sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Avanço:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, que atualmente preside o Tribunal Superior Eleitoral, já havia proposto no julgamento do recurso de Joaquim Roriz que o empate registrado sobre a Lei da Ficha Limpa fosse superado pela adoção do Artigo 205 do Regimento Interno do STF, que prevê que, em caso de impasse, vale a decisão que fora contestada.

Foi essa a solução adotada ontem, depois de um segundo e desgastante empate sobre o mesmo tema. No julgamento do caso de Joaquim Roriz, houve até quem alegasse que a decisão do TSE não poderia ser adotada pelo Supremo porque se tratava de um “tribunal inferior”.

Os ministros do Supremo não tiveram a preocupação de se reunir antes do julgamento para definir de maneira tranquila qual seria o critério de desempate caso ele se apresentasse novamente, como era previsível.

Tiveram assim que mais uma vez se digladiar em público, em transmissão ao vivo e a cores, para chegar a uma decisão que poderia ter sido tomada nos bastidores e anunciada com tranquilidade pelo presidente Cezar Peluso.

Ele, por sinal, foi parte do problema ao se negar a dar o “voto de qualidade” previsto no Artigo 13 do Regimento Interno. Como Peluso votara contra a entrada imediata em vigor da lei, seu desempate seria a favor do recurso ou de Roriz ou de Jader, o que certamente provocaria reações da opinião pública.

Peluso usou uma argumentação democrática para não assumir a decisão final contra a Ficha-Limpa, alegando que não tem vocação para déspota.

Ora, se existe no regimento interno do Supremo essa definição para o desempate, usar o voto qualificado não torna ninguém déspota.

É estranho também que caiba a cada presidente do STF decidir se usa ou não o critério de desempate, seria melhor que este fosse retirado do regimento interno ou que fosse tornado compulsório.

Ao analisar a questão da anterioridade da lei eleitoral, prevista no artigo 16 da Constituição Federal, o Tribunal Superior Eleitoral já decidira que a criação, por lei complementar, de novas causas de inelegibilidade não se enquadra nela, pois a Lei da Ficha Limpa não rompe a igualdade das condições de disputa entre os contendores e também não é uma decisão retroativa, pois simplesmente inclui novas exigências para que todos os candidatos sejam registrados.

A lei ficaria caracterizada como retroativa se, por exemplo, um deputado já eleito perdesse o mandato por estar enquadrado nela, mas esse não era o espírito da legislação aprovada no Congresso.

O que se aprovou não é uma mudança na legislação atual, mas novas exigências para o acesso à legenda partidária para concorrer às eleições.

Apenas os novos candidatos, mesmo que desejando a reeleição, encontraram pela frente novas exigências, além daquelas a que estavam acostumados.

O que não precisava era o ministro Celso de Mello tentar encontrar uma saída “por analogia” ao lembrar que o artigo 97 da Constituição estabelece que “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Além do fato de que o presidente do Supremo abrira mão do voto qualificado, o que por si resolveria o impasse, dando a maioria dos votos a um dos lados, não se tratava ali de discutir a inconstitucionalidade da lei, e Celso de Mello usou o caso apenas como uma “analogia” para solucionar o impasse, o que só enfraqueceu a decisão final do Supremo.

O fato, porém, é que o espírito da legislação que foi enviada ao Congresso através de uma iniciativa popular, figura criada na Constituinte de 1988, tem sido respeitado tanto no Congresso quanto agora no Judiciário, apesar de todas as tentativas de alterarlhe a configuração.

O espírito da lei tem base na seguinte pergunta: por que uma pessoa é impedida de fazer concurso público se tiver antecedentes criminais de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? Várias tentativas já haviam sido feitas para impedir candidatos que respondem a processos de participar das eleições, mas esbarravam sempre na exigência da lei complementar das inelegibilidades de que todos os recursos tenham sido esgotados para que o candidato seja impedido de concorrer ou mesmo de tomar posse.

A decisão de ontem pega todos os políticos que renunciaram a seus mandatos para escapar da cassação, mas outros casos como os de Paulo Maluf e Garotinho, condenados por um colegiado em primeira instância, ainda deverão ser julgados pelo Supremo.

Tudo indica que já existe jurisprudência para uma decisão do STF caso o empate persista, como seria normal acontecer. A não ser que algum ministro mude de voto.

A Lei da Ficha Limpa chegou ao Congresso a reboque de milhões de assinaturas, e muitas outras foram aditadas pela internet, no que se caracterizou como uma mobilização popular inédita.

É claro que não é razoável que os ministros do Supremo se sintam pressionados pela opinião pública e votem a favor da imediata adoção da lei apenas por isso.

Mas o fato de que cinco ministros votaram contra mostra que o tema, por ser controverso, provocou polêmicas e discussões, mas a pressão popular não impediu que cada ministro exercesse sua função livremente.

Talvez apenas o presidente do Supremo, Cezar Peluso, possa ter evitado dar o desempate por essa pressão, mas prefiro pensar que ele o fez por convicções pessoais fortes.

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