segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A indústria brasileira nos próximos anos:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O processo de abertura tem sido muito positivo tanto do ponto de vista macro como na vida dos consumidores

Em 2007 o Valor publicou um artigo escrito por mim e pelos economistas Paulo Miguel e José Roberto Mendonça de Barros, sobre a influência da China na indústria brasileira. Chamava-se "China - Um dragão de três cabeças."

A imagem que construímos - a China como um poderoso dragão de três cabeças - ainda não tinha assumido os contornos claros que podemos observar hoje. Era preciso um exercício de futurologia para entender como se daria a interação das duas economias. Hoje, quase três anos depois, as coisas estão muito mais claras para o analista.

Dizíamos então que uma das cabeças do dragão chinês - aquela que engolia quantidades fantásticas de produtos primários - seria responsável por uma expansão muito forte de nossas exportações. Uma das formas de medir os efeitos dessa primeira cabeça é pela evolução dos chamados termos de troca de nosso comércio exterior. Em 2000 cada US$ 100 de exportação brasileira comprava US$ 90 de produtos importados; agora, em 2010, os mesmos US$ 100 exportados compram US$ 120 de importação.

O aumento de nossas exportações fez com que o Brasil apresentasse saldos comerciais crescentes e, a partir de 2006, se transformasse em um país credor internacionalmente (reservas maiores do que a dívida externa total). Dizíamos que, com essa nova realidade externa, a economia brasileira começaria a viver um processo de abertura importante, com as importações de bens finais e intermediários crescendo de forma sistêmica.

A partir do momento que os canais de importação e distribuição se estruturassem as importações de bens industriais finais e de componentes cresceriam rapidamente pelo simples movimento de arejamento de uma economia ainda muito fechada. Esse movimento sempre gera um aumento da eficiência produtiva, pois as empresas nacionais são obrigadas a se modernizar para conseguir competir com as importações.

O que surpreende hoje são a rapidez e a intensidade com que isso ocorreu. O comportamento do preço do aço é didático nesse sentido: por décadas, sem a concorrência das importações, o preço do aço brasileiro sempre foi negociado com um ágio - de 20% a 30% - sobre os preços internacionais. Hoje essa diferença não ultrapassa 10%, valor compatível com os custos de logística para trazer esse produto do exterior. O mesmo vem ocorrendo com os preços de vários bens de consumo, principalmente os automóveis. Como sempre acontece no Brasil, os agentes econômicos reconheceram rapidamente as oportunidades abertas pela confiança na nossa moeda e pela intensa disponibilidade de produtos em um mundo desenvolvido em recessão.

Neste período - 2006 até os dias de hoje - o processo de abertura tem sido muito positivo tanto do ponto de vista macro como na vida dos consumidores brasileiros. No nível macro dois aspectos precisam ser ressaltados: a criação de outro canal de oferta de bens industriais e a diminuição do poder de controle de preços de setores importantes nas cadeias produtivas. Ambos vêm funcionando como instrumentos auxiliares no controle da inflação por parte do Banco Central e no aumento sistêmico da eficiência de nosso aparelho produtivo. No nível micro, o resultado mais importante do processo de abertura é certamente o aumento da oferta de bens de melhor qualidade e preços ao consumidor brasileiro.

Mas temo que a penetração das importações em nosso mercado esteja agora entrando em uma fase menos positiva. Com os canais de importação consolidados e com os agentes econômicos no Brasil já acostumados a olhar para o exterior, a queda da competitividade do aparelho produtivo, por aumento de custos internos, passa a afetar mesmo as empresas que são competitivas e eficientes. E se olharmos para frente o cenário não é nada animador.

De um lado está o imobilismo do governo no sentido de incorporar à sua agenda de prioridades a questão da competitividade. Isto fica ainda mais grave com o aumento da presença do Estado em áreas importantes e a baixa eficiência dos órgãos públicos responsáveis pela regulação e controle de setores ligados à logística. Do outro está o aparecimento de gargalos de oferta que até hoje não existiam. O mais importante deles é o mercado de trabalho com a escassez de mão de obra especializada começando a criar aumentos salariais muito superiores ao de outras economias com as quais competimos. Essa pressão de custo é ainda mais grave na medida em que o real forte leva a um aumento ainda maior quando os salários são medidos em dólares.

Se esse cenário não for revertido, vamos começar a perder segmentos produtivos, principalmente na indústria, que ainda são competitivos quando isolamos esses fatores externos às empresas. E a chamada desindustrialização deixará de ser um fenômeno de correção de desequilíbrios estruturais criados por uma economia muito fechada e passará a refletir a destruição de partes eficientes de nosso aparelho produtivo. Também nessas condições deixaremos de nos aproveitar da terceira cabeça do dragão chinês, aquela que importa bens industriais de valor intermediário.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

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