sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sigilo violado, risco até de Estado policial

DEU EM O GLOBO

Para presidente da OAB e especialistas, impunidade compromete governo e incentiva fraudes contra cidadãos

Fabio Brisolla e Natanael Damasceno

A crise deflagrada pela quebra de sigilo fiscal da filha do candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, evidencia uma fragilidade do sistema que põe em risco não só as instituições democráticas, mas o próprio estado de direito. A opinião, do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, é compartilhada por especialistas. Todos pedem ações imediatas do governo.

Para Ophir, não há dúvida de que o episódio põe em risco o estado de direito uma vez que evidencia o comprometimento de um direito fundamental do cidadão.

- O que parece é que há uma certa fraqueza de controle dentro da Receita. E isso compromete a credibilidade da instituição e do próprio governo. Em hipótese alguma esse sigilo poderia ser quebrado, sob o risco de se quebrar um pilar da democracia. Estamos sujeitos a ter o sigilo devassado a qualquer momento, e isso pode nos remeter a um Estado policial - diz Ophir.

Professor de ética e política da Unicamp, Roberto Romano lembra que a credibilidade das instituições está em xeque desde a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, em 2006, por pessoas que queriam defender o então ministro Antonio Palocci.

- Já é tempo de encarar este como um problema de Estado.

Para ele, a impunidade tem incentivado uma série de episódios de quebra de sigilo. E, quando há a quebra do direito de um cidadão, existe a quebra de toda a estrutura do Estado.

- Se houvesse punição exemplar, não haveria essa sucessão de casos semelhantes. Houve o caso do Francenildo, o dossiê da Ruth Cardoso, o caso do Eduardo Jorge. Estamos assistindo é à absoluta perda de um dos esteios do Estado.

Outro que vê o episódio com preocupação é o jurista Vicente de Paulo Barreto, professor de direito da Universidade do Estado do Rio (Uerj). Ele enxerga duas questões graves na violação ocorrida dentro da Receita:

- Por um lado, você tem a violação de direitos pessoais. Há uma máquina burocrática que não respeita os mínimos critérios legais - avalia Barreto. - O outro ponto, ainda mais grave, é a ausência de qualquer critério moral da máquina do governo. Um agente público faz o que quer e nada acontece. Pelo contrário, surgem sucessivas justificativas para tentar encobrir a ação de forças políticas dentro da Receita Federal.

Para professor, cúpula da Receita deveria ser demitida

Todos, aliás, são unânimes em afirmar que o governo deveria tomar uma posição mais enfática com relação ao episódio.

- O governo tem que ser claro e reconhecer o erro. Mostrar que há credibilidade. Não pode continuar nesse jogo de empurra, atribuindo isso à disputa eleitoral. Aliás, o ponto central não é o que levou ao delito, mas a fragilidade do sistema - diz o presidente da OAB.

Romano vai mais longe e afirma que, se o governo quer recuperar a credibilidade, deve demitir logo todo o alto escalão da Receita Federal. Ele alega que o fato de haver indícios de fraude, visto pelo ângulo do princípio da responsabilidade, já tipifica a obrigação de reordenar a estrutura burocrática do sistema.

- Não é a apenas a estrutura do governo que está sendo ameaçada. É uma das fontes fundamentais do exercício jurídico e político do Estado. Qual o grau de confiança que o cidadão terá ao preencher sua declaração do IR? E, supondo-se que a Dilma vença a eleição, isso tem que ser apurado e punido para que ela não enfrente um governo cheio de desconfiança. O problema não é a legitimidade da candidatura. É a legitimidade da autoridade pública.

Em meio ao clamor pela apuração das irregularidades, há quem ache que o contribuinte pode acabar sendo o maior prejudicado no episódio. Coordenadora da FGV Direito Rio, a advogada tributarista Bianca Xavier alerta que a discussão pode levar ao aumento da burocracia.

- As irregularidades devem ser apuradas e ter punição com rigor. Mas o contribuinte não pode ser prejudicado. O cidadão comum já enfrenta enorme burocracia. Meu medo é que, a pretexto de se proteger o direito à intimidade, a discussão comprometa o direito à informação.

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