quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Radicalização preocupa

DEU EM O GLOBO

Na reta final da corrida presidencial, analistas políticos alertam para a radicalização da campanha. Os principais alvos de crítica são o envolvimento aberto do governo e de Lula na defesa de seus candidatos e o tom agressivo assumido pela oposição diante da desvantagem nas pesquisas.

Uma eleição num tom acima

Analistas políticos se dizem preocupados com agressões dos dois lados e envolvimento do governo

Fabio Brisolla

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num comício pró-Dilma Rousseff, defende que o DEM seja extirpado da política brasileira. Em nota oficial, a ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, em vez de se defender, relaciona as acusações de tráfico de influência a um movimento em favor de um candidato já derrotado, numa referência ao tucano José Serra.

Por sua vez, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chama Lula de líder de facção. O tom das declarações na reta final da corrida presidencial é visto com preocupação por analistas políticos.

Alguns consideram as reações do governo nitidamente vinculadas aos interesses da campanha de Dilma Rousseff, a candidata do PT. Essa postura, com destaque especial para os discursos do presidente Lula, estaria tumultuando ainda mais um processo eleitoral já conturbado por denúncias de corrupção.

Professor da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Opinião Pública, o cientista político Valeriano Costa considera a atual eleição presidencial uma das mais agressivas desde a redemocratização.

Para o especialista, a atitude do governo diante das denúncias recentes pode resultar numa grave crise após as eleições.

A eleição do Collor (em 1989) foi tensa. Mas atualmente chegou a um ponto talvez sem retorno. Como eles (PT e PSDB) vão sair dessa eleição para depois conversar? Será difícil recompor a situação avalia Costa, que lamenta o abandono da discussão em torno das propostas de campanha.

O cientista político da Unicamp cita a parcela de culpa da oposição, que teria subido o tom na medida que não conseguiu reverter a desvantagem na disputa eleitoral.

A estratégia se acentuou ainda mais quando surgiram as denúncias sobre as quebras de sigilo fiscal dentro da Receita Federal e o tráfico de influência envolvendo a família da atual ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra. Porém, o professor da Unicamp afirma que a reação do governo agravou a situação.

A sensação de derrota leva à radicalização. O tom sobe quando a oposição se sente incapaz. Mas o presidente Lula, em vez de tentar amenizar o conflito, quer esfolar o adversário. Não tem sentido esse tipo de reação pondera Costa.

Ele ressalta que deveria haver um distanciamento do presidente em relação à campanha eleitoral. O governo estaria agindo de forma parcial, demonstrando preocupações partidárias, diante das denúncias.

O tom da campanha faz parecer que estamos na Venezuela, com o governo manipulando tudo e sufocando a oposição. O governo reforça ainda mais a sensação de haver um aparelhamento acrescenta Valeriano Costa.

O cientista político José Álvaro Moisés, professor da USP, também critica a postura de Lula no processo eleitoral.

Ao dizer que o DEM deveria desaparecer da vida política, o presidente demonstra que não está convivendo bem com a diversidade política, com o pluralismo. E isso resulta em declarações ainda mais exaltadas da oposição ressalta Moisés.

Ao analisar a repercussão das denúncias, ele critica a lentidão nas repostas das instituições governamentais: A reação do governo vem sendo despropositada. É preciso vir a público para dizer o que vai ser feito. O ministro da Fazenda (Guido Mantega) demorou muito para se manifestar sobre a crise na Receita Federal.

Para o cientista político Clayton Cunha Filho, do Instituto de Estudo Sociais e Políticos da Uerj e pesquisador do Observatório Político Sul Americano, a campanha de José Serra tem responsabilidade pelo tom agressivo da campanha.

A reação do governo seria proporcional às ações da oposição, que estaria em desespero pela desvantagem apontada nas pesquisas de opinião.

A culpa se deve mais aos ataques da oposição e também na cobertura das denúncias realizada pela mídia opina o pesquisador.

Por conta das denúncias, é natural que haja uma discussão mais inflamada entre os candidatos, afirma o cientista político Rui Tavares Maluf, coordenador da pós-graduação em Pesquisa de Marketing, Opinião Pública e Mídia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Ele diz que Lula tem o direito de manifestar apoio a um candidato, mas sem esquecer das suas atribuições como chefe de Estado.

O presidente pode mostrar sua opção, mas cabe a ele conduzir a situação com o cuidado que o momento requer. Não pode agir como um líder partidário diz o especialista, que cita a eleição de 1989 como outra campanha tensa.

Na época, Lula enfrentou Fernando Collor de Mello no segundo turno.

Ele lembra que, na época, a tensão era entre os candidatos, sem envolver o governo.

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