB.

Mesmo assim, essa medida de crédito/PIB do Brasil é baixa quando comparada com outros países. Só que com os juros brasileiros o custo do serviço dessa dívida tanto para as famílias quanto para as empresas é muito mais alto. Nosso horizonte de endividamento é mais curto. As famílias se endividam a 40% ao ano.

Isso é muito alto.

O Brasil está melhor do que outros países do mundo e ainda paga juros de 10,75%, por isso tem atraído mais capital estrangeiro; o capital entra derrubando o dólar; o dólar incentiva a importação e aprofunda o déficit em transações correntes. O governo tenta deter a entrada de dólar com aumento do IOF e ameaças de que tem “outras armas” mas não diz quais. Isso apressa novas entradas. O Banco Central compra mais reservas internacionais numa moeda que está perdendo valor em relação às outras e em títulos de dívida de países que não remuneram seu capital.

E se endivida a 10,75% ao ano. Está pegando dinheiro no cheque especial para aplicar na poupança. E mesmo com toda essa compra de reservas o dólar cai.

Os setores que se sentem ameaçados pelos importados começam a pedir medidas de proteção. Assim, o país vai criando um desajuste atrás de outro.

Parte do déficit externo é causado por aumento de investimentos. Isso é ótimo porque aumentará a capacidade produtiva da economia brasileira. Só que parte desse excesso é para financiar consumo. E aí é que mora o perigo.

O dólar baixo ameaça os produtores locais, que já falam em “desindustrialização”, como a Fiesp, mas é o que tem garantido que a inflação não suba muito. Os preços de alimentos e serviços estão em alta, mas o de produtos impactados pelo dólar estão subindo mais devagar pela queda da moeda americana. O que significa que se o governo tiver sucesso no seu projeto de desvalorizar o real frente à moeda americana, terá um outro problema para resolver: a alta da inflação.

O ministro da Fazenda disse que aumento de gasto não é inflacionário.

Ele se engana mais uma vez. A inflação não está subindo apenas porque o dólar está baixo e tem puxado para baixo o índice.

Para onde se olhe há circulo vicioso se formando na política econômica, administrada com imperícia e desconhecimento teórico básico. Parte do sucesso atual se deve ao fato de que a China crescendo está comprando mais e elevando preços de commodities que o Brasil exporta. Não fosse isso, o rombo nas contas externas seria maior. Só que parte do crescimento da China se deve às exportações turbinadas por um yuan com preço artificialmente baixo.

A torcida é para que este governo e o próximo a ser eleito consigam ver os riscos que estão se formando.

Quando forem desarmados os palanques talvez seja possível admitir a existência dos desequilíbrios. Mas isso, quando novembro vier.

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