domingo, 19 de setembro de 2010

Primavera com marca de agosto :: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Não deu para perceber, mas o mês de agosto deu-se o privilégio de registrar cinco domingos, cinco segundas-feiras e cinco terças e, mesmo sendo acontecimento raro, pois só ocorre a intervalo de 823 anos, não mereceu sequer a atenção dos candidatos à sucessão presidencial.

Tradicionalmente, agosto valia por um ano inteiro de emoções. Enquanto a oposição se esbaldava, o governo se deixava paralisar pelo medo e a opinião pública se fartava com o imprevisto. Uma consciência republicana de culpa histórica se estendia sobre o país. Mas as crises mesmo se reservavam aos anos que, para evitar confusão, alternavam as oportunidades eleitorais e as crises.

Cada qual a seu tempo.

Independentemente do calendário que balanceava encrencas políticas e eleições, o país era fiel ao culto do sobrenatural, de raízes históricas, nas diferentes maneiras de manter sempre um pé atrás em relação a práticas nem tão ocultas como parecem. Agosto era esperado com sobressalto e recebido como fatalidade. Depois da Constituição de 1988, porém, o Brasil deixou para trás o exercício de crises inconsequentes, a partir de episódios menores que, mais adiante, fugiam ao controle. As pequenas denúncias de que, em meio à ociosidade política, até hoje se ocupa a oposição e os governos depreciam enquanto não perceberem o engano, viravam crises por omissão oficial.

Aconteceu, com atraso de um mês, o que devia ter ocorrido em agosto mas ficou para setembro, a tempo de vitalizar a oposição nesta sucessão sem sucesso.

A perda de tempo em abafar ou esclarecer a suspeita obrigava o governo a correr atrás do prejuízo, não como se fosse lucro, mas para debitá-lo à oposição.

Quando se fala em governo, fica subentendido o presidente Lula.

O último agosto dele passou em branco, mas setembro não chegaria ao fim sem pagar pedágio. A lambança, com epicentro na Casa Civil, chegou perto demais.

Com atraso de um mês e na reta final da campanha eleitoral, o sobrenatural se apresentou e chamuscou setembro. A contribuição do além andava escassa.

Veio da China, que sabe esperar prazos. A China arrebentou economicamente em agosto, embora a repercussão internacional ficasse para setembro.

No Brasil, afortunadamente, a eleição ainda não arrebentou, nem contra nem a favor.

Em outubro talvez fosse tarde, exceto para os que se meteram em complicações com a Receita e adjacências sigilosas.

A Casa Civil pegou fogo e o governo, abanado pelas pesquisas, insistia em fazer que não via.

O fato, não a versão, é que Lula está com pressa e não perde tempo com concordância que não seja eleitoralmente rentável (em votos, bem entendido).

Prejuízo, não. Quem fez vai pagar. O presidente, antes de passar ao ócio pós-presidencial, com ou sem dignidade, confirma que é ele quem detém as iniciativas, como Júpiter fazia com os raios.

Está descobrindo, na nostalgia ética dos brasileiros, uma nova dimensão a ser explorada daqui para 2014, antes que a oposição acerte com um filão precioso de escândalos.

Em sua faina eleitoral, o presidente farejou risco no ar e não quis saber: mandou a Polícia Federal botar o preto no branco no tal sigilo que não fez cerimônia nas adjacências do poder. Lula quer sair, mas para voltar, pela porta da frente, à sombra do slogan Vou ali e volto já; vou apanhar maracujá.

Ninguém sai intacto de uma prova, escrita ou oral, como esta que arremata a campanha.

Assim como o presidente pode mandar apurar com espalhafato, nada impede que recomende, por via transversa, ir devagar pelas razões de Estado ao seu dispor. O resto sempre pode esperar.

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