quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Gestão Lula politizou Receita, diz Everardo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Ex-secretário do fisco diz que ascensão de "facções sindicais" facilitou uso criminoso do órgão

Everardo faz críticas à atuação do ministro Guido Mantega, mas defende que Otacílio Cartaxo fique no cargo

Thais Bilenky

DE BRASÍLIA - O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel afirma que as violações de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao PSDB do presidenciável José Serra decorrem de uma politização indevida do órgão. De acordo com Everardo, que é filiado ao DEM, a ascensão de "facções sindicais", especialmente no governo Lula, facilitam o uso "criminoso" de informações "valiosas" do fisco.

Responsável pela Receita no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ele considera acessos indevidos a dados de contribuintes inerentes "a qualquer sistema", mas não com a motivação que levou à quebra de sigilo do vice-presidente tucano Eduardo Jorge Caldas Pereira e da filha de Serra, Veronica.

De Xangai (China), Everardo criticou a conduta do ministro da Fazenda, Guido Mantega. "Não se pode assumir uma postura conformista." Na última sexta-feira, Mantega disse que "vazamentos sempre ocorreram". Segundo Everardo, isso "nunca aconteceu nessa proporção, de chegar uma pessoa com uma procuração falsa, para obter informação". Questionado se a razão da quebra era eleitoral, esquivou-se: "Aconteceram [violações] no passado, isso é verdade, e podem acontecer no futuro. Em qualquer sistema pode acontecer. Agora, normais não são. Nunca houve esse tipo de motivação".

Folha - Como o senhor avalia as violações na Receita?

Everardo Maciel - São criminosas, por ofenderem o art. 325 do Código Penal ["Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação"].

Quais são as causas?

A causa central é a politização da Receita.

Como começou?

Começou com a ascensão de uma facção sindical, cuja postura ultrapassa os objetivos sindicais. Defende posições de natureza política e ganhou força no atual governo. Na administração do ministro [Antonio] Palocci [Fazenda], manteve-se a linha técnica da Receita, mas esses grupos não sossegaram. O episódio central foi a queda de [Jorge] Rachid [que sucedeu Everardo na Receita].

O fato de o servidor que acessou dados de Eduardo Jorge (do PSDB) ser filiado ao PT indica qual partido estaria à frente da politização do fisco?

Não vou dizer que seja ou não o PT. Ter preferência partidária por parte de um funcionário é absolutamente normal. Na minha administração, havia funcionários que votavam no PSDB, PFL, PT, PC do B. O que não pode é fazer uso das funções para jogar por interesse político. É completamente diferente.

A crise pode se agravar?

Não me surpreende que existam fatos novos.

A venda sistemática de dados pode acontecer?

É uma hipótese não desprezível a ser considerada.

A conduta do governo está correta?

O tratamento tem sido muito pouco transparente. Os fatos estão à frente das explicações, o que não pode acontecer. Significa uma evidente perda de comando da situação.

O escândalo pode levar à queda do secretário da Receita, Otacílio Cartaxo?

Seria um despropósito pensar em afastá-lo por conta disso. Ele tem feito um esforço louvável no sentido de mitigar esse posicionamento político. Não é um secretário, é um problema de governo.

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