sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Saudoso Adoniran :: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - O Matogrosso e o Joca; o Arnesto; o Nicola; João Saracura, fiscal da prefeitura; sargento Oliveira, aquele que diz em "Um Samba no Bexiga": "Não tem importância/ Vou chamar duas ambulância". E arremata: "Calma, pessoal, a situação aqui tá muito cínica/ Os mais pior vai pras Crínica...". O leitor já terá notado, este é o mundo de Adoniran Barbosa.

Festejam-se hoje cem anos do seu nascimento. Adoniran nasceu como João Rubinato, em Valinhos. Consta que foi em 1912. A certidão foi adulterada para que ele, ainda garoto, pudesse trabalhar. E ficou.

Começou como entregador de marmita em Jundiaí. No programa "Ensaio", da TV Cultura, de 1972, Adoniran conta, orgulhoso, que costumava roubar um ou dois bolinhos das marmitas que levava. "Já era malandrinho", ele diz, e logo se corrige: "Não era malandragem, era fome. Malandragem é fome".

A figura do malandro como aquele que dribla condições sociais adversas, sempre no fio da navalha, é um dos lugares-comuns do samba. Em Adoniran, esse mote ganha vida por meio de tipos simples, que vivem entre a fatalidade e o jeitinho, a desgraça e a resignação.

Versos como "nóis arranja outro lugar" e "Deus dá o frio conforme o cobertor", de "Saudosa Maloca", fazem eco ao viúvo conformado de "Iracema": "O chofer não teve culpa, Iracema, você atravessou contramão; paciência, nega".

Quase sempre, porém, a tragédia de Adoniran vem temperada pelo humor, isso quando a canção já não é, ela própria, um pastelão. Ele é "o tragicômico" por definição.

O riso em Adoniran integra essa vocação da sua música para o consolo e a aceitação da dor, conforme a lógica de que nada tem remédio e, no entanto, tudo está remediado. Mesmo os erros ostensivos de português ("táubua", "adifício arto", ""frechada") não são apenas um recurso para trazer à tona a voz dos de baixo. São também tropeços clownescos: denúncia e piada, graça e desgraça por um gênio da MPB.

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