quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Pesquisa eleitoral e 'opinião pública' – Editorial/ O Globo

Mesmo que a candidata Dilma Rousseff ganhe a eleição no primeiro turno, como confirmado pela pesquisa Ibope/CNI divulgada na manhã de ontem, a sinalização dada por sondagens anteriores de que a fatura poderá não ser liquidada no domingo merece uma reflexão sobre a democracia brasileira.

E ela deve ser feita à luz dos recentes arroubos do presidente Lula, cabo eleitoral-chefe da candidata, em relação à imprensa profissional e ao que ele entende sobre opinião pública.

Parece claro que, mais uma vez, como em 2006, quando os aloprados petistas assustaram eleitores, a questão moral surge como fantasma para o candidato oficial. Em 2006, era Lula em busca da reeleição. Agora, Dilma é atingida, em alguma medida, por estilhaços da implosão de sua ex-braço direito Erenice Guerra junto com uma casamata de lobby edificada na Casa Civil. Se a comprovada invasão criminosa de arquivos fiscais de tucanos e cidadãos comuns na Receita, área da máquina pública em que se abrigam aparelhos sindicalistas ligados ao PT, parece não ter sido compreendida pela população, o uso da Casa Civil para a venda de facilidades a empresários teve, pelo menos num primeiro momento, algum impacto no eleitorado.

Mesmo que o prejuízo para a candidata Dilma seja absorvido até domingo, fica a conclusão que mesmo o presidente mais popular da História republicana do Brasil não pode tudo, felizmente.

É preocupante que na esteira da campanha eleitoral, em que Lula se joga por inteiro, sem maiores cuidados com limites institucionais e leis, surja a ideia inaceitável de que o apoio popular dá sinal verde ao poderoso de turno.

De visível contaminação chavista, esta percepção do poder do homem público de alta popularidade é perigoso e crasso equívoco.

Sem respeito à Carta e instituições, resvala-se para a barbárie, o regime da lei do mais forte nas ruas. Se assim fosse, teríamos de nos curvar a Hitler e Mussolini apenas porque chegaram ao poder nos braços do povo.

Há no Brasil de hoje, além de instituições que dão mostras de solidez Poder Judiciário, Ministério Público, por exemplo , uma classe média em fase de expansão que serve de suporte para estas mesmas instituições.

Arroubos como o do presidente ao se declarar dono da opinião pública rendem dividendos negativos. A opinião pública não tem donos, ela se forma à medida que se informa e das mais diversas maneiras, inclusive pela imprensa profissional, cujo coração é a credibilidade construída, em alguns casos, em mais de um século de atuação. É por isso que o discurso ameaçador da estabilidade, capaz de projetar nuvens negras no futuro, é logo rejeitado pelas faixas mais instruídas e de renda mais elevada da população.

Alvejar a imprensa independente, defender o radicalismo da época de resistência à ditadura não é discurso de fácil trânsito junto às classes médias. Elas sabem que Dilma não é a mulher de Lula, querem tranquilidade e crescimento econômico para continuar a ascender na escala social. Portanto, não importa se vença Dilma, Serra ou Marina, a sociedade está madura para rejeitar salvadores da pátria, hipnotizadores de rebanhos sem opinião própria. O clima de bem-estar econômico se revela cabo eleitoral poderoso.

Mas daí a se projetar um Brasil dominado pelo cesarismo, vai grande distância.

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